A Abstração no Teatro: entre o representante e o representado Daniela Falotico TEIXEIRA Diretora do Laboratório SMR Máster em Estudos Teatrais Universitat Autònoma de Barcelona, Espanha Pós-graduação em Cinema e Sociedade Universitat de Barcelona, Espanha Bacharel em Artes Cênicas Universidade Estadual de Campinas, Brasil danieladevecchi@gmail.com
Resumo Os Sistemas Minimalistas Repetitivos (SMR) foram criados por José Sanchis Sinisterra na década de 80 inicialmente como exercícios de laboratório e posteriormente levado à cena em montagens de textos do próprio autor. Os SMR são partituras de ações físicas compostas por uma série de actemas-gestuais, deslocamentos, posições, micro-condutas atorais em geral simples, cotidianas, mais ou menos realistas, cuja sequência não configura nenhuma situação interpessoal significativa. A repetição sistêmica dessas sequências integra o princípio serial da retroalimentação, onde o significado é resultado da combinatória de actemas somada à perspectiva subjetiva do receptor. Em 2010, em Barcelona, se cria um novo núcleo de pesquisa sobre os Sistemas Minimalistas Repetitivos que recebe o nome de Laboratório SMR. Este estudo examina as experiências realizadas neste laboratório e através da aplicação prática com atores e posteriormente com a recepção do público, tem como objetivo verificar os limites entre a abstração e a figurativismo no trabalho com os SMR. Com a análise da aplicação dessas partituras pretende descobrir até que ponto o que se significa corresponde com o que é significado, comprovar se é possível diminuir a distância entre o representante e o representado, se o teatro pode absorver a tendência contemporânea de fragmentação de sua própria natureza e de seus códigos significantes: atores, espaço y tempo. Palavras-chave: Abstração, Figurativismo, Teatro, Sistema, Actemas, Poética.
Abstract The Minimalists Repetitive Systems (MRS) were created by José Sanchis Sinisterra in the 80s, initially only like exercises and later levied to the scene in works of the own dramatist. They are scores of physical actions composed of a series of actemes-gestures, movements, positions, micro conducts often simple, everyday, more or less realistic, but whose sequence does not set any meaningful interpersonal situation. The repetition of these sequences is part of the serial feedback principle where the meaning is the result of the combination of actemes added to the subjective perspective of the receiver. In 2010, in Barcelona, creates a new grup of investigation on the Minimalists Repetitive Systems that receives the name of
Laboratory MRS. This study examines the experiences realised in this laboratory and through the practical application with actors and subsequently with the reception of the audience, aims to determine the boundaries between abstraction and figuration in working with MRS. We intend to check through the analysis of these action’s scores the extent to which what is meant corresponds with the meaning, to confirm if it is possible to decrease the distance between the representative and represented, and if theater can absorb the contemporary trend of fragmentation of its own nature and the significance of its codes: actors, space and time. Keyworks: Abstracción, Figuration, Theater, Sistem, Acteme, Poetics.
1. A origem dos SMR
O
teatro, talvez por aglutinar conceitos de todas as outras artes, tende a ser a última forma de expressão artística em apropriar-se dos conceitos de vanguarda e aceitar as novas tendências. Conceitos que nas artes plásticas, na música e inclusive no cinema já se configuraram como uma forma de linguagem habitual, no teatro ainda encontram lugares desconhecidos e surpreendentes. Os movimentos culturais que durante o século XX produziram reviravoltas no pensamento criativo e artístico também atingiram o teatro, principalmente a partir da década de 60. O surgimento do Happening e da Performance aproximaram o teatro e artes plásticas, dramaturgos como Arrabal, Cortes, Pinter, Berndhart, Beckett e Miller modificaram, ritualizaram, simplificaram e desconstruíram o texto dramático, diretores como Brook, Bergman, Wilson, Mnouchkine e Lepage aportaram suas perspectivas atualizando a visão da cena e fugindo do psicologismo e do realismo predominante até o momento. A revolução da cena teatral iniciada nos anos 60 modifica a forma estética e narrativa do teatro, renova a sua função política e pedagógica, mas deixa intactas as bases da própria natureza do fenômeno teatral sem modificar seus códigos significantes, sem renovar sua forma poética. Sobre esse tema o dramaturgo e diretor José Sanchis Sinisterra, criador dos Sistemas Minimalistas Repetitivos e ávido estudioso de Samuel Beckett discursa: Pela própria natureza de seus códigos significantes -atores, espaço, tempo...-, o teatro manteve-se praticamente à margem dos processos que, nas outras artes figurativas, e desde os albores do século XX, mediram seus limites com a abstração. De fato, aparte das tentativas de Oskar Schlemmer na Bauhaus, durante o período entre guerras, mais próximas ao ballet ou à pantomima que ao teatro, só os últimos dramatículos de Beckett podem ser considerados avanços rigorosos neste sentido: sua concepção da representação teatral como manifestação da forma no movimento, bem como suas referências a uma geometria musical ou à força da matemática como princípios de ordem do texto e do espetáculo. (...) Por outra parte, é conhecido seu interesse pela pintura e particularmente, pelas tendências de vanguarda, nas quais encontra profundas afinidades com seu desejo de questionar os preceitos representativos e figurativos da arte.1
1
(Sinisterra. 2005, p. 6)
É nesse contexto que José Sanchis Sinisterra, também considerado um dos dramaturgos que inovaram o panorama teatral contemporâneo europeu, com mais de quarenta peças entre as quais destacam: “¡Ay Carmela!”, “Pervertimento” e “El lector por Horas”, e sendo mestre e propulsor de uma geração de novos dramaturgos que hoje conformam a nova cena catalã, realiza entre 1985 e 1989, em Barcelona, uma série de laboratórios de dramaturgia atoral com o propósito de integrar o trabalho interpretativo na própria raiz dos questionamentos sobre a teoria e a prática cênica. Esse trabalho tinha como objetivo situar o ator no centro da reflexão sobre a prática artística, obrigando-o a incorporar na cena elementos da prática dramatúrgica e a atuar em territórios tradicionalmente reservados ao autor ou ao diretor. Desses laboratórios nasce a necessidade de delimitar os campos de pesquisa e atuação a três âmbitos que de certa maneira pretendiam questionar o “império” do figurativismo e aproximar o teatro ao terreno da abstração: a poeticidade, o meta teatro e o minimalismo. Esses três campos, que analisaremos nesse estudo, somados à Teoria Geral dos Sistemas de Ludwig von Bertalanffy , são a base do que mais tarde se conformaria como Sistemas Minimalistas Repetitivos.
2. O Laboratório SMR 2010 Em outubro de 2010 reunimos um grupo estável composto por atores, diretores, dramaturgos e técnicos de teatro para dar continuidade ao trabalho de pesquisa iniciado por J.S.Sinisterra no terreno dos Sistemas Minimalistas Repetitivos. Dito grupo de pesquisa, residente na Sala Beckett de Barcelona realiza sessões mensais intensivas de estudo prático e teórico e está dando grandes passos na conformação de uma nova poética sistêmica. Os resultados concretos de esta pesquisa merecem um próximo artigo onde possamos discursar especificamente sobre eles. Aqui falaremos dos fatores que conformam os Sistemas Minimalistas Repetitivos e de como estão sendo desenvolvidos atualmente no Laboratório SMR. Por tanto, as afirmações que aparecem neste artigo resultam da soma entre as teorias iniciais criadas por J.S.Sinisterra e as descobertas feitas nas sessões de Laboratório levadas a cabo até agora.
3. Um pequeno parêntesis sobre a abstração O estudo da abstração centra sua atenção principalmente nas artes plásticas e é a partir dela que se estende às outras artes figurativas. Clement Greenberg foi, sem dúvida, um dos maiores e mais importantes defensores da pintura abstrata na história da arte e da crítica artística do século XX. A noção de abstração em Greenberg constrói-se sobre um modelo que opera com a contraposição natureza/artifício, e onde a noção de mímesis como referência ao modelo natural pode ser considerada outro pólo de oposição. Nesse sentido a abstração se situa em três aspectos fundamentais: no caráter relacional da unidade formal da obra, na peculiar ordem estética que a rege, e na modalidade particular de relacionamento que constitui a contemplação estética em que se apreciam dita ordem estética e unidade formal.
Caráter relacional da Unidade Formal
Ordem Estética
Contemplação da Unidade Formal e da Ordem Estética
Ou seja, Greenberg admite como parte da abstração, a contemplação, que é ao mesmo tempo fim de uma obra, objetivo. A metalinguagem que se apresenta no próprio princípio da abstração une-se a outra definição do próprio crítico, quando faz referencia à ilusão. “Toda imagem reconhecível está destinada a ser contaminada de ilusão”2. Contrapondo ao termo representação, ilusão tem um sentido mais restringido: trata-se da criação ilusionista, em sentido amplo, de espaço, atmosfera, ambiente. A distinção entre representação e ilusão é problemática pois, segundo Greenberg, a representação de um espaço ou objeto figurativo implica sempre um mínimo grau de ilusão, o que coloca ambas em oposição à literalidade, inscrevendo-as no campo da abstração. Então, onde está a fronteira entre abstração e figurativismo? Como delimitamos os terrenos de cada uma delas e em que medida a abstração pode ser aplicada como puro conteúdo conceitual? Poderíamos situar a fronteira da abstração no conceito de criar uma nova ordem artística que não se submeta à literalidade da antiga ordem natural? Como diferenciamos entre o significado artístico do material e o significado material da obra de arte? Em Konrad Fiedler encontramos uma crítica feroz ao que ele chama de conteúdo conceitual ou ideal da obra de arte ou o que seria o que o autor hipoteticamente quis dizer com ela, em contraposição ao significado artístico da mesma: O objeto da representação, o conteúdo, a ideia da obra de arte, mantém em geral um relacionamento tão próximo com a intenção artística, que resulta difícil manter a consideração do mero resultado da atividade artística livre do interesse pelo conteúdo conceitual. E, no entanto, é necessário, pois o interesse pela arte começa no momento em que se apaga o interesse pelo conteúdo ideal da obra, por paradóxico que possa parecer. O conteúdo que cabe na expressão conceitual não é o que deve a sua existência à força essencialmente artística do criador: existe antes de que se tenha acomodado à expressão da obra. O artista não o cria, somente o encontra3. Se aplicamos os conceitos de representação e ilusão que aparecem em Greenberg às artes cênicas partindo do princípio semiótico de significação, poderíamos chegar à conclusão de que todo fenômeno teatral contempla um estado de abstração, dado que o processo subjetivo do espectador na leitura da representação lhe confere este caráter. E outra vez os conceitos se solapam, outra vez aparece a questão da fronteira e dos limites entre a abstração e o figurativismo. Konrad Fiedler menosprezando o conteúdo conceitual” nos aproxima ao tema tratado entendendo como abstrata a obra, cujo sentido pré-estabelecido 2 3
(Greenberg,C. 1959, p.158) (Fiedler,K. 1990, p. 56)
pelo autor não conforma a obra artística e retornando a ideia da contemplação, da perspectiva peculiar como elemento fundamental para a consecução do fenômeno artístico e mais especificamente, teatral.
4.
A função poética, o metateatro e o minimalismo
Estabelecidas as bases teóricas do conceito de abstração e determinados nossos marcos de atuação dentro dela, passamos agora a desenvolver os princípios propostos por José Sanchis Sinisterra para a conformação dos SMR.
4.1. A função poética Observamos a poeticidade, ou função poética, do ponto de vista do ator e através do sentido atribuído a ela por Roman Jakobson. Entramos agora no terreno específico da estética teatral e desde os postulados de uma dramaturgia do ator, definimos limites para que estes, utilizando um repertório de possibilidades, desenvolvam também a dimensão intelectual e cognóstica do pensamento artístico e que essa dimensão se veja plasmada na cena. Trata-se de dirigir nossa atenção a essa terceira zona que se abre entre a presença real, o aqui e agora do ator em cena e a referência fictícia da personagem em seu entorno. Trata-se da fronteira entre representante e representado, da poética do ator-dramaturgo funcionando desde dentro da cena. Da capacidade do ator para combinar em seu interior as ferramentas da organização com a organicidade de seu comportamento como aponta J.S.Sinisterra: “O ator deve imaginar-se caminhando sobre a arista de uma montanha e em seu caminho transitar entre as vertentes da organização e da organicidade” 4. A partir dos princípios estabelecidos pelos formalistas russos e posteriormente pelos estruturalistas, os processos de fragmentação e desconstrução da figura artística ganham força provocando uma grande evolução no estudo das ciências da linguagem. No teatro essa evolução provoca o replanteamento dos conceitos dramatúrgicos aristotélicos modificando os códigos utilizados e abrindo as portas a uma nova poética. Os conceitos de antecedentes - motivações - identidade, passam a ser questionados e entram em contradição com as novas formas de pensar o teatro. A função poética se transforma.
4.2. O metateatro Seja pela herança de Pirandello, pelo sentido atribuído por Lionel Abel ou pelas definições de Schmeling o metateatro se caracteriza pela tematização da própria teatralidade e pela criação de personagens que são ao mesmo tempo representante e representado. As convenções teatrais se utilizam como base para o conflito dramático, criando ao mesmo tempo outro sistema de convenções que governa a trama. Os elementos da representação são utilizados dentro da própria representação para criar outra representação. O ator deve transitar entre a representação da personagem real e da personagem representada pela 4
(Sinisterra,J.S. 2009)
própria personagem. Trata-se de um procedimento estético que destaca a auto-referência do teatro como meio e como veículo. A metalinguagem está presente, em maior ou menor medida, em todas as artes, servindo como meio de reflexão sobre o fazer artístico e ampliando as capas de significação por onde transitam criadores e público.
4.4. O minimalismo Richard Wollheim emprega por primeira vez o termo minimalismo em seu artigo Minimal art publicado em 1965, fazendo referência a uma arte cujos produtos apresentavam o mínimo grau de intervenção criativa para poder ser reconhecidos como arte. Este termo acabou sendo usado para definir um movimento que abarca muitos campos e que em cada um deles apresenta varias divergências entre si. No entanto destaca o interesse pela supressão do figurativismo em favor de uma arte conceitual, com uma constante auto-referencial e uma estrita economia formal que situa essa tendência “em parentesco com algumas personalidades teatrais contemporâneas, tão aparentemente distantes como Samuel Beckett e Pina Baush”5. Influenciado pelo construtivismo e nascido originalmente no âmbito musical, o minimalismo ganhou várias definições e nomes como “arte ABC” (Bárbara Rose), “literalismo” (Michael Fried), “arte serial” (Mel Bochner), “pintura sistêmica” (Lawrence Alloway). Também as obras minimalistas receberam várias nomenclaturas sendo catalogadas como “objetos específicos” (Donald Judd), “formas unitárias” (Robert Morris), “estruturas primárias”, etc. O mesmo ocorre com a música: “música hipnótica”, “música de transe”, “música sistêmica”, “música de pulso”, “música modular”, etc. É precisamente na música que o minimalismo ganha um dos seus conceitos mais marcantes, a repetição. As estruturas musicais repetitivas de Philip Glass e Steve Reich, assim como as séries de Carl Andre, Robert Morris são referencias diretas e encontraram sua equivalência cênica nos princípios repetitivos dos aplicados aos SMR.
5. Sistemas Minimalistas Repetitivos (SMR) 5.1. Definição Os Sistemas Minimalistas Repetitivos nascem como pequenos núcleos relacionais formados por unidades mínimas de ação, denominadas actemas que seguem um princípio repetitivo e se desenvolvem no tempo através da retroalimentação. 5.2. Explicação a) Os núcleos relacionais são o equivalente a pequenas cenas, a sequências de relações que podem ser tanto unipessoais como com dois ou mais atores.
5
(Sinisterra,J.S. 2005, p.6 )
b) Os actemas são as unidades mínimas de ação e estão situados entre o gesto e o objetivo, não chegando a conformar uma ação completa. Seriam um equivalente ao fonema na definição dada por Jakobson: “Impressão mental de um som, unidade mínima distintiva ou veículo semântico mínimo”6. c) O princípio repetitivo provém do conceito serialista do minimalismo e é o mais ambíguo de todos os princípios, pois podemos considerar que a figura que se repete pode já não ser a mesma da primeira vez, posto que agora ela é uma repetição. Se estabelece assim uma relação com a aparição precedente e também com as sucessivas e dessa forma o espectador a perceberá sempre relacionalmente, ou seja em relação às outras. O que nos leva ao seguinte ponto. d) A retroalimentação se forma a partir do momento que os actemas repetidos interferem entre si formando uma corrente de fatos que se desenvolvem no tempo. Paul Watzlawick define: “Uma corrente na qual o fato A afeta ao fato B, e B afeta a C e C por sua vez afeta a D, etc., teria as propriedades de um sistema linear determinista. No entanto, se D leva novamente a A, o sistema é circular e funciona de um modo totalmente distinto”7.
5.3. As fases do Sistema O processo de criação com os SMR está dividido em fase de Instalação, fase de Modulação e fase de Transgressão. Em cada uma delas os atores e seus actemas são submetidos a umas regras que ao mesmo que limitam a quantidade de movimentos, ampliam as possibilidades criadoras do ator. A continuação explicaremos as regras para cada fase. 5.3.1. Fase de Instalação Durante a fase de Instalação os atores devem executar a sequência de actemas da forma mais neutra possível, abolindo qualquer tendência significativa, evitando impor qualquer tipo de ideia pré-estabelecida seja de relacionamento, atitude ou personagem. Devem concentrar sua atenção na repetição precisa da dinâmica do modelo, no desenho e limpeza de cada gesto, de cada movimento e no posicionamento dos actemas no espaço. Durante as repetições da fase de instalação o ator deve construir a forma inicial de seus actemas e escolher as qualidades de movimento que servirão como referência neutra para as variações do sistema. Entre actema e actema deve-se manter um intervalo regular de cinco segundos que, a princípio é determinado exteriormente através da contagem sonora, ou com um metrônomo, a que chamamos contagem externa . Realizam-se várias repetições até que os atores incorporem todos os actemas e o tempo-rítmo dos intervalos para então, passar à chamada contagem interna, onde os próprios atores, em silêncio, são responsáveis pela contagem de tempo do intervalo . A Instalação é a fase mais importante de todo o processo porque quanto mais instalados estejam os atores no sistema, mais possibilidades de variação terão nas fases seguintes. 6 7
JAKOBSON, R. (1967) Fonema e Fonologia. Acadêmica, Rio de Janeiro, Brasil. (Watzlawick, P., 1967, p.177)
5.3.2 Fase de Modulação Um vez Instalado o sistemas passamos então à fase de Modulação onde os atores podem introduzir as seguintes variações: Modulação Tempo - Ritmo a) Pode-se variar o intervalo entre actemas aumentando ou diminuindo a contagem de tempo inicialmente estabelecida em cinco segundos entre actema e actema. b) Pode-se variar a velocidade de execução dos actemas acelerando ou ralentando o tempo de duração. c)
Pode-se combinar aceleração e ralentização na execução de um mesmo actema.
d) Pode-se incorporar a intermitência na realização dos actemas, introduzindo pausas durante a execução do mesmo.
Modulação Intensidade - Energia a) Pode-se variar a velocidade e a intensidade da respiração sempre levando em consideração a organicidade da respiração e não a forma expressiva da mesma. b) Pode-se variar o tônus da execução de um actema realizando-o com maior ou menor grau de tensão e modificando a qualidade do movimento. Esta fase de Modulação originalmente estava situada como terceira variação, depois da Modulação Forma - Espaço. Nos Laboratórios realizados pelo Grupo SMR em 2010 se verificou a possibilidade dessa mudança de ordem, visto que se trata de uma modulação muito sutil e quase imperceptível e que obtém resultados mais efetivos se aplicada com os actemas em sua forma original.
Modulação Forma - Espaço a)
Pode-se aumentar ou diminuir o tamanho dos actemas.
b) Pode-se variar (a princípio levemente) a forma do actema, modificando a qualidade e variando entre movimento direto e circular. c)
Pode-se variar (a princípio levemente) a posição do actema no espaço.
d) Pode-se modificar a direcionalidade dos actemas. e )Pode-se variar (a princípio levemente) o desplaçamento do actema pelo espaço.
Modulação Expressão - Intencionalidade a) Se permite a aparição de pequenos objetivos. Sejam introduzidos como estímulo externo ou criados pelo próprio ator. b) Se experimentam variações de atitudes seguindo as seguintes definições: Ataque - Acometer, investir com força contra algo ou alguém. Defesa - Buscar amparo, proteção em algo ou em alguém. Convicção - Crença forte e firme em algo ou em alguém. Sedução - Provocar a atração de forma consciente. Induzir uma pessoa a realizar uma determinada ação ou a participar em um determinado comportamento. Orgulho - Satisfação pessoal que se experimenta por algo próprio ou relativo a si mesmo e que se considera valioso. Incredulidade – Rechaçar ou opor-se a acreditar em algo ou em alguém. Desafio - Retar ou provocar alguém. Burla – Expor ao ridículo ou menosprezar alguém ou algo. Alegria - Expressar júbilo ou otimismo a respeito de algo ou alguém. Ironia - Burla fina e dissimulada. Dar a entender o contrario do que se diz. Desídia - Negligência, inércia ante a realização de algo. Lamento - Queixa com choro e outros sinais de aflição. Asco - Repugnância ou impressão desagradável causada por algo ou por alguém. c) Se permite o aparecimento de estados de ânimo, intenções e propósitos comunicativos. Durante todas as modulações deve-se manter a ordem original dos actemas e evitar ao máximo possível a simultaneidade. Essa premissa é muito importante, pois devido a tendência orgânica natural do trabalho atoral (especialmente do ator ocidental) essas variações podem produzir um efeito caótico, levando à desconfiguração ou perda do sistema, como aponta J.S.Sinisterra: “As infinitas possibilidades combinatórias destas variantes conduzem com frequência os atores a uma dinâmica dificilmente controlável que leva o sistema ao limite do caos”8.
5.3.3. Fase de Transgressão A combinatória de todas as Modulações gera o princípio de comunicação dos SMR, cria momentos de extrema inter-relação entre os atores abrindo as portas a um nível ainda mais complexo de variações, ao que J.S.Sinisterra chamou de fase de Transgressão. Na fase de transgressão, evitando perder a dinâmica do sistema, os atores podem: a) Omitir um ou vários actemas. b) Inverter a ordem do sistema. c) Repetir um ou mais actemas.
d) 8
Roubar actemas que a princípio pertencem a outro ator.
(Sinisterra, J.S., 2005, p.3)
Inicialmente a fase de Transgressão era sempre posterior a de Modulação gerando muitas vezes uma desestruturação do sistema, que chegava a esse ponto num grau elevado de organicidade. No Laboratório SMR realizado em 2010 experimentamos inverter a ordem das variações, introduzindo a Transgressão antes da Modulação. O resultado foi uma variação mais limpa, que parte dos princípios de ordem do sistema e possibilita que os atores sejam mais conscientes sobre a etapa em que estão trabalhando. Devido a subjetividade intrínseca do teatro, as duas possibilidades são dadas como válidas sempre dependendo dos objetivos narrativos propostos.
6. Construindo um Sistema Como construir um SMR? Como escolher os actemas adequados para gerar o jogo necessário na cena? Como desenhar a retroalimentação do sistema para que funcione o princípio cíclico-repetitivo? Essas foram as primeiras perguntas que surgiram quando, no Laboratório 2010 começamos a desenvolver nossa pesquisa. Experimentando com os exercícios criados por J.S.Sinisterra e analisando seu funcionamento, destacamos neles a busca pelo equilíbrio entre abstração e figurativismo na escolha e ordenação dos actemas. Apesar de tratar-se de uma estrutura formal, eles não são apenas figuras plásticas, simples elementos estéticos, gestos ou movimentos aleatórios. Os actemas são unidades mínimas de ação, proto-açoes realistas que de alguma forma, evidenciam o mecanismo que as origina. Nas sessões de trabalho efetuadas até agora no Laboratório SMR, além de tentar construir os sistemas partindo de uma ideia pré-concebida pelo diretor e criar os actemas de uma maneira quase dramatúrgica, provamos diversos caminhos que se mostraram igual ou mais frutíferos que este. Os caminhos que nos deram resultados concretos e onde conseguimos que o sistema se mantenha na fronteira entre abstração e figurativismo foram: a) Numa aproximação ao dadaísmo, escolhemos os actemas de maneira fortuita e construímos o sistema ordenando-os aleatoriamente no espaço e no tempo. b) Descontruímos uma sequência realista desestruturando seu código icônico e debilitando a função denotativa de suas ações até transformar-las em actemas. Reordenamos os actemas aplicando uma lógica matemática que evitava o princípio causaefeito. c) Os atores improvisaram sobre gestos e qualidades de movimentos selecionando uma sequência formal, próxima a uma coreografia, que foi posteriormente transformada em uma sequência de ações físicas (atribuindo pequenos objetivos), ações que reduzidas a seus rasgos mais elementares acabam por transformar-se em actemas. Nestas diferentes formas de trabalho detectamos a coincidência de dois princípios que regiam a eleição dos actemas e da ordem dos sistemas e que aparecem tanto de maneira objetiva como subjetiva. Nos referimos aos princípios estéticos e funcionais. Os princípios
estéticos se referem ao ponto de vista de Heyden White, fazendo que a forma funcione como agente ativador do conteúdo e consequentemente do sentido, produzindo, “significados mediante a substituição sistemática de objetos significativos pelas entidades extra discursivas que lhes servem de referente”9. Os princípios funcionais fazem referencia a consecução de actemas para a formação do sistema e do principio de retroalimentação, facilitando a aparição da organicidade na forma estrutural repetitiva. Em qualquer caso os actemas que conformam um SMR não devem conter em si mesmos um sentido pré-figurado e muito menos um conceito pré-estabelecido. Não se baseiam em um nexo de causalidade. Ao mesmo tempo os actemas devem estar imbuímos de suficiente força expressiva para ativar os colapsos de sentido na imaginação do espectador e articular as rimas que se produzem a partir da repetição.
7. Mírame, um exemplo de SMR Mírame é um dos primeiros sistemas repetitivos criados por J.S.Sinisterra e constitui um dos melhores exemplos de estrutura cênica sistêmica funcionando com retroalimentação. Está constituído de 8 actemas ordenados sem princípios causais definidos (causa-efeito) e livres de significação prévia. Os indivíduos A e B realizam as mínimas unidades de ação de modo que ao chegarem ao actema 8 se encontram outra vez na posição zero ativando o princípio repetitivo. Nesse sistema o individuo C inicialmente funciona como ponto de referência relativo para os indivíduos A e B e posteriormente como elemento ativador das variações. ” OLHE-ME (MÍRAME) Exercício minimalista sistêmico Posição 0: A e B sentados nos lados contíguos de uma mesa, fundo esquerda. A, observa um ponto na mesa, com os dois antebraços apoiados sobre ela. B, levemente encurvado, apoia a testa na mão mais próxima a A. C, sentado em uma cadeira, levemente encurvado, em primeiro termo direita, de costas ao público. Sequencia: 1. A ergue levemente o tronco e olha para B. 2. A levanta o antebraço, inclina o tronco levemente em direção a B e segura sua munheca. 3. A baixa a mão de B e a apoia na mesa, deixando seu rosto ao descoberto. 4. B ergue levemente o tronco e olha para a A. 5. B olha para C. 6. A olha para C. 7. B solta sua munheca e volta a posição 0 (apoiando a testa na mão, ligeiramente encurvado). 8. A deixa de olhar para C e volta à posição 0. Repetição 1. A ergue levemente o tronco e olha a B. 2. A levanta o antebraço, inclina o tronco levemente em direção a B e segura sua munheca.
9
(White, H., 1992, p.97)
protocolo do Sistema Minimalista Repetitivo Mírame
Avançada a fase de Modulação, o individuo C pode começar a executar uma sequência linear de actemas mínimos, quase imperceptíveis, que A e B irão observando a medida que o sistemas se desenvolve. A sequência de actemas de C é desconhecida por A e B, mas poderá ser igualmente incorporada na fase de Transgressão, quando os três indivíduos passarão a contar com todo o repertório de actemas.
8. Conclusão e principais apartações Na aplicação dos SMR vemos o teatro funcionar em sua essência, em sua forma pura, em relação ao outro, ao espaço e ao tempo. É teatro mas não representa uma ideia preconcebida, acontece no presente. Os atores se veem constantemente obrigados a tomar decisões que afetam as relações que se formam, se transformam, se multiplicam e desaparecem, num vaivém de instantes intensos e verdadeiros. Se desvanece a fronteira entre o representante (ator) e o representado (personagem) sendo a distancia entre eles o grande interesse da ação. O entre passa a ser elemento de observação. Aqui retornamos a abstração, retornamos ao ponto onde Fiedler chama nossa atenção para a noção de que o conteúdo de uma obra de arte existe antes da intervenção do seu criador e que a abstração se encontra justamente no momento em que a obra em si é mais importante do que a ideia artística que a precede, do que o conceito formulado pelo artista. O diretor e o dramaturgo cedem o protagonismo ao ator que por sua vez se entrega ao jogo das relações combinatórias, enfrentando em cena as consequências de suas decisões. É o teatro do estar presente, no presente, no momento e na forma em que nascem as ações e reações, no espaço entre dois instantes, num instante metafísico. No teatro, Samuel Beckett nos aproximou a uma poética abstrata que pretendia ir além dos limites da teatralidade. Posteriormente José Sanchis Sinisterra recolheu esses princípios e idealizou os Sistemas Minimalistas Repetitivos. Agora uma nova geração de artistas reunidos ao redor do Laboratório SMR pretende reafirmar a existência de um teatro onde abstração possa conviver com o figurativismo incrementando suas possibilidades criativas e instigadoras e recuperando a cumplicidade com o espectador. Ao contrário do que possa parecer, as normas e restrições dos SMR abrem espaço para a liberdade e a imaginação. Confiam na capacidade criadora do ator e também na do espectador que é aqui o responsável final pela atribuição de significado. Conhecedor das regras e cúmplice implícito dos atores o espectador pode dar rédea solta a seu instinto imaginativo, a sua capacidade ancestral de ver animais nas nuvens, de criar historias nas estrelas, de preencher com a imaginação o entre, os espaços vazios.
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