Comunidade Tradicional ou Zona de Sacrifício? A disputa pela Ilha da Madeira, cenário de conflito, regulação e intervenção! Silvio Cesar Alves RODRIGUES Estudante de Mestrado em Planejamento Urbano e Regional Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional - IPPUR Universidade Federal do Rio de Janeiro - Brasil scarr2801@gmail.com
Resumo Este ensaio pretende analisar elementos comuns à dinâmica de ocupação, apropriação e usos territoriais, obedecendo a demandas de natureza política e econômica, provocando impactos, submetendo e substituindo paisagens, ecossistemas e populações. Tal dinâmica permite a insurgência de projetos otimizando espaços, preocupados na obtenção de capitais financeiros e políticos. Acenando com a bandeira do desenvolvimento e conseqüentes “benefícios sociais”, configuram modelos de gestão publica comprometido a lógicas inscritas no capitalismo. Examinamos a Ilha da Madeira, bairro de Itaguaí/RJ, numa versão possível do que pode significar “desenvolvimento econômico” em comunidades caracterizadas pelas atividades tradicionais como a pesca e o turismo. O trabalho resgata na historia da Ilha, através de depoimentos de moradores e da pesquisa documental, o processo que propicia os recentes episódios na disputa pelo território, como, a chegada da Mercantil Ingá na década de 60, que se instala para produção de zinco, e ao falir, potencializa o bairro como Zona de Sacrifício. Atualmente o conjunto de obras do Programa de Aceleração do Crescimento, do Governo Federal, prevê a construção do Arco Rodoviário, instalação de plantas industrial, nuclear e portuária, transformando a Ilha da Madeira em Hinterland na baia de Sepetiba, trazendo ao cenário, conflitos e estratégias pelo seu domínio. Palavras-chave: Território, Impacto Socioambiental, População Tradicional, Político, Econômico.
Abstract This essay aims to analyze the common elements to the dynamics of occupation, ownership and land uses, complying with demands for political and economic impacts caused by submitting and replacing landscapes, ecosystems and populations. This allows the dynamics of insurgency optimizing space projects, concerned in obtaining financial and political capital. Waving the banner of development and the resulting "social benefits", shape public management models shown in logic committed to capitalism. We examined the Island of Madeira, Neighbourhood Itaguai / RJ, a possible version of which can mean "economic development " in communities characterized by traditional activities as fishing and tourism. The rescue work in the history of the Island, through testimony from residents and documentary research, the process that provides the latest episodes in the dispute over the territory, as the arrival of Mercantile Inga in the 60's, which starts production of zinc, and
when it went bust, enhances the neighborhood as a Zone of Sacrifice. Currently the collection of works of Programme for Accelerated Growth, Federal Government, provides for the construction of the Beltway, installation of industrial plants, nuclear and port, turning the island of Madeira in Hinterland in Sepetiba bay, bringing the scenario, conflicts and strategies for their domain. Keywords: Territory, Social and Environmental Impact, Traditional Population, Political, Economic.
E
m primeiro de Dezembro de 2010, durante a abertura do 5º Encontro Nacional da Indústria, o Sr. Robson Braga de Andrade, presidente da Confederação Nacional da Indústria, enfatizou que a competitividade deve estar no centro da agenda do país e da sociedade brasileira. Apresentando o que Max Weber (1993:203) chamou de tipo ideal, “uma abstração convertendo a realidade em “objeto categorialmente construído”, tipificando assim seu desejo de país. Manifestando a reivindicação, consonante ao discurso neoliberal, fazendo eco da visão materialista, com prevalência da rentabilidade.1 O mantra evocado, nega a complexidade da estrutura social brasileira, se dirigindo a apenas uma parcela da população e enfatizando o aspecto econômico, desta maneira reducionista não prescreve a receita que prescinde o Brasil. Na verdade se faz necessário sistematizar práticas e pensar na valorização de capitais socioambientais e éticos. Constituir corpos Administrativos, Judiciais e Eleitorais, céleres e estéreis, comprometidos com a promoção de redes de solidariedades e reciprocidade, para a supressão dos déficits de precariedade e, por fim, dar prioridade a agendas comprometidas com o direito à cidade e, a cidadania.2 Compreendemos o esboço apresentado na perspectiva de conflito, apreendidas pela escola marxista e neo-marxista de Althusser e Gramsci, e pela funcionalista Durkheimiana, uma vez que, impõe o refratário discurso desenvolvimentista neoliberal, modificando hábitos, instaurando normas e convertendo limites territoriais em espaços de experiências, sujeitos a desastrosos horizontes de expectativa.3 Processos que resultam na reestruturação funcional, alterando a organização, distribuição de recursos locacionais e estratégicos, imprimindo perdas estéticas, culturais e éticas, remediadas por paliativos “coisificadores”. Nossas principais críticas se remetem ao deslocamento dos direitos civis, ferindo princípios da justiça social e ambiental. Mecanismos aplicados com freqüência a conteúdos imensuráveis, ou seja, responsabilidades, agressões e crimes sendo materializados na forma do dinheiro, efetivando a metamorfose do valor em preço. Alimentando a produção de pareceres que substituem reparações e punições, pela montagem da indústria da compensação.
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Fonte FIESP: (:http://www.fiesp.com.br/agencianoticias/2010/12/01/fiesp_participa_5o_enai_sp.ntc). Analise a partir da arquitetura conceitual e de categorias examinadas por Jürgen Habermas. 3 “Espaço de experiência e horizontes de expectativa”, conceito analítico cunhado por Reinhart Koselleck. Sugere a tematização do tempo histórico, por categorias formais possibilitando a interpretação da historia feita, definida posteriormente pelo historiador, e determinações históricas que orientam e são orientadas por ações concretas. 2
Nas palavras de Sérgio Hiroshi Okashi, presidente da Associação de Pescadores e Lavradores da Ilha da Madeira (APLIM): "Não adianta dar fábrica de gelo, cais, se não tivermos área para pescar. Os portos criam mais uma área de exclusão (de pesca) na porta de nossa casa (na Baía de Sepetiba)". Sergio propõe a criação de uma zona exclusiva permanente de pesca na Baía de Sepetiba como compensação pela instalação dos portos.4 Não somos contra o desenvolvimento, todavia, não aprovamos o modelo que ignora a distribuição, equidade e tolerância ao meio físico e ao individuo. Classificamos como imperativos de concentração, exclusão, segregação, normatização, homogeneização e degradação, subordinado ao sistema global capitalista-neoliberal. Ressaltando que para se legitimar inscrevendo “propostas de verdade”, o poder publico arquiteta regulações, auxiliado pela retórica e pelo equipamento jurídico, não obstante, recorre a peritagem cientifica5, forjando identidades, pertencimentos e sensos comuns, incorporados e naturalizados pela sociedade, como o tripé: “sustentabilidade”, “responsabilidade social” e “consciência ambiental”. Argumentos aderentes, reverberando como publico o estrito e privado, todavia, o “hermético” edifício do poder, deixa escapar a redução na participação popular e acesso a direitos universais.
1- Ilha da Madeira e o século XXI, uma interrogação No inicio deste século, marcado pela emergência do discurso preservacionista ambiental, apropriado pelo arrivismo do sistema capitalista global, sugerimos reflexões sobre o caso da Ilha da Madeira, bairro do município de Itaguaí no Rio de Janeiro, onde se testemunham disputas pelo uso do, e no território. De um lado o “consórcio publico-privado” investe na montagem da maquina concentradora e normatizadora, versus, a “população tradicional”, defendendo a manutenção de mínimos quantitativos e qualitativos, ambientais, culturais e estruturais. O cenário testemunha a prevalência do caráter econômico, anuído e endossado pelo político, pressionando a expropriação de grupos “minoritários”, e de limitada representatividade preocupados na defesa de condições para a prática de atividades artesanais, contrariando o status quo, determinado pela submissão ao imperativo capitalista da eficiência, e alta lucratividade. O interesse pela Ilha surge após examinar o Mapa dos Conflitos Ambientais do Rio de Janeiro6, revelando ao lado da população a presença de 3.500.000M3 de metais pesados, abandonados devido à falência da Mercantil Industriais Ingá. Procurávamos entender a montagem do cotidiano mediado pela ameaça de contaminação, indicando o processo de precarização e a incidência de enfermidades associadas à exposição aos resíduos (alumínio; cádmio, chumbo, mercúrio, arsênico, etc.). Contudo, deparamos com a emergência de movimentações como a do consórcio publico-privado, projetando profundas e intensas transformações, percebidas pelos moradores, como ameaças mais perigosa que o risco de contaminação por rejeitos tóxicos. Segundo eles “o câncer mata aos poucos, o que estão fazendo com a Ilha da Madeira, é condenação! Querem tirar a gente da nossa casa, mudar 4
Fonte: (http://asn.interjornal.com.br/noticia.kmf?noticia=8108097&canal=36) Hipótese interpretativa de Philippe Roqueplo (1993 e 1997), ver JERONIMO, Helena Mateus, na bibliografia. 6 Parceria do Projeto Brasil Sustentável e Democrático e o Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional (IPPUR) da UFRJ. (20014). 5
nosso modo de viver. Vivemos do mar, pescando e levando os turistas para conhecer as praias”. Se, o impacto previsto, não sugere a morte por contaminação direta, concorre pelo domínio, podendo decretar a expulsão das famílias do bairro, o fim das atividades tradicionais e pacata rotina do bairro.
1.1. A Ilha, da Madeira e de pessoas Conhecer a Ilha da Madeira, resgatar sua historia e, compreender anseios da população, exigiu mais que o respeito aos protocolos da pesquisa, surgiram dificuldades impostas pelo método, na prerrogativa do distanciamento, uma vez que compreendendo no lugar, valores imbricados na nossa trajetória como individuo. Nossa analise assume a perspectiva de Bullard, apreendendo o significado de “Zonas de Sacrifício”7, como lugares onde atividades, mesmo mais agressivas e danosas são toleradas, uma vez que “aquilo” já não possui funcionalidade, e, a apropriação passa a ser um beneficio. Mas como um território se transforma em zona de exclusão, espaço opaco, Zona de Sacrifício? Supomos pela predominância de praticas predatória, acumulo de refugos e indesejáveis industrial, comercial e social. E, por um eficiente trabalho de produção de discursos em cenários dominados pelo “lixo”, aguardando a intervenção posológica orientada pelo político e econômico na recuperação das áreas. Para entender a Ilha, suas transformações e gênese, foi preciso um mergulho profundo, resgatando contribuições do passado, investigando o presente e, projetando as expectativas, respeitando princípios da ciência social, “substituir o inverossímil pelo mais verossímil, ocasionalmente, um erro por outro”. Nosso contato com esta realidade se deu pela aproximação e reconhecimento do lugar e das pessoas, investidos na compreensão da complexidade do território, estabelecendo o que William Foote Whyte chamou de “observação participante” 8. Perseguindo uma versão envolvida pelo polissêmico poder de informar, reproduzindo bases da Historia Ambiental, na abordagem defendida por Donald Worster (1980:290), aprofundando a compreensão de como os seres humanos têm sido afetados e afetado o ambiente natural através do tempo e, com que resultados. Segundo Hughes (1994:3), as relações entre os seres e com o mundo natural através do tempo; como um método, é a aplicação de princípios ecológicos para a história. Diante de tais pressupostos, é necessário entender a natureza propriamente dita; as relações entre o domínio sócio-econômico e o ambiente; e finalmente, a interação mais intangível e exclusivamente humana. Para produzir, um discurso de poder no molde postulado por Michel Foucault (2007:89), um “suporte móvel das relações de força que, devido a sua desigualdade, induzem continuamente estados de poder, mas sempre localizados e instáveis”. Apagar ou resgatar memórias processa inexoravelmente dinâmicas de identidade e pertencimento, podendo servir a fenômenos como a desterritorialização9, condutor e 7
Expressão utilizada pelos movimentos de Justiça Ambiental para designar localidades em que se observa uma superposição de empreendimentos e instalações responsáveis por danos e riscos ambientais. Que tem na figura do sociólogo Robert Bullard um dos seus maiores expoentes. 8 Ver.: WHYTE, William Foote. Sociedade de esquina: a estrutura social de uma área urbana pobre e degradada. 9 Proposta de Gilles Deleuze e Félix Guattari, em O Anti-Édipo: Capitalismo e Esquizofrenia.Lisboa, 1966.
redutor de representatividades. Marx, no Capital, mostrou a sociedade imersa em um permanente conflito, “dum lado, o trabalhador desterritorializado, transformado em trabalhador livre e nu, tendo para vender a sua força de trabalho; do outro, o dinheiro decodificado, transformado em capital e capaz de a comprar”. (Deleuze; Guattari apud Haesbaert; Bruce, 2002:11). Aportes do mundo globalizado, idealizado e sustentado pelas elites, desarticulando sujeitos e apagando suas referencias de lugar no mundo. Desmontando o espaço público, onde havia concentração de indivíduos, favorecendo a ação política, converte-se em lugar da dispersão. A desterritorialização se inscreve como proposta de sociedade global, obedecendo às demandas do capital, efetivando ações com maior ou menor intensidade. Segundo Milton Santos (2001:65), “a globalização mata a noção de solidariedade, desenvolve no homem a condição primitiva de cada um por si, como se voltássemos a ser animais da selva, reduz as noções de moralidade pública e particular a um quase nada”. As promessas de desenvolvimento consolidadas por empreendimentos no território da Ilha da Madeira, historicamente, colocam em xeque as características coletivas do individuo, ao mesmo tempo em que, facilitam e legitimam interferências, apropriações e incorporações, desarticulando o tecido e comprometendo as condições socioambientais local. Este processo torna-se mais evidente, ao tomar como starting point a década de 60 com a chegada da Companhia Mercantil e Industrial Ingá, de propriedade do Senador da República pela Paraíba, Domício Gondim Barreto, que associando o poder político e econômico, amparado pelo discurso desenvolvimentista da época, submeteu o espaço físico a contaminação e degradação, e promoveu o desarranjo social. O terreno espoliado, pela produção de Zinco por indução química, abandonado entre 1997/1998 na falência da indústria, deu inicio a reivindicações, processos trabalhistas e denuncias de abusos cometidos contra o Meio Ambiente10. Deixando como herança, o desemprego, uma área de 850mil m2 com um lago tóxico de 390m3 de efluentes líquidos e, uma montanha de mais de 3 milhões de toneladas de lixo químico. O terreno arrematado por R$72 milhões, pela Usiminas em 27/06/2008, desde então recebe a promessa de solução do passivo ambiental, contudo, as lentas ações não se mostraram eficientes, e não é apresentado de forma clara um desfecho para o problema. As indenizações trabalhistas, e aos danos provocados no meio ambiente, previstas para serem pagas com os recursos do leilão, permanecem aguardando decisões judiciais A Ingá imputou modificações ao estuário11, esboçou a potencial “Zona de Sacrifício” que hoje se corporifica, projetando os arranjos contemporâneos de disputas pela ocupação do território, substituindo o modelo industrial dos fins da década de 50, pelo que Milton Santos chamou de “Globalitarização” 12, e, Deleuze (1995:316) assim denomina: “Este movimento, através de re-territorializações fictícias e artificiais, ergue-as sobre ruínas das representações territoriais e despóticas, míticas e trágicas, que, todavia, restaurará para seu serviço próprio e com outra forma — a de imagens do capital”, ou seja, os interesses na reconfiguração da 10
Fonte:(http://www.inea.rj.gov.br/noticias/not_print.asp?id_noticia=261). Corpo de água semi-confinado na costa que tem ligação com o mar e dentro do qual a água salgada entra em contato com a água doce, proveniente da drenagem do interior das terras, formando um gradiente de salinidade. 12 Imposição a partir de uma visão imperial, determinada pelas tiranias do dinheiro e da informação, sustentada pela velha estrutura do poder e submissão dos países pobres. 11
Ilha da Madeira faz recrudescer competições. Em nota explicativa sobre o leilão da Ingá e a incorporação do passivo ambiental, o Inea - Secretaria do Meio Ambiente13, “surpreendentemente” enfatiza o viés econômico, ao invés de, como seria da sua competência, demonstrar preocupação em restabelecer condições ambientais mínimas, nas áreas degradadas, como segue: O secretário Carlos Minc articulou uma parceria com a Massa Falida da Ingá, Jarbas Barsanti, o Governo de Minas Gerais e a Prefeitura de Itaguaí. Com o estabelecimento de um acordo entre as partes, foram vencidos todos os obstáculos jurídicos, possibilitando o início das obras de descontaminação do terreno. A cerimônia de lançamento, em 2007, contou com o governador Sérgio Cabral, o secretário Carlos Minc e o síndico da Massa Falida, Jarbas Barsanti, entre outros. Pelo projeto em execução, esse grande passivo ambiental será transformado em um grande investimento, como apoio do governo mineiro. Com a venda do terreno recuperado, serão pagos os passivos trabalhistas e fiscais da empresa falida. Com a construção da rodovia Arco Metropolitano, ligando os municípios de Itaboraí e de Itaguaí, junto ao Porto de Sepetiba, a área da Ingá se transformará em local extremamente valorizado, sendo importante para o desenvolvimento econômico do estado.
Acreditamos se monta na mesma época em que a Ingá ocupou o bairro, a exploração da Pedreira Sepetiba (adquirida pelo Grupo EBX), outro empreendimento que consolida prejuízos ao bem estar local, implicando nas condições de saúde da população e no meio ambiente. A LLX14, empresa de logística do Grupo, comunicou em 29/12/2009 ao mercado que o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) aprovou financiamento de até R$ 407,7 milhões para a aquisição de equipamentos para o porto, desenvolvido pela LLX Sudeste, subsidiária da companhia. Financiamento aprovado no Programa de Sustentação do Investimento (BNDES-PSI), com taxas de juros fixas de 4,5% ao ano para a aquisição de equipamentos nacionais, como carregadores de navios, empilhadeiras, viradores de vagão e correias transportadoras. O projeto é apresentado no roteiro intitulado “Decisão Rio 2010-2012: Projeto Porto do Sudeste” 15, elencando as “vantagens econômicas”, para os produtores de minério do estado de Minas Gerais. A instalação na estratégica região, será facilitada pela ligação do quadrilátero ferrífero pela ferrovia MRS e Arco Rodoviario. Em meio a cenas de devastação prórpias da atividade, a narrativa defende o terminal por sua capacidade de escoamento e estocagem, e geracao de lucros da operação. Indica um dos patios localizado na cava da Pedreira, recorrendo ao discurso ambiental, de reaproveitamento do espaço já degradado e reducao de impactos, para justificar a operção. Expediente que se segue no texto, com inserts: “preservando a vegetação e o paisagismo local”, “uma aliança entre o desenvolvimento econômico e social”, “com respeito e valorizacão da comunidade local e do meio ambiente, um compromisso da LLX”. Os empreendimentos, legitimam-se a partir da confecção dos Estudos e Relatorios de Impacto ao Meio Ambiente, que parecem conferir o estatuto de compromissos e responsabilidades socioambientais. Contudo, não recebendo a devida fiscalização, estes 13
Fonte: (http://www.ambiente.rj.gov.br/pages/outros_projetos/outrosproj_ingamercantil.html ) Criada em março de 2007, a LLX nasce como subsidiária da MMX Mineração e Metálicos S.A. com foco na significativa demanda por investimentos em infra-estrutura no país e visando a prestação de serviços logísticos para as empresas do Grupo EBX e terceiros, desenvolvendo terminais portuários privativos de uso misto. 15 fonte: (http://www.youtube.com/watch?v=Fsflg6pPtOA) 14
protocolos se convertem em cartas brancas, permitindo a partica de ações agresivas, como a sucessao de aterros imputados ao manguezal, proximo a Cia Docas do Rio de Janeiro, procedem também a desmatamento, derrubando a cobertura vegetal de Mata Atlantica, imprime o terror psicologico aos moradores a partir de explosões periodicas, como ocorrida em 23 de Novembro de 2009, e alimentam a especulação imobiliária, com a finalidade de remover os moradores da Ilha da Madeira. Adversidades enfrentadas pelos moradores da Ilha da Madeira nos últimos tempos têm trazido revolta e mal-estar aos que residem na localidade há décadas. Explosões da Pedreira Sepetiba Ltda, adquirida pela LLX no início do ano, causam tormento a vizinhança. Na segunda-feira (23), as detonações levaram os moradores ao auge da indignação. Uma verdadeira chuva de pedras com até 80 kg, lançadas da pedreira, atingiram diversas casas. Revoltados, os moradores se manifestaram em frente à empresa exigindo soluções imediatas. “Isso que eles estão fazendo é terror psicológico pra gente sair daqui logo!”, denunciou o morador João Ferreira Lima, de 40 anos. Segundo os moradores, a empresa está pressionando a população, de forma grosseira, a aceitar suas condições e deixar o local. “Eles estão fazendo isso para forçar a gente a sair daqui, já que não queremos aceirar a mixaria que eles nos ofereceram”, revelou a aposentada Iracema Oliveira dos Santos, de 71 anos. Os moradores contam que as explosões ecoam como um terremoto dentro de casa. “Sempre que isso estoura minha casa estremece. Pego meus documentos e saio correndo com medo de ela desabar”, contou a moradora Leda Claro Oliveira Cruz, de 67 anos. Ainda segundo os moradores as constantes explosões e o desmatamento estão assustando os animais silvestres que se refugiam dentro de suas casas. “Animais que vivem no alto da ilha, hoje você encontra nos nossos quintais, assustados e machucados. Sem falar que alguns moradores estão sem água potável há um mês”, revelou a Elisângela de Almeida. “Se hoje a ilha é o lugar mais valorizado do país, porque estão querendo pagar uma miséria pelas nossas casas? É uma falta de respeito”, concluiu a moradora.16
As atividades iniciadas no século XXI, respeitando a anaciclose17, remontam mecanismos forjados no passado, como à expropriação da população da Vila do Engenho18; perturbação da ordem publica; contaminação; reconfiguração de características naturais da região; devastação da mata atlântica; comprometimento do manguezal19, e da baía de Sepetiba, aniquilando as bases produtivas tradicionais da pesca e do turismo. Entretanto, a aquarela reúne traços mais preocupantes devido ao amplificado poder de desenraizamento e destruição. Enquanto a chegada da Mercantil Ingá respondeu ao surto da industrialização nacional, incorporando parte da Ilha, aterrando, removendo e ligando-a ao continente, 16
Jornal Atual – 27 de Novembro de 2009 em (http://politicadeitaguai.blogspot.com/2009_11_01_archive.html) 17 Do grego anakylitikos, o que se pode virar, isto é, o que se pode ler da esquerda para a direita e da direita para a esquerda. O nome tem sido usado para qualificar a teoria cíclica da história, segundo a qual os regimes passam de uma forma a outra, retornando finalmente ao seu ponto de partida . Isto é, os regimes sucedem-se necessariamente, imbricando-se uns nos outros para voltarem ao começo. Segundo os clássicos gregos, a monarquia degenera em oligarquia, a que se sucede a democracia, o governo dos pobres contra os ricos, que, depressa, é dominada pelo cesarismo e, em seguida, pela tirania. Retirado de Republica, Platão. 18 A Vila do Engenho, onde se localiza hoje a USIMINAS, era o centro da Ilha, pólo dinâmico do lugarejo, desapropriado com a chegada da Ingá, teve seus moradores expulsos. 19 Os manguezais são ecossistemas de grande importância ao longo das costas tropicais do mundo, possuindo múltiplos usos. Fontes naturais renováveis de nutrientes que têm um importante papel na ecologia da região costeira, incluindo a proteção e estabilização da linha costeira, habitat para uma ampla variedade de espécies animais, e serve também como viveiros para peixes economicamente explorados. (Diegues, 1977).
preconizado pelo ufanismo, condizente ao discurso da época, onde as preocupações ambientais eram reduzidas, e atividades não significavam imediatamente risco e devastação. As novas corporações não conseguem reproduzir o otimismo, evidenciado na ausência de elementos conciliadores em uma área menor que 400 ha, com população estimada em 2.500 coadjuvantes. Incorporando ao cenário a percepção de perdas no rastro das atividades previstas pelo Zoneamento Ecológico-Econômico20. Divulgam programas de qualificação profissional, mas que em 2009, não se comprometia na absorção da mão-de-obra local, e caso ocorra, respondendo somente a postos de menor remuneração; as atividades tradicionais não são problematizadas, a não ser no papel; e, precisando responder a exigências legais, através do procedimento administrativo de prevenção e de monitoramento dos danos ambientais, EIA-RIMA, se verifica com freqüência irregularidades, denunciadas aos órgãos competentes, mas que esbarra na burocracia ou mesmo na compra de blindagens por certos atores, que trocam favores financeiros a órgãos e instituições políticas. Vale ressaltar, que parte do capital utilizado na compra da blindagem, tem origem nos recursos públicos concedidos pelos financiamentos do Banco Nacional de Desenvolvimento Social. O equipamento portuário, comercial e industrial, amparado pela Lei Estadual 5.067, aprovada em 09 de julho de 2007, que regulamenta o zoneamento ecológico-econômico do Estado do Rio de Janeiro, aponta para ameaças sem precedentes - caso o mesmo poder público que o anui, concede e viabiliza financiamentos, não imprima rigorosa fiscalização, criando protocolos comprometidos com a Justiça Social – a introdução de problemas urbanos, comuns a grande parte da sociedade fluminense, mas que ainda não faz parte do cotidiano da Ilha da Madeira. Observados pelos moradores como sinais da deteriorização da qualidade da vida, denunciam o fim da tranqüilidade, ocasionados por dinâmicas impostas ao espaço. Redefinido áreas de fluxo, implicando no aumento da circulação de veículos, pessoas, produtos, dinheiro, hábitos e práticas. Temem pelo aparecimento de doenças e violências, e neste caso a expressão “violência” assume os sentidos dirigidos à natureza, e, a sociedade, demonstrando preocupação com a precarização das condições socioambientais. A população não mostra simpatia à realocação espacial/funcional, identificando no aparelho imposto submissão e, ameaças a sua subsistência. Consideram as decisões endossadas pela esfera do poder, aceleradores do já reduzido potencial pesqueiro e turístico do território, e causas de implicações irreversíveis no futuro. O aumento do desmatamento e, a redução da cobertura vegetal remanescente processa o desaparecimento de fontes, mananciais e do manguezal, resultando no assoreamento do já sacrificado estuário. Sendo assim, o destino da baia é virar uma lixeira, devido à deposição de resíduos minerais, óleo, produtos químicos, e aumento dos esgotos sanitários. A população teme como conseqüência do aumento de fluxos, o aparecimento da violência na sua forma mais corriqueira, ou seja, assaltos, assassinatos e afins. Desestabilizando o dia-a-dia madeirano, que ainda não foi contaminado pela violência que assola os bairros do Rio de Janeiro, as casas na Ilha não 20
ZEE – instituído por lei aprovada em 2007 – é fundamental para a regulamentação de todos os investimentos governamentais e privados no estado, inclusive na Bacia da Baía de Sepetiba. Como essa bacia receberá grandes investimentos da CSA (Companhia Siderurgia do Atlântico) e da CSN (Companhia Siderurgia Nacional), entre outros, devido à ampliação do Porto de Sepetiba, espera-se que a população da região dobre no período de quatro anos. Fonte – Secretaria do Ambiente – Rio de Janeiro.
possuem grades, artefato imprescindível na rotina do estado, reconhecido internacionalmente pelos altos índices de insegurança. Os moradores da Ilha se conhecem pelo nome, conservam vínculos de solidariedade, que são reforçados pela protocooperação, assim relatada: “por varias gerações, as pessoas daqui dividem a mesma praia, a padaria, o bar, o barco, as redes e os peixes”. Acompanhando os festejos de São Pedro, em Junho de 200921, percebemos o comportamento deste tecido intimo, as pessoas chegavam de outros lugares, eram quase sempre antigos moradores que por diferentes razões deixaram o bairro, sendo recebidos com cordialidade, sorrisos e abraços, por irmãos e amigos, estampando a satisfação por estar no seu lugar, mesmo que por um dia. Reforçando valores impossíveis de serem qualificados pelas corporações (CSN, CVRD, CDRJ, LLX, USIMINAS, MARINHA DO BRASIL, PETROBRAS), tampouco, quantificados em cifras. O povo, utilizando a expressão do historiador José Murilo de Carvalho (1987), continua a assistir às decisões e manobras, impostas verticalmente, “bestializados”. E, seu único recurso é articular a resistência na forma prevista em lei. O problema é que a “Lei”, na qual depositam credo, por diversas vezes é uma forma ardilosa para se driblar a Justiça. A expectativa reside na esperança de que ela seja, tão somente, um instrumento ilibado, resistente a pressões e demandas impostas por representações do poder. Entretanto, a imparcialidade almejada passa a ser questionada quando, representantes legítimos, eleitos pelo povo, não fazem valer o desejo do povo, desrespeitando o meio ambiente, e as atividades tradicionais, enfim, suprimindo o bem estar da população. Mecanismos oportunistas manipulam a lei, modificam ou extingue a participação da sociedade em debates acerca da condução de políticas publicas, excluindo estes atores do processo. Reforçando a hipótese de que, nem sempre a “Lei” é um dispositivo indutor de Justiça, e interesses podem reajustar o “inviolável” instrumento. Com a finalidade de ilustrar tal inferência, tomamos um exemplo ocorrido no município de Itaguaí, uma manobra praticada nos bastidores do poder municipal. Visando atender a construção de uma Usina Termelétrica movida a carvão, a Câmara alterou no dia 7 de agosto de 2001, por dezessete (17) votos contra dois (2) o artigo 305 da Lei Orgânica do Município que previa em seu texto: “A instalação e a operação de atividade efetiva ou potencialmente causadora de alterações significativas do meio ambiente estarão condicionadas a aprovação, por plebiscito, mediante convocação pelo Poder Legislativo, inclusive por iniciativa de 5% (cinco por cento) do eleitorado nos termos do art. 14 da Constituição Federal”. A supressão desse direito democrático se deu após o parecer do Ministério Público com base na análise técnica do EIA/RIMA, referente à implantação da Usina, seguindo o relatório da audiência pública realizada em Itaguaí, dia 11 de maio do mesmo ano. Doze pontos obscuros e não esclarecidos, acabaram sendo apontados pelos peritos técnicos do órgão, e após sucessivas denuncias, manifestações de várias entidades, o MPE e o MPF, determinaram que a supressão do art. 305 da Lei Orgânica do Município era inconstitucional, suspendendo em 15 de abril de 2002 o processo de licenciamento ambiental para a instalação da UTE de
21Festa de São Pedro 29/06, manifestação social, cultural e religiosa, homenageia o padroeiro dos pescadores, com cortejo de barcos, procissão e celebração da missa e festejos.
Sepetiba, como determina a legislação (Resolução CONAMA 01/86).22 A instalação da Usina foi vetada devido às mobilizações, porém, o Art. 30523, foi modificado e, a participação popular, substituída pela mediação exclusiva de corpos técnicos, escolhidos no interior dos gabinetes: Art. 305o - A instalação de Indústria, Comércio ou de qualquer atividade relacionada ao meio-ambiente estará condicionada à aprovação pelos Órgãos Técnicos Estaduais de Meio Ambiente- FEEMA, devendo ser obtido por licenciamento junto àquela Fundação. Parágrafo Único- Aprovado por Projeto pelos Órgãos Técnicos Ambientais do Estado, o mesmo deverá ser submetido à Prefeitura, que se manifestará sobre a aprovação ou não, através das Secretárias de Urbanismo e de Agricultura e Meio Ambiente, sem o que a obra não poderá ter início. Obs.: Redação dada pela emenda 033/01 07/08/2001.
Sabemos da necessidade de revisão e aperfeiçoamento dos dispositivos, porém, seria ético e legítimo, resguardar elementos autênticos promovendo a ampliação do debate. Todavia, tal expediente exige o exercício democrático e transparência, o que provavelmente compromete a eficiência na condução das políticas publicas! A historia da Ilha da Madeira é feita por nós, teias, malhas e redes, o território reúne signos e identidades tradicionais legitimas, mesmo que a denominação “população tradicional” seja refutada, como sustenta a Marinha do Brasil, considerando população tradicional, na faixa litorânea, somente os “Caiçaras”. Argumento utilizado para defender a instalação do Estaleiro e Base Naval para a Construção de Submarinos Convencionais e de Propulsão Nuclear, na Ilha da Madeira. Durante a audiência de apresentação e discussão do Estudo de Impacto Ambiental, realizada dia 11 de Novembro de 2009, com a presença de: Roberto Messias (Presidente do IBAMA), Adilson Gil (Superintendente do IBAMA no RJ), Almirante Alan Arthur (Marinha do Brasil), Representantes da Construtora Norberto Odebrecht e, MRS Estudos Ambientais Ltda., empresa contratada para elaborar o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e, Relatório de Impacto Ambiental (RIMA). Dentre as considerações técnicas e o arcabouço de justificativas: a MRS Ambiental alega que 77,5% dos pescadores tem idade superior a 35 anos, e os jovens não procuram essa profissão; Apresenta a “preciosa” informação, de que fora encontrado no pedaço de mar a receber as obras, elementos nocivos como: Mercúrio, Arsênico, Chumbo, Zinco e Cádmio.24 Questionamos: Como negar legitimidade a pessoas que nasceram, cresceram e vivem no domínio, realizando atividades profissionais, culturais e pessoais, independente de suas idades? Pessoas que se afastam dos limites, somente na busca de serviços, e, às alçadas judiciais reclamar direitos e efetuar denuncias. Não esta claro como se verifica a vocação profissional dos jovens da Ilha, obviamente a exposição tóxica impingida pela Cia Mercantil e Industrial Ingá comprometeu o “pedaço de mar”, e boa parte da vida no estuário, impactando a baia, reduzindo o potencial pesqueiro e contaminando a biota, facilitando a produção de argumentos, eximindo responsabilidades e justificando apropriações. O 22 Ação civil pública Nº 2002.5101002120-1 – Autores Ministério Público Federal e Ministéri Público do Estado do Rio de Janeiro Réus Município de Itaguaí, Inepar Energia S/A, Enelpower do Brasil LTDA, Centrais Elétricas Brasieleiras S/A e FEEME – Fundação Estadual de Engenharia do Meio Ambiente Juiz Federal susbstituto Paulo André Espírito Santo. 23Fonte: (www.camaraitaguai.rj.gov.br/spaw/images/geral/arquivo/lei_organica_itaguai-rj.pdf) 24 Fonte: (http://www.mar.mil.br/arquivos/rima_estaleiro_base_naval_28082009.pdf)
Ministério da Defesa, através da Marinha do Brasil, da iniciativa privada e empresas contratadas para “confeccionar” relatórios, utilizam destes recursos para efetivar o que Pádua (2002) chamou de “sopro de destruição”, expondo a população a atividades de altíssimo risco, justificadas como defesa da pátria. Surge a duvida: pretendem repetir a experiência realizada durante o século XX, na Baía de Guanabara, erigindo um monumento poluído, destruído e moribundo? Condenar a Baía de Sepetiba ao mesmo catastrófico fim, perseguindo a multiplicação de programas para recuperação e despoluição, seria uma estratégia, garantindo o continuísmo e a reprodução do modelo de esgotamento e dragagem do erário público? Em 2010, o Programa de Despoluição da Baía de Guanabara (PDBG) completou 15 (quinze) anos, custando cerca de R$4 bilhões, e os ambientalistas não vislumbram um futuro de sucesso. Segundo as estimativas do Estado, seriam necessários US$ 20 bilhões e mais 20 anos para a sua despoluição. Especialistas, afirmam que o sistema administrado única e exclusivamente pelo governo estadual é falido, e compreende que a solução esta na participação da população, das universidades, e prefeituras, em conjunto fiscalizando recursos e investimentos no tratamento da baía. Existe uma indústria da poluição – diz o ambientalista Sérgio Ricardo Lima. – Não considero verídicas as estimativas do governo. O que já foi feito nesses 15 anos, com má gestão e irregularidades, mostra que não tem como o programa dar certo. Representante da Região Sudeste na Comissão Nacional de Meio Ambiente (Conama), José Miguel Silva concorda com Sérgio: - Pelo PDBG, é impossível despoluir a Baía de Guanabara, o programa é um saco fundo de botar dinheiro. Com o advento da Olimpíada em 2016, o Plano de Gestão de Sustentabilidade do Comitê Organizador Rio 2016, tem como meta até os jogos coletar e tratar 80% do esgoto da região metropolitana.25 Consideramos na falta de estruturas preventivas, de fiscalização e punição, estímulos aos crimes ambientais. A ineficiência no combate a atividades predatórias como a pesca de arrasto, e a criação de plantas industriais sujas, contribui para o atual quadro de degeneração, conforme adverte Felipe Daudt26 no informativo 42 Março/Abril de 2002, do Instituto Aqualung, com o titulo “Os Rumos da Pesca Predatória”. Outros inimigos a sustentabilidade são os impactos gerados pelo homem sobre os ecossistemas estuarinos e litorâneos, causando o desaparecimento ou a redução do número de indivíduos de algumas espécies. Impedindo o estoque de pescado de se recompor, colocando em risco a sobrevivência das comunidades pesqueiras. Dentre os principais impactos a atividade, destacam-se: o corte de mangue para instalação de viveiros e barragem da água da maré pelas obras de infra-estrutura dos projetos, isolando trechos do manguezal e ocasionando a morte da vegetação; aterros e desmatamento; poluição de rios e estuários por esgoto doméstico, resíduos industriais e agrotóxicos. A respeito das responsabilidades do órgão,
25
Luiz Augusto Gollo, Eco Debate (08/02/2010) e Fábio Souza no artigo Agonia da Baía de Guanabara, publicado no site trilhas RJ: (http://www.ecodebate.com.br/2010/02/08/programa-de-despoluicao-da-baía-deguanabara-pdbg-quinze-anos-de-obras-nao-despoluiram-a-baía/(12/02/2010), http://www.trilhasrj.com.br/integra_colunistas.php?secao=colunistas&id=14 ) 26 Felipe Daudt, Geógrafo e ambientalista, articula as revistas Pescando, Pesca Esportiva, The Fishing Hole. Escreve no jornal Gazeta da Pesca coordena novos projetos e é assessor de imprensa do Projeto Piabanha.
visitando a pagina do TRF, encontramos a seguinte decisão indicando a ineficiência do IBAMA: A Sétima Turma do Tribunal Regional Federal (TRF) da 2ª Região condenou o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama) e a União a adotar medidas de fiscalização e repressão à pesca predatória no litoral do Estado do Rio de Janeiro, principalmente na Baía de Sepetiba, na Ilha da Madeira, em Angra dos Reis, em Búzios e em Cabo Frio. O órgão deverá adquirir lanchas e viaturas para fiscalização terrestre e manter uma equipe de agentes de fiscalização ostensiva. Em seu voto, o relator do processo no TRF, desembargador federal Sérgio Schwaitzer, lembrou que a Constituição Federal estabelece como dever do Poder Público proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção das espécies ou submetam os animais à crueldade.27
Acreditamos que a Ilha, sua população, o meio ambiente e a sociedade brasileira, não corroboram com tais praticas e não podem esperar para obter respostas. As expectativas ante ao novo e desconhecido, insurge como regulações redefinindo direitos e individualidades da comunidade. Pensar o impacto das obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), previsto para a região Sudeste28, projetando frames sobre a população e seus impactos de vizinhança, no entorno da Baia de Sepetiba, é buscar compreender as percepções dos moradores sobre o conjunto de obras, como isso afeta, modifica e se impõe, e como mobiliza opiniões, esperanças e medos. Embora o pessimismo por vezes povoe nossas reflexões, transparecendo que o encilhamento da sociedade se fundamentou como “verdade”, temos a convicção de que as experiências do passado remetem a ensinamentos, no intuito de formalizar propostas de planejamento, alinhadas com as diversas realidades. Tentamos conjugar postulados, categorias, conceitos e referencias, com a finalidade de promover princípios de justiça e equidade, para que no futuro, seja possível reproduzir praticas e hábitus coadunando ideais que suprimam ou, no mínimo, reduzam a desigualdade no país. Segundo Milton Santos (2001:57), “num mundo globalizado, regiões e cidades são chamadas a competir e diante de tais regras atuais de produção e dos imperativos atuais de consumo, a competitividade se torna também uma regra de convivência entre as pessoas”. O que se processa sob o determinismo e uso do discurso refratário imerso na obscuridade é o rastro da destruição, o esgarçamento de valores culturais tradicionais e a demolição do edifício social e ambiental. Remetendo a reestruturação hibrida, destinada a atender demandas do poder, ignorando e negligenciando os ecos sociais29. Propriedades distintivas do mundo globalizado, da divisão internacional do trabalho e da submissão dos países periféricos. A imperiosidade suprime conteúdos e desmantela núcleos de povoamento, sem a obrigação 27
Fonte: Tribunal Regional Federal da 2ª Região(28/04/2008)-Processo 2002.02.01.033310-5 mv e cl Ligações Intermodais, Investimento em Portos e Rodovias 29 Os “ecos sociais” fundamentam-se na defesa de características próprias e originais de uma sociedade, catalisando elementos de reconhecimento e pertencimento ao território, típicos indutores da territorialidade e identidade. Desta forma estimulam ações de resistência, fazendo ecoar vozes, expectativas e anseios, objetivando manutenir hábitos e a matriz cultural. 28
de apresentar planos alternativos e contingenciais, sucinta o triunfo das praticas compensatórias, objetivando subjetividades e particularidades, deslocando valor para preço, ou seja, criando medidas e classificações para o não mensurável, procedendo alguma coisa que não significa justiça. A vida parece ter se transformado em mercadoria, e tudo pode ser comprado no mercado, a partir de lógicas plantadas pelo poder do discurso.
Conclusão Art. 225 - Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. (Constituição Federal - CF – 1988 - Título VIII Da Ordem Social - Capítulo VI Do Meio Ambiente.)
Quando submetemos a interseção de substantivos como sociedade e ecologia, pensamos ser impossível dissociá-los. O modelo adotado pelas sociedades de consumo tem causado transformações em todo sistema, acelerando processos devoradores de ecossistemas. Recebemos noticias de extinções a espécimes da fauna e da flora, estamos atingindo o estagio em que espécies sociais se encontram ameaçadas. A Ilha da Madeira, bairro as margens da baia de Sepetiba, colônia de pescadores e ex-lavradores, dotado de recursos e paisagem natural invejável, sofre por seu futuro. Se a implantação da Mercantil Ingá trouxe conseqüências irreversíveis, criando o passivo ambiental assumido pela Usiminas e segundo seus responsáveis em processo de solução, hoje se processa um modelo de zoneamento estratégico fazendo da Ilha alvo da especulação e exploração, ancorada por mega empreendimentos e mega-investidores, é bom lembrar, crescimento e desenvolvimento são diametralmente opostos. Preocupa-nos, sobretudo, o risco de homens, mulheres e crianças desaparecer como esta acontecendo com os peixes, crustáceos e moluscos do estuário, não suportando os impactos do comercial e industrial. È sensato lembrar que, o coração de um lugar é seu povo e este se encontra sob ameaça! Não bastasse às implicações representadas pela montanha de 25 metros de altura composta por três milhões de toneladas de metais pesados cancerígenos, expostos ao ar livre e lixiviados periodicamente contaminando o lençol freático e a baia, a população sofre com o terror psicológico, e não sabe o que acontecerá amanha. O pior é que o amanha pode ser depois de hoje! O novo zoneamento proposto, sem a prévia consulta popular, desfere um golpe na vocação natural da Ilha da Madeira, que aprendeu a viver da pesca e do turismo, desenvolvendo um valor nas atividades tradicionais. Desconsiderando as características constituindo o espaço, acolhem as gigantescas plantas industriais, logísticas e portuárias, projetando degradação e a falência do meio ambiente e da sociedade local, com anuência dos poderes públicos Local, Estadual e Federal. O processo em implantação, de grosso modo, significa a expulsão dos moradores, devido à instabilidade, o crescimento da violência e, o declínio da pesca e do turismo. Não podemos desconsiderar as vulnerabilidades a que a população esta exposta, uma vez que o Hinterland prevê aumento de fluxos e circulação, caracterizando-se como porta de entrada, a receber o bom, e o ruim, produzir lixo residual e químico por materiais em transito. A zona portuária definida e em fase de montagem concorre com a promoção da vida. Por decisões verticais,
ausência de dialogo e descaso, a parceria publico-privado ansiosa por lucros, competitividade e multiplicação de capitais, se apóia em insustentáveis modelos de desenvolvimento, típicos do subdesenvolvimento, acolhendo atividades repelidas pelas rígidas leis do primeiro mundo, todavia, facilitadas pela eterna dependência financeira, ideológica e técnica, das colônias terceiro-mundistas, continuando a funcionar como as antigas minas, sustentando a exploração regulada pelas forças hegemônicas mundiais. Em um momento que urge defender os limites da Terra, é inadmissível a inversão e a apropriação do conceito sustentabilidade, transformando em verdadeiros apartheids, afastando da pauta de discussões os que não coadunam com a voracidade do consumo, e por outras razões, não entendem desenvolvimento e qualidade de vida como uma representação econômica. A natureza pede socorro, enquanto mentes brilhantes decidem aterrar, retificar, poluir e destruir as últimas reservas. Ambiguamente as permanências, tradições e aspectos naturais persistem protegidos por uma suposta invisibilidade, contudo, o desconhecimento da opinião publica sobre os casos, permite deliberações sem a consulta do povo, dando espaço a desenvolver repertórios de manipulação. Não fosse a tímida mobilização popular e iniciativa heróica de moradores, pescadores, organizações como a APLIM, APAIM, etc., a Ilha da Madeira seria um caso perdido. O que a faz sobreviver é o respeito de seus moradores, a identidade construída no nascer, crescer e viver na Ilha, o pertencer e se constituir como signos locais. Assistimos um exemplo de negligência, ingerência publica e descaso social, no cenário composto pelo povo acuado a mercê do “poder”, na dúvida entre a desapropriação, obras, explosões e especulação. Após conhecer os moradores ficamos cientes que, tira-los da Ilha é matar a população, condenar a desintegração. Fragmentar continua a ser a melhor forma de processar o apagamento da memória, assim se deu no século XVI ao invadir, pilhar, destruir ícones, estruturas culturais e organizações sociais, para o estabelecimento nas Américas, parece que as mesmas práticas prosseguem como método de se impor. Somos céticos quanto ao futuro, principalmente quando se atestam permanentemente irregularidades na concessão de licenças ambientais, mesmo assim, acreditamos que aspectos positivos possam se revelar na investigação sobre as transformações urbanas, sociais e ambientais, e despertem para a necessidade de criar um tratado nos termos de uma nova ética, promotora da integração, repensando os padrões da sociedade de consumo e da ciência, e que seja possível refutar Hobbes, anunciando a morte desse tipo de Leviatã.
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