Informação e Meio Ambiente na Língua Portuguesa: por um jornalismo ambiental democrático Lúcia Helena Mendes PEREIRA Mestre em Comunicação, Imagem e Informação - UFF/RJ Professora da Universidade Federal do Tocantins – UFT Programa de Doutoramento em Sociologia “Pós-Colonialismos e Cidadania Global” – CES Universidade de Coimbra – Portugal luciahelena@uft.edu.br Resumo Esta é uma pesquisa em andamento no Centro de Estudos Sociais – CES, da Universidade de Coimbra, em Portugal, no Programa de Doutoramento, “Pós-Colonialismos e Cidadania Global”. Trata da compreensão e a identificação dos fatores sócio-políticos conflituosos que obstaculizam a prática democrática do Jornalismo Ambiental na língua portuguesa. Um estudo que compreende a importância da periodicidade da informação ambiental como motivadora do debate entre os atores sociais no contexto social da língua portuguesa, e que evoca o Jornalismo Ambiental como práxis discursiva importante no espaço público. A intenção é a de mapear e analisar as relações culturais e estruturais de poder específicas entre os atores sociais envolvidos, a saber: a informação ambiental nas televisões de sinal aberto dos países que falam a língua portuguesa; os ambientalistas-jornalistas atuantes nesta produção e o “ator natural” - o território da Amazônia Legal - que representa o recorte temático, local que abriga grande biodiversidade de fauna, flora e humana; que está no centro do interesse brasileiro para planejamento do seu desenvolvimento, e no centro do interesse mundial. Palavras-chave: televisão, jornalismo, meio-ambiente, língua portuguesa, Amazônia. Abstract This is an ongoing survey at the Center for Social Studies – CES, University of Coimbra, Portugal, in the doctoral program, “Post-colonialism and Global Citizenship”. It aims to understand and identify a conflicting social-political factors which hinder the democratic practice of environmental journalism in Portuguese language. This study analyses the importance of environment information periodicity as a motivator for the debate among social actors at the social context of Portuguese language, and evokes the environment journalism as a important discursive praxis in the public-space. The intention is to map and analyse especific cultural and structural relations of power among the actors envolved, namely: the environmental information through the hegemonic free-to-air televisions within Portuguese-speaking countries, environmental journalists working in this production and the “natural actor” - the Amazon Legal territory – representing the thematic segment site that hosts a large biodiversity of flora, fauna and humans, that is the focus of Brazilian interest in development planning, and of the world interest. Keywords: television, journalism, environment, Portuguese language, Amazon.
Introdução
E
ste projeto de tese pretende a compreensão e a identificação dos fatores sócio-políticos conflituosos para a prática democrática do Jornalismo Ambiental1 na língua portuguesa. Trata-se de um estudo que compreende a importância da periodicidade da informação ambiental como motivadora do debate entre os diversos atores sociais no contexto da lingua portuguesa. Evoca o Jornalismo Ambiental como práxis discursiva quotidiana que se constitui como espaço público2 de fundamental importância em seu processo de captação, produção e edição de informações comprometidas com a temática ambiental que se destina a públicos leigos, não especializados, mas que vê neste mesmos públicos relevantes fontes de informação. A questão central é a que nos remete à seguinte pergunta: poderíamos pensar a atividade do Jornalismo Ambiental com possibilidades de se tornar uma tradução cultural na contemporaneidade entre ciência e população, para usar a metáfora central do pensamento de Ribeiro, ou seja, tradução como local de promoção da interculturalidade através da linguagem “como núcleo de uma noção de transformação social numa perspectiva de descolonização desses públicos?” (Ribeiro, 2005). Em busca de resposta, a intenção da pesquisa é a de mapear e analisar as relações culturais e estruturais de poder – ecologia cultural e política3 - específicas entre os atores sociais envolvidos, a saber: a informação ambiental nos noticiários das televisões de sinal aberto dos países que falam a língua portuguesa, onde há relevante produção de tais conteúdos e cujas transmissões são de grande alcance – Portugal, com a RTP e Brasil, com a TV Globo4 -; os ambientalistas-jornalistas atuantes nesta produção; e relacionar tal trabalho com os problemas enfrentados pelo “ator natural” - o território da Amazônia Legal5 - que representa o nosso recorte temático. A Amazônia está no centro do interesse e das dificuldades nacionais 1
Entendemos por “prática democrática do Jornalismo ambiental”, a informação sobre meioambiente que contribui para a formação ou manutenção da cidadania. O conceito de cidadania por sua vez é o de “cidadania imperfeita”, de Étienne Balibar, compreendido através de outro conceito, o de “comunidade de destino” citado por José Manuel Mendes (2004) : “A comunidade de destino implica a prevalência de situações de incerteza e da conflitualidade, que não a violência, das condições do político (2001: 209). Esta comunidade de destino, na sua componente territorial, pode ir do prédio, rua ou bairro até ao globo como um todo. Como consequência, a cidadania é uma noção complexa, que se define e constrói sempre a vários níveis, em quadros múltiplos e articulados de forma diversa. A cidadania imperfeita é constituída, assim, por práticas e processos e não é tanto uma forma estável ou pré-definida”. 2 O entendimento da imprensa como espaço público tem sua base depois da construção conceitual de Jürgen Habermas, de Esfera Pública mas tal conceito vem sendo modificado sistematicamente por muitos autores. Este estudo se utiliza da noção de espaço público alargado, ou seja, compreende a ação da recepção na emissão da informação, num processo cíclico e aberto, como em Esteves (2007) e Mendes (2004):”Mais do que falar numa esfera pública, que adquire uma conotação quase metafísica, parece mais adequado falar de públicos, procurando restituir a complexidade da construção e recepção mediáticas e dos seus impactos políticos”. 3 Ecologia Cultural e Política: como disciplina científica da integração entre os sistemas: político, econômico, cultural, social e natural. (de Steward, Julian, 1938 a Schink, Marianne & Wood, 1987) 4 RTP: Rádio e Televisão de Portugal; TV Globo: Rede Globo de Produções S.A. 5 Amazônia Legal: Conceito político criado no governo Getulio Vargas, em 1953, através da Lei 1.806 e da Superintendência do Plano de Valorização Econômica da Amazônia – SPVEA. Trata-se de um instrumento jurídico estratégico que ampliava o território amazónico, incorporando o Estado do Maranhão (oeste do meridiano 44º), o Estado de Goiás (norte do paralelo 13º de latitude sul actualmente Estado de Tocantins) à região amazônica. A intenção à época era o planejamento do desenvolvimento para a região e garantia da soberania nacional neste território ameaçado por forças políticas externas à nação brasileira.
brasileiras para planejamento do seu desenvolvimento, e também no centro do interesse mundial, mas antes de mais, é território que para além da existência da biodiversidade vegetal e animal, abriga a vida de 25 milhões de brasileiros, ou seja, cerca de 12,5% da população do Brasil. A importância do acesso a informação ambiental é relevante às Sociedades de Risco (Beck, 1992) que hoje vivem as incertezas e as ameaças associadas ao desenvolvimento científico e tecnológico e seus efeitos não só na natureza, mas também na saúde, segurança e bem-estar dos cidadãos de hoje e de amanhã. O direito ao acesso e à participação no debate é, portanto, o que norteia uma prática política democrática e contra-hegemônica da informação6 que facilite a inclusão dos cidadãos em seus contextos sociais e planejamento de vida. Por isso, a reflexão se dará com o olhar voltado para o discurso proferido pela media televisiva de sinal aberto, olhar escolhido pelo entendimento de ser esta forma de emissão de informações de maior audiência e penetração nos países de Norte a Sul7. A tecnologia da emissão televisiva via satélite consegue além de grande frequência de audiência, penetração geográfica nas localidades mais afastadas dos grandes centros; e, sua tecnologia linguística, permite considerável entendimento na recepção, mesmo por audiências não-incluidas pelo paradigma de instrução do conhecimento formal ocidental, alcançando assim as populações tradicionais - povos ribeirinhos, camponeses, povos indígenas, etc - dos países em desenvolvimento, ou seja, do Sul. Especificamente: as populações que habitam a Amazónia Legal no Brasil. A escolha do eixo temático se dá em cima e através do conceito político criado pelo Estado brasileiro, “Amazônia Legal”, por ser uma área que insere os recursos hidrológicos da bacia amazónica e que engloba vários importantes biomas naturais do país, incluindo não só as florestas, mas também o cerrado e toda a sua biodiversidade. A Amazônia Legal brasileira é formada pelos estados do Acre, Amapá, Amazonas, Pará, Rondônia, Roraima, Tocantins e grande parte dos estados do Maranhão e Mato Grosso. Além disso, constitui mais de 50% do território nacional brasileiro, está no epicentro dos conflitos de terra no Brasil, assim como no planejamento do Estado brasileiro para o Programa Aceleração do Crescimento do atual Governo8. Mas principalmente, está no centro dos interesses mundiais na disputa política e estratégica pela biodiversidade9 da referida região. Trata-se por fim de ultrapassar a insuficiência da crítica que deriva da presente hegemonia do paradigma funcionalista nas pesquisas de comunicação pois, o que fundamentalmente os 6
Direito à Informação: está previsto no artigo 5º, inciso XIV, da Constituição Federal Brasileira (1988): "é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional". 7 Divisão geográfica metafórica usada pelos estudos pós-colonialistas para explicitação das assimetrias que geram as desigualdades no globo terrestre: no Norte estão os paises desenvolvidos e centros de decisão política e, no Sul, os países em desenvolvimento e periféricos à esses centros decisórios. 8 Veja PAS – Plano da Amazonia Sustentável (2008), Internet: www.mma.gov.br/.../pas_versao_consulta_com_os_mapas.pdf. 9 Termo aqui utilizado de acordo com a CBD (Convenção sobre a Diversidade Biológica das Nações Unidas): variabilidade entre organismos vivos de todas as origens, incluindo, a inter alia, a terrestre, a marinha e outros ecossistemas aquáticos e os complexos ecológicos de que fazem parte. Inclui a diversidade interna às espécies, entre espécies de ecosistemas (Hindmarsh, 1990)
estudos culturais pós-colonialistas propõem através do conceito de colonialidade de poder (Quijano, 2010: 84-130)10, é que as práticas de produção e de recepção da comunicação sejam articuladas com as relações de poder. Portanto, se nos afastarmos dessa proposta, podemos cair na prisão redundante da tendência de hoje de defesa liberal e deliberada da existência de uma “cultura de massas” e de um irrevogável sistema de comunicação social sob domínio da elite mundial; perdendo as complexas relações entre comunicação e cultura num denso contexto social e político mundial, que tem por horizonte a relação de subordinação presente nas culturas populares em que se articulam relações de resistência, mas também de submissão; de oposição, mas também de cumplicidade.
II - Objetivos O objetivo geral que orientará toda a pesquisa é o de desvelar e mapear as questões político-culturais dos conflitos nas formas discursivas jornalísticas produzidas pelas televisões já citadas, em torno das questões ambientais da vida na região da Amazônia Legal, e relacioná-las com as dificuldades enfrentadas para a eclosão do Jornalismo Ambiental de ethos democrático na língua portuguesa. O objetivo específico é o de encontrar subsídios que permitam o planejamento de uma formação jornalística ambiental dos alunos dos alunos da Universidade Federal do Tocantins – UFT, crítica e conectada com as realidades sociopolíticas-ambientais e culturais para suas actuações, tanto a nível nacional, quanto internacional.
III - Hipóteses A hipótese geral é que os obstáculos sofridos para a fruição da informação ambiental democrática se dá através não só dos evidentes conflitos políticos e nos jogos de interesses econômicos públicos e privados alimentados pela colonialidade de poder (Quijano, 1991, 1993, 1994) que atingem a produção deste gênero jornalístico nos media, em tempos de capitalismo; mas também no despreparo cultural dos atores em jogo originado da histórica separação epistemológica e institucional entre as ciências naturais e as ciências sociais, entre conhecimentos científicos e conhecimentos tradicionais e/ou alternativos, prática oriunda da lógica hegemônica do pensamento científico dualista e cartesiano. Enfim, o que nos termos de Boaventura de Sousa Santos acaba por resultar em verdadeiro epistemicídio11, que vem impedindo que a pratica da construção de narrativas jornalísticas se configurem como construtoras de gramáticas interculturais que traduzam12 e façam dialogar as formas híbridas para conhecer e fazer acontecer a vida.
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O conceito de colonialidade é descrita por Anibal Quijano na diferenciação do conceito de colonialismo apesar de ser constitutiva deste. Trata-se da persistência profunda e duradoura (já dura 500 anos ) da dominação/exploração de uma população, incluindo as relações racistas e que pode ocorrer dentro de um Estado-nação, ou seja, não mais como no colonialismo, uma dominação detrminada por um poder cuja sede se localiza noutra jurisdição territorial. 11 Epistemicidio: “a morte de um conhecimento local perpretada por uma ciência alienígena” (Santos, 2004:20) 12 Tradução como “procedimento que permite criar inteligibilidade entre as experiências do mundo, tanto as disponíveis como as possíveis” (Santos 2008:123).
O desdobramento desta nos leva a outras à nível mais concreto. A segunda: que há excessiva repetição das informações fornecidas pelas mega-agências de notícias dos países do Norte (notadamente EUA, França e Inglaterra) pela produção noticiosa do meio-ambiente sobre a Amazônia, traduzida para língua portuguesa. Tal fato vem constituindo o jornalismo ambiental como narrativa contributiva ao discurso de poder dos países do Norte, tanto pela RTP, quanto pela Globo que, por fim, contribui também para o aumento da assimetria nas relações internacionais com o Brasil. Tal hipótese nos leva a uma terceira: que tal tem ocorrido, mais gravemente através da TV Globo, cuja possibilidade local de apuração é evidentemente superior à da RTP, em função também da absorção na rotina de trabalho dos jornalistas, dos valores de noticiabilidade do jornalismo hegemônico atual que oculta ou impede o fluxo das fontes de conhecimentos consolidados no seio dos grupos sociais tradicionais, impossibilitando assim suas possíveis contribuições para reflexão e debate sobre as questões ambientais. A quarta e última hipótese nos remete ao objetivo específico da pesquisa: que a apuração apoiada na crítica pós-colonialista, da prática do jornalismo ambiental hegemônico sobre Amazônia na língua portuquesa, nos desvelará o caminho para a criação de uma política pedagógica emancipadora para o ensino de jornalismo ambiental na UFT. Afinal, quando o curso de jornalismo da UFT adotou a política afirmativa do Sistema de Cotas13 (desde 2003) e, tendo agora a demanda de seus alunos indígenas para o curso de pós-graduação, assumiu este imenso desafio e responsabilidade social.
IV - Metodologia O enquadramento analítico que norteará toda a pesquisa é a Análise de Discurso - AD, apoiada do Estudo Crítico da Linguagem – ECL (Fairclough, 1991)14 e nas categorias analíticas específicas sobre a produção e o discurso jornalístico, desenvolvidas por Van Dijk (1980)15, com a colaboração de diferentes técnicas metodológicas como será explicitado a seguir. O discurso a ser averiguado está implícito na questão central sobre a possibilidade de um jornalismo como tradução intercultural, é o discurso conhecido e pronunciado num consenso universal que pode ser resumido em uma frase: “todos precisamos de uma Amazonia sustentável”. Fato hoje possível através da amplitude social alcançada pelos meios de comunicação – especialmente a televisão de sinal aberto - e que Fairclough, por exemplo, conceituou como “globalização do discurso dos países do Atlântico Norte” (Fairclough, 1991): uma nova forma de uso da linguagem, que não significa simplesmente homogeneização do discurso à escala global, apesar das tendências homogeineizantes indubitáveis, mas sim que o que acontece em um lugar, acontece diante e, portanto, com 13
“Sistema de cotas” ou “Sistema de cotas raciais” é uma medida governamental que cria uma reserva de vagas em instituições públicas ou privadas para classes sociais mais desfavorecidas. Faz parte de uma política de ação afirmativa surgida nos EUA na década de 1960 e que foi adotada por muitas universidades brasileiras, no acatamento da Lei 10558/2002, formulada no Brasil através do “Programa Diversidade na Universidade” 14 Métodologia desenvolvida pelo sociólogo Norman Fairclough em sua obra Language and Power, 2ª edição, (2001), cuja primeira edição é de 1991 em Edinburgh, pela editora Pearson Education Limited. 15 Van Dijk, Teun (1997) Referente a obra “ La noticia como discurso. Comprención, estructura y producción de la información” publicada em Barcelona pela Ed. Paidós, na sua 2ª edição, mas com a primeira escrita em inglês no ano citado.
todos. E, como o que acontece diante de todos são representações produzidas e vendidas na sua maioria por poucos países europeus e pelos EUA, através de poucas agências privadas de informação, Fairclough, de forma apropriada, conceitua tal globalização do discurso nomeando seus autores, os “países do Atlântico Norte”. No entendimento da linguagem como domínio principal da ideologia e lugar das lutas pelo poder, e no rastro das hipóteses anteriormente levantadas, a lembrar, o possível despreparo cultural dos jornalistas-produtores-clientes e tradutores dessas informações; e a gramática utilizada na filtragem da feitura de pauta e técnicas de apuração da notícia (newsmaking) e nos critérios de noticiabilidade (newsworthiness) do jornalismo hegemônico, temos para já uma pergunta que guiará toda a metodologia desta pesquisa: No território da língua portuguesa, como têm sido traduzido nas notícias televisivas, o discurso de sustentabilidade da Amazônia Legal pelos vários atores implicados no processo? O discurso da sustentabilidade e preservação da “Amazônia, pulmão do mundo” é o que melhor suporta as formas narrativas para o desvelamento das questões conflituosas político-culturais na contemporaneidade produzidas nas notícias em língua portuguesa. Além disso, possibilita a avaliação dos valores-notícia (news values) em confronto com as realidades dos grupos que habitam o território representado, ou seja, as formas de inclusão/exclusão dos interesses desses atores e seus movimentos sócio-ambientais no discurso jornalístico.
4.1 A escolha do tipo de narrativa jornalística A notícia ambiental na TV aberta, difere dos conteúdos especializados ou programáticos das grandes reportagens e/ou documentários, pois apresenta-se misturada na programação jornalística geral – independentemente da escolha dos indivíduos - e é recebida por uma imensa camada de telespectadores, de forma subliminar própria de um fenômeno linguístico com dimensões física, fisiológica e psicológica da ordem da vida quotidiana, inserindo-se na esfera única da relação social organizada (Bakhtin, 1999:70). É ela, portanto, que através das repetitivas narrativas constrói e emite a percepção dos indivíduos sobre o que está acontecendo no mundo à sua volta, representando por isso o que vai se constituir o que aqui perseguimos, ou seja, o “discurso jornalístico sobre Amazónia na língua portuguesa”. 4.2 A escolha dos locais da pesquisa As empresas, Radio e Televisão de Portugal – RTP – e Rede Globo de Produções – TV Globo, foram escolhidas por se configurarem como as emissoras de maior produção noticiosa, com maior alcance de sinal aberto, portanto, com alcance de todas as camadas sociais, de conteúdos informativos diários na língua portuguesa na maior parte do globo onde essa língua é entendida, sendo a televisão brasileira a de maior alcance em todo o território-tema do estudo, a Amazônia Legal. O centro de produção jornalística da Rede Globo é o maior da América Latina e o terceiro no mundo, operando com 122 emissoras (5 próprias e 117 afiliadas). A TV Globo Europa, que por exemplo, é feita através da Globo Internacional no sistema TV paga; devido a parceria com a Sociedade Independente de Comunicação – SIC, portuguesa que detém os direitos de uso dessas informações. Mas aqui o que nos interessa é que a SIC por sua vez, repete as
informações produzidas pela TV Globo em sinal aberto para Portugal e Africa. Em relação ao Brasil, as informações jornalísticas de 4 jornais diários de sinal aberto podem ser assistidos em 98.53% de todo o território nacional, e, graças à tecnologia de captação de sinais dos satélites pelas antenas parabólicas, alcança todas as áreas da Amazónia Legal. A empresa portuguesa, RTP por sua vez, produz/traduz informação de sinal aberto para todo o território português, através dos canais RTP 1 e 2. Com o uso do satélite Intelsat 907, Banda C, transmite informação livre para todo o continente africano dos conteúdos produzidos pelo canal, RTP África, bastando para sua captação a utilização de antena parabólica. Também transmite conteúdos de informação paga para todo o mundo através da RTP Internacional com a utilização dos satélites mas, através de acordo contratual com a empresa brasileira Rede Bandeirantes, tem sua produção repetida no Brasil em sinal aberto onde a Bandeirantes alcança, ou seja, pelo menos, nas capitais de todos os estados brasileiros no eixo regional nordeste-sudeste-sul. Em relação as audiências, ambas as empresas escolhidas são líderes em audiência dos formatos jornalísticos de conteúdo na língua portuguesa. Além disso ambas têm em seus contratos de concessão de serviço público, a missão de ampliação da difusão cultural da língua portuguesa.
4.3 As técnicas metodológicas a serem utilizadas Primeiramente realizar-se-á uma pesquisa documental com a recolha dos dados – os textos indexados nos alinhamentos da programação das notícias publicadas por sinal aberto, que tratem do tema-território “Amazônia Legal” - nas duas televisões já citadas, entre os anos de 2000 a 2010, ou seja, a primeira década do século XXI, com o objectivo de encontrar padrões e regularidades das narrativas em língua portuguesa sobre Amazônia na contemporaneidade. Não importa aqui portanto, uma análise quantitativa das notícias produzidas ou traduzidas pelas televisões, na medida que já houve aferição do peso deste quantitativo desta produção (evidenciado no ítem 4.2); e sim um olhar qualitativo e sistemático dessas narrativas jornalísticas levando-se em consideração na produção desses conteúdos, as intenções e os critérios de noticiabilidade dos fatos noticiados e relacionamento dos textos com os pressupostos dos Estudos Criticos da Linguagem (Fairclough, 1991)16. Já nesta pré-análise serão apontados os atores mais diretamente envolvidos na produção dos conteúdos. Numa segunda fase, esta pré-analise receberá contribuição de uma descrição densa, através da minha observação participante sobre os contextos e modos de produção desses documentos, estrutura global do discurso (Van Dijk, 1997), no período de três meses para cada emissora, realizada através do método etnográfico narrativo na pretensão da percepção dos diálogos entre culturas durante o trabalho de campo e com a assunção da participação da observadora como testemunho (Mendes, 2003)17. Assim, após a 16
Para a abordagem dos Estudos Criticos da Linguagem (Critical Language Study – CLS) será utilizada como principal referência, a obra intitulada “Language and Power”, de autoria de Normam Fairclough, 2ª edição, (2001), cuja primeira edição é de 1991 em Edinburgh, pela editora Pearson Education Limited. 17 Publicações da Oficina do CES, disponível em: http://www.ces.uc.pt/publicacoes/oficina/index.php?id=2720
identificação dos principais jornalistas envolvidos na produção dos documentos (notícias) serão realizadas entrevistas em profundidade com esses atores para a compreensão de seus lugares de enunciação, dificuldades impostas pelas rotinas de trabalho, interesses e intenções; que permitam entender para além das suas construções textuais, as suas perspectivas funcionais, sociais, políticas e históricas. Por fim, será realizado um recorte com a escolha das notícias mais representativas dos resultados encontrados e inter-relacionados na primeira e segunda faze da análise, de ambas as televisões, para uma análise de discurso pormenorizada da linguagem imagética e textual que permita a síntese analítica crítica das representações das duas emissoras no tratamento ao tema da “Amazônia, sua sustentabilidade e preservação”.
V - Considerações finais Faz-se importante marcar aqui que os estudos de comunicação social desenvolvidos nos países do Norte de uma forma geral, mesmo quando leva em conta a contextualização cultural e histórica, ou não incorpora a crítica cultural dos estudos pós-coloniais, ou a faz de forma ainda muito fragmentada e rarefeita. Não incorporam, portanto, às suas sugestões, ponderações e descobertas, a questão da colonialidade de poder (Quijano, 1991) existente ou persistente nas relações de exploração dos recursos naturais (incluídos aqui os laborais) pelos países do Norte, aos países do Sul. Passando ao largo de tal questão, o jornalismo ambiental vem se constituindo como disciplina importante para a popularização e a institucionalização dos problemas ambientais antrópicos e para a promoção da cultura e da política ambientalista nos discursos oficiais dos países desenvolvidos, porém, continua a reproduzir uma visão eurocêntrica nas análises do tratamento das comunicações dos problemas ambientais do Sul. Em Portugal, a agenda ambiental a partir da cobertura dos Media, é influenciada pelos problemas ecológicos europeus e a tônica dos estudos gira frequentemente em torno do papel do Estado na política ambiental mundial, na ausência de uma política ambiental nacional e seu respectivo debate com a sociedade portuguesa, além da reprodução do discurso oficial português nas televisões estatais (Schmidt, 2003; Pereira Rosa, 2006; Garcia, 2004; Vieira, 2006). No Brasil, os estudos mostram que a imprensa reforça também o discurso oficial brasileiro, mas numa atitude defensiva, “sempre se justificando diante da comunidade internacional e destacando as belezas naturais belezas naturais e o potencial de recursos hídricos, de fauna e flora da Amazônia brasileira” (Barros, T. de B. de & Sousa, J. P., 2010. P: 70-71)e o de & Sousa, J. P., 2010. P: 70). Apesar de tais críticas nas relações de poder em ambos os países, não há aprofundamento da crítica à modernidade proferida pelos estudos culturais pós-coloniais nas investigações dos dois países, numa perspetiva utópica de diálogo internacional para a descolonização da Natureza do Sul pelos países do Norte. Não há também nas análises dos dois países um diálogo crítico sobre o inter-relacionamento histórico do processo colonização – descolonização da biodiversidade brasileira através da linguagem nos usos dos meios de comunicação. Além disso, as pesquisas portuguesas e brasileira não se tocam nem mesmo através das igualdades existentes entre os dois países
ao nível de política ambiental. Os autores portugueses preocupados apenas com Portugal e os brasileiros com o Brasil, configuram análises criticas de um fenômeno global como reflexões locais, perdendo a amplitude do território linguístico e a possibilidade de vislumbrar um discurso voltado para o diálogo e para o debate entre as comunidades falantes da língua portuguesa. Tal constatação foi confirmada depois de uma revisão bibliografica minuciosa dos estudos que interrelacionaram meio ambiente e comunicação social, o chamado “estado da arte”, mas na verdade já fazia parte da hipótese principal desse projeto de tese. Invisto assim, com o olhar crítico nas evidências do jornalismo hegemônico com a clara pretensão de encontrar caminhos para a construção de uma linguagem contra-hegemônica no ensino universitario brasileiro de jornalismo. Pois, pensar a actividade do Jornalismo Ambiental com possibilidades de se tornar uma tradução cultural na contemporaneidade se torna mais perto do possível se pudermos vislumbrar projectos alternativos de comunicação, ou seja, projectos contra-hegemônicos que permitam à informação ambiental se configurar na sua natureza política e performativa de luta em prol da vida, como tradutora entre saberes diversos. Faz-se imperativo compreender que a delimitação do campo não pode ceder à reduções do saber ambiental a aspectos técnicos-científicos e econômicos em detrimento dos sociais, culturais, espirituais. Esta pesquisa pretende se constituir como uma contribuição para o que, no pensamento de Boaventura de Sousa Santos, definiu-se como “ecologia dos saberes”18 , ou seja, para um jornalismo ambiental na sua condição de disciplina interdisciplinar a nível teórico, e na sua condição de promotor e mobilizador de consciência ambiental. Ainda assim, há um longo caminho na definição e estruturação da actividade jornalística voltada para as questões ambientais, no que se refere à formação dos profissionais e no desenvolvimento das linguagens e suas técnicas; seja imagética, sonora e/ou textual que permitam aberturas à participação, e à emersão de subjectividades. Desde já percebe-se que o perfil do profissional como um “tradutor entre saberes” exige uma actuação nos espaços fronteiriços das culturas, ou seja, percepção de fronteira como espaço de articulação e não como linha divisória. Isto exige sensibilidade e abandono da pretensão de verdade absoluta, sem contudo se entregar à ficção própria do campo artístico, evidentemente.
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