Protocolo de Quioto e créditos de carbono no âmbito do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo: oportunidades para o Brasil
Marcelly Fuzaro GULLO Mestranda em Direito Universidade Estadual Paulista – UNESP Linha de pesquisa “Direito, Mercado e Relações Internacionais” marcellymfg@hotmail.com
Resumo O Protocolo de Quioto, criado em 1997, no âmbito Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, estabeleceu metas de redução de emissões de gases de efeito estufa a serem cumpridas pelos países em desenvolvimento, durante o período de 2008 a 2012. Considerando que estes países precisariam implementar meios de cumprir suas metas sem prejudicar sua produção e economia, foram criados os chamados “mecanismos de flexibilização”, dentre os quais destaca-se o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL), por ser o único que permite a participação dos países em desenvolvimento, como o Brasil, que representa, atualmente, o 3º país do mundo com maior número de projetos de MDL. Palavras-chave: Protocolo de Quioto, Mecanismo de Desenvolvimento Limpo, créditos de carbono, desenvolvimento sustentável, Direito Ambiental Internacional.
Abstract The Kyoto Protocol, created in 1997, under the UN Framework Convention on Climate Change, established mandatory targets for reducing greenhouse gases emissions to be met by developed countries, during the period 2008 to 2012. Considering that these countries would need to implement ways to achieve their goals without disrupting their production and economy, were created the so-called “flexibility mechanisms”, among which stands out the Clean Development Mechanism (CDM,) for being the only one that allows participation of developing countries like Brazil, which currently represents the 3rd country in the world with the largest number of CDM projects. Keywords: Kyoto Protocol, Clean Development Mechanism, carbon credits, sustainable development, International Environmental Law.
Introdução
O
mundo jamais havia falado tanto em preocupações com o meio ambiente, mudanças climáticas e excesso de emissões de gases de efeito estufa causadas pelas atividades antrópicas, como nos últimos anos.
As primeiras discussões sobre o assunto em âmbito internacional iniciaram-se após a segunda metade do século XX, fortaleceram-se após a década de 80 e, hoje, há grande mobilidade no cenário internacional no sentido de os Estados buscarem meios de cooperar e tentar amenizar os impactos nocivos de suas atividades econômicas e industriais sobre o meio ambiente, especialmente sobre as mudanças climáticas causadas pela intensificação do efeito estufa por atividades humanas. Nessa discussão, é importante esclarecer que alguns gases de efeito estufa (GEE)1 são próprios da natureza, sempre existiram na atmosfera terrestre e desempenham um papel fundamental à manutenção da vida no planeta. Sua função primordial é formar uma camada protetora entre a atmosfera da Terra e o espaço sideral, a fim de que o planeta seja capaz de reter o calor proveniente do Sol e manter-se aquecido, garantindo, assim, condições favoráveis para a manutenção da vida. Entretanto, as atividades antrópicas têm elevado, e muito, a quantidade de emissão de gases de efeito estufa na atmosfera, o que faz com o planeta acabe ficando mais aquecido do que o necessário, alterando o clima, gerando desequilíbrios nos ecossistemas e trazendo diversos prejuízos ao meio ambiente. Neste cenário, após diversas conferências internacionais e debates que analisaram a grande importância da proteção do meio ambiente e a busca pelo desenvolvimento sustentável, destaca-se a criação do Protocolo de Quioto (1997), ocorrida durante a 7ª Conferência das Partes realizada no âmbito da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, por meio do qual as partes signatárias comprometeram-se a adotar metas obrigatórias de redução de emissões de carbono na atmosfera. Paralelamente, como forma de facilitar o cumprimento das metas assumidas, o Protocolo criou também os chamados “mecanismos de flexibilização”, a fim de auxiliar os países desenvolvidos a cumprirem suas metas de redução obrigatórias, sem prejudicar, assim, o desempenho de suas atividades industriais nacionais. Ademais, tais mecanismos também possibilitaram o surgimento de uma série de oportunidades para realização de novos negócios ambientais, através de investimentos em tecnologias sustentáveis e compra e venda dos chamados créditos carbono.
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Tais como dióxido de carbono (CO2), metano (CH4), óxido nitroso (N2O), ozônio (O3), vapor d’água, etc.
1 – Histórico – De Estocolmo a Quioto A primeira grande Conferência internacional sobre o meio ambiente ocorreu por iniciativa do Conselho Econômico e Social das Nações Unidas (ECOSOC)2, em 1972, em Estocolmo, Suécia, durante a 23ª reunião da Assembléia Geral das Nações Unidas. Tratou-se de um grandioso evento, que atraiu representantes de mais de 100 países, além de diversos representantes de organismos governamentais e não governamentais. A preocupação com o tema naquele momento decorria de algumas catástrofes ocorridas na época, como os prejuízos causados nas costas inglesa e francesa pelo naufrágio do gigante navio petroleiro Torrey Canyon (1967)3, das previsões catastróficas realizadas pelo Clube de Roma com o lançamento do estudo intitulado “The Limits of Growth” 4 (1972), e do início da conscientização de que as atividades industriais desenvolvidas pelo homem poderiam ser extremamente agressivas e prejudiciais ao meio ambiente se não fossem realizadas de forma planejada e sustentável. Na ocasião, o Conselho enfatizou que a resolução de problemas ambientais seria essencial ao desenvolvimento econômico e social dos países, o que tornava urgente a necessidade de implementação de medidas em níveis nacional e internacional, para que os danos ao meio ambiente pudessem ser minorados ou eliminados. Após muitos debates, e em busca do estabelecimento de diretrizes que pudessem ser utilizadas por governantes para busca de soluções concretas, os principais frutos desta Conferência foram: a criação do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA)5, com sede em Nairóbi, no Quênia, voltado à promoção da proteção do meio ambiente em conjunto com o desenvolvimento sustentável, e a Declaração sobre o Meio Ambiente Humano6, conhecida como Declaração de Estocolmo. Alguns anos após a Conferência de Estocolmo, a Assembléia Geral das Nações Unidas estabeleceu, em 1980, uma Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, destinada à busca de soluções para as questões discutidas em Estocolmo, em 1972. Tal Comissão, também chamada de Comissão Brundtland em homenagem à sua presidente, a norueguesa Gro Harlem Brundtland, confeccionou o relatório chamado “Nosso Futuro Comum”, 2
Disponível em: http://www.un.org/en/ecosoc/index.shtml. Ao encalhar e afundar perto da Inglaterra o petroleiro despejou no mar 123.000 toneladas de óleo, o que causou imensos prejuízos à pesca e condenou à morte centenas de aves. 4 Em 1972, o Clube de Roma apresentou ao mundo um estudo realizado em parceria com o Instituto de Tecnologia de Massachussetts, intitulado “The Limits of Growth”. Utilizando-se de estudos científicos e simulações computadorizadas, o relatório apontou que o crescimento populacional, o excesso de consumo, o uso indiscriminado de fontes e recursos naturais e geração de poluição poderiam impor limites ao crescimento industrial e desenvolvimento futuros, tornando a humanidade insustentável dentro de um mundo finito. 5 United Nations Environment Program. Disponível em: www.unep.org. Em português, disponível em: http://www.onu-brasil.org.br/agencias_pnuma.php, www.pnuma.org.br. 6 Declaração das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano. Disponível em: http://www.unep.org/Documents.Multilingual/Default.asp?documentid=97&articleid=1503. 3
publicado em 1987, por meio do qual restou reconhecida a importância de a comunidade internacional estabelecer políticas e ações que pudessem favorecer o desenvolvimento sustentável. Importante ressalvar que, naquela época, a idéia de desenvolvimento sustentável já era conhecida e utilizada por todos aqueles que debatiam questões relacionadas à preservação do meio ambiente. No entanto, foi a definição apresentada no mencionado relatório que se tornou a mais popular e passou a ser repetida em diversos outros estudos e documentos, assim dispondo: “desenvolvimento sustentável é o desenvolvimento que atende as necessidades das presentes gerações sem comprometer a capacidade de as futuras gerações terem atendidas, também, as suas necessidades”7. Após a publicação deste documento ficou reconhecida e institucionalizada a importância de serem estabelecidas políticas de sustentabilidade a serem aplicadas na resolução de problemas ambientais relacionados à poluição ambiental, incluindo-se a questão da poluição atmosférica por meio das emissões de carbono e mudanças climáticas, a erradicação da pobreza e melhoria de questões sociais, e de se preservar, no mínimo, os elementos e recursos naturais responsáveis pelos ciclos de vida no planeta, que garantem, inclusive, a existência humana: a atmosfera, as águas, o solo e os seres vivos – vegetações e animais. Ainda, em 1988, a Organização das Nações Unidas incentivou o estabelecimento de um Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) 8 , consolidado pela Organização Metereológica Mundial (OMM) e pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), cujas atribuições seriam avaliar as conseqüências das ações antrópicas sobre o meioambiente, assim como as conseqüências científicas e políticas do aquecimento global. A partir de seus pareceres e avaliações produzidos com base em relatórios e pesquisas técnicas/científicas relacionadas às mudanças climáticas e seus impactos sobre o meio ambiente e sociedade, o Painel (IPCC) lançou as bases para a criação de uma convenção específica sobre mudanças climáticas, a ser anunciada durante a Conferência das Nações Unidas sobre Meio e Ambiente e Desenvolvimento, sediada pelo Rio de Janeiro, em 1992. Também conhecida como a “Cúpula da Terra”, esta Conferência foi a segunda promovida pela ONU e contou com o prestígio de representantes de 172 países e diversos membros de organizações não governamentais, além de estudiosos, pesquisadores, visitantes e jornalistas. Estima-se que mais de 500.000 mil pessoas tenham passado pelo evento, o qual foi transmitido pela televisão para o mundo todo.
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Disponível em: http://www.un-documents.net/ocf-02.htm#I. Trata-se de um organismo científico, que conta com colaboradores do mundo todo e revê e avalia as mais recentes informações científicas, técnicas e socioeconômicas produzidas ao redor do mundo, que sejam relevantes para a compreensão das mudanças climáticas, sendo responsável por produzir relatórios periódicos. Ressalte-se que o IPCC não conduz pesquisas científicas e não monitora os índices climáticos do planeta. Disponível em: http://www.ipcc.ch/. 8
Com o objetivo de promover o crescimento econômico sustentável e preservar os recursos naturais do planeta, resultaram desta Conferência documentos importantes como a Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, Agenda 21 (composta de recomendações para que os países implementem meios de atingir o desenvolvimento sustentável), Declaração de Princípios para o Desenvolvimento Sustentável das Florestas, a Convenção das Nações Unidas sobre Diversidade Biológica e a Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (CQNUMC)9, sendo esta última a responsável pela criação do Protocolo de Quioto posteriormente. Basicamente, os objetivos da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas consistem na implementação de meios voluntários por cada um dos países signatários, de forma a evitar a influência das atividades humanas sobre a alteração do clima terrestre, especialmente daquelas atividades emitentes de gases de efeito estufa. Para alcance desses objetivos, a Convenção estabeleceu, em seu Anexo I10, um rol de países que deveriam, até o ano 2000, reduzir os níveis de suas emissões de gases de efeito estufa não controlados pelo Protocolo de Montreal aos mesmos patamares identificados em 1990, conforme disposto em no artigo 4º, parágrafo 2º, alíneas “a” e “b”. Ao final da Conferência do Rio, a Convenção Quadro sobre Mudanças Climáticas já contava com mais de 154 assinaturas. Após sua entrada em vigor, em 1994, as partes signatárias passaram a promover reuniões anuais, as chamadas Conferência das Partes (COPs) 11, para avaliação constante das ações a serem implementadas e para discussão de metas presentes e futuras. Logo na primeira COP, realizada na Alemanha, no ano de 1995, foi firmado o Mandato de Berlim 12, que revisou o texto da Convenção e considerou que as metas de estabilização lançadas no artigo 4, não eram suficientes para seus propósitos. Com efeito, dois anos depois, seria constatado que os compromissos de redução assumidos voluntariamente no Rio de Janeiro, em 1992, não estavam sendo cumpridos e que os índices de emissão de gases intensificadores do efeito estufa estavam se elevando sobremaneira. 9
Disponível em: http://unfccc.int/resource/docs/convkp/conveng.pdf (site em inglês) e http://www.onubrasil.org.br/doc_clima.php (site em português). 10 Os países pertencentes ao Anexo I são: Alemanha, Austrália, Áustria, Bélgica, Bulgária, Canadá, Comunidade Européia, Croácia, Dinamarca, Eslováquia, Eslovênia, Espanha, Estados Unidos da América, Estônia, Federação Russa, Finlândia, França, Grécia, Hungria, Irlanda, Islândia, Itália, Japão, Letônia, Liechtenstein, Lituânia, Luxemburgo, Mônaco, Noruega, Nova Zelândia, Países Baixos, Polônia, Portugal, Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte, República Tcheca, Romênia, Suécia, Suíça, Ucrânia. Disponível em: http://unfccc.int/resource/docs/convkp/conveng.pdf. 11 Desde o início das atividades da Convenção, já foram realizadas 16 COPs, sendo que a 17ª COP já está prevista para ocorrer no final de 2011, na África do Sul.COP 1 – 1995 – Berlim, Alemanha; COP 2 - 1996 – Genebra, Suíça; COP 3 – 1997 – Quioto, Japão; COP 4 – 1998 – Buenos Aires, Argentina; COP 5 – 1999 – Bonn, Alemanha; COP 6 – 2000 – Haia, Holanda; COP 6,5 – 2001 – Bonn, Alemanha; COP 7 – 2001 – Marrakesh, Marrocos; COP 8 – 2002 – Nova Deli, Índia; COP 9 – 2003 – Milão, Itália; COP 10 – 2004 – Buenos Aires, Argentina; COP 11 – 2005 – Montreal, Canadá; COP 12 – 2006 – Nairóbi, Quênia; COP 13 – 2007 – Bali, Indonésia; COP 14 – 2008 – Poznan, Polônia; COP 15 – 2009 – Copenhage, Dinamarca; COP 16 – Cancun, México. 12 Mandato de Berlim. Disponível em: http://www.mct.gov.br/index.php/content/view/18604.html.
Ante a necessidade de fortalecimento dos compromissos assumidos pela partes incluídas no Anexo I da Convenção Quadro, foi lançado um processo para negociação de um acordo com metas de redução obrigatórias, o qual deveria ser concluído o mais rápido possível, a fim de que pudesse ser adotado durante a terceira Conferência das Partes, prevista para ser realizada em 1997.
2 - O Protocolo de Quioto Após conclusões das avaliações do IPCC de que as ações humanas estavam contribuindo para a intensificação de emissão de gases de efeito estufa (GEE) na atmosfera e para as conseqüentes alterações dos padrões climáticos, e tendo em vista que os países signatários da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas pouco tinham feito para reduzir suas emissões, decidiu-se, durante a terceira Convenção das Partes realizada em 1997, firmar um compromisso mais forte. Para tanto, foi consolidado o Protocolo de Quioto13 à Convenção, através do qual restaram estabelecidos compromissos de redução de gases de efeito estufa (GEE), mecanismos de flexibilização para facilitar no cumprimento das metas, prazos e países obrigados à redução. Partindo do princípio de que a tendência das emissões de tais gases seria aumentar, cada vez mais, notadamente em razão da intensificação das atividades produtivas industriais e geradoras de energia que são maiores nos países desenvolvidos, convencionou-se que os países listados no Anexo I da referida Convenção assumiram metas de redução mais específicas, nos termos explicitados no artigo 3, parágrafo 1, do Protocolo de Quioto, durante o período de 2008 a 2012: As Partes incluídas no Anexo I devem, individual ou conjuntamente, assegurar que suas emissões antrópicas agregadas, expressas em dióxido de carbono equivalente, dos gases de efeito estufa listados no Anexo A não excedam suas quantidades atribuídas, calculadas em conformidade com seus compromissos quantificados de limitação e redução de emissões descritos no Anexo B e de acordo com as disposições deste Artigo, com vistas a reduzir suas emissões totais desses gases em pelo menos 5 por cento abaixo dos níveis de 1990 no período de compromisso de 2008 a 2012.
Para que entrasse em vigor, o Protocolo deveria contar com, pelo menos, 55 assinaturas de países membros da Convenção Quadro sobre Mudanças do Clima, cujas cotas de emissões correspondessem a 55% das emissões globais. Muito embora os Estados Unidos, maior emitente de GEE no mundo não tenha ratificado o Protocolo com receio de prejudicar sua economia interna, o documento atingiu o número de signatários mínimo com a assinatura da Rússia, em janeiro de 2005, tendo entrado em vigor em fevereiro daquele ano.
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Disponível em: http://unfccc.int/kyoto_protocol/items/2830.php.
2.1 – Mecanismos de flexibilização e negociações no mercado de carbono Os compromissos firmados sob o Protocolo de Quioto para limitar e reduzir as emissões de gases de efeito estufa devem ser alcançados, primordialmente, através de políticas nacionais de cada país. Entretanto, levando em consideração que os países e empresas precisariam procurar meios de adaptar suas atividades às exigências do Protocolo sem diminuir ou prejudicar sua produção e economia interna, foram criados, ainda, os chamados “mecanismos de flexibilização” para facilitar e viabilizar, de forma subsidiária, o alcance dos resultados almejados. Baseados em oportunidades financeiras de mercados, investimentos e promoção do desenvolvimento sustentável, tais mecanismos foram concebidos para que fossem realizados a partir de três diferentes iniciativas: Comércio de Emissões, Implementação Conjunta e o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo. Resumidamente, o Comércio de Emissões está estabelecido no artigo 17 do Protocolo de Quioto, e sua prática é permitida entre os países listados no Anexo I da Convenção Quadro. Foi formulado a partir de políticas conhecidas como “limite e negocie” ou “cap and trade”14, e estabelece que os países desenvolvidos podem negociar entre si seus limites de emissão de GEE. Tais limites de emissão são os chamados “Assigned Amount Units” (AAUs) ou Unidades de Quantidades Atribuídas, que representam a quantidade de gases de efeito estufa que cada um dos países do Anexo B pode emitir durante o período de 2008 a 2012. Já o mecanismo de Implementação Conjunta, previsto no artigo 6 do Protocolo de Quioto, basicamente, estabelece que as Partes do Anexo I da Convenção podem transferir ou adquirir entre si Unidades de Redução de Emissões – ou “Emission Reduction Units” (ERUs) - resultantes de projetos realizados em conjunto em prol da redução de emissões antrópicas. O Mecanismo de Desenvolvimento Limpo, por sua vez, é o único entre os três institutos que permite a participação de países não listados no Anexo I e, por isso, receberá maior atenção no presente trabalho. Está definido no artigo 12 do Protocolo de Quioto e tem como objetivo incentivar países desenvolvidos a transferir tecnologia e a investir em projetos sustentáveis em países em desenvolvimento em troca da obtenção de Reduções Certificadas de Emissões (RCEs) oriundas da diminuição de emissão de gases de efeito estufa resultante do projeto desenvolvido. Desta forma, os países listados no Anexo I que tiverem dificuldades em cumprir suas metas individuais de redução de emissão apenas com políticas nacionais, podem contar com a opção de financiar projetos de MDL em países em desenvolvimento para adquirir as RCEs produzidas e utilizá-las para cumprimento de parte de suas metas.
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Tal política foi iniciada com o Programa Chuva Ácida (Acid Rain Program), nos Estados Unidos, em 1990, com o objetivo de combater a chuva ácida e melhorar a saúde pública através da redução de emissões de SO2 e NOx. Para tanto, o programa estabeleceu um limite (cap) do total de SO2 que poderia ser emitido pelas usinas produtoras de energia elétrica. Aquelas que reduzissem acima do estabelecido poderiam negociar (trade) essas diferenças com as demais. Disponível em: http://www.edf.org/page.cfm?tagID=1085.
Conforme definido no Anexo da Decisão 3/CMP.1, cada unidade de RCE, que deve ser equivalente aos gases de efeito estufa listados no Anexo A15 do Protocolo, corresponde a uma tonelada métrica de dióxido de carbono equivalente que foi retirado da atmosfera ou que deixou de ser emitido pela ação de um determinado projeto de MDL. Para que sejam válidas e aceitas no âmbito do Protocolo de Quioto, as RCES devem ser provenientes de projetos de MDL instalados em países em desenvolvimento e devidamente aprovadas e registradas pela Autoridade Nacional Designada e pelo Conselho Executivo do MDL. Por suas características, o mecanismo de flexibilização do MDL despertou um grande interesse por parte dos países não incluídos no Anexo I da Convenção Quadro em participar do mercado global de carbono, atraídos pelas oportunidades de realização de negócios, recebimento de investimentos estrangeiros, obtenção de financiamentos, implementação de tecnologias limpas e incentivo ao desenvolvimento sustentável. Como se vê, trata-se de uma opção viável e de ganhos recíprocos entre as partes envolvidas, pois incentiva países desenvolvidos a alocar investimentos em países menos desenvolvidos para, em troca, poder obter os créditos de carbono (RCEs) que os auxiliarão a cumprir suas metas de redução de emissões. Dado seu potencial em congregar ações de todos os países para participar da contenção do efeito estufa através de oportunidades mercadológicas e econômicas, o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo será melhor analisado no presente trabalho. 2.2 – O processo de certificação dos créditos de carbono De início, é importante consignar que, para a obtenção de créditos de carbono negociáveis no âmbito do Protocolo de Quioto, é necessário que o projeto de MDL e as reduções de emissões de gases de efeito estufa decorrentes do projeto sejam concebidas dentro dos critérios préestabelecidos. Para tanto, são minuciosamente analisadas, verificadas, certificadas e aprovadas pelos órgãos competentes. Por exemplo, para a validação de um projeto de MDL, é necessário que as atividades a serem desenvolvidas atendam, dentre outros, aos critérios de voluntariedade, verificação dos benefícios reais e adicionalidade 16 previstos no artigo 12, parágrafo 5, do Protocolo de Quioto. Além de um projeto de MDL contar com a participação voluntária dos países envolvidos, deverá, comprovadamente, contribuir para a diminuição do volume de emissão de gases de efeito estufa e demonstrar que tal diminuição está ocorrendo, unicamente, em função da implantação do projeto. Para tanto, são realizadas rigorosas medições com a utilização de metodologias 15
A saber: dióxido de carbono (CO2), metano (CH4), óxido nitroso (N2O), hidrofluorcarbonos e (HFCs), perfluorcarbonos (PFCs) e hexafluoreto de enxofre (SF6). 16 Estabelece o art. 43 do Anexo da Decisão 17/CP.716, resultante da Conferência das Partes realizada em Marraqueche (COP7), em 2001, que “a atividade de projeto do MDL é adicional se reduzir as emissões antrópicas de gases de efeito estufa por fontes para níveis inferiores aos que teriam ocorrido na ausência da atividade de projeto do MDL registrada.”
específicas de cálculo que verificam as reduções de emissões de GEE obtidas a partir de uma linha de base 17 , comparando-se as quantidades de carbono emitidas antes e depois da instalação do projeto de MDL. Conforme já mencionado no item 2.1, cada emissão certificada de redução equivale a uma tonelada métrica de gás carbono e, para que seja comercializável, precisam ser devidamente avaliada e certificada pelos órgãos competentes, em âmbito nacional e internacional. Com relação às medidas a serem adotadas internamente, cada país não pertencente ao Anexo B do Protocolo de Quioto e aspirante a desenvolver projetos de MDL, deve, inicialmente, estabelecer uma Autoridade Nacional Designada (AND) para avaliar os projetos em âmbito nacional, emitir pareceres, verificar se os projetos são voluntários, sustentáveis, bem como se preenchem os requisitos necessários para, então, poder aprová-los. No Brasil, a Autoridade Nacional Designada para realizar tais atividades, coordenando a atuação do governo brasileiro com os princípios da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas é a Comissão Interministerial de Mudança Global do Clima (CIMGC), criada com o Decreto Presidencial de 7 de julho de 199918, posteriormente alterado pelo Decreto de 10 de janeiro de 2006. No exercício de suas atividades, para estabelecer os procedimentos de sua atuação na aprovação dos projetos de MDL, a Comissão Interministerial de Mudança Global do Clima, criou a Resolução nº 1, de 11 de setembro de 2003, posteriormente alterada pela Resolução nº 2, de 10 de agosto de 2005 e pela Resolução nº 3, de 24 de março de 2006. Pois bem. Uma vez que um empreendedor brasileiro tenha o interesse em desenvolver um projeto de MDL, é necessário que elabore um Documento de Concepção do Projeto (DCP), o qual deverá conter a descrição e especificidades do projeto, incluindo-se, por exemplo, a identificação dos participantes, metodologia da linha de base e do cálculo realizado para verificação da redução das emissões, previsão para obtenção dos créditos e sua duração. O documento, então, deve ser apresentado a uma Entidade Operacional Designada19, a fim de que seja avaliada sua conformidade com a legislação do MDL e receba validação. Após a validação, o projeto é submetido à Autoridade Nacional Designada brasileira, no caso a Comissão Interministerial de Mudança Global do Clima, para que seja aprovado e, finalmente, apresentado perante o Conselho Executivo do MDL20 – Executive Board (EB)-, localizado em 17
De acordo com o art. 44 do Anexo da Decisão 17/CP.717, resultante da Conferência das Partes realizada em Marraqueche (COP7), “a linha de base de uma atividade de um projeto de MDL é o cenário que representa, de forma razoável, as emissões antrópicas de gases de efeito estufa por fontes que ocorreriam na ausência da atividade de projeto proposta.” 18 Disponível em: http://www.camara.gov.br/sileg/MontarIntegra.asp?CodTeor=438888 19 Entidades Operacionais Designadas (EODs) são empresas credenciadas ao Conselho Executivo do MDL que verificam se todos os procedimentos estabelecidos pelo MDL estão sendo respeitados e promovem a validação do Projeto. Para atuar no Brasil, devem estar credenciadas, também, junto à Comissão Interministerial de Mudança do Clima (AND brasileira). No site http://cdm.unfccc.int/DOE/list está disponível uma lista das EODs credenciadas junto ao Conselho Executivo do MDL. 20 A criação do Conselho Executivo do MDL foi prevista pelo artigo 12 do Protocolo de Quioto, em seu parágrafo 4º. Este Conselho, situado em Bonn, na Alemanha, é responsável por supervisionar os projetos de MDL, credenciar as
Bonn, na Alemanha, para registro. Desde a concepção do projeto até o registro, costumam decorrer, em média, 12 meses. Uma vez registrado o projeto no Conselho Executivo, iniciam-se as fases de emissão das Reduções Certificadas de Carbono. São elas: i) o Monitoramento, através de relatórios do desempenho do projeto, ii) a Verificação, pela Entidade Operacional Designada (EOD), do grau de redução de emissão de gases de efeito estufa e se essas emissões são oriundas do projeto de MDL, e iii) a Certificação de redução das emissões pelo Conselho Executivo do MDL, o qual confere ao titular do projeto suas RCEs, que são emitidas eletronicamente e depositadas em conta em seu nome. Popularmente chamadas de créditos de carbono as RCEs, possuem valor econômico21, são cotadas em Bolsa e negociáveis no mercado internacional.
3 – Oportunidades para o Brasil e países em desenvolvimento no âmbito do MDL Como é cediço, o Protocolo de Quioto possibilitou aos países pertencentes ao Anexo I da Convenção Quadro das Nações Unidas a utilização de ferramentas mercadológicas e econômicas para cumprimento dos compromissos firmados no sentido de redução de emissão dos gases de efeito estufa. O mecanismo do MDL, mais especificamente, permitiu que todos os países não incluídos no Anexo I da Convenção Quadro tivessem a oportunidade de atuar ativamente na redução de emissões através da recepção de projetos e negociação de créditos de carbono. O documento “Status atual das atividades de projetos no âmbito do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL) no Brasil e no mundo”22, divulgado pelo site do Ministério da Ciência e Tecnologia do Brasil, demonstra que, em fevereiro de 2011, haviam 7.202 projetos de MDL tramitando em todo o mundo, sendo 2.874 projetos já registrados pelo Conselho Executivo. Dentre os projetos registrados, 479 projetos23 encontravam-se no Brasil, que ocupa, atualmente, a 3ª posição no ranking dos países que abrigam atividades de projetos de MDL, estando atrás, apenas, da China, em 1º lugar, e da Índia, em 2º lugar. Em 4º e 5º lugar no ranking estão o México e a Malásia. Ao usufruir das oportunidades oferecidas pelo Protocolo de Quioto por meio de grande atuação no Mecanismo de Desenvolvimento Limpo, além de contribuir com sua parcela de participação na contenção das mudanças climáticas, o Brasil também adquire maior notoriedade e participação no cenário internacional, vislumbra as chances de receber capital estrangeiro para estabelecer projetos de MDL (incluindo a possibilidade de recepção de novas tecnologias limpas empresas que funcionarão como Entidades Operacionais Designadas (EODs), aprovar metodologias para determinar as bases dos projetos, monitorar reduções de emissões e emitir RCEs. 21 Vide, por exemplo: http://www2.fiescnet.com.br/web/pt/site_topo/mdl/info/cota-ao-co2. 22 Disponível em: http://www.mct.gov.br/upd_blob/0215/215908.pdf. 23 Os setores econômicos brasileiros que mais desenvolvem projetos de MDL são: energia renovável (51,6%), suinocultura (15,9%), troca de combustível fóssil (9,6%) e aterros sanitários (7,5%), dentre outros com menores índices. Fonte: http://www.mct.gov.br/upd_blob/0215/215908.pdf.
que viabilizam o exercício das atividades industriais e geradoras de energia de forma sustentável), e participa do mercado de comercialização de RCEs. Portanto, além de impulsionar seu desenvolvimento econômico, o país tem a chance de fazê-lo por meio de mecanismos limpos que agridem menos o meio ambiente de atrair investidores. No caso específico brasileiro, o país já tem o condão de atrair investimentos. De acordo com o relatório World Investment Report de 2008 (WIR)24, o Brasil é considerado um dos 20 países mais atrativos do mundo para os investidores estrangeiros. Desta forma, é evidente que a oportunidade de participação do Brasil nos mecanismos do MDL possibilita-lhe a oportunidade de ampliar o recebimento de investimentos, seja através: dos investidores oriundos de países que buscam obter RCEs para cumprimento de metas, dos fundos internacionais que financiam e investem na compra de créditos de carbono ou da vinda ao país de empresas prestadoras de serviços de suporte, como as seguradoras25, traders, certificadoras, entre outras, ou, até mesmo, através de investidores especulativos. Considerando os aspectos positivos relacionados à recepção de investimentos estrangeiros no âmbito do MDL (tais como recepção de tecnologias limpas, apoio financeiro e incentivo ao desenvolvimento sustentável), é de suma importância que o país crie mecanismos para divulgar seu potencial desenvolvimentista de projetos limpos e sustentáveis e mostre-se seguro e viável ao capital estrangeiro. Diante de tais perspectivas, o Ministério do Desenvolvimento e Indústria e Comércio Exterior (MDIC) e a BM&FBovespa criaram o Mercado Brasileiro de Redução de Emissões (MBRE) 26 para contribuir com a consolidação de um ambiente favorável às negociações de créditos de carbono27e estimular a vinda de investidores estrangeiros ao país na área de MDL. Para tanto, o MBRE conta com um Banco de Projetos28 para divulgação dos projetos potenciais e já estruturados, e com a possibilidade de o investidor realizar, online, um registro de suas intenções de negociações de RCEs, informando o tipo de projeto em que busca investir. O evidente objetivo da iniciativa é gerar comunicação entre as partes interessadas (investidores e criadores de projetos) e promover facilitação dos negócios no âmbito do Protocolo de Quioto. Por outro lado, importante considerar, também, que muitos projetos de MDL (cerca de 50%) estão sendo desenvolvidos pelo Brasil na modalidade “Unilateral”, ou seja, sem a participação de um dos países desenvolvidos do Anexo I da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas.
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Disponível em: http://www.unctad.org/en/docs/wir2008_en.pdf. O comprador que ter segurança contra os riscos de não entrega dos créditos de carbono. 26 Disponível em: www.bmf.com.br/portal/pages/MBRE/conheca.asp. 27 A BM&F foi a primeira bolsa de valores do mundo a promover um leilão de créditos de carbono, em 2007. Na ocasião, foram colocadas à venda 808.450 (oitocentos e oito mil, quatrocentos e cinqüenta) RCEs de titularidade da prefeitura do município de São Paulo. O edital do leilão está disponível em: http://www.bmf.com.br/portal/pages/MBRE/download/Edital-001-2007-VendaRCE-BR.pdf. 28 Disponível em: http://www.bmf.com.br/portal/pages/MBRE/banco_projetos.asp. 25
Neste tipo de projeto, o empresário interessado desenvolve ou adquire, sozinho, a tecnologia limpa necessária para reduzir suas emissões de gases de efeito estufa. E providencia, por conta própria, o capital necessário para o investimento. Ao final, será também o único titular das RCEs obtidas e poderá negociá-las livremente no mercado internacional. Considerando-se a proposta inicial contida no Protocolo de Quioto, em que os países desenvolvidos, supostamente, tomariam a iniciativa de investir e transferir tecnologias limpas aos países desenvolvidos, verifica-se que os projetos de MDL desenvolvidos no modo “Unilateral”, “têm causado uma inversão de papéis na teoria da mitigação do clima, já que países em desenvolvimento tomam a iniciativa do projeto enquanto os países desenvolvidos assumem o mero papel de compradores de créditos de carbono”29. No entanto, considerando que os projetos de MDL desenvolvidos unilateralmente, bem como a obtenção das RCEs, devem, também, atender a todas as exigências do Protocolo de Quioto, a utilização deste modelo não traz prejuízos ao sistema internacional de combate às mudanças climáticas, representando, apenas, mais uma alternativa aos países não incluídos no Anexo I para que possam investir em seu desenvolvimento sustentável.
4 – Natureza das RCEs no ordenamento jurídico brasileiro No que se refere ao tratamento das RCEs no ordenamento jurídico brasileiro, vale aqui ressaltar que, um aspecto constantemente discutido pelos profissionais e instituições atuantes na área do mercado de carbono oriundo do MDL no Brasil, é o que diz respeito à natureza jurídica das emissões certificadas. Ao definir as RCEs, o Anexo da Decisão 3/CMP.1, ocorrida no âmbito do Protocolo de Quioto, não estabeleceu um tratamento jurídico do instituto ou regras de negociação, limitando-se a fornecer informações técnicas, como a de que uma RCE equivale a uma tonelada métrica de carbono que foi retirado da atmosfera ou que deixou de ser emitido pela ação de um determinado projeto de MDL. Desta forma, pode-se dizer que existe hoje uma espécie de vácuo jurídico na regulamentação do mercado nacional de créditos de carbono. Muitos profissionais e estudiosos da área alegam que a inexistência de uma legislação nacional reguladora deste comércio e definidora da natureza jurídica das RCEs estaria prejudicando os negócios no setor e inibindo a atuação do investidor estrangeiro no Brasil devido a esta “insegurança jurídica”. Para outros, entretanto, tal ausência de legislação específica em nada afeta o comércio de RCEs, valendo-se do argumento de que o Brasil ocupa hoje a 3ª posição no ranking dos países com maior número de projetos de MDL.
29
SABBAG, Bruno Kerlakian. O protocolo de Quioto e seus créditos de carbono: manual jurídico brasileiro de desenvolvimento limpo. 2. ed. São Paulo: LTr, 2009. p. 135.
De fato, as RCEs não possuem tratamento legal definido no ordenamento jurídico brasileiro, o que dificulta, inclusive o seu tratamento no campo do direito tributário. Ao tratar de tal classificação no mundo jurídico, os debates pairam em torno das hipóteses de classificação dos créditos de carbono como bens intangíveis, commodities, serviços ambientais, valores mobiliários ou títulos mobiliários. Mas ainda não há um consenso para o enquadramento das RCEs em uma categoria ou outra. De qualquer maneira, fato é que o Brasil tem, cada vez mais, ampliado sua participação no desenvolvimento de projetos sustentáveis no âmbito do MDL e na negociação de RCEs, independente da definição de seu enquadramento jurídico.
Conclusão Como se depreende da leitura do presente trabalho, constata-se que, a medida em que o planeta foi se conscientizando da necessidade de aliar desenvolvimento econômico e sustentabilidade, a comunidade internacional procurava meios de promover políticas de proteção ao meio ambiente que fossem implementadas pelo maior número possível de países. O Protocolo de Quioto, formulado no âmbito da 3ª Convenção das Partes da Convenção Quadro de Mudanças Climáticas, em 1997, buscou efetivar tal objetivo através da criação de mecanismos que incentivassem o desenvolvimento sustentável, promovessem a proteção do meio ambiente e possibilitassem aos países signatários a redução de emissão de gases de efeito estufa, sem prejudicar suas respectivas economias. Diante desta aspiração, o Protocolo estabeleceu mecanismos de flexibilização para cumprimento de metas de redução de emissões de GEE, o quais lançaram as bases para a consolidação do atual comércio internacional dos chamados créditos de carbono. Dentre os três mecanismos existentes, destaca-se o MDL (Mecanismo de Desenvolvimento Limpo), por ser o único que permite que países não listados no Anexo I da Convenção Quadro das Nações Unidas para Mudanças Climáticas participem deste mercado global. Trata-se de uma opção que países listados no Anexo I possuem para garantir o cumprimento de suas metas de redução através da aquisição RCEs oriundas de projetos sustentáveis, implementados em países em desenvolvimento (não incluídos no Anexo I). Diante desta oportunidade, muitos países obrigados a cumprir metas investem nesses projetos, inclusive transferindo tecnologia limpa que maximize o desempenho do projeto, para, ao final, adquirir os créditos de carbono produzidos. Trata-se, portanto, de uma via de mão dupla: países em desenvolvimento utilizam-se do MDL para recepcionar investimentos e promover seu desenvolvimento sustentável enquanto os países investidores garantem a aquisição de RCEs para cumprimento de suas metas de redução. Simultaneamente, todos ajudam a conter o efeito estufa no planeta.
Nada impede, no entanto, que os projetos de MDL sejam também implementados pelos países em desenvolvimento no modo “Unilateral”, ou seja, sem a participação de um dos países do Anexo I. Nesta hipótese, o autor do projeto será também o único titular das RCEs obtidas e poderá comercializá-las no mercado externo. Em decorrência de tais oportunidades negociais decorrentes dos mecanismos contidos no Protocolo de Quioto, o mundo vislumbra hoje uma verdadeira movimentação econômica e mercadológica em prol do meio ambiente e promoção do desenvolvimento sustentável. Ao menos enquanto estiver vigendo o primeiro período do compromisso do Protocolo de Quioto, cujo término está previsto para 2012, a expectativa do Brasil e demais países em desenvolvimento detentores de projetos de MDL, é a de que este mercado mantenha-se aquecido, atraindo cada vez mais interessados em comprar RCES ou investir diretamente em projetos de MDL, ampliando o volume de negócios realizados, a fim de que o país possa continuar investindo em tecnologias limpas, preparando-se para, no futuro, atingir um nível de desenvolvimento plenamente sustentável.
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