TC5 Omar Vasconcellos Jacob Junior ARRUMADO

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Mercosul: História, formulação e integração regional

Omar Vasconcellos JACOB JUNIOR Mestrando Universidade Nova de Lisboa Mestrado em Ciências Políticas e Relações Internacionais Faculdade de Ciências Sociais e Humanas omarjacob@gmail.com

Resumo Nos últimos vinte anos o saldo da balança comercial do Mercosul, bloco econômico sulamericano liderado pelo Brasil, teve um superávit expressivo. Em 1990 tinha um saldo comercial de 18 bilhões de dólares. Em 2009, o resultado dobrou e superou de 36 bilhões de dólares. Para além dos quesitos políticos e econômicos o Mercosul representou um avanço no papel negociador para seus Estados-parte. A integração regional conferiu um peso nas negociações internacionais bem maior do que se os países tivessem que se representar individualmente. É importante destacar que a associação dos quatro membros, e depois de outros países associados, garantiu um papel securitário o que conferiu ao grupo o compromisso com os processos democráticos bem como com os princípios da não-agressão e da paz como instrumentos indissociáveis ao desenvolvimento. Entretanto o otimismo deve dar lugar aos desafios que se colocam a terceira década do mercado comum, sobretudo quanto ao seu papel na composição da Unasul. Palavras-chave: Integração Regional, América Latina, Mercosul, Unasul.

Abstract Over the past twenty years the trade balance of Mercosur, the South American trade bloc led by Brazil, had an impressive surplus. In 1990 it had a trade surplus of 18 billion dollars. In 2009, net income doubled and surpassed 36 billion dollars. Apart from political and economic questions Mercosur represented a breakthrough in its negotiating role for states parties. Regional integration given a weight in international negotiations far greater than if countries were to be represented individually. Also, the combination of the four state members, and other associated countries, ensured the security role that gave the group a commitment to democratic processes, instituions and with the principles of non-aggression and peace as inseparable from the development tools. Yet optimism must give space to the challenges facing the third decade of the common market, particularly concerning its role in the formation of Unasur. Keywords: Regional Integration, Latin America, Mercosur, Unasur.


1. Introdução 1.1 Contexto global

A

organização político-econômica dos séculos XX e XXI tem exigido as nações cada vez mais empenho seja para superar as constantes crises financeiras, seja para projetarse nos mercados mundiais. O progressivo aumento dos membros da comunidade internacional e a variedade de interesses políticos, econômicos e sociais que ele trouxe levaram os Estados a criar formas associativas em áreas geopolíticas, espontaneamente definidas pela afinidade de interesses e problemas com o fim de alcançar seus objetivos comuns, mais facilmente asseqüíveis num contexto homogêneo, baseado em razões políticas, econômicas, sociais, geográficas ou mesmo étnicas e religiosas. (Bobbio, Malteuci, Pasquino, 2009, p. 855)

Neste cenário as organizações regionais surgem como instrumento essencial, especialmente para nações que ainda lutam para conquistar seu espaço político na arena global. Por integração regional entende-se: “um processo dinâmico de intensificação em profundidade e abrangência das relações entre atores levando à criação de novas formas de governança político-instituicionais de escopo regional” (Herz, Hoffman, 2007, p. 168). Os movimentos de integração regional tiveram dois momentos de maior intensidade em todo o mundo. O primeiro período realizou-se no pós-segunda guerra mundial. Foi então que se observa o surgimento de várias instituições em todos os continentes. Na Europa, são criadas a Organização Européia de Cooperação Econômica (OCDE), a Comunidade Européia do Carvão e do Aço (CECA); nas Américas surgem: a Organização dos Estados Americanos (OEA), a Associação Latino Americana de Livre-Comércio (ALALC); na Ásia se estabelecem a Organização do Tratado do Sudeste Asiático (SEATO) e a Associação das Nações do Sudeste Asiático (ASEAN); na África são criadas a Organização das Nações Africanas (OUA) e a Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental (ECOWAS); no Oriente Médio surge a Liga dos Estados Árabes e a Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP) são alguns exemplos. 1 Esta primeira onda de regionalismo, por todos os continentes, ficou conhecida como regionalismo fechado. Nesta modalidade os países promovem o protecionismo no nível regional que vai de encontro com o regime de comércio defendido pela Organização Mundial do Comércio (OMC). Neste período acreditava-se que os países menos desenvolvidos não tinham condições de competir em igualdade com as nações desenvolvidas.2 Na década de 1970 as crises do terceiro mundo e a crise econômica global desaceleraram o processo de integracionismo. Países como os Estados Unidos e a Inglaterra se engajaram neste período para quebrar o paradigma protecionista que norteava os mercados mundiais. 1

HERZ, Mónica; HOFFMAN, Andrea Ribeiro, Organizações Internacionais, História e prática, Rio de Janeiro, Elsevier Editora Ltda, 2004 2 Ibidem


Na segunda metade da década de 1980 a economia mundial volta a ganhar fôlego e surge uma nova onda de regionalismo em todo o globo, também impulsionados pelo fim da guerra fria e pelo colapso da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS).3 Boa parte das organizações regionais existentes foram revigoradas e outras ganharam uma nova roupagem. Foi o caso da União Européia, oficializada em 1992. Entretanto novas entidades também surgiram, como o Acordo de Livre-Comércio da América do Norte (NAFTA), o Mercado Comum do Sul (Mercosul) e a União Africana (AU). Desta vez o mote das organizações e movimentos regionais não é o protecionismo.4 Ao contrário do regionalismo fechado, o chamado regionalismo aberto “é visto como uma etapa intermediária para a liberalização econômica multilateral e não como um fim em si mesmo. É portanto, complementar ao regime de comércio promovido pelo GATT/OMC” (Herz, Hoffman, 2007, p. 175). Neste período o principal objetivo destas organizações era de uma melhor inserção no contexto da globalização econômica. Além de passarem a liberalizar os processo intraregionais, os blocos também passaram a associar-se em liberalização extra-regional. Um exemplo são os acordos econômicos entre a União Européia e o Mercosul. Neste contexto, os Estados Unidos foram os principais promotores do novo regionalismo.5

1.2

O integracionismo na América Latina

A primeira idéia integracionista na América Latina já registrada deve-se a Simón Bolívar. O líder político sul-americano do século XVIII expressou na Carta da Jamaica, um texto de referência do programa bolivariano de emancipação da América, o desejo de criar três federações no continente e conectar México e América Central; uma ao norte e outra ao sul da América do Sul.6 Bolívar reiterou sua intenção no primeiro Congresso Americano, realizado no Panamá em 1826. Nesta altura a sugestão era uma estratégia para garantir a independência das recémformadas nações sul-americanas tanto contra o retorno do domínio espanhol, quanto do expansionismo norte-americano que em 1823 declarou a Doutrina Monroe. Entretanto a idéia não foi levada adiante principalmente por que os Estados nacionais da América Latina ainda estavam em formação, além do que o Brasil, que teve um processo de independência completamente diferenciado dos demais vizinhos, não aderiu à proposta.7 O processo de formação das nações sul-americanas e suas ideologias econômicas pode explicar as dificuldades em uma associação regional neste período. Segundo Senhoras (2009), desde o momento de suas independências no século XIX, os países sul-americanos teriam suas economias voltadas para o ciclo internacional de comércio e seus 3

Ibidem Ibidem 5 Ibidem 6 BOLÍVAR, Simón. Carta de Jamaica. Barcelona, Linkgua ediciones S.L.: 2007. 7 HERZ, Mónica; HOFFMAN, Andrea Ribeiro, Organizações Internacionais, História e prática, Rio de Janeiro, Elsevier Editora Ltda, 2004 4


financiamentos, tanto privados, quanto públicos, eram prioritariamente externos. O economista e cientista político também diz que “todos os grandes ciclos de endividamento e colapso financeiro [na região] terminaram em episódios de crises cambiais, moratórias e um endividamento ainda maior devido ao padrão de inserção internacional” (Senhoras, 2009, pp. 34). O autor também elaborou um quadro onde explicita os ciclos de endividamento na região: Figura 1 - Ciclos de Endividamento na América do Sul (Senhoras, 2009, p. 34)

Na década de 1940, antes da guerra européia ter se convertido em um conflito mundial, surgiu uma primeira tentativa de união aduaneira entre Brasil e Argentina. O então projeto foi descontinuado em função dos itinerários político-militar diversos e também por conta da baixa intercomplementaridade industrial e do caráter de seus acordos internacionais terminaram por inviabilizar o tratado. Na década de 1950 o governo de Juan Domingo Perón renovou os votos do pacto, incluindo desta vez o Chile no acordo conhecido como “pacto ABC”. A iniciativa mais uma vez não logrou êxito graças as disparidades de orientação diplomática entre os governos dos três países. 8 Concomitantemente e, sob o legado da doutrina do pan-americanismo criado pelos Congressos Americanos, além da forte influência norte-americana, foi criada em 1948 a Organização dos Estados Americanos (OEA) e pouco mais de uma década depois a Associação Latino-Americana de Livre-Comércio (ALALC) em 1960. Foi a ALALC e sua ideologia de que a integração deveria ser implementada inicialmente na esfera econômica que efetivaram o novo conceito na região, nos moldes funcionalistas em que também era galgada a futura União Européia. No mesmo período a organização da Comissão Econômica para a América Latina (CEPAL) criada pelo Conselho Econômico e Social (ECOSOC) da ONU

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ALMEIDA, Paulo R. de. Mercosul em sua primeira década (1991-2001): uma avaliação política a partir do Brasil. Buenos Aires: INTAL-ITD-STA, 2002.


pregava a substituição das importações e a integração regional como estratégia para o desenvolvimento econômico dos países mais atrasados.9 Muito embora os países do cone-sul da América do Sul tenham participado da ALALC, os signatários não fizeram dela sua prioridade o que resultou no fracasso da instituição e de sua substituta, a Associação Latino-Americana para o Desenvolvimento de Integração (ALADI), que substituiu a ALALC em 1980.10 O avanço dos processos democráticos tanto na Argentina, quanto no Brasil e o sucesso do processo da comunidade européia incitaram os dois países a retomarem o projeto integracionista, também graças aos processos de redemocratização que ocorria nas duas nações. Os dois Estados sempre aparecem em destaque no cenário econômico regional por que “sempre realizaram a maior parte das transações comerciais operadas ao abrigo dos acordos preferenciais da ALALC” (Almeida, 2002, p. 3). Foram os presidentes recém-eleitos Raul Alfonsín (Argentina) e Tancredo Neves no Brasil que recuperaram o antigo desejo de construir uma união no cone sul da América do Sul. Apesar da morte de Tancredo Neves em abril de 1985, seu sucesso, José Sarney, deu continuidade ao projeto de integração bilateral. Uma série de acordos e tratados entre os dos atores ganhou lugar nos anos seguintes até que em 1990 o acordo conhecido como Declaração de Buenos Aires criou o ‘Grupo Mercado Comum’ que ficou encarregado de criar um projeto concreto para implementar um mercado comum.11 Ao mesmo tempo no hemisfério norte o comércio entre Estados Unidos e Canadá passa por um novo ciclo, graças ao acordo de livre-comércio formulado entre os dois Estados e que, posteriormente com a inclusão do México, daria origem ao NAFTA. Na Europa o Ato Único Europeu, em 1986 criou a perspectiva do surgimento uma muralha comercial na região. Somado a estes acontecimentos, e a dificuldade das negociações sobre os subsídios agrícolas na Rodada Uruguai no GATT (que posteriormente se converteria na OMC) teriam papel fundamental na formação do Mercosul. Apesar, então, dos primeiros passos terem sido tomados bilateralmente, posteriormente Paraguai e Uruguai aderiram ao projeto. 12 Durante seis meses, entre 1990 e 1991, os quatro países negociaram os termos da futura associação até que em 26 de março de 1991 foi assinado o termo plurilateral de integração, também conhecido como Tratado de Assunção. Nele ficou estabelecida a reciprocidade entre os signatários bem como sua igualdade de direitos e obrigações, a despeito da diferença de peso político e comercial de seus membros. O novo bloco, nesta altura, tinha como nome oficial “Tratado para a constituição de um mercado comum” entre Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai.13

9

HERZ, Mónica; HOFFMAN, Andrea Ribeiro, Organizações Internacionais, História e prática, Rio de Janeiro, Elsevier Editora Ltda, 2004 10 ALMEIDA, Paulo R. de. Mercosul em sua primeira década (1991-2001): uma avaliação política a partir do Brasil. Buenos Aires: INTAL-ITD-STA, 2002. 11 HERZ, Mónica; HOFFMAN, Andrea Ribeiro, Organizações Internacionais, História e prática, Rio de Janeiro, Elsevier Editora Ltda, 2004 12 ALMEIDA, Paulo R. de. Idem 13 ALMEIDA, Paulo R. de. Mercosul em sua primeira década (1991-2001): uma avaliação política a partir do Brasil. Buenos Aires: INTAL-ITD-STA, 2002.


2. Mercado Comum do Sul (MERCOSUL) 2.1 Estrutura O Tratado de Assunção, assinado em março de 1991, tinha como caráter fundamental estabelecer o Mercado Comum do Sul que, portanto tinha nome oficial de um tratado. Os principais objetivos eram:  Estabelecer uma tarifa externa comum (TEC);  Eliminar os direitos alfandegários e restrições não tarifárias à circulação de mercadorias;  Coordenar políticas macro-econômicas e setoriais para os países membros;  Harmonizar as legislações para fortalecer o processo de integração14 Para atingir tais resultados o Tratado de Assunção instituiu:  “Um Regime Geral de Origem, um sistema de controvérsias e Cláusulas de Salvaguarda;  Um programa de liberalização comercial progressivo, com o intuito de se obter tarifa zero para todo o comércio intrabloco, até 31 de dezembro de 1994;  A coordenação das políticas macroeconômicas da região;  Listas de exceções aos produtos sensíveis da economia de cada país ao programa de liberalização comercial;  A adoção de acordos setoriais;  Uma TEC com o objetivo de aumentar a competitividade dos países-membros por meio de políticas comerciais e investimentos conjuntos.” (PAMPLONA, FONSECA, 2008, p. 910) Além disto, os quatro países também optaram pelo caráter intergovernamental15 (o que exige unanimidade na tomada de decisões) ao invés de uma institucionalidade supranacional e mantiveram aberta a possibilidade de novos países membros da ALADI aderirem ao bloco em formação. Um aspecto fundamental do documento original do acordo foi o compromisso de estabelecer efetivamente o Mercado Comum do Sul até 31 de dezembro de 1994. Apesar dos interesses políticos da integração regional, o Tratado de Assunção só assegurou compromissos econômicos. Para além destas questões, como ressalta Herz, Hoffmann (2004) as nações-parte do tratado foram gradativamente dando importância ao caráter democrático de seus membros. Este fato ganhou relevância graças a instabilidade política no Paraguai, que em abril de 1996 sofreu uma tentativa de golpe militar, e levou os demais membros a buscarem garantias para institucionalizar o compromisso democrático. Foi então através do protocolo de Ushuaia em julho de 1998, incorporado ao Tratado de Assunção,

14

PAMPLONA, João Batista, FONSECA, Juliana Fernanda Alves da. Avanços e recuos do Mercosul: um balanço recente de seus objetivos e resultados. CADERNOS PROLAM/USP. São Paulo, Ano 7, Volume 2, p. 7-23: 2008. 15 Modelo também adotado na União Européia e que destina-se a satisfazer as necessidades criadas pela associação através da colaboração e associação. Se levadas a cabo este modelo pode levar os Estados constituintes a avançar para um novo grau de complexidade de relações (EVANS, NEWNHAM, 1998).


que ficou garantido a plena adesão aos princípios e as instituições democráticas, estados de direito e ao respeito aos direitos humanos e as liberdades fundamentais. Uma série de outros protocolos marcaram o ajustamento do Mercosul, notadamente o Protocolo de Brasília (1991), que dirimiu controvérsias, o Protocolo de Ouro Preto (1994) que desenhou sua estrutura institucional e estabeleceu sua personalidade jurídica e o Protocolo de Olivos que criou a Corte Permanente de Solução de Controvérsias.16 Os principais órgãos do Mercosul são o Conselho do Mercado Comum (CMC), o Grupo do Mercado Comum (GMC), a Comissão de Comércio do Mercosul (CCM), Parlamento do Mercosul (PM), o Foro Consultivo Econômico-Social (FCES), a Secretaria do Mercosul (SM), o Tribunal Permanente de Revisão do Mercosul (TPR), o Tribunal Administrativo-Trabalhista do Mercosul (TAL) e o Centro Mercosul de Promoção do Estado de Direito (CMPED).

2.1.1 Conselho do Mercado Comum (CMC) Este é o principal órgão e tem poderes legislativos sobre o bloco. Entretanto suas decisões precisam ser ratificadas pelos parlamentos dos Estados-membro. O conselho detém a personalidade jurídica do Mercosul e pode estabelecer negociações com ou países ou associações extra-bloco. É composto por ministros das relações exteriores e de economia dos estados-parte que alternam a presidência a cada seis meses, num esquema denominado pro tempore. Seu funcionamento é articulado entre a Reunião de Ministros, Foro de Consulta e Concertação Política, Reunião de Altas Autoridades na Área de Direitos Humanos, Comissão de Coordenação de Ministros de Assuntos Sociais do Mercosul, Comissão de Representantes Permanentes do Mercosul e de vários grupos de trabalho, alto-nível e adhoc.17

2.1.2 Grupo do Mercado Comum (GMC) Tem poder executivo, mais iniciativa legislativa já que prepara a agenda do Conselho. É composto pelos ministros de relações exteriores e de economia, além dos presidentes dos Bancos Centrais dos Estados-parte e emite resoluções, por consenso, em caráter recomendatório. Trabalha a partir do resultado de uma série de subgrupos de militar, reuniões especializadas, grupos ad-hoc, observatórios, instituto, e comitês. As áreas temáticas abordadas pelo Grupo são: comunicações, aspectos institucionais, regulamentos técnicos e avaliações da conformidade, assuntos financeiros, transportes, meio ambiente, indústria, agricultura, energia e mineração, assuntos laborais, emprego e segurança social, saúde, investimentos, comércio eletrônico e acompanhamento da conjuntura econômica e comercial.18 16

HERZ, Mónica; HOFFMAN, Andrea Ribeiro, Organizações Internacionais, História e prática, Rio de Janeiro, Elsevier Editora Ltda, 2004 17 PORTAL OFICIAL DO MERCOSUL, Estrutura Institucional, disponível em <http://www.mercosur.int/t_generic.jsp?contentid=493&site=1&channel=secretaria&seccion=2> Acesso em 22/12/10. 18 HERZ, Mónica; HOFFMAN, Andrea Ribeiro, Organizações Internacionais, História e prática, Rio de Janeiro, Elsevier Editora Ltda, 2004.


2.1.3 Comissão de Comércio do Mercosul (CCM) A principal função da Comissão de Comércio é divulgar e monitorar a aplicação da política comercial comum e recebe “... inclusive reclamações do [sic] Estados-parte a esse respeito e [pode] emitir diretrizes, de caráter obrigatório, ou propostas, ambas por consenso.” (Herz, Hoffman, 2007. p 206). É composto por comitês técnicos de tarifas, nomenclaturas e classificação de mercadorias; assuntos aduaneiros; normais e disciplinas comerciais; políticas públicas que distorcem a competitividade; defesa da concorrência; estatística de comércio exterior do Mercosul; defesa do consumidor e também pelo comitê de defesa comercial e salvaguardas. 19

2.1.4 Parlamento do Mercosul (PM) Foi constituído em 6 de dezembro de 2006 em substituição à Comissão Parlamentar Conjunta. Tem entre seus objetivos principais velar pela preservação do regime democrático entre os Estados-parte; propor projetos de normas do bloco para consideração do Conselho do Mercado Comum; Elaborar estudos e anteprojetos de normas nacionais; elaborar, aprovar e monitorar o orçamento do Mercosul, além de aprovar e modificar seu Regulamento Interno. É formado por dez comissões permanentes que atuam em várias áreas, onde atuam parlamentares que estejam cumprindo seus mandatos em seus Estadosparte.20

2.1.5 Foro Consultivo Econômico-Social (FCES) Foi criado como órgão de representação da sociedade civil. A idéia é que o Foro funcionasse como um representante de trabalhadores, empresários e consumidores. Tem a competência de acompanhar, analisar e avaliar as implicações econômicas e sociais derivadas das políticas destinadas ao processo de integração, bem como de suas diversas fases de implementação tanto em níveis setoriais, regionais e nacionais. Também tem a possibilidade de recomendar normas e políticas econômicas e sociais em matéria de integração.21

2.1.6 Secretaria do Mercosul (SM) Até 2002 teve como funções principais o arquivo de documentos oficiais do bloco e o apoio ao Grupo do Mercado Comum (GCM), bem como a publicação das normas aprovadas pelos órgãos decisórios. Tem também a atribuição de informar regularmente os Estados-parte sobre a incorporação das normas aprovadas e de outras tarefas solicitadas pelos outros órgãos do Mercosul. A Secretaria está localizada em Montevidéu, no Uruguai, e tem um 19

PORTAL OFICIAL DO MERCOSUL, ibidem. PARLAMENTO DO MERCOSUL, Sobre o parlamento. Disponível em <http://www.parlamentodelmercosur.org/innovaportal/v/4300/1/secretaria/Sobre_o_Parlamento.html?seccio n=2> Acessado em 22/12/2010. 21 HERZ, Mónica; HOFFMAN, Andrea Ribeiro, Organizações Internacionais, História e prática, Rio de Janeiro, Elsevier Editora Ltda, 2004. 20


diretor de caráter administrativo, eleito pelo GMC para um mandato de dois anos, sem possibilidade de reeleição, além de um corpo de 40 funcionários (até 2010).22

2.1.7 Tribunal Permanente de Revisão do Mercosul (TPR) O Tribunal foi criado em 2004 através do protocolo de Olivos como estratégia para mediar os conflitos no bloco. O sistema incorporou metodologias já utilizadas desde 1993, com a incorporação do Protocolo de Brasília ao Tratado de Assunção. O tribunal é composto pelas três etapas já existentes: negociação direta, conciliação e arbitragem, além de incorporar o tribunal permanente de revisão. O tribunal é composto de três a cinco árbitros, escolhidos a partir de uma lista disponível na SM e elaborada em conjunto pelos Estados-parte. Apesar dos avanços com o protocolo de Olivos, a principal crítica é a de que o tribunal manteve caráter arbitral e não com juízes permanentes.23

2.1.8 Tribunal Administrativo-Trabalhista do Mercosul (TAL) O Grupo Mercado Comum (GMC) estabeleceu através de uma resolução em 2003 a criação deste tribunal para solucionar as reclamações administrativo-trabalhistas dos funcionários da Secretaria do Mercosul, bem como das pessoas contratadas para execução de tarefas vinculadas ao bloco. O TAL é formado por quatro membros titulares e quatro suplentes indicados pelo GMC por um período de até dois anos, renováveis por igual período. O tribunal atua essencialmente na sede da SM. 24

2.1.9 Centro Mercosul de Promoção do Estado de Direito (CMPED) Também criado pelo GMC, através do decreto 24/04, instituiu o Centro Mercosul de Promoção do Estado de Direito com o objetivo de analisar o desenvolvimento de cada Estado-parte, a governabilidade democrática e aos aspectos de integração regional, nomeadamente com relação ao Mercosul. Para tanto realiza trabalhos de pesquisa, conferências, seminários, foros, publicações, bem como reuniões entre acadêmicos, representantes governamentais e da sociedade civil. Também tem a missão de oferecer cursos de capacitação, programas de intercâmbio, assim como ofertar bolsas de estudo e de abrigar uma biblioteca física e virtual especializada. Sua sede tem lugar no Tribunal Permanente de Revisão (TPR) na cidade de Assunção, no Paraguai.25

22

PORTAL OFICIAL DO MERCOSUL, A Secretaria do Mercosul. Disponível em < http://www.mercosur.org.uy/show?contentid=46&channel=secretaria> Acesso em 22/12/10. 23 HERZ, Mónica; HOFFMAN, Andrea Ribeiro. Ibidem. 24 MERCOSUL. Solução de Controvérsias no Mercosul. Disponível em < http://www.mercosur.int/innovaportal/types/file/downloadfilecontent.jsp?contentid=681&site=1&channel=se cretaria> Acesso em 22/12/10. 25 MERCOSUL. CMC/DEC. N°24/04: Criação do Centro Mercosul de Promoção do Estado de Direito.


A estrutura funcional do Mercosul vem sofrendo alterações e acréscimos desde a sua instituição oficial (com o Protoloco de Olivos em 1994) seja por meio de cimeiras entre seus Estado-parte, seja por meio de decretos e resoluções do Grupo do Mercado Comum.

1.3

Primeira década do Mercosul: 1991 a 2000

O professor e diplomata Paulo Roberto de Almeida (2002) pontua que os primeiros dez anos após a assinatura do Tratado de Assunção foram pontuados por diferentes momentos de avanços e retrocessos. No período compreendido entre 1991 e 1994, estabelecido na carta magna do bloco, os quatro países membro deveriam constituir um mercado comum e que deveria ser caracterizado, como já mencionado, pela livre circulação de bens, serviços e fatores produtivos, pela coordenação de políticas macroeconômicas, assim como o compromisso dos Estados-parte de harmonizar suas legislações nas áreas pertinentes. Entretanto, estes objetivos não foram atingidos na sua totalidade até o prazo estipulado pelo Tratado de Assunção, ou seja, 31 de dezembro de 1994. Quanto à livre circulação de bens, serviços e fatores produtivos intra-bloco as metas foram atingidas parcialmente, por que vários produtos foram incluídos em uma lista de exceções.26 Mesmo com estes entraves o comércio regional deu seus primeiros sinais de avanço. Como é possível observar na Tabela 1, o comércio intra-bloco nos primeiros quatro anos foram de crescimento expressivo. O volume negociado saltou de U$ 10.032 milhões em 1991 para U$ 23.671 milhões em 1994, o que representa um crescimento aproximado de 132%. A média de crescimento do volume negociado foi de 30% ao ano neste período.27 Em janeiro de 1995 foi implementada Tarifa Externa Comum (TEC) que marcou a passagem do Mercosul de uma área de livre-comércio para o de uma união aduaneira. Entretanto, assim como o regime tarifário para o comércio intra-bloco tem exceções e por isso, segundo Herz e Hoffmann (2004) é considerado uma união aduaneira imperfeita.28 Almeida (2002) pontua, contudo, que nesta altura uma parte expressiva do comércio intraregional era composto por produtos do setor automobilístico (automóveis e peças) que permaneceram à margem da zona de livre-comércio nos primeiros onze anos do bloco. No período posterior a 1995 foi estabelecido um programa para o acabamento dos objetivos do Tratado de Assunção, denominado “Mercosul 2000”. No mesmo ano a União Européia assinou um acordo com o grupo estabelecendo perspectivas para uma futura área de livre comércio inter-regional.

26

ALMEIDA, Paulo R. de. Mercosul em sua primeira década (1991-2001): uma avaliação política a partir do Brasil. Buenos Aires, INTAL-ITD-STA: 2002. 27 PAMPLONA, João Batista, FONSECA, Juliana Fernanda Alves da. Avanços e recuos do Mercosul: um balanço recente de seus objetivos e resultados. CADERNOS PROLAM/USP. São Paulo, Ano 7, Volume 2, p. 7-23: 2008. 28 Na união aduaneira perfeita as barreiras comercias estão totalmente eliminadas entre os países membros, bem como suas políticas comerciais harmonizadas em relação a terceiros o que é diferente do que acontece com o Mercosul, que conta com uma lista de exceções para estes casos.


TABELA 1 - Desempenho Comercial do Mercosul (em US$ milhões) - 1990 a 1995

Comércio Intra-Zona Comércio Extra-Zona Comércio Total Comércio Intra-Zona Comércio Extra-Zona Comércio Total

1990

1991

Var. %

1992

Var. %

1993

Var. %

7.834

10.032

28,05%

14.477

44,31%

19.081

32%

65.833

68.026

3,33%

74.437

9,42%

80.863

9%

73.667

78.058

5,96%

88.914

13,91%

99.944

12%

1994

Var. %

1995

Var. %

23.671

24%

28.372

20%

96.526

19%

117.895

22%

120.197

20%

146.267

22%

Elaboração própria com base no CEI (2010), citando INDEC, SECEX, Secretaria Administrativa do Mercosul, Banco Central do Uruguai e Banco Central do Paraguai.

Entre 1997 e 1998 uma crise financeira atingiu os chamados Tigres Asiáticos (Hong-Kong, Coréia do Sul, Singapura e Taiwan) impactou diretamente sobre os avanços do Mercosul. Em decorrência do choque de competitividade no mercado externo tanto sobre Brasil como Argentina, a TEC terminou por ser revista em uma reunião do CMC.29 Os anos seguintes foram tensos na seara política, em especial devido as declarações do então ministro da economia argentina, Domingo Felipe Cavallo, no sentido de fazer o Mercosul retroceder a um status de zona de livre-comércio. A estes fatos soma-se a crise financeira também vivida pelo Brasil, quando da desvalorização de sua moeda, em janeiro de 1999. É possível observar uma desaceleração do crescimento do comércio intra-bloco entre 1997 e 1999 na Tabela 2. Entre 1995 e 1997 as negociações regionais cresciam 20% ao ano até que entre 1998 e 1999 o comércio não estagnou como diminui consideravelmente. “O Mercosul passou a viver, a partir de 1999, uma “crise de identidade” que influiu gravemente no seu modo de funcionamento e nas relações entre os países membros, sobretudo entre seus dois principais sócios” (Almeida, 2002, p. 25). É importante ressaltar que neste período, mais precisamente na reunião do CMC de Buenos Aires, em 1996 e 1997, foram assinados os acordos de Associação do Chile e da Bolívia, respectivamente, ao Mercosul. Os acordos de livre-comércio estabeleceram que em 10 anos as duas nações passariam a fazer parte de uma área de livre-comércio com o Mercosul, sem contudo participar da união aduaneira ou do mercado comum em formação, com status de país associado.

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ALMEIDA, Paulo R. de. Mercosul em sua primeira década (1991-2001): uma avaliação política a partir do Brasil. Buenos Aires, INTAL-ITD-STA: 2002.


Paralelamente, em 1998 ficou estabelecido um acordo de liberalização do comércio entre os países do Mercosul e da Comunidade Andina, que reforçou o conceito de regionalização da política externa do bloco e relançou a idéia bolivariana de construir uma zona de livre comércio na América do Sul. Considerando este quadro, em 15 de dezembro de 2000 Bolívia e Chile assinaram a Declaração Presidencial sobre a Convergência Macroeconômica, através do qual formalizaram metas e mecanismos de convergência, num contexto de relançamento do próprio Mercosul.30 TABELA 2 - Desempenho Comercial do Mercosul (em US$ milhões) - 1996 a 2000

Comércio IntraZona Comércio Extra-Zona Comércio Total

Comércio IntraZona Comércio Extra-Zona Comércio Total

1996

Var. %

1997

Var. %

1998

Var. %

34.149

20,36%

41.241

20,77%

41.443

0%

124.131

5,29%

139.817

12,64%

136.948

-2%

158.280

8,21%

181.058

14,39%

178.391

-1%

1999

Var. %

2000

Var. %

31.247

-25%

35.137

12%

124.100

-9%

136.083

10%

155.347

-13%

171.220

10%

Elaboração própria com base no CEI (2010), citando INDEC, SECEX, Secretaria Administrativa do Mercosul, Banco Central do Uruguai e Banco Central do Paraguai.

1.4

Segunda década do Mercosul: 2001 a 2010

Em julho de 2001 o CMC criou um “grupo de alto nível” para examinar a dispersão dos objetivos do bloco, bem como os problemas relativos a TEC. O grupo, denominado Grupo de Reflexão Prospectiva, era formado por acadêmicos, empresários e membros do governo dos Estados-parte elaborou um conjunto de sugestões que foram apresentadas na 26 ª reunião do Conselho do Mercado Comum e na Conferência de Cúpula de Chefes de Estado, ambas realizadas em Brasília em dezembro do mesmo ano.31 O relatório sugeria consolidação da união aduaneira, aprimoramento da estrutura institucional do Mercosul, incorporação dar normas ao direito interno, a integração fronteiriça, coordenação de políticas macroeconômicas, fortalecimentos dos laços comerciais com mercados emergentes e a conclusão de um acordo de livre-comércio com a Comunidade Andina32.

30

PAMPLONA, João Batista, FONSECA, Juliana Fernanda Alves da. Avanços e recuos do Mercosul: um balanço recente de seus objetivos e resultados. CADERNOS PROLAM/USP. São Paulo, Ano 7, Volume 2, p. 7-23: 2008. 31 HERZ, Mónica; HOFFMAN, Andrea Ribeiro, Organizações Internacionais, História e prática, Rio de Janeiro, Elsevier Editora Ltda, 2004. 32 A Comunidade Andina das Nações (ou Comunidad Andina de Naciones, CAN) é um bloco econômico da América do Sul, paralelo ao Mercosul, dos quais fazem parte Bolívia, Colômbia, Equador e Peru. Chile e Venezuela deixaram o bloco respectivamente em 1977 e 2006.


Em 2002 e 2003 Luis Inácio Lula da Silva e Nestor Kirchner assumiram a presidência do Brasil e da Argentina, respectivamente. Ambos tiveram como meta prioritária no plano da política externa, fortificar a integração regional, nomeadamente os esforços para manutenção e avanço do Mercosul. A partir da nova concepção é possível observar uma melhora expressiva do volume de negócios intra-bloco, como demonstra a Tabela 3 a partir de 2003. Entre 2001 e 2005 o comércio saiu de US$ 30.483 milhões para US$ 42.435 milhões, um crescimento de cerca de 40%. TABELA 3 - Desempenho Comercial do Mercosul (em US$ milhões) - 2001 a 2005

Comércio IntraZona Comércio ExtraZona Comércio Total

Comércio IntraZona Comércio ExtraZona Comércio Total

2001

Var. %

2002

Var. %

2003

Var. %

30.483

-13%

20.594

-32,44%

25.783

25%

138.347

2%

127.991

-7,49%

146.459

14%

168.830

-1%

148.585

-11,99%

172.242

16%

2004

Var. %

2005

Var. %

34.913

35%

42.435

22%

191.662

31%

230.712

20%

226.576

32%

273.147

21%

Elaboração própria com base no CEI (2010), citando INDEC, SECEX, Secretaria Administrativa do Mercosul, Banco Central do Uruguai e Banco Central do Paraguai. O período que se iniciou no primeiro semestre de 2003 abriu, segundo INTAL (2004, p. 65), “uma janela de oportunidade para a agenda interna do Mercosul”. A convergência das políticas cambiais, a retomada do crescimento econômico na região e a posse de presidentes claramente favoráveis ao Mercosul deram origem a um clima propício aos entendimentos entre os países-membros. (Pamplona, Fonseca, 2008, p. 20)

No decorrer dos anos seguintes a maior parte dos temas da agenda central do Mercosul avançou, como a coordenação das políticas macroeconômicas, a TEC (ainda que de forma tímida graças as constantes prorrogações da lista de exceções), sem contar com a instituição do Banco do Sul, fundado em 9 de dezembro de 2007. A nova instituição tem por finalidade financiar projetos de desenvolvimento regional, como alternativa às instituições já existentes.33 O retorno do crescimento intra-bloco, em expansão até 2008, sofre, no entanto, um forte impacto de mais uma crise financeira mundial. Desta vez a crise partiu do sistema bancário norte-americano e se alastrou por todo o mundo, favorecendo a retração dos mercados e a diminuição acentuada no comércio do Mercosul que sofreu um decréscimo de 23% no comércio regional e de 25% nos negócios extra-bloco, como é possível observar na Tabela 4. 33

PAMPLONA, João Batista, FONSECA, Juliana Fernanda Alves da. Avanços e recuos do Mercosul: um balanço recente de seus objetivos e resultados. CADERNOS PROLAM/USP. São Paulo, Ano 7, Volume 2, p. 7-23: 2008.


Em 2006 a Venezuela também demonstrou interesse participar do bloco com status de país associado, tal qual Bolívia e Chile. Sua inclusão, no entanto depende da aprovação dos congressos nacionais dos Estados-parte originais. TABELA 4 - Desempenho Comercial do Mercosul (em US$ milhões) - 2006 a 2009

Comércio IntraZona Comércio Extra-Zona Comércio Total

Comércio IntraZona Comércio Extra-Zona Comércio Total

2006

Var. %

2007

Var. %

2008

Var. %

51.314

20,92%

65.159

26,98%

83.994

29%

274.491

18,98%

335.295

22,15%

442.574

32%

325.805

19,28%

400.454

22,91%

526.567

31%

2009

Var. %

64.668

-23%

332.449

-25%

397.117

-25%

Elaboração própria com base no CEI (2010), citando INDEC, SECEX, Secretaria Administrativa do Mercosul, Banco Central do Uruguai e Banco Central do Paraguai.

3.

Um balanço do Mercosul em suas duas primeiras décadas

Em 2011 o Mercosul completa 20 anos. Na revisão da literatura sobre o bloco é possível aferir acerca de quatro papéis: o econômico, o negociador, o securitário e o geopolítico. O Mercado Comum do Sul foi originalmente concebido como instrumento de desenvolvimento econômico de Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai e, portanto, apesar dos reveses derivados das crises financeiras e políticas, intra e extra bloco teve avanços inequívocos nesse sentido. Entre 1991 e 1998 o comércio regional quadruplicou o que representa claramente um sinal positivo da parceria entre os quatro associados. A Tabela 5 demonstra que Mercosul detém um PIB expressivo entre os principais blocos econômicos reconhecidos pela OMC, com uma estimativa de US$ 2.686 bilhões, atrás apenas União Européia e do Tratado Norte-Americano de Livre Comércio, associações que compreendem as nações mais ricas e desenvolvidas econômico e politicamente.


Tabela 5 - Intercâmbio Comercial do Mercosul (em milhões de dólares) Destino/Origen

1990

2009

Export. Intra MERCOSUR Export. hacia Resto del Mundo Export. Totales Import. Intra MERCOSUR Import. desde Resto del Mundo Import. Totales Saldo Com. con R. del Mundo

4.228

32.713

42.191 184.526 46.419 217.240 3.606 31.955 23.642 147.923 27.248 179.878 18.548 36.603

Fonte: CEI com base em INDEC, SECEX, Banco Central de Paraguai, Banco Central do Uruguai e FMI

Nos últimos vinte anos o saldo da balança comercial do Mercosul teve um superávit expressivo. Em 1990 o saldo comercial era de 18 bilhões de dólares. Em 2009, 20 anos depois, o resultado dobrou e superou os 36 milhões de dólares, como demonstra a Tabela 5. TABELA 6 - Comparação entre os principais blocos de integração (População: milhões; valores: bilhões de US$, dados de 2009) População PIB Exportações Importações 498 16 379 2 179 2216 EU 425 17 100 1602 2177 NAFTA 583 1 522 814 725 ASEAN 240 2 686 217 186 MERCOSUL* 99 437 78 74 ANDEAN COMMUNITY Elaboração própria com base nos dados disponibilizados nos sites oficiais da OMC, NAFTA, Comunidade Andina. *Os dados referentes ao Mercosul datam de 2008 e tem como base um levantamento realizado pelo IPEA a partir de informações do FMI.

No entanto os impasses políticos e as discrepâncias de peso econômico entre seus membros tem gerado constantes problemas na condução e avanço de suas conquistas: ...as negociações entre o Uruguai e os Estados Unidos da América para um acordo de preferências comerciais bilaterais, o conflito entre o Uruguai e a Argentina com relação a construção de duas plantas de celulose na fronteira desses países e a decisão do governo boliviano que nacionalizou os ativos da empresa Petróleo Brasileiro S.A, nos mostram que, na verdade, o balanço do período, ainda que positivo, revela que o processo de integração regional segue tendo desafios a superar (Pamplona, Fonseca, 2008, p. 20)

A ponderação dos pesquisadores brasileiros, elaborada em 2008, permanece em voga. Ela exemplifica as disparidades que são ainda mais evidentes no setor econômico: o Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (IPEA) do governo brasileiro demonstrou que em 2008 o


Brasil era responsável por 75,4% do PIB do bloco, enquanto que Argentina, Paraguai e Uruguai tinham respectivamente 21,8%, 1,1% e 1,6%. 34 É importante destacar que a associação dos quatro membros, e depois de outros países associados, garantiu um papel ‘securitário’ o que conferiu ao grupo o compromisso com os processos democráticos bem como com os princípios da não-agressão e da paz como instrumentos indissociáveis ao desenvolvimento. A estruturação intergovernamental adotada desde sua fundação, pelo Tratado de Assunção, deixa o Mercosul aos sabores e dissabores de seus governantes. O exemplo da instabilidade política no Paraguai na década de 1990 e a falta de priorização dos governos Fernando Collor de Melo e Carlos Menem, do Brasil e Argentina respectivamente, colocam em risco o avanço do processo integracionista regional. Ao mesmo tempo é também inegável o papel geopolítico que o bloco vem assumindo, especialmente nos últimos 10 anos. Para além dos quesitos políticos e econômicos o Mercosul representou um avanço no papel negociador para seus Estados-parte. A integração regional conferiu um peso mais significativo nas negociações internacionais, bem maior do que se os países tivessem que se representar individualmente. Entretanto o otimismo deve dar lugar aos desafios que se colocam a terceira década do mercado comum, sobretudo quanto a eliminação das exceções à TEC e, principalmente quanto o seu papel decisivo na composição da UNASUL (anteriormente designada Comunidade Sul-Americana de Nações, CSN) como zona de livre-comércio e que deve unir tanto Mercosul quanto a Comunidade Andina em um acordo maior com representatividade sobre toda a América do Sul. Nove Estados já ratificaram a Declaração de Cuzco (2004) entre eles Argentina, Bolívia, Equador, Guiana, Peru, Venezuela, Chile, Suriname e Uruguai. Uma de suas principais iniciativas é a criação de uma área de mercado comum regional a partir da eliminação das tarifas para produtos considerados não sensíveis até 2014 e para os produtos sensíveis até 2019. 35 Considerando as dificuldades e obstáculos para os mesmos fins dentro do Mercosul, a nova meta dos países componentes da Unasul, incluindo os Estados-parte do Mercosul, representa o mais novo desafio do continente para a segunda década do século XXI.

Referências HERZ, Mónica; HOFFMAN, Andrea Ribeiro (2004) Organizações Internacionais, História e prática, Rio de Janeiro, Elsevier Editora Ltda. ALMEIDA, Paulo R. de (2002) Mercosul em sua primeira década (1991-2001): uma avaliação política a partir do Brasil. Buenos Aires: INTAL-ITD-STA.

34

IPEA. Mercosul: assimetrias estruturais em debate. Disponível em <http://www.ipea.gov.br/sites/000/2/boletim_internacional/100208_boletim_internacional01_apresentacao0 2.pdf> Acesso em 24/12/10. 35 UNASUR. Sobre a Unasur. Disponível em: < http://www.pptunasur.com>. Acesso em: 24/12/2010.


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