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Comunicação cidadã em Fortaleza: aspectos teóricometodológicos de uma investigação sobre os jovens participantes do Aldeia e do Encine Daniel Barsi LOPES Doutorando UNISINOS Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação Brasil daniel_barsi@yahoo.com.br Denise COGO Pós-Doutora UNISINOS Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação Brasil denisecogo@uol.com.br

Resumo Interessa-nos, neste artigo, refletir sobre as articulações teórico-metodológicas e as processualidades do fazer científico envolvidas em uma investigação que tem por objetivo analisar as relações entre os movimentos juvenis da periferia da cidade de Fortaleza (Brasil) e as mídias digitais. São investigadas as apropriações e os usos das tecnologias por jovens no contexto de duas organizações não governamentais (ONGs): Aldeia e Encine. Debatemos sobre as culturas juvenis da periferia de uma grande metrópole brasileira e os modos como a disseminação e a apropriação das novas tecnologias midiáticas podem reconfigurar a atuação e a produção de visibilidade dessas culturas no marco de processos de disputa por cidadania no espaço público. Refletimos sobre o desencadear de estratégias adotadas no decorrer da pesquisa – sempre com vistas a satisfazer as demandas do objeto, que fala, que tem vida e que precisa de uma metodologia tecida especificamente para atender às suas pulsões – e acerca das técnicas de investigação escolhidas para dar conta dessas estratégias. Discutimos sobre a importância de ter como um horizonte de atuação os ensinamentos de uma epistemologia do Sul e de uma ecologia de saberes, perspectivas de trabalho que acreditam na valorização dos saberes populares no fazer científico. Os resultados parciais da pesquisa, ainda em andamento, apontam para a configuração de uma comunicação cidadã que incorpora a) a experimentação das chamadas novas tecnologias, especialmente a internet; e b) a vivência de dinâmicas de redes, sendo essas duas questões percebidas em combinação com as materialidades e os modos organizativos e experimentais de fazer comunicação alternativa e popular, já presentes na trajetória da comunicação alternativa e comunitária desenvolvida nas últimas décadas na América Latina.


Palavras-chave: Comunicação, Cidadania, Juventude, Metodologia.

Abstract We are interested, in this article, reflect on the joints, methodological and scientific work of the procedurals involved in an investigation that aims to examine the relationship between youth movements in the outskirts of Fortaleza (Brazil) and digital media. Appropriations are investigated and the uses of technology for youth in the context of two nongovernmental organizations (NGOs): Aldeia and Encine. We debated on youth cultures of the periphery of a large Brazilian metropolis and the ways that dissemination and appropriation of new media technologies can reconfigure the role and visibility of production of these crops in the context of processes of dispute for citizenship in public space. We discuss the initiation of strategies adopted during the research - always aiming at satisfying the demands of the object, that speak, who has a life and need a methodology specifically woven to meet your instincts - and about the research techniques chosen for realize these strategies. We discussed the importance of having as a horizon of action the teachings of an epistemology of the South and an ecology of knowledge, job prospects that believe in the value of popular knowledge in scientific work. The partial results of research still in progress, pointing to the configuration of a citizen communication that incorporates a) the experimentation of new technologies, especially the Internet, and b) the experience of dynamic networks, and these two issues in combination with perceived the material issues and ways of doing experimental and organizational communication and popular alternative, already present in the path of alternative communication and community developed in recent decades in Latin America. Keywords: Communication, Citizenship, Youth, Methodology.

1 - Introdução

E

m um cenário de intensa e crescente presença das mídias em nossas vivências e formas de sociabilidades, interessa-nos, neste artigo, refletir sobre as articulações teórico-metodológicas e as processualidades do fazer científico envolvidas em uma investigação que tem por objetivo analisar as relações entre os movimentos juvenis da periferia da cidade de Fortaleza, no nordeste do Brasil, e as mídias digitais. O foco da pesquisa é pensar sobre como apropriações e usos das novas tecnologias da comunicação pela juventude atuante nos movimentos sociais pode configurar percepções e práticas de cidadania relacionados especificamente a demandas por reconhecimento da diversidade cultural e de outras formas de visibilidade da periferia, que não as veiculadas pela mídia hegemônica.


São investigadas as apropriações e os usos das tecnologias por jovens no contexto de duas organizações não governamentais (ONGs): Aldeia e Encine1, atuantes na periferia da cidade de Fortaleza. Procuramos, então, refletir sobre as culturas juvenis da periferia de uma grande metrópole brasileira e os modos como a disseminação e a apropriação das novas tecnologias midiáticas podem reconfigurar a atuação e a produção de visibilidade dessas culturas no marco de processos de disputa por cidadania no espaço público. Tendo em vista que nossos objetos e interesses de pesquisa descortinam-se paulatinamente, a partir de idas e vindas aos livros e ao campo, de continuidades e rupturas com nossos pressupostos conceituais, de diálogos e atritos entre teoria e realidade empírica, o objetivo deste artigo é, também, pensar reflexivamente sobre os caminhos percorridos na construção desta investigação, é ponderar sobre as processualidades teórico-metodológicas desenvolvidas em uma pesquisa que se propõe a analisar as relações entre mídia, juventude e cidadania na periferia de uma grande metrópole brasileira. Para dar conta de nossos objetivos, iniciamos o artigo dissertando sobre as relações entre a comunicação e a cidadania, apresentando conceitualmente algumas das temáticas de interesse da investigação2 que dá origem a este texto. Posteriormente refletimos acerca das processualidade metodológicas desenvolvidas na construção da pesquisa, ou seja, como as estratégias foram sendo articuladas e desencadeadas no fazer científico desta empreitada. Em um terceiro momento abordamos sobre a importância da valorização dos conhecimentos populares na investigação acadêmica, focalizando os atores coletivos moradores de periferia como agentes da História, bem como consideramos as relações de aproximação entre sujeito pesquisador e sujeito pesquisado, acreditando em uma confluência de saberes oriunda deste contato. Na quarta seção deste trabalho apresentamos os resultados parciais da pesquisa com jovens das associações Aldeia e Encine, discutindo brevemente sobre suas visões de mundo, o consumo de meios de comunicação, a participação nas ONGs e suas demandas identitárias e culturais.

2 - Comunicação e a construção da cidadania Falar de movimentos de jovens e de seu potencial de inserção sociocultural a partir dos usos das mídias digitais é resgatar, inicialmente, todo um percurso no qual os movimentos sociais e a comunicação cidadã caminharam juntos. Vale destacar, desde já, que iniciativas como as desenvolvidas pelo Aldeia e pelo Encine na cidade de Fortaleza não surgiram do acaso, e tampouco são novidades, mas sim herdeiras de 1

Aldeia e Encine são associações da sociedade civil que trabalham com a inclusão social e cultural de jovens moradores de periferia, na cidade de Fortaleza, capital do estado do Ceará, a partir do processo de empoderamento das novas tecnologias da comunicação. 2

Pesquisa de doutorado em andamento, iniciada em 2008, no Programa de Pós-Graduação em Ciências da Comunicação da Unisinos, com o título atual de “Movimentos juvenis, mídias digitais e práticas de cidadania na periferia de Fortaleza: Aldeia, Encine e seus receptores-produtores midiáticos”, sob a orientação da Profa. Dra. Denise Cogo.


uma trajetória de movimentos populares, no contexto da América Latina, que têm sua origem nas décadas de sessenta e setenta do século passado, vinculada, especialmente, ao cenário de reação à ditadura militar. Nos cenários latino-americano e brasileiro uma comunicação alternativa aparece mais vinculada aos intelectuais de esquerda ao passo que a comunicação popular surge inserida em movimentos de base (como as Comunidades Eclesiais de Base), associações comunitárias, grupos populares (como de mulheres)3. Ambas se constituem como modos de resistência a uma comunicação de massa que se desenvolve alinhada aos interesses hegemônicos de grandes grupos econômicos e políticos, incluindo das próprias corporações midiáticas (Cogo, 2005). Pensando a partir da perspectiva dos meios de comunicação alternativos e populares de base, a comunicação alternativa passa a ser tomada, na América Latina, como contra-hegemônica à produção massiva feita pelos grandes conglomerados de mídia e pela comunicação pública estatal, definindo-se, ainda, pelas possibilidades que abre de participação de setores e grupos sociais não apenas na elaboração de conteúdos, mas nos processos de gestão e produção comunicacionais. No conjunto, a comunicação alternativa representa uma contra-comunicação, ou uma outra comunicação, elaborada no âmbito dos movimentos populares e ‘comunidades’, e que visa exercitar a liberdade de expressão, oferecer conteúdos diferenciados, servir de instrumento de conscientização e, assim democratizar a informação e o acesso da população aos meios de comunicação, de modo a contribuir para a transformação social (Peruzzo, 2008b, p. 3)

A partir da citação de Peruzzo, vale a pena clarificar a hibridação e a amplitude dos termos “popular”, “comunitária” e “alternativa”, relacionados ao tipo de comunicação que nos interessa neste capítulo. Para além desses três conceitos, Downing (2010) aponta uma série de outros títulos para este ideário de comunicação, como, por exemplo, “meios do terceiro setor”, “meios horizontais” ou “nanomeios”, esclarecendo que as fronteiras entre as denominações são bastante flexíveis e que, portanto, fica difícil situar cada um dos termos de forma rígida. São inúmeras as formas de nomear estes tipos de comunicação, que variam segundo o autor, o período e a região geográfica. Entretanto, apesar de todas essas denominações, uma série de fenômenos sociais, econômicos, políticos e culturais vêm colaborando em um processo de apagamento das fronteiras entre o alternativo, o comunitário, o popular, etc. A globalização econômica e cultural, que reconfigura os marcos identitários; o transnacionalismo, que acarreta a relativização dos estados nacionais; a formação da sociedade em rede; o incremento das tecnologias da comunicação, especialmente com o surgimento da internet; a intensificação dos fluxos migratórios ao redor do globo; a pluralização das agendas de cidadania; e o próprios reordeamento dos movimentos sociais (COGO, 2010) são algumas das perspectivas da experiência social contemporânea que vem 3

Não podemos deixar de citar, também, a ação de vários movimentos que, no contexto brasileiro, lutaram em prol das classes trabalhadoras, como os movimentos sindicalistas.


provocando o reordenamento dos campos do alternativo, do comunitário e do popular. Cientes desses reordenamentos, optamos, neste texto, por falar em comunicação cidadã, por acreditarmos que a cidadania esteve presente como perspectiva sociopolítica central das práticas de comunicação alternativa e popular dos movimentos sociais que, no contexto latino-americano, visavam tanto a mobilização e a transformação sociais quanto a democratização dos próprios meios, processos e políticas de comunicação. O termo mídia cidadã vem apontando, nessas últimas duas décadas, para um alargamento da compreensão de cidadania, para além dos direitos civis, sociais e políticos. A reorientação do termo vem expressando-se na inclusão de outras perspectivas, como a cidadania cultural ou intercultural – que se fundamenta no reconhecimento da diferença e das identidades culturais – e a cidadania global ou cosmopolita – que se alicerça nas demandas por uma universalização da cidadania social, para além da delimitação das fronteiras e dos pertencimentos locais, regionais e nacionais, especialmente reinvidicadas pelos migrantes. Somando-se a este cenário de transformações de demandas, de emergência de micropolíticas culturais e identitárias e de reformulações na ação coletiva dos movimentos sociais há o fato de, na última década do século XX e em inícios do século XXI, haver uma intensificação de um processo de disseminação das novas tecnologias da comunicação, especialmente a internet, alterando sobremaneira a forma como a sociedade – e, no caso o que nos interessa, os movimentos sociais juvenis – passam a relacionar-se com as mídias a partir de então. Ultimamente, mais precisamente no início deste século, observa-se uma retomada crescente de iniciativas de comunicação popular, alternativa e comunitária no Brasil, e agora incorporando inovadores formatos e canais de difusão possibilitados pelas novas tecnologias de informações e comunicação (NTIC). São experiências ligadas a movimentos sociais, associações comunitárias e de vários outros tipos de organizações não-governamentais (Peruzzo, 2008b, p. 5).

A emergência das mídias digitais e da comunicação em rede trazem em seu bojo a possibilidade de produção de conteúdos midiáticos a partir de uma outra lógica, que não mais somente a de um para todos, mas, também, de todos para todos, quando são abertos os recursos para que os sujeitos sociais com acesso aos suportes comunicacionais possam transforma-se em produtores de mídia. Neste sentido, a comunicação popular, pautada, muitas vezes, por uma atuação em pequena escala, mais territorializada localmente, assume outras feições. Com a centralidade cada vez maior das mídias em nossa sociedade e a disseminação das novas tecnologias comunicacionais, a comunicação abandona uma posição de coadjuvante no trabalho dos movimentos sociais e passa a ocupar um lugar de destaque, muitas vezes sendo a razão de ser de projetos de diversas associações da sociedade civil, como no caso do Aldeia e do Encine, que trabalham especificamente com processos de empoderamento das mídias digitais com vistas à inserção sociocultural dos jovens atores que delas se apropriam.


Apesar da aparente naturalidade de sentido e de lógica do texto, para chegar às associações Aldeia e Encine como objetos de referência da investigação e para construir teoricamente alguns dos conceitos que nos são caros nesta pesquisa foi necessário um longo percurso teórico-metodológico, caminho este nem sempre pautado pela linearidade, mas, muitas vezes, atravessado por tensões, rupturas e pelo surgimento de situações sequer previstas no planejamento das estratégias metodológicas.

3 – Processualidades metodológicas: a pesquisa que se alimenta da pesquisa A pesquisa científica no campo da comunicação está em constante construção, sendo penetrada por um incessante ir-e-vir. “O campo da pesquisa *...+ é processo enquanto se realiza como prática científica” (Lopes, 2001, p. 97). A pesquisa – não só em comunicação, mas vamos tomar este campo, no espaço deste texto, como objeto de referência – se constitui em processo, ou, melhor dizendo, em processos. Cabe ao bom pesquisador, ciente de suas funções e responsabilidades perante a sociedade, exercer um movimento de seguir adiante e, ou de retroceder, com vistas sempre ao que for mais proveitoso para o desenvolvimento da investigação. A investigação científica deve ter esse caráter reflexivo, o pensar não somente sobre o objeto empírico que se está estudando, mas, também, sobre a própria pesquisa, sobre o fazer pesquisa e tudo o que envolve essa prática. É amplamente dito que nas pesquisas em comunicação o teórico e o metodológico estão intrinsecamente ligados, e que é impossível desvincular um do outro. Cabe nessa discussão um adendo, acerca da reflexão como importante fator a ser considerado nas tomadas de decisões teóricas e metodológicas – no curso da pesquisa, em sua processualidade. No que diz respeito especificamente à investigação (ainda em curso) que dá origem a este artigo, iniciamos o processo metodológico de recorte dos objetos de referência fazendo um mapeamento de associações da sociedade civil de Fortaleza que tivessem o foco de trabalho na inclusão social e cultural de jovens de periferia a partir da comunicação, especialmente com a utilização e apropriação das mídia digitais. Após o mapeamento, que num primeiro momento nos apontou a existência de sete projetos deste tipo, passamos a fazer os contatos com cada uma das ONGs, explicando detalhadamente a pesquisa e mostrando nosso interesse em conhecer melhor o trabalho de cada uma delas. Após analisar melhor as características de cada uma das ONGs (e o retorno que cada uma delas nos deu) selecionamos a Aldeia e o Encine, pois dentre as sete associações mapeadas são ambas as que mais trabalham com mídias digitais (as outras produzem mais fanzines, jornais, cartilhas, etc.), uma das questões primordiais para a investigação em desenvolvimento. Outro ponto que favoreceu a seleção das duas ONGs foi a receptividade de seus coordenadores e o acolhimento que tiveram para com o pesquisador, tornando produtiva a relação entre sujeito e objeto de referência, facilitando a obtenção de informações e o desenrolar do processo, que já não é fácil,


mas pode tornar-se ainda mais complicado quando não há a colaboração e o interesse por parte daqueles que detêm as informações das quais precisamos. Após a seleção das ONGs foram desenvolvidas 4 etapas de pesquisa até agora, deixando claro que a visão de uma processualidade metodológica como artesanato intelectual (MILLS, 1975) não nos deixa enxergar esses momentos como coisas estanques e fixas, mas como etapas fluidas, que serviram de combustível para fazer pensar na articulação da etapa posterior. Algumas dessas etapas inclusive coincidiram cronologicamente em alguns períodos, evidenciando que a linearidade pura e absoluta é um elemento difícil de alcançar na processualidade da investigação, quando a otimização do tempo e dos recursos torna-se um fator de fundamental importância na tomada de decisões. Chega um momento no qual fazemos várias coisas ao mesmo tempo. Inicialmente foram feitas observações aos espaços das associações e entrevistas com os coordenadores das ONGs, procurando com isso aprofundar o conhecimento sobre as instituições, seus processos de formação, sua história, seus componentes, o trabalho que vêm desenvolvendo ao longo dos anos, etc. Para os encontros com os dirigentes foi elaborado um roteiro de observação e de entrevista, no intuito de clarificar e explicitar quais demandas da pesquisa deveriam ser satisfeitas neste primeiro contato presencial, promovendo uma maior aproximação com as associações selecionadas como objetos de referência. Posteriormente tecemos um processo de aproximação com os jovens envolvidos nas ONGs, conversando informalmente com eles, sabendo um pouco de suas histórias, acompanhando ocasionalmente seus trabalhos no âmbito das associações, enfim, procurando apresentar a pesquisa a eles, objetivando fazê-los sentir-se parte da investigação. Em uma terceira etapa procuramos acompanhar os trabalhos das ONGs de forma sistemática e continuada, observando e participando do maior número possível de seus projetos. Assistimos aos cursos de capacitação para o trabalho com as mídias, acompanhamos as dinâmicas de grupo, seguimos a gravação de vídeos, participamos da exibição do cine-clube promovido por uma das associações, etc. Era preciso conhecer melhor e entender o que se passa no cotidiano do Aldeia e do Encine, era necessário, de alguma maneira, começar a fazer parte daquilo, ser reconhecido pelos jovens não como um mero visitante esporádico. Em um quarto momento da pesquisa começamos a ampliar (de forma mais minuciosa) os conhecimentos sobre os jovens, sujeitos da investigação, dando continuidade à relação iniciada na segunda etapa. Selecionamos 3 integrantes das ONGs e fizemos, então, entrevistas individuais e em profundidade com cada um deles, nas quais procuramos compreender diversas dimensões de suas vidas. A observação e a entrevista foram selecionadas como técnicas de investigação, até o momento, por acreditarmos em suas potencialidades de permitir uma maior aproximação entre o mundo do pesquisador e o universo do objeto de referência e de


seus informantes. A observação é algo que muitos dos investigadores fazem (muitas vezes de forma não refletida) ao acercar-se aos seus objetos, mas acabam não sistematizando as informações advindas desse procedimento, tomando nota, registrando os detalhes, fotografando, enfim, acabam por não organizar o contigente de elementos que surgem nesta mirada inicial. Observar sistematicamente, de forma refletida e consciente, a partir de um olhar de fora (GUBER, 2004), pode ser revelador de uma série de questionamentos profícuos para o desenvolvimento do estudo. Antes de entrar em campo, muitas vezes, o único mapa cultural que o investigador tem é o seu próprio referencial (GUBER, op. Cit), daí a importância de um olhar sistemático sobre o que se pesquisa para poder tomar parte e compreender melhor o cenário que interessa. A entrevista pode ser muito bem utilizada em articulação com a observação, fazendo emergir questões que não puderam (ou não puderam claramente) vir à tona com a obervação. Interessante quando Bourdieu (1997, p. 694) nos fala que “em muitos casos, a escuta ou a leitura da primeira entrevista suscitaram novas perguntas [...], levando a uma nova entrevista”. Ou seja, as entrevistas realizadas com os coordenadores das associações atuam como exploratórias, levantando questões, abrindo eixos de interesse, fazendo emergir temas que foram tratados mais detidamente com as entrevistas em profundidade com os jovens. Faz-se interessante, também, resgatar Daniel Bertaux (2005), quando este autor afirma que dependendo de como os pesquisadores apresentam seus trabalhos de investigação, pode parecer útil a certas categorias conceder entrevistas, principalmente “las categorías sociales – muy numerosas por cierto – de las que nunca se habla en los medios de comunicación, o si se hace es sólo para caricaturalizarlas” (Bertaux, 2005, p. 60). Foi notória a disponibilidade dos coordenadores do Aldeia e do Encine em conceder as entrevistas, talvez pela ampla falta de visibilidade das duas associações na mídia hegemônica e por acharem que através de uma pesquisa acadêmica os movimentos socioculturais juvenis de periferia pudessem circular e gerar interações e diálogos em outro âmbitos. Vale destacar que as estratégias metodológicas e as entradas em campo foram o tempo todo acompanhadas de diálogos (que envolvem concordâncias e atritos) com o teórico, com a construção conceitual da investigação. Bagagem teórica baliza os encaminhamentos ao campo e concreto empírico tensiona os conhecimentos advindos das leituras. As quatro etapas de pesquisa desenvolvidas até o momento foram seguidas por uma constante ampliação do referencial bibliográfico, bem como algumas temáticas de interesse foram surgindo ao longo da investigação, como consequência dos primeiros contatos com os jovens moradores de periferia e participantes das associações Aldeia e Encine. Essas aproximações entre sujeito pesquisador e sujeitos pesquisados foram absolutamente profícuas para o enriquecimento da pesquisa, possibilitando-nos dar voz aos jovens da periferia das grandes cidades, atribuindo-lhes o papel de produtores de conhecimento e sujeitos atuantes e valorizando a cultura que é criada e recriada a partir de suas práticas cotidianas.


4 – Saberes populares na construção científica: jovens como agentes da História É em um sentido de emancipação dos sujeitos através do conhecimento, e não de aprisionamento, que nos apropriamos das contribuições de Boaventura de Sousa Santos, quando este autor nos fala de uma epistemologia do Sul e de uma ecologia de saberes (Sousa Santos, 2009). Nesta perspectiva de fazer ciência os conhecimentos populares seriam revitalizados, resgatados depois de a eles muitas vezes só restar a invisibilidade, afinal, fala ironicamente o autor que “do outro lado da linha não há conhecimento real: existem crenças, opiniões, magia, idolatria” (Sousa Santos, 2009, p. 25). Refletindo sobre isso, podemos perceber a importância que os conhecimentos populares de periferia podem trazer para investigações como a nossa. As micropolíticas, os fazeres, os protestos, as estratégias que, na maior parte das vezes, não estão escritos em nenhum manual, mas configuram-se como um código, muitas vezes transmitidos somente aos “iniciados”. Será que esses saberes não merecem atenção por parte dos pesquisadores? Sobre a epistemologia do Sul, é interessante e esclarecedor quando Sousa Santos (2009, p. 44-45) nos diz que se trata de uma ecologia porque se baseia no reconhecimento da pluralidade de conhecimentos heterogêneos [...] e em interações sustentáveis e dinâmicas entre eles sem comprometer a sua autonomia. A ecologia de saberes baseia-se na idéia de que o conhecimento é interconhecimento.

É com o intuito de valorizar e visibilizar as culturas e os fazeres dos jovens de periferia que propomos essa visada, norteada por uma perspectiva de ecologia de saberes, no qual há troca de conhecimentos entre os jovens sujeitos-pesquisados e o investigador, que, apesar de não ser um morador da periferia e de não ter tido essa vivência em sua trajetória, pode construir, juntamente com as juventudes moradoras dessas áreas, conhecimento a partir das interrelações com os atores coletivos que atuam como informantes da investigação. Sobre a ausência de algum elemento que nos “enquadre” como alguém oriundo da periferia (e os prejuízos que isso possa acarretar para a investigação), Martins (2009) parece contribuir, lembrando de suas trajetórias de pesquisa com indígenas e camponeses na Amazônia, quando reflete que, apesar de toda a cordialidade com a qual o tratavam, ficava sempre clara a sua condição de estranho, de não-membro de grupo. O autor (2009, p. 16) completa, afirmando que “é uma ingenuidade imaginar que o pesquisador possa se tornar participante de grupos cuja situação social exacerba seus critérios de alteridade e torna precisa a linha que neles separa o ‘nós’ e os ‘outros’”. E justamente num sentido de auto-reflexividade é significativo pensar como esse tipo de investigação pode ser frutífero e desmistificador para os pesquisadores que entram na periferia, por vezes, marcados por estereótipos. Muitos desses estereótipos não são propositais e, algumas vezes, sequer percebidos. São marcas construídas ao longo de décadas, que ficam como uma crosta na pele. É o medo de ser assaltado, o receio do contato direto com o feio, o pobre e o sujo. A proximidade com essa outra realidade, a descoberta de outras lógicas, o conhecimento de outros paradigmas fazse de fundamental importância para a formação acadêmica e pessoal desses


investigadores, que podem contribuir científica e socialmente a partir da confluência de saberes, do encontro de olhares, do compartilhamento de conhecimentos e trajetórias entre os “de dentro” e os “de fora”. E nessas aproximações de mundos é que vemos que, apesar de trajetórias distintas, as realidades de jovens moradores de periferia e de um jovem pesquisador convergem em algumas questões, às vezes próprias da juventude. Os jovens da periferia também fazem faculdade, os jovens “do asfalto” também têm problemas com o desemprego, ambos constroem sonhos, têm anseios, vivem sua juventude marcados por ambivalências, dúvidas e angústias. Apostamos que esse encontro de jovens, de realidades, a priori, distintas, pode ser produtivo e relevante para a pesquisa em comunicação. Interessante quando Martins (2009), acerca das sociabilidades tecidas a partir de pesquisas acadêmicas, nos fala de relacionamentos baseados em trocas, em compartilhamentos, e não em uma via de mão única, como, por vezes, vemos acontecer. O autor (op. Cit, p. 11-12) acrescenta, nos falando de um modo de conhecer através da vontade de conhecer e de se conhecer da própria população estudada. Desse modo é possível fazer com que o grupo estudado formule por meio de suas indagações a compreensão que tem dos acontecimentos de que é protagonista e da situação em que vive e assim exponha também seu modo de compreender e de conhecer – seu modo de produzir conhecimento, os parâmetros e critérios de sua consciência social.

É com o ideário calcado nas epistemologias do Sul que procuraremos dialogar com os jovens moradores de periferia, construindo conhecimento de forma conjunta, e não fazendo da periferia um “laboratório”, tantas vezes utilizado instrumentalmente pelos pesquisadores de diversas áreas. Os jovens, protagonistas dessa investigação, não serão tomados como sujeitos exóticos e estranhos, daqueles que investigamos à distância, com medo de nos contaminar. Procuraremos dar o retorno de nossa investigação (e desta contrução coletiva de conhecimento) às periferias, aos jovens e às associações pesquisadas ao longo deste processo. Quando focamos nos jovens moradores de periferia é importante pensarmos que, na maioria das vezes, a História oficial faz-se nas cidades e que as histórias tecidas no subúrbio e na periferia contribuem apenas com uma história circunstancial. “O subúrbio é coadjuvante, circunstante, ocasional” (Martins, 2008, p. 57). A cidade tem privado os sujeitos dos subúrbios e das periferias do direito e da possibilidade de reconhecerem-se como agentes ativos do processo histórico. Mas a História, com H maiúsculo, é feita do que, se não de histórias? Acreditamos que os jovens cujas vidas desenrolam-se na periferia contribuem de forma protagonista para a História da humanidade, com suas pequenas histórias, seu pequenos feitos. Cada encontro, cada sair para filmar, cada depoimento colhido, cada edição, cada troca de material, cada processo engendrado nessas produções de outras visibilidades ajudam a construir a História. E nosso papel é tentar entender e documentar isso. Vale, ainda, destacar que nossa investigação desenvolve-se a partir de uma perspectiva qualitativa, onde sobressaem processos, sujeitos, histórias, trajetórias de vida de jovens de periferia e suas relações com a mídia, em detrimento de números, gráficos, porcentagens e cálculos. Não tivemos a pretensão de selecionar um número


de jovens para a pesquisa que adquira valor estatístico e nem de tomar os dados advindos da investigação como a representação da realidade e como o universal, apenas compreender determinadas questões do interesse deste estudo em contextos bem específicos, que são os da periferia das grandes cidades brasileiras. Apesar de particular, acreditamos que a periferia da cidade de Fortaleza – com seus jovens, suas demandas e suas ações sociais – dialogue com os morros, favelas e subúrbios de tantas outras cidades brasileiras, mostrando que as investigações em micro-contextos têm valor ao circularem, contribuirem e vincularem-se a macro-contextos. No sentido de dar voz a esses cidadãos, possibilitando e visibilizando sua participação como agentes da História, vejamos agora o que nos dizem e o que pensam esses jovens moradores de periferia que atuam nos movimentos socioculturais Aldeia e Encine. Como esses atores coletivos relacionam-se com a comunicação e como esse vínculo pode ajudar na construção da cidadania?

5 – Outras realidades, outras demandas: o que esses jovens pensam? Os jovens entrevistados até agora têm entre 14 e 20 anos e são moradores da região do Mucuripe; do Pirambú, um bairro afastado do centro da cidade e bastante estigmatizado pela população fortalezense como um local pobre e perigoso; e do Conjunto São Miguel, um conjunto habitacional em Caucaia, cidade que faz parte da Grande Fortaleza. Os sujeitos da pesquisa são articulados, desenvoltos na hora de expressar-se e manifestam uma noção de reconhecimento de suas trajetórias, da realidade que os cerca e das ausências que fazem parte de suas vidas. Todos eles já têm uma caminhada – apesar da pouca idade – junto aos movimentos sociais, e a participação no Aldeia e no Encine veio no fluxo dessas outras atuações em outros projetos e associações, enfatizando o caráter transitório e, muitas vezes, fragmentado da atuação nos grupamentos juvenis (Maffesoli, 2000). Os atores coletivos juvenis manifestam uma ampla presença da mídia em suas vidas, para além do trabalho realizado no âmbito das associações. A incorporação das tecnologias da comunicação em seus cotidianos é visível, especialmente com os usos do celular e de todas as suas ferramentas (câmera digital, filmadora, tocador de MP3, etc.) e da internet – nas Lanhouses – e das potencialidades abertas com este suporte, como, por exemplo, as redes sociais (especialmente o Orkut), os jogos online, o acesso e compartilhamento de vídeos em sites (principalmente o YouTube) e os chats de conversação e alguns softwares que possuem esta finalidade (primordialmente o MSN Messenger). Mas é possível perceber a convivência da comunicação em rede com a comunicação massiva nos usos que os jovens também fazem das ditas mídias “tradicionais”, como o rádio, as revistas e a televisão. Sobre este diálogo entre diversos tipos de mídias e suportes, vale a pena enfatizar que o massivo não cede completamente seu espaço à rede. Não há uma superação de um pelo outro, mas sim uma convivência entre as mídias, fenômeno que alguns autores chamam de remediação (Bolter e Grusin, 1999).


É facilmente percebida uma postura de rechaço à mídia hegemônica e massiva, por parte dos jovens, especialmente à televisão. “Na televisão *...+ você tem bastante alienação, acho um desperdício você ficar assistindo àquela programação da televisão, principalmente aqueles de comida, o pior de todos”. *...+ São coisas irreais. O que eu tiro dali são poucas coisas” (Jovem de 20 anos). “Os meios de comunicação são o quarto poder” (Jovem de 14 anos). Notamos aqui um viés fatalista sobre um papel perverso e manipulador da mídia, muito presente na história dos movimentos sociais, bem como uma forte matriz de pensamento evidenciada no contexto da sociedade brasileira em geral. Quando vamos avançando na entrevista, entretanto, vão surgindo pistas da presença da televisão na vida de nossos sujeitos-pesquisados, demonstrando que há em suas apropriações dos meio de comunicação um uso combinado de mídia em rede e mídias massivas. “Eu gosto de assistir *à televisão+... pouco, mas assisto mais à Record, seriados” (Jovem de 18 anos). “Televisão é mais assim, é... quando tem novela ou jornal que vai passar” (Jovem de 14 anos). Vale destacar uma noção, por parte dos jovens das associações, da visibilidade midiática como lugar de conquista de cidadania. Os meios de comunicação muitas vezes atingem na contemporaneidade o status de espaços nos quais a cidadania se corporifica e se materializa (Bucci, 2004; Mata, 2002, 2000, 1999). Tornar suas práticas visíveis à sociedade parece ser um dos objetivos dos movimentos sociais, que necessitam do apoio financeiro do Estado, por parte dos editais públicos, e do interesse da sociedade civil pelos trabalhos desenvolvidos no âmbito de suas atuações. Segundo os informantes, a mídia “ajuda a divulgar todos esses projetos, que é uma coisa boa. Assim o projeto tem expansão” (Jovem de 20 anos). “Acho que isso [atuação da mídia com relação aos movimentos sociais] é muito importante, porque a gente tá passando uma coisa que a gente está aprendendo, isso não vai ficar só com a gente” (Jovem de 14 anos). “É um meio de solução. *...+ Acho que o ponto máximo do Encine é realmente passar o conhecimento trabalhado dentro do projeto” (Jovem de 18 anos). A partir das contribuições de Cogo (2005), podemos enxergar a mídia como esse espaço configurador da realidade e produtor e organizador do sentido, ou seja, como instância de ordenação da vida social e das “modalidades e das agendas de ação e intervenção de atores e movimentos sociais na sociedade contemporânea” (Cogo, op. Cit, p. 2). No que diz respeito ao fomento à cidadania construído nesse tipo de comunicação comunitária, os jovens pesquisados são unânimes em afirmar a relação de aproximação que há entre os processos sociocomunicacionais desenvolvidos pelo Aldeia e pelo Encine e seus marcos identitários, suas trajetórias de vida. Interessante quando um dos informantes destaca um movimento de valorização de seu bairro, que não havia antes de sua entrada na associação. “Antes eu tinha até meio que vergonha de dizer que moro no Pirambú. Aí quando chegou aqui eu vi que a gente tem que ter orgulho da nossa raíz e da nossa terra. [...] O Encine me deu esse pensamento, de orgulho, de estar trabalhando esse meu lado” (Jovem de 14 anos). Os vínculos identitários e os sentidos de pertencimento e de reconhecimento são fundamentais para que se expanda e se fortifique o empoderamento social da mídia e a ampliação da cidadania (Peruzzo, 2008a), afinal, como seria possivel lutar por algo com o qual não se identifica e no qual não se acredita?


Ainda sobre os processos de identificação, todos os jovens afirmam não se sentirem reconhecidos na construção que a mídia massiva faz da juventude, acusando os grandes meios massivos de silenciarem uma parte de suas experiências, especialmente aquelas que se referem à dimensão da solidariedade. “Ela *mídia+ passa que os adolescentes são rebeldes, que não têm direitos, que são vândalos. [...] Ela não mostra a parte boa da adolescência, uma adolescência mais amiga” (Jovem de 14 anos). Em um sentido inverso ao que sentem com respeito às mídias massivas, com a comunicação popular produzida no seio das associações os jovens tecem movimentos de pertencimento e reconhecimento, identificando-se com o modo como a sua cultura é retratada nos produtos midiáticos elaborados no espaço das ONGs. Relembrando uma produção da qual fez parte, um dos jovens nos conta que Quem escrevia os roteiros eram os alunos. Então, a idéia era pegar coisas do seu cotidiano e colocar dentro do roteiro, do que você queria falar. Então, a nossa cultura, dos jovens, da luta das pessoas que participam do Aldeia está bastante presente. Bastante representada, documentada dentro dos vídeos que foram feitos (Jovem 1, 20 anos)

Enfim, com relação aos processos sociocomunicacionais desenvolvidos no interior das associações, os dados extraídos das entrevistas parecem sugerir uma certa autonomia dos jovens frente às ações das ONGs como modalidade organizativa e institucionalizada de movimento social. No que concerne às produções audiovisuais, os atores coletivos juvenis podem colocar em prática todo o repertório de conhecimento adquirido ao longo das oficinas de capacitação para as mídias. A partir das entrevistas podemos perceber que se privilegia, no âmbito das associações, um tipo de experimentação com as mídias que busca relativizar as hierarquias e que possibilita ao jovem o exercício criativo de várias funções e atividades técnicas, de gestão e produção, o que nos permite dizer que são modos através dos quais parte da juventude experimenta as tecnologias na atualidade.

Considerações finais Este artigo procurou refletir sobre a comunicação cidadã juvenil na periferia de uma grande metrópole brasileira, no caso a cidade de Fortaleza, buscando contemplar em suas análises aspectos teóricos e conceituais, acerca das temáticas que nos são relevantes na investigação, e questões de metodologia, destacando a importância de perceber a pesquisa em comunicação como uma processualidade metodológica. Tentamos evidenciar, desta forma, a pertinência de considerar teórico e metodológico como elementos inseparáveis no fazer científico. Refletimos sobre o desencadear de estratégias adotadas no decorrer da pesquisa – sempre com vistas a satisfazer as demandas do objeto, que fala, que tem vida e que precisa de uma metodologia tecida especificamente para atender às suas pulsões – e acerca das técnicas de investigação escolhidas para dar conta dessas estratégias. Observação (participante e não participante) e entrevistas mostraram-se como instrumentos capazes de nos fornecer as pistas que buscávamos, os elementos que


poderiam servir como alimento para a constante (re)construção da problemática, bem como ambas as técnicas são eficazes em apontar questões não pensadas a priori, não tidas em conta no desenho teórico-metodológico. Nesses momentos em que surgem novas e não previstas perspectivas é que vemos cair por terra a visão da pesquisa científica como uma linearidade de acontecimentos. Discutimos, também, sobre a importância ter como um um horizonte de atuação os ensinamentos de uma epistemologia do Sul e de uma ecologia de saberes, perspectivas de trabalho que acreditam na valorização dos saberes populares no fazer científico. Nada mais lógico do que em uma investigação que se propõe a pesquisar os jovens moradores de periferia – e suas participações em associações que trabalham com a inserção sociocultural a partir das mídias digitais – possamos qualificar a presença e o trabalho desses sujeitos informantes como produtores de conhecimentos e agentes da História, como atores coletivos capazes de, através de suas micropolíticas e de suas estratégias cotidianas, conquistar seus espaços na sociedade, como protagonistas, e não como meros espectadores da vida. Enfim, nesse artigo buscamos levantar e analisar aspectos das apropriações e dos usos das tecnologias da comunicação e dos processos de cidadania de jovens no contexto de movimentos sociais na periferia urbana da região nordeste do Brasil. Os resultados parciais da pesquisa, ainda em andamento, apontam para a configuração de uma comunicação cidadã que incorpora a experimentação das chamadas novas tecnologias, especialmente a internet; a vivência de dinâmicas de redes; combinandoa com materialidades e modos organizativos e experimentais de fazer comunicação alternativa e popular, já presentes na trajetória da comunicação alternativa e comunitária desenvolvida nas últimas décadas na América Latina.

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