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ECOS DO
EEm uma das suas muitas boas frases, Ariano Suassuna pregava: “toda arte é local antes de ser regional, mas, se prestar, será contemporânea e universal”. E, ao entrar na casa dos 50 anos, o Movimento Armorial continua a ecoar. A despeito de um mundo globalizado, com intercâmbio de informações nas mais diferentes áreas, o Brasil (re)vive uma onda de forte valorização do artesanato brasileiro, especialmente nas artes e no design.
“Hoje, vejo o crescente interesse em mostras de arte popular. As pessoas vão conhecer o que está sendo produzido pelos artesãos brasileiros”, diz Manuel Dantas Suassuna, artista plástico e filho de Ariano Suassuna, idealizador do Armorial. “Antes do movimento, ninguém dava importância à arte popular. Mas, a partir do momento em que um grupo de intelectuais mostrou interesse pela produção cultural da sua terra, os outros também passaram a se interessar”.
Oficialmente, o Movimento Armorial aconteceu em um evento de 18 de outubro de 1970, com o concerto da Orquestra Armorial de Câmara chamado Três Séculos de Música Nordestina: do Barroco ao Armorial, na Igreja de São Pedro dos Clérigos, em Recife. Além disso, a data marca a abertura de uma exposição de arte nordestina com xilogravuras, pinturas e esculturas.
O nascimento da Arte Armorial vem da Santíssima Trindade formada por literatura de cordel, xilogravura e cantadores – que declamam versos acompanhados de viola, rabeca ou pífano –, que teve origem na Europa Medieval. Não por acaso, o nome Armorial vem do francês armes ou armories, que se refere ao conjunto de armas ou brasão das famílias e que Ariano Suassuna conecta à marcação de gado que o Armorial metaforicamente representaria em uma heráldica nordestina. “O design gráfico criado por Ariano é, para mim, uma das coisas mais importantes. Ele transformou a marca de posse em marca de autoria”, afirma Denise Mattar, curadora da mostra Movimento Armorial 50 Anos [leia mais no box].
Antes de lançar o movimento, Suassuna passou 25 anos fazendo pesquisas. Mas o interesse pelo popular já vinha de longe. Nascido em 1927, o filho de João Suassuna, então presidente (hoje governador) da Paraíba do Norte (atual João Pessoa), deixou o Palácio da Redenção com um ano, quando o pai saiu do governo e se mudou com a família para a Fazenda Acauã, em Souza, a 432 quilômetros da capital. Após o assassinato do pai, em 1933, Ariano foi morar na cidade de Taperoá, antiga Vila Batalhão, que tem enorme importância no Movimento Armorial por ser o local onde se passa a história da peça O Auto da Compadecida, de 1955. “Foi ali que meu pai assistiu, ainda muito jovem, à primeira peça teatral apresentada dentro de um circo. Ou seja, já havia a junção entre o popular e o erudito que deu origem à peça de meu pai, publicada quinze anos antes de ele lançar o Manifesto Armorial e que considero a base do Movimento”, explica Manuel.
Tríptico, de 1972, por Gilvan Samico, um dos expoentes do Armorial
Com o livro Pedra do Reino, de Ariano Suassuna, lançado em 1971, o Movimento Armorial realmente ganhou corpo por ter tido grande repercussão no meio literário. E, com isso, popularizou seus artistas – entre eles, o artista plástico e ceramista Francisco Brennand; o mestre do cordel e da xilogravura J. Borges; o gravurista Gilvan Samico; o artista e músico Antonio Nóbrega; o compositor Antônio Madureira; e o escritor Raimundo Carrero.
“Samico, além de ter uma obra muito sofisticada, é o artista mais Armorial do grupo. Zélia, esposa de Ariano, com suas tapeçarias feitas com artesãs locais, também tem enorme importância dentro do movimento”, afirma Mattar. Segundo ela, hoje, a influência do estilo Armorial pode ser vista em artistas, como os diretores Guel Arraes e Luiz Fernando Carvalho.
Manuel Suassuna também lembra de como o Armorial continua a ecoar pelo Brasil. Em São Paulo, está presente no trabalho do Antonio Nóbrega. No Rio, na dança do Grupo Gestual, e no Paraná, no grupo musical Rosa Armorial. No design, Rodrigo Ambrósio, Rodrigo Almeida, Zanini de Zanine e Sérgio J. Matos formaram recentemente o coletivo Armorial Design Group, com peças e apresentações em feiras e eventos para disseminar a cultura por meio de seus trabalhos. “Eu mesmo, que me afastei artisticamente do Movimento, não posso dizer que não me deixei influenciar pelo Armorial. Tive acesso à vasta biblioteca de papai e às conversas com intelectuais como Brennand, Samico e outros amigos dele. Então, a poética está no meu sangue”, confessa Manuel.
Onça Caetana: uma das formas assumidas pela morte no universo ficcional de Ariano. O nome “Caetana” é usado pelo sertanejo para se referir à morte, vendo-a na forma de uma jovem mulher (“a moça Caetana”). A peça acima foi produzida pelos bonequeiros Agnaldo Pinho, Carla Grossi, Lia Moreira e Pedro Rolim para a mostra dos 50 anos do Armorial
Nascimento: As Estrelas, 2003, de Gilvan Samico
Máscaras do Cavalo Marinho, folguedo folclórico tradicional da zona da mata setentrional de Pernambuco, Alagoas e agreste da Paraíba
Mostra Vai At 2023
Cinco décadas após o evento que lançou a Arte Armorial, o estilo ganhou uma mostra –Movimento Armorial 50 Anos –, com curadoria de Denise Mattar e coordenação geral de Regina Rosa de Godoy, idealizadora da exposição que começou em 2021 (por causa da pandemia) e irá até janeiro de 2023. Entre as 144 peças, estão a Onça Caetana, desenhada por Ariano Suassuna e que faz parte da mitologia do folclore nordestino; figurinos de Francisco Brennand para o filme A Compadecida (1969), de George Jonas, baseado na peça O Auto da Compadecida, de Suassuna; trabalhos de Fernando Lopes da Paz, Miguel dos Santos e Gilvan Samico. Também estão a tapeçaria e as cerâmicas feitas por Zélia Suassuna, esposa do dramaturgo. Há ainda palestras e apresentações musicais, entre elas do Quinteto da Paraíba, um dos mais renomados grupos de música de câmara do Brasil, que transita entre música de concerto e a música popular, resgatando a Arte Armorial.
“Ariano teve essa visão de valorizar a criatividade brasileira, pegar o que havia de melhor dela e colocar no patamar do erudito”, lembra Regina Godoy. “E esse diálogo do popular com o erudito é que dá um sabor especial”.
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