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DADIVA DIVINA [6867]

Não achas uma dadiva divina, poeta, seres cego? Ora, repara no gesto tão humilde que prepara Deus para quem ficou nessa ruina! Que chance teem os cegos! Imagina si podes num pezão metter a cara, a lingua! Qual escravo se compara ao cego, que a quaesquer se subordina? Sabendo-te inferior pelo destino, irás, sem excolher, servir ao feio, ao sujo, ao mais malvado, no recreio que tenham, qual brinquedo de menino! Hem? Achas humilhante? Sim, defino a tua condição como um sorteio: Tu perdes a visão, mas ganhas, creio, um meio de elevar-te! Eis o teu tino!

Um cego vem usando, na avenida, a mascara, tentando protecção manter contra a covid. Elle questão fez sempre de seguro ser na vida. Mas elle é vulneravel e convida a sua desvalida condição aquelles que, sorrindo, logo vão barrar sua passagem, ja soffrida. Lhe tomam a bengala. A malfazeja gallera, celebrando o “finalzinho” da aguda pandemia, no caminho lynchar quer quem mais fragil ‘inda seja. Rasteiras, ponctapés em quem esteja no piso rastejando, o tal gruppinho diverte-se em bisar. Eu ja adivinho, Glaucão, que outro masoca até festeja!

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(1)

Os cegos, perfilados de joelho no pateo do orphanato, em oração, dão graças ao Sanctinho. Outros dirão: “Por sermos cegos, gratos? Mau conselho!” Mas oram, obrigados. Um gruppelho assiste e dá risada: teem visão normal, os monitores. Gratos são, pois pode, quem quizer, usar o relho. Um delles usa. Batte num ceguinho teimoso, que o xingou. O cego jura ser bom, pede perdão. A picca dura lhe chega, agora, à força no focinho. Que chupe, então! Um joven excarninho sorri. Gozou gostoso. Farra pura, mandar nesses ceguinhos em escura roptina, adjoelhados ao Sanctinho!

(2)

O joven monitor goza, folgado, na bocca dos ceguinhos. Faz questão de sempre ter o relho bem à mão:

“Os cegos são uns chucros! (diz) São gado!” Emprego não surgiu outro. Frustrado, ganhando uma merreca, a diversão ao menos arranjou, nesse sertão, sem nada que fazer, naquelle enfado... Os outros monitores engraçado acharam o jeitão descontrahido do joven colleguinha. Divertido foi verem um ceguinho castigado.

“Dá toda disciplina resultado egual! Mandar chupar, eu não duvido, funcciona!” Falla assim um assumido algoz dos que, nas trevas, teem seu fado.

(3)

Os cegos trabalhavam: manuaes serviços, um qualquer artezanato. Assim rollava a vida no orphanato, até que esse rapaz fez algo mais. O novo monitor, com seus normaes instinctos juvenis, bollou o tracto que cegos dão nos pés de quem é grato por ter boa visão: funcções oraes! Agora, cada cego faz na sola de todo monitor o seu serviço buccal: limpar cascão, empregar nisso a lingua, bollação que fez eschola. Vaidoso, o monitor que tudo bolla diz: “Cego tem que estar sempre submisso, sinão fica teimoso! Um compromisso do typo o faz melhor, mais o controla!”

DELEITE QUE SE APPROVEITE [6956]

Deleite é subjugar alguem vendado, immovel, ammarrado, que, indefeso, fará tudo que eu quero, neste vezo que tenho de abusar do fracco lado! Deleite é ver um homem assustado, temendo o que farei com elle preso: irá sentir de immundos pés o peso na cara, vae lamber, porco, um solado!

Porem maior deleite é dispensar a venda, si for cego quem irá chupar o meu caralho, que tem ja aroma accumulado no logar!

Maior ainda, Glauco, o seu azar seria meu deleite, pois não ha quem seja feliz quando cego está aos poucos, tendo visto! O fiz chorar?

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