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Iraci José Marin

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Thais Sousa

Thais Sousa

IRACI JOSÉ MARIN é professor aposentado (RS) e advogado em Caxias do Sul. Publicou contos em diversas Revistas e obras de ficção, bem como artigos e obras de pesquisa sobre a etnia polonesa. Acaba de lançar HISTÓRIAS DE ONTEM, com textos curtos para o mundo infantil e juvenil.

APRENDIZ

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Seu João era ferreiro. A ferraria ficava ao lado da casa onde morava e ambas eram de madeira, sem pintura. Era uma das poucas casas de um vilarejo perdido entre morros, na beira de um riacho. O ferreiro era uma pessoa valorizada entre os habitantes do lugar porque fazia instrumentos para o trabalho na lavoura: facões, enxadas, arados, foices e até ferradura para cavalos. Mais tarde, descobri que sua importância ia além disso. Inúmeras vezes eu observava o trabalho dele. Às vezes, ajudava. Quando percebia o vento saindo do fole que puxava, fazendo o carvão ficar brasa, eu sentia uma espécie de triunfo e vibrava. Seu João colocava o ferro no braseiro e esperava avermelhar, depois batia com força nele, em cima da bigorna, dando-lhe forma. Dali saía um facão, uma enxada, uma foice. Às vezes, ele ia bem cedo até um pequeno bosque próximo ao riacho para fazer carvão. Certa manhã eu fui ver como ele fazia. Abria um buraco na terra, comprido e pouco fundo, e enchia de galhos de árvores e tronco de arbustos. Depois, cobria tudo com a mesma terra do buraco. Colocava fogo nos gravetos 41

secos esparramados sobre a lenha verde. Levantavase e ficava olhando. Logo começava a sair fumaça pela terra e ele sorria, fumando tranquilo um palheiro. Retornava para a ferraria e, no final da tarde, ia ver o resultado. Eu ficava intrigado porque saía fumaça da terra... Depois de várias vezes observando o seu trabalho, um dia perguntei: - Por que tem fumaça e não tem fogo, seu

João?

- O fogo fica lá dentro, secando a madeira – e apontou para o monte de terra. - Ah... – eu fiz, talvez sem entender. E seu João continuou: - Pra fazer carvão não tem que queimar a lenha. Se ela queima, desaparece toda e não dá carvão.

-Ah... - Depois que esfria, eu tiro a terra de cima e recolho o carvão. Você já viu como eu faço. Era verdade. Mas eu precisava entender tudo. Então perguntei: - Como o senhor aprendeu a fazer isto? - Meu pai fazia assim e ele aprendeu com o pai dele. Seu João olhou para ver o que fazia e eu não tirava os olhos do monte de terra de onde saía uma fumaça escura com cheiro de terra queimada. E passei a pensar o que estava aprendendo com meu pai. 42

Depois de um breve tempo, ele disse: - Vivendo e aprendendo. Era o que meu pai sempre falava e é só assim que a gente aprende como se faz e como as coisas são. Olhei para o homem, depois para o monte de terra. Então me abaixei e peguei um punhado, mas logo atirei de volta, sacudindo a mão: - Está quente. Seu João riu. O seu riso me contagiou e eu ri também. Ele levava o carvão para sua ferraria num carrinho de mão com roda de madeira e a cada volta a roda rangia como um estranho instrumento de percussão. Eu o acompanhava com passos curtos e rápidos; às vezes, olhava para ele, que caminhava concentrado, pensativo. Acho que eu não pensava em nada, apenas acompanhava um homem que sabia muitas coisas. Seu João conhecia as estações do ano, as fases da lua e as voltas da terra. Ele não só sabia, mas explicava também. Eu compreendia pouco ou nada, mas gostava de ouvi-lo falar sobre as coisas do mundo e de como ele lhes dava explicação e sentido. Era um homem sabido. Sabia, por exemplo, quando chovia ou fazia sol. Dizia que, se o céu amanhecia avermelhado, ia chover; se anoitecia avermelhado, ia fazer tempo bom. Conhecia as nuvens e sabia se ia chover, bastante ou pouco, ou se não chovia. 43

Daí eu passei a observar o céu de manhã e de noite. Mas por pouco tempo. Meu interesse logo migrou para as ocupações da infância. Num outro dia, ele já estava fazendo carvão quando cheguei. Eu sabia como aquilo funcionava e não era sobre o carvão que eu queria saber. Olhei para ele com olhar de dúvida e ele percebeu. Mas fez que não viu e ficou um instante observando qualquer coisa distante. Em seguida me fitou e disse: - A vida é muito simples, viu? E a gente não precisa inventá-la. É só viver como ela vem, um dia depois do outro, do mesmo jeito que a gente caminha, agora põe um pé, depois outro, e assim vamos.

Não compreendi o que ele queria dizer - e continuei ali, olhando para o que ele fazia. E era sempre assim. Ele falava, eu ouvia. Eu perguntava, ele explicava. E eu ouvia. Foi desta forma que, mesmo sem me dar conta, comecei a entender o mundo.

NOTA: O texto original foi apresentado em 3 páginas, conforme o edital. No entanto, após a diagramação da revista, fez-se necessária a alteração em virtude do programa usado.

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