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Iraci Marin

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Higor Souza

Higor Souza

IRACI JOSÉ MARIN é professor aposentado (RS) e advogado em Caxias do Sul. Publicou contos em diversas Revistas e obras de ficção, bem como artigos e obras de pesquisa sobre a etnia polonesa. Acaba de lançar HISTÓRIAS DE ONTEM, com textos curtos para o mundo infantil e juvenil.

LETÍCIA Acordo sorrindo para o meu nome. Depois de grande, soube que houve disputa por causa dele. Até os vizinhos se meteram na questão, indevidamente! Acontece que mamãe comentou com uma comadre que o pai queria para mim o nome de Barbarina e ela queria o de Gilda. Mas, convenhamos, nenhum deles possui referência significativa para uma vivente sorridente - no caso, eu. Isto tem alguma razão de ser? Tem, e muita, porque eu me comporto e guio a minha vida no espírito do meu nome. Certa vez, na escola, eu sorria durante uma aula de Ciências. A professora perguntou por que eu estava sorrindo e por que sorria quase o tempo todo. (Ela reparou neste detalhe da minha vida.) Respondi: eu sou Letícia, professora. Os colegas riram a valer. Até ela abriu um sorriso amarelo. Ou seria pardo? Fiquei sendo chamada, por alguns dias, de Letícia do Sorriso. Cheguei à idade de namorar. Minhas amigas já estavam com seus pares. Nossos encontros diminuíram em extensão, o compromisso delas tinha outro rumo. O meu ainda era o mesmo. Estava preocupada com isto? Não, acho que não. Apenas começava a me sentir um tanto afastada, ou distante, ou sem assunto. Elas tinham as coisas do namoro para preencher o tempo de nossos agora breves encontros. Um dia, uma das amigas me disse: você é sorridente demais, este é o problema. Eu ser Letícia era um problema para mim? Viver carregando sorrisos plenos era um problema? Isto me deixou acabrunhada, acho que fiquei triste mesmo, naquela hora. Fiquei cismando sobre a possiblidade de eu ser um atrapalho para mim mesma. Seria esta a razão de ninguém me querer em namoro? Ter namorado, casar, era o desejo de todos, dos pais, dos avós, tias e tios e até das comadres conversadeiras. Eu não tinha namorado e então estava na boca de muita gente.

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Chegou o sábado e encontrei finalmente um disposto a me querer. Começamos bem, fizemos caminhadas, tomamos sorvetes na estação férrea; os beijos eram rápidos e os abraços, poucos. Mas estava namorando. Eu tomava a iniciativa, quase sempre. Ele permanecia cinzento. Meu modo de ser continuou sorridente, não por estar namorando, mas por continuar a ser como eu era, igual a uma rosa desabrochada a acolher o ar, a chuva, o sol, com a mesma faceirice de suas pétalas abertas. Depois de um tempo de namoro, porém, minha alegria capengueou e meu sorriso se pôs a murchar. Sentia-me menos eu, menos Letícia, uma roseira sem irrigação. Nós estávamos em posições opostas, produzindo perturbações e alguma dor para a alma. Eu resistia e resisti quanto pude. O aumento da tristeza, aquela dor na alma, no entanto, veio acompanhada de brotoejas que pipocaram no rosto, nos braços, nas canelas, pelo corpo todo. No sábado ele foi buscar-me para um passeio. Era meia-tarde. Logo ao primeiro olhar, ele viu as imperfeições. Percebi uma nuvem de inverno em seu rosto. Logo na saída eu falei da minha situação, do meu sofrimento por não conseguir ser inteiramente Letícia com ele. Não fez caso e senti mais forte o seu lado real, amargo. Resmungava alguma coisa de vez em quando, parecia um casmurro. O passeio daquela tarde foi curto e sem beijo. Não lembro quanto durou este namoro sem vínculo. Não sei quantos pensamentos desencontrados passaram pela minha cabeça durante este tempo. Nem lembro se meus pais comentaram alguma coisa. A perturbação enfumaçou por inteiro o que eu era e o que eu tinha de mais forte, a minha alegria. Já não me sentia a Letícia de antes. Minhas amigas ficaram ainda mais estranhas e afastadas. Comecei a amargar uma solidão impensável. Eu sabia qual era a origem daquelas perturbações da alma e do corpo. Foi duro decidir, foram dias e dias de indecisão. Inúmeras brotoejas vermelhas continuaram a saltar na minha pele alva. Mas um dia eu decidi que precisava parar de sofrer, e ter de novo a pele alva e lisa, precisava voltar a sorrir para o meu nome. Então decidi esquecer em definitivo oAmaro.

Jacqueline Quinhões da Luz, autora graduada em Letras e Pedagogia e PósGraduada em Neuropsicopedagogia e Psicomotricidade. Se dedica a literatura Infanto Juvenil participando de Antologias dentre os quais “Elementais” (Ed. Andróss), “Palmares”, “Iemanjá” (Ed. Cartola), “Não Pararemos de Lutar”, “Ao badalar da meia-noite” e “Confabulando” (Ed. PSIU), “A magia do Natal” (Ed. Lura), “Um susto danado”, “Sob as luzes de yule” e “Das Profundezas” (Ed. Nébula), Eu conto um conto (Ed. Philia), “O trem das seis” (Ed. Quimera), “Nasce o amor”, “Eu escritor”, “Folclore” (Ed. Perse), “Amagia do Tempo” (Ed. Arkanus). https://www.facebook.com/jacqueline.quinhoesdaluz https://www.instagram.com/quinhoes.luz/ DONA DE SEU DESTINO

Maria renunciou a tudo para viver, o que acreditou que seria uma linda história de amor, não demorou muito para perceber que a vida não lhe reservava exatamente um conto de fadas, tão pouco unira-se a um príncipe.

No começo tudo era bonito, mas aos poucos começou a sentir na pele as dores dos maus tratos e na alma feridas provocadas por duras palavras que lhe fazia sentir-se pequena e sem valor. Sofria calada, à medida que o tempo passava seu corpo colecionava marcas e na alma cicatrizes, nem mesmo durante a gravidez foi poupada. Não conseguia soltar de seu peito o grito sufocado. Já quase no final de sua gravidez ficou sabendo que esperava dois bebês, um menino e uma menina, mas um deles era especial. Ouviu tudo em silêncio, acreditou que isso faria seu companheiro tornar-se mais sensível, mas quando contou-lhe viu em seu olhar a condenação, como se fosse sua culpa e sentiu o gosto do abandono, estranhou, pois ao contrário do que pensava não era tão amargo. 32

Trabalhou até o último dia da gravidez, sem nunca reclamar de nada. Ganhou muitos presentes que lhe ajudaram no enxoval das crianças. À noite quando chegava, organizava tudo e conversava com eles. Maria sentia seu coração apertar quando lembrava das palavras do médico, como seria lidar com sua menininha.

Dois meses para completar a gravidez, voltava para casa, sentiu uma forte dor e viu sua roupa manchada de sangue. Tentou levantar-se, mas não conseguiu e desmaiou. Quando voltou a si estava a caminho da sala de parto, seu útero havia rompido, segundo o médico devido algum trauma. As marcas que Maria trazia em seu corpo não estavam apenas por fora, não tinha noção do quão profundo eram.

Na sala de parto, ouviu o choro do primeiro bebê, mas não ouviu o da menina. Adormeceu sem conhecer seus filhos. No dia seguinte, recuperada, foi conhecêlos na UTI neonatal. Como eram pequenos, não conteve as lágrimas ao ver seus filhos lutando pela vida. Em pouco tempo, se viu sozinha com os dois bebês, sendo um especial, numa casa com poucos recursos. Em silêncio chorou.

Já era noite, tinha colocado os pequenos para dormir quando bateram a sua porta. Abriu e viu uma de suas patroas que trazia um enorme embrulho nas mãos.

Sem jeito, ficou com vergonha de convidar uma pessoa tão sofisticada para entrar, mas por educação ofereceu o que tinha, um copo de água. Dona Fernanda 33

sempre foi diferente, uma senhora distinta, de poucos elogios, mas no fundo apreciava o jeito dedicado de Maria. Fazia pouco tempo que tinha ido fazer a faxina em sua casa. — Desculpe vir sem avisar Maria, mas como não tive mais notícias, precisava ver como você está. Trouxe-lhe algumas coisas para que se alimente bem, pois serão dois para amamentar, precisa se cuidar.

Aquelas palavras caíram em seu coração como gotas de chuva em um solo sofrido pela escassez, no caso de amor, de cuidados. Agradeceu, mostrou seus filhos, conversaram sobre tudo que aconteceu e sobre sua menina.

Dona Fernanda saiu da humilde casa decidida a ajudar. Os dias se passaram Maria ficava até de madrugada lavando e passando roupas, sem reclamar e cedo retomava a função que intercalava com os cuidados aos pequenos, não tinha limites para o trabalho.

Maria não sabia escrever, não concluiu os estudos, houve uma época em que pensou em retomar, mas perdera as contas de quantas vezes ouviu: “Mulher minha não anda a noite em escola!” Nunca questionava, achava que era ciúme, sinônimo de amor. Via seu dinheiro ser gasto com bebidas, muitas vezes trazidas por ela na tentativa de evitar gritos, brigas, mas as agressões sempre vinham, se não levasse seria agredida do mesmo jeito. Essas lembranças a faziam

chorar, nesses momentos sua menina vinha, tocava em seu rosto e quando sentia as cicatrizes perguntava: — Dói muito mamãe? Não chore, estou aqui.

Dona Fernanda apegou-se as crianças e ia vê-los com frequência, sempre com embrulhos nas mãos. Tornou-se uma amiga sincera, passavam horas conversando e aos poucos Maria soube que tinham histórias de vida semelhantes. Como podia imaginar que aquela senhora tão elegante trazia em seu corpo também marcas profundas. Certa vez, chegou com um pequeno embrulho, além do que sempre trazia e dele tirou caderno e lápis, estava decidida a ensinar Maria a ler. Aos poucos Maria ia desvendando o mundo das letras e repassava a seus filhos. O menino pegava com facilidade, mas a menina devida sua deficiência era mais difícil. Aos poucos conseguia ler histórias para seus filhos e se sentia muito orgulhosa.

Conseguiu voltar as suas faxinas, levando os pequenos nas casas que assim o permitiam, mas apenas na casa de Dona Fernanda, eram levados para todo lado, muitas vezes iam passear até que a mãe terminasse a limpeza e isso vinha sendo bom, tinha-lhe como um exemplo de superação e força.

Naquele dia, quando voltava para casa, já chegando perto viu de longe seu ex-marido. Maria pensou em dar meia volta, mas... Respirou fundo, segurou firme as mãos dos filhos e enfrentou a situação. Estava embriagado, e tentou fazer o que sem-

pre fez, mas Maria reuniu todas suas forças e de seu peito finalmente saiu o grito a muito sufocado. Seu grito e o choro das crianças atraíram a atenção dos moradores que a socorreram.

Abraçada aos seus filhos e muito envergonhada Maria chorava. Sua menina novamente agarrou seu rosto com suas pequenas mãos e lhe disse: — Fique calma mamãe, não se sinta assim, ele não vai mais machucá-la, estamos aqui, não vamos deixar.

Os médicos tinham lhe dito que sua menina não enxergaria com seus olhos, mas esqueceram de lhe dizer que veria tudo com seu coração. Seus filhos eram especiais.

Nunca mais permitiria que a fizessem se sentir pequena e indigna de ser feliz. Maria sabia que a história de outras mulheres que ainda guardavam seu grito sufocado no peito, muitas vezes não tinham um final feliz e estava decidida de alguma forma ajudar com seu exemplo para que se libertassem e pudesse como ela, não ter um final, mas um recomeço de uma vida feliz, de muitas lutas, mas de vitórias também. Maria recuperou sua autoestima, a capacidade de sonhar e sentia-se dona da sua vida e... Dona de seu destino.

NOTA: O texto original foi apresentado em 3 páginas, conforme o edital. No entanto, após a diagramação da revista, fez-se necessária a alteração em virtude do programa usado.

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