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Os Direitos Fundamentais do Trabalho e os Tratados Internacionais: notas críticas sobre a migração entre Brasil e Portugal Cleusa SANTOS

Resumo O problema da mobilidade de pessoas, através de fronteiras internacionais, é um tema que ganhou relevância nos últimos anos, em especial pelo direcionamento dos tratados, acordos, convênios e pactos internacionais para implementar medidas capazes de abolir ações discriminatórias em direção à concretização de políticas públicas voltadas para a garantia dos direitos dos migrantes. O tema assume um caráter mais polêmico, tendo em vista que essas medidas que compõem a pauta de negociações bilaterais, entre Brasil e Portugal, no escopo do Acordo Geral sobre o Comércio de Serviços (GATS), introduz uma questão importante ao debate da mobilidade: a livre circulação de pessoas ou de mão-de-obra. Assim, parece-nos fecundo colaborar nesta discussão, a partir da análise da interseção entre migração econômica e livre circulação e, a partir desse prisma, examinar a natureza das tensões entre as agendas dos governos brasileiro e português e dos organismos internacionais, para além da constatação das causas dos processos migratórios e de seus impactos sobre as políticas públicas de migração nas sociedades de destino e de origem. A referência concreta da discussão deverá se dar através da análise das demandas sociais dos trabalhadores brasileiros em Portugal e na verificação das modificações ocorridas no sistema de proteção social em decorrência da vigência dos Tratados da Amizade (2001), do Acordo Lula (2003) e do Tratado de Lisboa (2007). Palavras-chave: trabalho, migração, liberdade.

Abstract The problem of mobility of people across international borders, is a theme that has gained prominence in recent years, particularly by targeting the treaties, agreements, pacts and international measures to implement able to abolish discriminatory actions towards the implementation of policies government aimed at ensuring the rights of migrants. The subject assumes a most controversial character in order that those measures that make up the agenda bilateral negotiations between Brazil and Portugal, the scope of the General Agreement on Trade in Services (GATS) introduces an important issue to discuss the mobility: free movement of persons or labour force. Thus, it seems fruitful collaborate in this 

Doutora em Serviço Social. Professora Associada I I da Escola de Serviço Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro e Coordenadora do Grupo de Pesquisa “Seguridade social, Organismos Internacionais e Serviço Social” vinculado ao Núcleo de Pesquisa e Extensão sobre Poder Local, Políticas Urbanas e Serviço Social LOCUSS/ESS. Bolsista pós-doutorado CAPES. E-mail: cleusa@ess.ufrj.br


discussion, analyzing the intersection between migration economic and free movement, and from this perspective, examine the nature of tensions between the agendas of governments and Brazilian Portuguese andinternational organisations, in addition to finding the causes of migration processes and its impact on public policy of migration in host societies and of origin. The specific reference of the discussion should take place through the analysis of social demands of Brazilian workers in Portugal and verification of changes occurring in the social protection system due to the duration of Treaties of Friendship (2001), Lula's Agreement (2003) and the Treaty of Lisbon (2007). Keywords: labor, immigration, freedom.

I – Introdução

A

discussão do tema migração continua sendo fundamental para todos aqueles preocupados com os direitos sociais do trabalho e está cada vez mais presente na agenda política dos assistentes sociais. Desde o XII Congresso Brasileiro (CBAS) em 2007, a categoria profissional reconheceu a necessidade de fortalecer as “estratégias práticas de combate à desigualdade (em suas várias expressões), à violência, ao desrespeito aos direitos humanos. Vários setores foram citados, como a saúde, a situação nas prisões, as questões éticas postas por processos migratórios, as relações de trabalho e de discriminação, tais como homofobia, entre outros. Nesta luta, os organismos políticos da categoria profissional (ABEPSS, CEFSS/CRESS e ENESSO) encaminharam suas ações na defesa do trabalho e da democracia no Brasil, na universalização dos direitos sociais articulados com a defesa das políticas públicas e da Seguridade Social. Visam elas a consolidação de um verdadeiro padrão de proteção social no País ao combaterem as diversas manifestações da desigualdade social. Aqui se incluem os processos de criminalização dos fluxos migratórios e as medidas que atentam contra os direitos humanos dos migrantes. Assim, ao ser inserido na programática política da categoria profissional, a migração passa a se constituir num dos principais desafios colocados à reflexão teórica e intervenção prática dos assistentes sociais que estão preocupados em intervir nas manifestações da questão social expressas no crescimento da xenofobia e na discriminação no mundo, além daquelas medidas que restringem a livre circulação de pessoas. Nesse sentido, a análise da migração demonstra que a livre circulação de pessoas é tão importante quanto a circulação de bens e dos fluxos financeiros e que o problema da mobilidade de pessoas consubstanciou-se como sendo trabalho. Nesse contexto, a questão da migração aparece como uma das polêmicas que envolvem os processos de reprodução do capital no capitalismo contemporâneo, ou seja, a naturalização de uma tendência de culpabilização dos migrantes pela difícil situação em que se encontram. Hoje, mais de 120 milhões de pessoas vivem fora de seus países de origem, sendo que “grande parte disso” foi “motivado por fatores político-ideológicos e religiosos, mas acima de tudo, por motivo de trabalho” (Tedesco, 2007).


II- Liberalizaçào do Trabalho: trabalho e migração contemporânea Com o fim da Segunda Guerra Mundial e, posteriormente, do socialismo real, intensificou-se a expansão da economia mundial que ampliou o mercado global e evidenciou a circulação internacional da mão-de-obra, fazendo despontar, entre outros fenômenos, a preocupação com a regulamentação da livre circulação de trabalhadores. A Comunidade Econômica Europeia, criada em 1957, conferiu liberdade de circulação aos seus trabalhadores. No entanto, o maior fluxo nas migrações internacionais, não caminhou para uma igualdade de oportunidades para imigrantes dos países periféricos, como se propôs em posteriores encontros das agências multilaterais como o Banco Mundial, o Fundo Monetário Internacional e a Organização Mundial do Comércio. Desenvolveu-se, sim, a liberdade dos mercados mundiais circunscrita às necessidades da acumulação capitalista, sem contemplar a mobilidade sociolaboral (Pochmann, 2003). Sant’Ana (2000) levanta a questão de que havia “fortes temores quanto aos impactos da livre circulação sobre os mercados de trabalho, o nível e a qualidade do emprego, os serviços básicos e a seguridade social”. Se, por um lado, a liberalização dos mercados almejava eliminar as barreiras tarifárias e não-tarifárias, por outro ela aumentou a taxa de desemprego, a informalidade e a produtividade do trabalho. Este cenário de mudanças das relações sócio-econômicas e geopolíticas, somado às novas formas de sociabilidade, fornece o chão histórico sobre o qual advêm os fluxos migratórios internacionais contemporâneos, a partir principalmente da década de 1980. Tal inflexão desempregou ou precarizou mais de 1,2 bilhões de postos de trabalho (Antunes, 2001, p. 36). Ora, essa nova forma de sociabilidade torna-se adequada às necessidades do capital, pois garante a reprodução contínua do trabalho como valor-de-troca; trabalho assalariado, precário, potencializador do aumento da mais-valia e das formas de aperfeiçoamento do fetiche da mercadoria e dos processos de estranhamento/alienação dentro da ordem social do capitalismo. Nas últimas décadas, a chamada globalização, fruto da revolução tecnológica, dos avanços das tecnologias de informação, e do processo de abertura gradual dos mercados nacionais, introduziu novos e controversos temas no comércio internacional. Optou-se por um comércio com base preferencial em acordos bilaterais o que levou à deterioração dos termos de troca, uma forma particularmente danosa para os países periféricos, uma vez que os países mais ricos vendem aos periféricos produtos e serviços de maior agregação tecnológica e compram produtos de menor valor agregado. Se, por um lado, a globalização aumenta o fluxo de capitais, de comércio, de pessoas e de idéias, sintetizando um processo de desenvolvimento das relações de produção e das forças produtivas, por outro, conectado à produção, propõe que as idéias de progresso social e de criação de riquezas são resultados da capacitação científica e tecnológica do capitalismo contemporâneo. Essas alterações nas formas de reprodução do capital trouxeram exigências políticas para os trabalhadores frente a novos desafios.


A constituição das massas de imigrantes em um grande exército de reserva para o capital é apenas uma face do ataque mundial do capital sobre as organizações dos trabalhadores. Com a desregulamentação e abertura dos mercados para investimentos de toda a sorte, criaram-se políticas destinadas a quebrar o eixo organizacional dos trabalhadores, com a precarização das relações trabalhistas. A flexibilização da produção, pela qual o capital internacional transfere sua produção para países de mão-de-obra barata, de poucas restrições ambientais e com incentivos fiscais alentadores, resulta em perdas de postos de trabalho nos países centrais, o que reduz o nível geral dos salários e afeta também o trabalhador imigrante. Estabelece-se assim uma concorrência entre a força de trabalho local e a imigrante por decrescentes postos de trabalho, o que leva a um acirramento do sentimento xenófobo entre toda a população local e a políticas mais restritivas à imigração por parte dos países receptores. A informalidade cresce, os salários perdem poder aquisitivo. O capital, por sua vez, aufere maiores lucros sob todos os aspectos desse movimento. Nesse sentido, é o trabalhador imigrante o primeiro alvo das políticas adotadas para se conter as reincidentes crises do capitalismo moderno. Novas legislações se levantam para atacá-lo, como as políticas de criminalização da imigração ilegal aprovada na Itália e políticas de incentivo ao retorno aos países de origem, implementadas na Espanha e no Japão. Preconizou-se a necessidade de liberalização comercial e financeira de bens e serviços justificada pelo aumento tanto da inovação tecnológica quanto de seu corolário, a produtividade. Por outro lado, a redução da pobreza, segundo tais propostas, viria pela criação de regras gestadas pela OMC, de uma liberalização do comércio internacional e que produziriam mais riqueza e mais justiça social, incluindo-se aí as regulamentações do GATS (Acordo Geral sobre Comércio de Serviços), para os fluxos migratórios. Por sua vez, o Banco Mundial recomendava, através da incorporação de um conjunto de “cláusulas sociais nos acordos de empréstimos ao Terceiro Mundo, como fez o FMI com o Brasil” a criação de um modelo de “redes de segurança ou de proteção social”, focalizado nos segmentos “mais vulnerabilizados” pela pobreza. Diante deste cenário, parece oportuno indagar por que se fazem restrições à livre circulação de trabalhadores se se propõe a liberalização do comércio internacional e dos fluxos do capital financeiro? Ou seja, o que impediria a correlação entre a liberdade do comércio mundial e a liberdade de circulação dos trabalhadores?

III – O cenário da migraçao brasileira: a experiência além-mar Segundo o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) de Lisboa em 2008, os brasileiros em Portugal chegam hoje a 107 mil e representam quase 25% de uma população estrangeira constituída de 440 mil indivíduos. A partir do final dos anos 90 houve uma mudança radical nas características da imigração brasileira em Portugal, em face da “estrutura demográfica variada” dos imigrantes dos anos 70 e 80 que se reflete também nas atividades profissionais exercidas. As estatísticas mostram que as profissões mais representativas, entre os estrangeiros que residem em Portugal, são as ligadas ao comércio e aos serviços. Hoje, os brasileiros se concentram em empregos de menor qualificação: trabalhadores manuais,


pedreiros, marceneiros e empregados de restaurantes, hotéis e lojas. São funções que modificaram o perfil anterior entre os brasileiros em Portugal. Anteriormente, eles eram majoritariamente profissionais liberais como dentistas, decoradores e especialistas em marketing e propaganda (Cf. GÓIS et al.,2009). Segundo o bem documentado estudo de Bógus (2008) eles somam 29,1% da construção civil, 25% de empregados de restaurantes e hotéis e 27,1% dos serviços não-qualificados. São na maioria jovens com idade entre 24 e 34 anos, oriundos do interior dos estados do Paraná, São Paulo, Minas Gerais e Espírito Santo que emigraram sozinhos por causa dos baixos salários recebidos no Brasil (54,5%) ou por estarem desempregados (25%). A autora identifica nos fluxos mais recentes para Portugal, o aumento do número de jovens de classe média e baixa qualificação dispostos a se dedicarem a serviços mal-remunerados, quase sempre sem relação com a formação profissional adquirida no Brasil. Por outro lado, os estudiosos e representantes dos movimentos sociais organizados e sindicais têm registrado o aumento das formas de discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão a que são submetidos os imigrantes em diversos países. No efervescente debate sobre a presença de imigrantes em Portugal há uma tendência à naturalização. Prova disto é o pronunciamento do então Ministro da Administração Interna de Portugal, António Costa, no Diário Económico de 31-05-06, em favor da integração de imigrantes, embora frise que há um consenso entre os analistas de que Portugal se “beneficia do processo de atracção e integração de imigrantes, especialmente os já qualificados” sugerindo que “o envelhecimento da população e necessidade de pessoal qualificado pode ter aqui uma boa resposta, sem despesas adicionais de Educação”. Ademais, o ministro reconhece que “a proporção de imigrantes que aproveitam as vantagens da protecção social, nomeadamente o rendimento social de inserção, é muito baixa: 1.319 pessoas” no período. As matérias relativas à imigração publicadas na Lusa – Agência de Notícias de Portugal enfatizam aspectos sociais importantes, como a saúde e previdência para imigrantes, manifestando críticas veladas às verbas aí destinadas em manchetes como “imigrantes são foco de programa português contra AIDS”, ou “... o número crescente de imigrantes a receber subsídio de desemprego...” ou ainda “a quantidade de trabalhadores imigrantes a receber subsídio de desemprego não pára de aumentar” (outubro de 2007). Segundo Verri (2003), os trabalhadores imigrantes “que não entram [nos] critérios, ficam abandonados, sujeitos à precariedade, à marginalização”. Denunciava que são “um exército de reserva composto de uma mão de obra barata”, indicando o processo de proletarização dos imigrantes.


IV - O tratado de lsiboa no contexto da UE: politização da migração O Tratado de Lisboa, assinado a 13 de Dezembro de 2007, contempla o conjunto de negociações estabelecidas no acordo bilateral entre Brasil e Portugal expressos no Tratado de Amizade (2000) e no “Acordo Lula” (2003). Essa legislação, que regulariza a situação de brasileiros em Portugal (e vice-versa), envolveu interesses diversos para garantir o direito de migrar e trabalhar. O estímulo à sua consolidação é visível no número de encontros e eventos que antecederam a assinatura do Tratado de Lisboa. Dentre eles, destacamos o I Encontro Ibérico da Comunidade de Brasileiros (2002), VIII Cimeira Luso-Brasileira (2005) e a visita oficial do primeiro-ministro de Portugal José Sócrates ao Brasil (2006), quando o acordo entre os dois países foi ampliado. Rege que, “de modo recíproco, os nacionais brasileiros residentes em Portugal passam a ter a possibilidade de inclusão no regime não contributivo do subsistema de solidariedade do sistema público de segurança social, no que respeita às prestações de invalidez, velhice e morte”. O exame, portanto, do “Acordo Lula”, pode ser tomado como indicador da politização das migrações entre Brasil e Portugal, pois, além de se constituir em um instrumento inicial para o processo de regularização da situação de brasileiros em Portugal, garantiu o avanço de algumas importantes conquistas sociais e desvelou a gênese e a finalidade dos acordos bilaterais alcançados no Tratado de Lisboa: a participação dos dois países nos processos de integração regional, como a União Européia e o Mercosul. É neste contexto, portanto, com a vitória da perspectiva conservadora do neoliberalismo sobre as proposta democráticas, não se amenizou o impacto ideológico que a consolidação que o Tratado de Lisboa causou nos social-democratas e socialistas. De fato, não é exagero considerar acertada a tese defendida pelo ex-presidente francês Valéry Giscard d’Estaing (2007) de que o "novo" Tratado Reformador oculta fortes vínculos com a "velha" Constituição Européia. Justifica que a qualificação de reformista do Tratado, é o adjetivo “novo”. Segundo ele, quando se compara uma e outra Constituição, verifica-se que “os juristas não propuseram inovações”. Ao contrário, eles “partiram do texto do tratado constitucional, separaram-no em elementos, e inseriram esses elementos, um por um, sob a forma de emendas, nos dois tratados existentes: Roma (1957) e Maastricht (1992)”. Nesta mesma direção, Susan George (2008), presidente honorária da ATTAC França, em carta aberta aos líderes europeus, manifestou-se ratificando as palavras de Giscard d'Estaing: afirmou tratar-se de “uma cópia quase idêntica da defunta Constituição” que, de acordo com d'Estaing, fora cosmeticamente alterada "para parecer mais fácil de engolir". A crítica realizada pelo deputado europeu Miguel Portas sobre o Tratado não deixa dúvidas quanto a isto: ”enquanto o anterior documento substituía os Tratados existentes, o novo emenda-os” criando inúmeras dificuldades para sua interpretação. Em 2008, os deputados do Bloco de Esquerda no Parlamento em Portugal concluíram que “o Tratado de Lisboa está ferido de legitimidade” (Fernando Rosas). João Semedo classificou o processo como "envergonhado e escondido da população", declarando que, "este Tratado hipoteca o futuro da própria Europa, definitivamente entregue a um directório dos grandes


países." Francisco Louçã lembrou o debate da moção de censura que o Bloco apresentou sobre este tema e perguntou qual o sentido desta "política semáforo": "sempre verde para a flexigurança e para alterações institucionais fundamentais e sempre impedida para o que é o aprofundamento da democracia". Para ele, "esta crise chama-se déficit democrático". Luís Fazenda denominou esse processo de anti-democrático e citou como exemplo o pósreferendo irlandês. Lembrou que "o Tratado não existe juridicamente sem as 27 ratificações" e lamentou as pressões sobre a Irlanda para repetir o referendo. Sem querer fazer uma análise dos fundamentos jurídicos do Tratado, para os quais não somos qualificados, interessa-nos, particularmente, registrar os argumentos que fazem da estrutura e do modelo de construção da União Européia uma realidade muito diversa daquela apresentada pelos juristas do Conselho Europeu que prevê as “diversas disposições destinadas a aproximar a União e as suas instituições dos cidadãos, conferindo mais poder ao Parlamento Europeu, e um papel de maior relevo aos parlamentos nacionais dos EstadosMembros. Por ser hoje inegável a importância da União Européia como actor global, foram introduzidas reformas para tornar mais eficaz e coerente o relacionamento da Europa com o mundo”. Certamente, ações como estas apresentadas pelos reformuladores do Tratado e referendadas pelos 27 países, “enterra por muito e muito tempo qualquer sonho de processo constituinte democrático” (Portas, 2008). Talvez revele o modelo enrijecido de dogmatismo que caracteriza a estrutura da União Européia, ao não admitir a possibilidade de mudanças que estejam fora do Tratado de Lisboa ou o Tratado de Maastricht, etc. conforme chamou a atenção o Bloco de Esquerda. Por outro lado, se tomarmos em exame apenas os principais pontos previstos no Tratado de Lisboa, constataremos uma uniformidade que conferiu a todos eles ênfase na afirmação e na consolidação de uma União Européia mais democrática, eficiente e transparente na sua capacidade de defender os interesses do que se convencionou chamar, genericamente, de cidadãos. Este era o pensamento comum a todos aqueles que se posicionaram a respeito desse processo nos principais veículos de imprensa. Apesar de apresentarem diferentes e, muitas vezes colidentes pontos de vista, coincidem na maior parte das vezes na eleição destes pontos como sendo os mais problemáticos do Tratado. Temos a clareza de que estas referências não encerram a complexa discussão que o tema comporta. Ainda mais, quando o “novo” do Tratado de Lisboa, proposto pela EU, se constitui na introdução de emendas conforme já o demonstraram os argumentos acima. No âmbito econômico, essas emendas indicam que “o comando central impera nas finanças e na moeda”. Entretanto, no âmbito da política, observa o deputado: o mesmo se não pode dizer de domínios onde a ausência de Europa tem sido manifesta e se vai continuar a sentir - a saúde, a educação, a formação profissional e as políticas sociais continuam circunscritas às competências de cada Estado nação. Por outras palavras, não se toca naquilo que seria verdadeiramente importante para uma estratégia de defesa e reinvenção do Estado social. É verdade que aqui e ali se denota uma vontade de ir mais longe. Mas todos os avanços que poderiam ser significativos ficam sujeitos à unanimidade de decisão no Conselho... Um exemplo ilustra bem este compromisso medíocre: os parceiros sociais podem fazer convenções de nível europeu, o que seria indiscutivelmente um avanço.


Mas desde que tais convenções toquem a Segurança e protecção social, os despedimentos e o emprego dos imigrantes, o seu reconhecimento implica a unanimidade dos 27...

Lamentavelmente, o fato é que, o Tratado de Lisboa assinala uma vitória em toda a linha dos círculos atlantistas. A unanimidade na política externa obedece, para eles, a um critério defensivo. Mas na realidade o que impuseram em Lisboa foi uma estratégia de construção da política externa a partir de uma defesa militar e securitária subordinada à Nato, ou seja, à Casa Branca. Só compra quem quer...

Antes de encerrarmos, convém lembrar os últimos acontecimentos que envolvem a crise na Grécia. Neles, evidencia-se “a insustentabilidade de toda a arquitectura comunitária elaborada em Maastricht, formalizada no pacto de estabilidade assinado em Dublin em Dezembro de 1996 e institucionalizada na formação da zona euro’, comentou Joseph Halevi (2010). Sem poder aprofundar o conjunto de questões que este tema encerra, chamamos a atenção para a centralidade das reformas da UE que se revela nas exigências de redução de déficit viabilizado por medidas que operem cortes nas pensões, na saúde e nos salários do sector público. Medidas que se afinam com as orientações do Banco Mundial, como aquelas reformas estruturais que estão sendo implementadas no Brasil e nos demais países da América Latina. Para alcançar tal objetivo, “decidiram enviar uma missão de técnicos da Comissão Européia (CE), do Banco Central Europeu (BCE) e do Fundo Monetário Internacional (FMI) para "assessorar" o governo grego na tomada das medidas”. Apesar da mobilização, protestos e greve dos trabalhadores que resultaram no compromisso do governo grego de aplicar as medidas decididas pelos ministros da UE, opondo-se, no entanto ao corte do 13º mês. Por fim, é preciso se analisar as implicações deste debate para a livre circulação de trabalhadores, especialmente, na proteção dos direitos humanos e sociais e nas liberdades fundamentais, fato que não é alheio ao Serviço Social. Tanto os particularismos regionais de Brasil e Portugal quanto o universalismo - um valor sócio-histórico humanista e iluminista que transcende o imediato, constituindo-se numa das expressões nucleares do racionalismo do mundo moderno e legado dos movimentos revolucionários do século XIX e início do Século XX – estão na base do projeto ético-político profissional, convidado-nos a desvendar este desafio.

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