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Desenvolvimento Humano: Construindo caminhos na Economia Popular Solidária

Edina Souza Ramos MENDES Socióloga Mestre em Educação – UFMG/ Brasil Doutoranda em Sociologia UNL – Lisboa/ Portugal edinasrm@gmail.com Resumo As experiencias econômicas solidárias que vêm ocorrendo nas últimas décadas, no Brasil, mostram que estas práticas atingiram não só a materialidade daqueles que vivem do trabalho, mas também provocou profundas repercussões no conceito de democracia e desenvolvimento humano. Portanto, as experiências vividas no interior dos grupos autogestionários apontam uma mudança na produção-formação de seres humanos, de trabalhadores e trabalhadoras, de grande significado para a emancipação desses sujeitos e da sociedade. A dimensão econômica está sendo considerada, neste trabalho, como um eixo significativo das práticas político-sociais em uma perspectiva que “a reprodução da existência ainda depende em grande parte da dimensão econômica”1. A pesquisa de Campo foi realizada com oito Empreendimentos Economicos Solidários, urbanos e rurais, da região Norte de Minas Gerais, Brasil. Este trabalho aponta que as práticas de economia popular solidária vêm produzindo novos sujeitos do trabalho e os mesmos vêm adquirindo “o governo de si próprio, libertando-se da tutela, da servidão, da submissão, conquistando autonomia e capacidade de autogerir-se”2. Palavras-chave: desenvolvimento humano, autogestão, sujeitos, trabalho. Abstract The solidarity economy experiences that have occurred in recent decades in Brazil, show that these practices have reached not only the materiality of those who live work, but also caused a profound effect on the concept of democracy and human development. Therefore, the experiences within the self-managed groups indicate a change in production and training of human beings, male and female workers of great significance for the emancipation of individuals and society. The economic dimension is being considered in this work as a hub of significant political and social practices from a perspective that "the reproduction of existence still depends largely on the economic dimension. " Field research was conducted with eight Economicos Solidarity Enterprises, urban and rural areas of northern Minas Gerais, Brazil. This work shows that the practices of popular solidarity economy have produced new subjects of work and they have acquired "the government itself, freeing them from the tutelage of bondage, submission, winning autonomy and ability to manage itself. " Keywords: human development, self management, subjects, work. 1 2

Laranjeiras, 1990, p. Arruda, 2009, p.


Introdução

A

Economia Solidária emerge em um contexto em que a maior parte da humanidade sobrevive em condições de pobreza e exclusão e social, decorrentes de uma economia dominada pelo capital. No Brasil tais experiências ressurgem, a partir da crise econômica da década de 80, resgatando antigas utopias exercitadas desde o início do capitalismo pelos trabalhadores: a autogestão, o cooperativismo de trabalho. Não se trata apenas de experiencias isoladas, como afirma Arruda (2003) “Trata-se da construção de redes não hierarquizadas de relações econômicas e humanas que têm como valor central o homo, seu trabalho, seu saber socialmente acumulado, sua criatividade, e como objetivo a resposta às necessidades materiais e imateriais de cada pessoa e coletividade de forma justa e sustentável”. São práticas fundadas em relações de colaboração solidária, inspiradas por novos valores culturais que colocam o ser humano, e não o capital e sua acumulação, como sujeito e finalidade da atividade econômica. Sendo o ser humano, em todas as suas dimensões, a finalidade da Economia Solidária, como a mesma, enquanto modo de organização da produção e do poder, afeta o desenvolvimento dos sujeitos nela envolvidos? Neste sentido, um aspecto relevante deste trabalho é compreender como as pessoas inseridas neste processo, aprendem e apreendem das suas experiências e vivências, para a sua auto-realização e enquanto coletivo. Nestas organizações autogestionárias e democráticas, cada pessoa vem assumindo o papel e a responsabilidade de ser sujeito do processo de fazer-se sujeito, na medida em que são responsáveis pela gestão do empreendimento e pela dinâmica de relações socioeconômicas justas, colaborativas e solidárias. Há uma nova consciência político-social a partir da agregação de processos democráticos, formativos e informativos decorrentes das organizações dos empreendimentos econômicos solidários? Para Arruda (2009), o desenvolvimento humano só é viável se vinculado à construção de uma democracia integral e esta é o único meio ambiente apropriado para o empoderamento pessoal e coletivo. Este processo começa pela afirmação de que cada um e todos os cidadãos e cidadãs têm o potencial de tornarem-se sujeitos do seu próprio desenvolvimento, enquanto pessoa e coletividade. Este trabalho resulta de uma pesquisa3 sobre a produção dos sujeitos nos processos de trabalho no interior dos empreendimentos econômicos solidários, na região Norte de Minas, no ano de 2009 e tem como objetivo refletir e analisar o desenvolvimento da pessoa humana no interior dos empreendimentos econômicos solidários – EES, em uma perspectiva que, a Economia Solidária não se restringe às lutas econômicas pela sobrevivência, mas se estende ao projeto de emancipação social e humana.

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A produção dos Sujeitos do trabalho nos processos de formação e qualificação nos Empreendimentos Econômicos Solidários: Um estudo da ação da Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares da Unimontes- ITCP – 2009 – UNIMONTES - Apoio: FAPEMIG


A pesquisa de Campo foi realizada em oito Empreendimentos Economicos Solidários, urbanos e rurais, da região Norte de Minas. Foi observado um conjunto de práticas dos processos de gestão, entendida como um fenômeno multidimensional que ultrapassa a noção de gerência, abrangendo aspectos políticos, técnicos, psicossociais. Neste sentido, as abordagens de campo buscaram perceber o perfil dos entrevistados e as mudanças ocorridas em suas vidas, depois da inserção na economia solidárias, em relação aos aspectos: relação com a comunidade, relaçoes de trabalho, vida pessoal e visão de sociedade. Também foram observadas as práticas cotidianas de autogestão do empreendimento. O embasamento teórico buscou articular algumas idéias que considera o trabalho como atividade vital, que torna possível a existência e a reprodução da vida humana, com questões sobre os processos educativos emancipatórios como eixos de compreensão das possibilidades da economia solidária no processo de desenvolvimento humano.

2. O desenvolvimento humano na perspectiva do trabalho Em um sentido oposto aos princípios da Economia Solidária, a sociedade capitalista, segundo Marx4, aliena o trabalhador do produto de seu trabalho; coloca-o como concorrente daqueles com quem partilha interesses e, em conseqüência, aliena-o de seus pares; enquanto o agricultor percebe imediatamente o sentido de seu trabalho (extrair da natureza seus meios de subsistência), o trabalhador da indústria é despossuído do sentido do seu trabalho; enfim, a divisão do trabalho despoja o trabalhador de sua própria humanidade. O trabalho “aliena do homem seu próprio corpo, mas também a natureza externa, sua vida mental e sua vida humana”. O trabalho vai perdendo toda a aparência de manifestação pessoal e apenas através da apropriação de uma totalidade de instrumentos de produção, ou de forças produtivas, é que o homem pode alcançar a manifestação pessoal, ou seja, através da superação da alienação, da formação onilateral tanto dos limites quanto da universalidade dos instrumentos de produção apropriados pelo trabalhador, através da criação das potencialidades humanas pelo próprio homem, no trabalho. São vários os processos educativos no interior das organizações de produção autogestionária que apontam uma mudança na produção-formação de seres humanos, de trabalhadores. A Economia Popular Solidária abre possibilidades para a construção de novas relações sociais e de trabalho, que podem resultar em uma nova cultura de trabalho, em novas subjetividades. “Sendo os trabalhadores os “patrões” de si mesmos, o trabalho pode ganhar possibilidade de dar um salto de qualidade – qualidade na sua relação com a comunidade, como também no que diz respeito ao próprio processo de trabalho”. (Lia V. Tiriba, 1998) Os dispositivos de formação e comunicação na economia solidária são inteiramente consagrados às trocas de experiências e saberes, às práticas participativas. Essas experiências têm como princípios geradores de sua ética, os valores de boa convivência humana entre si e com o ambiente, superando aqueles de concentração de lucro e hedonismo consumista característicos do capitalismo contemporâneo.

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Manuscritos de 1843-1844, apud, Manacorda, 1991.


Mudar o modo de trabalhar é avançar no processo emancipatório, é a própria heterotopia lugar da deslocação - proposta por Boaventura Santos (2000). É deslocar o âmago daquilo que desejamos, um dia, nos tornar. Conforme Arruda (2009), a educação para uma economia solidária expressa uma concepção de mundo de um crescente coletivo de homens e mulheres que entende que o sistema capitalista não é eterno e que os seres humanos, como lembra o historiador Eric Hobsbawm, não foram feitos para viver sob seu jugo. Homens e mulheres que cultivam a força e a herança históricas da luta daqueles que, desde os primórdios da humanidade, buscam superar as relações de classe que cindem e mutilam o gênero humano. Homens e mulheres que cultivam e buscam construir cotidianamente a utopia de relações sociais e educativas de cooperação e solidariedade.

Para o autor, os seres humanos concretos são os sujeitos, ponto de partida e de chegada dos processos educativos mediadores da formação do ser humano integral. É na relação permanente entre pensamento, reflexão, análise e ação que se materializa uma práxis formadora de sujeitos políticos coletivos e solidários produtores de novas relações humanosociais. Estas novas relações humano-sociais têm lugar também na prática da autogestão na economia solidária, definida como o conjunto de práticas que propicia a autonomia de um coletivo responsável pela concepção e decisões dos processos de gestão. Estas decisões deverão dar-se no coletivo, discutindo-se em grupo quais são as ações prioritárias. Os integrantes constroem de maneira coletiva o procedimento de trabalho, todos participam do processo de decisão, vivencia o direito a democracia, a liberdade, além disso, tem como objetivo enfrentar as necessidades de subsistência e sobrevivência, exigindo dos seus membros uma ação participativa. Para Fonseca, 1994, se uma nova ordem de organização e relações de trabalho é projetada na realidade do mundo, ela o é igualmente na realidade psíquica. Isto incide em novos modelos de instancias intra-subjetivas, produzindo os modos de relações humanas, os modos como se trabalha, como se é ensinado, como se ama, como se fala. Ela fabrica a relação do homem com o mundo e consigo mesmo. Para além de produtos, bens e serviços. Nesta direção que iremos verificar, na prática, como os componentes dos empreendimentos econômicos solidários vivenciam estas novas relações e como os mesmos percebem as transformações ocorridas na sua vida pessoal e nas suas relações de trabalho, com a comunidade.

3. Alguns resultados Os integrantes dos EES pesquisados, na sua maioria são mulheres. A expressividade das mulheres no campo da economia solidária, (des)contrói a idéia assimilada socialmente da superioridade masculina nas atividades laborais geradoras de renda. Como diz Vianna (1999:62), “As condições masculinas e femininas são, portanto, frutos de uma constante construção histórica marcada por muitas formas de apropriação – individual e coletiva – dos significados masculinos e femininos presentes na sociedade”. As vivências mais igualitárias, o


exercício da sociabilidade, da autogestão, de ocupar cargos podem representar novas subjetivações do trabalho feminino. Quanto à faixa etária, constata-se que apesar do desemprego ser um fenômeno que que atinge a todas as faixas de idade economicamente ativas, fica visível que os jovens em situação de primeiro emprego e adultos depois dos 40 anos de idade, predominam nos empreendimentos economicos solidários pesquisados. Entre os entrevistados constata-se a predominancia de adultos com mais de 40 anos. A frequencia de jovens na faixa etária de 15 a 18 anos trata-se de dois EES formados apenas por jovens desta faixa etária. Constata-se também, que entre os solteiros e casados há uma certo equilíbrio. Porém isto se dá pelo fato de entre os empreendimentos economicos solidários, pesquisados, dois são formados exclusivamente de jovens até os 18 anos e com número maior de integrantes. Perguntamos a cada entrevistado sobre quais mudanças ele percebia na sua relação com a comunidade, no trabalho, na vida pessoal, e na visão de sociedade a partir do período que iniciou a sua participação na economia popular solidária e no empreendimento. Relações com a comunidade - Foi unânime as respostas que demonstram um maior entrosamento com a comunidade e um sentimento de pertença a mesma. Algumas respostas demonstram também a satisfação de ser reconhecida pelos moradores depois de iniciar a sua participação no empreendimento. Junto a isto, percebe-se um anseio de maior comunicação, de repassar os conhecimentos adquiridos nos processos de formação e informação no movimento de economia solidária. Uma das entrevistadas manifestou a preocupação com a qualidade dos serviços prestados à comunidade e com o preço justo. Relações no Trabalho – A partir das respostas, percebe-se que para a maioria a produção melhorou porque um ajuda o outro e até incentiva; aumentou a confiança no próprio trabalho; mudou as técnicas de trabalho; aprendeu novas técnicas; maior valorização da alimentação natural e do remédio caseiro; passou a pesquisar sobre o próprio trabalho; aprendeu a produção com próprio grupo; pegou mais prática. Na vida pessoal – Para os entrevistados, a experiencia no EES ajudou a compreender mais o outro; ter mais paciencia; aprendeu a ter diálogo; melhorou a saúde; é mais feliz; ficou mais falante; “parece que fiquei mais inteligente”; sente igual a todos; mais capacitada; mais alegria; melhorou a convivencia social; repasso o que aprende para a família; pensa mais no coletivo; viver em grupo; mais conhecimentos; mais amigos; mudou o meu modo de pensar sobre mim mesma. Visão de sociedade – Os entrevistados respondem que acreditam numa sociedade que procura contribuir em prol de todos; antes achava a sociedade injusta, mas hoje pensa que todo mundo da força e apoia o grupo; a sociedade tem procurado ajudar mais as pessoas, pois estão sempre procurando fazer projetos para ajudar os outros; passou a preocupar mais com os outros; aprendeu a reciclar e a preocupar com o meio ambiente; aprendeu a ser mais consciente politicamente e cobrar os direitos; mais conhecimento da realidade da sociedade; não podemos ficar parados; mais participativa; enxerga o mundo de outra forma; discute assuntos que passam na sociedade.


Através de observações sistemáticas, buscamos perceber como são definidos e ou desempenhados os diferentes papéis dentro do empreendimento. Observou-se que, nos empreendimentos estudados, os papéis são distribuídos de acordo com as habilidades de cada um, portanto, percebe-se que estão abertos a aprenderem um com o outro. Nota-se também uma preocupação geral com o produto final como responsabilidade de todos. Quanto á prestação de contas, todos os recibos e notas são anexados em caderno (livro caixa) onde todos sabem das despesas e receitas e sobras do empreendimento. Porém, os trabalhadores envolvidos nos empreendimentos economicos sentem dificuldades na gestão do empreendimento, porque nunca tiveram antes contato com uma organização de trabalho em que eles são autores de todos os processos. Uma questão importante é que os níveis de desenvolvimento de cada empreendimento e de seus componentes são diferenciados em relação ao sentimento de propriedade e controle sobre os frutos do próprio trabalho, sobre a determinação do quê, como e por quê produzir determinado produto.

4. Breves conclusões A consciência político-social dos participantes da Economia Popular Solidária se constrói a partir da agregação de processos formativos e informativos decorrentes das organizações dos empreendimentos solidários e das articulações em redes e fóruns. Nessa participação, as pessoas, membros dos empreendimentos econômicos solidários, se apropriam de tipos de comportamentos adequados à proposta de Economia Solidária e de informações diversas, desenvolvendo um conhecimento sobre as engrenagens tidas como técnicas e sócioeducativas, sobretudo, identificando os interesses envolvidos. Neste processo, o grupo cria consistência e identidade de grupo. Ao mesmo tempo, percebe-se que o discurso dos sujeitos sociais, da economia solidária, estabelece o vínculo entre aquilo que é e aquilo que se pretende que seja, pois sua ação resulta diretamente da leitura que tal sujeito coletivo realiza sobre a realidade. Esta leitura está, é claro, condicionada pela realidade, isto é, produz-se por uma relação dialética. Conforme discussão anterior, a Economia Solidária tem como objetivo romper com a lógica excludente e buscar a emancipação social. Segundo Gaiger (1996) no momento que as pessoas integram-se nela as preocupações que antes eram apenas com a sobrevivência assumem novos contornos, pois desenvolvem outros comportamentos sociais e pessoais no âmbito do trabalho, das relações com a comunidade e com a sociedade. A isto, consideramos também como desenvolvimento humano. Fica claro nas respostas dos entrevistados sobre como os mesmos percebem as mudanças ocorridas em suas vidas, o sentido da interdependência positiva. Esta interdependência é definida como a consciência que todos do grupo desenvolvem de ter necessidade uns dos outros para realizar o objetivo ou o projeto comum. Diversos meios são usados para estabelecer uma interdependência positiva no interior dos grupos, como dividir tarefas e responsabilidades de maneira rotativa e estimular a ajuda mútua durante a realização dessas tarefas. O mesmo se promove entre os grupos.


De alguma forma, a economia solidária está construindo caminhos para o desenvolvimento humano, ao incentivar os sujeitos na conquista da autonomia e da autogestão no pensar e no agir, enquanto indivíduo e coletividade. Conforme Arruda, 2009, contribuindo na construção de sujeitos conscientes e ativos de sua própria evolução e desenvolvimento, da sua própria história e devir. O trabalho emancipado é aquele que liberta o ser humano para aquele desenvolvimento, que vai muito além da sobrevivencia, mas para a construção de uma democracia integral onde os participantes desta prática a partir do empoderamento de novos conceitos, são sujeitos de um novo modelo de desenvolvimento.

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