O Negro Dorieu Videla

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ONEGRODORIEUVIDELA


LAONEGRODORIEUVIDELAON


NEGRODORIEUVIDELAONEGR

ORGANIZAÇÃOEDÉSIOFERNANDES FOTOGRAFIAMANOELTEIXEIRA



ESTE LIVRO É DEDICADO À ISABEL MARQUES AZEVEDO, FILHA DO MANOEL, MINHA AFILHADA, ELA QUE NASCEU NA ÉPOCA EM QUE ESTAS FOTOS ESTAVAM SENDO TIRADAS PELO PAI DELA, NESSA ÉPOCA EM QUE O DORIEU VIDELA ANDAVA PELAS RUAS DA CIDADE DELA BUSCANDO CONSTRUIR COM SUAS MARCAS DE GIZ UM LUGAR NO QUAL ELE COUBESSE SEM DOER TANTO, ELA QUE SEMPRE COUBE INTEIRA NO CENTRO DESSE LUGAR TÃO BONITO DO AMOR ONDE EU E O MANOEL NOS ENCONTRAMOS NESSA ÉPOCA, E ONDE, DESDE ENTÃO, POR ELA, NOS REINVENTAMOS




EDÉSIOFERNANDES11 MANOELTEIXEIRA25

ALÍCIADUARTEPENNA39

CARLOSAMADEUBOTELHOBYINGTON49

CELINABORGESLEMOS59

ANAPAULABRUNO89

MARCIODOCTORS97

CARLOSANTÔNIOLEITEBRANDÃO107

VERAVALADARES121

JOICEBERTH125

RITAVELLOSO137 ANAPAULABRUNO149 DIVAMOREIRA155


ANTONIOQUINET165 ANAPAULABRUNO179

YARALANDREMARQUES185

ANAPAULABRUNO193

BEATRIZDEALMEIDAMAGALHÃES199 MOACIRDOSANJOS211

ARALINAPEREIRAMADALENA219

ANAPAULABRUNO225

ROGÉRIOPALHARESZSCHABERDEARAÚJO229

LUIZFELIPEFELIXTHOMAZDASILVA237 ANAPAULABRUNO245

NOTASSOBRECONTRIBUINTES253



EDÉSIOFERNANDES

A Dor e Eu

No começo dos anos 80, eu e o Manoel trabalhávamos no Plambel, órgão estadual responsável pelo planejamento da Região Metropolitana de Belo Horizonte, cuja sede ficava na Avenida Brasil 688, no bairro Funcionários. Eu era recém-formado em Direito e o Manoel, que tinha vindo do Rio de Janeiro anos antes, era arquiteto-urbanista. Nós dois nos encontramos no mesmo amor pelas questões da cidade e da arte. Nessa época, surgiu nas ruas centrais de Belo Horizonte, bem perto de onde trabalhávamos, um andarilho e morador de rua – ainda não se falava em “pessoas em situação de rua” - que imediatamente nos chamou a atenção pela maneira instigante com que fazia trabalhos em giz, principalmente nas calçadas, às vezes nas ruas, nos muros e nas paredes também. Alguns eram mais visíveis, outros ficavam praticamente escondidos, alguns eram chamativos, outros pareciam delicadas rendas tecidas no cimento, no concreto, no asfalto ou nos tijolos. Ele mesmo só aparecia de vez em quando, mas deixava suas marcas no espaço urbano com certa regularidade, sobretudo nas imediações do Colégio Arnaldo e do Instituto de Educação. Seguimos os passos dele por algum tempo, Manoel tirou as muitas fotos que compõem este livro, até que ele sumiu de vista - e logo depois eu mesmo saí da cidade. Desde então, tenho sentido essa vontade insistente de organizar algo sobre ele e seus trabalhos, uma pequena publicação que registrasse a passagem tão precária pela cidade desse morador de rua, que, com seu material de trabalho igualmente precário, nunca saiu da minha memória.

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Algo da trajetória dele pelas ruas de Belo Horizonte marcou a minha própria passagem pela cidade, e me marcou profundamente. Os anos passaram, as fotos foram parar em algum baú, as tecnologias mudaram radicalmente – mas eu nunca me esqueci delas. Antiquadas e desbotadas, essas fotos somente foram digitalizadas pelo Manoel há relativamente pouco tempo e, ao revê-las, fiquei ainda mais convencido de sua significação e seu apelo, bem como do interesse que elas despertariam em um público maior. A vontade de organizar uma publicação ficou ainda mais forte. Não sei como ele se chamava, como e do que vivia, de onde veio, por que se encontrava em situação de rua, quantos anos tinha, se tinha família… Não sei o que aconteceu com ele desde então, não sei se ainda está vivo. Imagino que ele sofresse de alguma forma de aflição psíquica ou doença mental, mas não posso afirmar nada de maneira objetiva. Tudo o que penso sobre ele é pura especulação, tudo sobre ele é mera abstração – isto é, tudo menos os precários registros de giz que ele deixou nas calcadas e ruas, nos muros e paredes. Nós o vimos em ação várias vezes, tiramos algumas poucas fotos dele, mas, na maior parte das vezes, nos deparamos somente com os trabalhos em giz. Tentamos falar com ele em algumas dessas ocasiões, ele sempre se esquivava e saía do lugar sem nunca nos responder. A única vez que escutamos a voz dele foi quando ele nos pediu um cigarro. Nós o vimos diversas vezes cercado de revistas, que, imagino, ele devia pegar no lixo das escolas da região, juntamente com os tocos de giz que usava – revistas que, com frequência, ele deixava para trás nas calçadas junto com seus trabalhos em giz. Às vezes ele desaparecia por semanas, e, quando reaparecia, estava com o cabelo raspado - certamente pela polícia ou em algum abrigo 12


público. Algumas poucas vezes o vimos dormindo em camas improvisadas em vãos dos muros das escolas forrados com jornais e revistas. Algo dos trabalhos dele lembra o hoje celebrado Arthur Bispo do Rosário, ainda que ele fosse muito mais pobre, ainda mais isolado, ainda mais frágil. Certamente, ele era muito menos “sofisticado” do que o Bispo do Rosário nos seus recursos mentais e materiais, mas, para mim – por razões que eu ainda não compreendia –, era igualmente impactante. Algumas manifestações do trabalho dele remetem também aos belos textos da Dra. Nise da Silveira sobre os artistas da coleção do Museu de Imagens do Inconsciente. Contudo, na época eu não sabia de nada disso. Todas essas relações somente foram feitas muito mais tarde, especialmente quando vi os filmes da belíssima trilogia Imagens do Inconsciente, do Leon Hirszman, que estava sendo filmada no mesmo período. Minha atração por ele e seu trabalho era puramente instintiva. Em um primeiro momento, fiquei – como ainda fico – entre intrigado e emocionado diante do trabalho desse homem misterioso que logo passei a considerar artista. Pouco a pouco consegui organizar minhas sensações, impressões e emoções em um embrião de “marco conceitual” que me ajudasse a entendê-lo um pouco melhor. Na minha leitura leiga, ele se expressava por três vertentes principais de manifestações distintas, mas sempre em trabalhos em giz. A primeira vertente consistia de belas e poderosas mandalas, a exemplo do que também faziam alguns dos artistas estudados pela Dra. Nise. Algumas delas enormes, outras menores, quase sempre com um impressionante rigor geométrico, explorando e organizando o espaço, relacionando claro/escuro, cheio/vazio e côncavo/convexo de maneira vibrante e dinâmica, e irradiando uma enorme energia. Algumas pareciam naves espaciais prestes a decolar para outro planeta, sugerindo 13


convites para quem, talvez como ele, quisesse escapar dos muitos limites da vida neste planeta que nos abriga – e que de muitas formas nos obriga e aprisiona. A segunda vertente consistia de inteligentes composições de palavras que tinham tanto uma lógica formal mais rigorosa – eram quadrados ou retângulos relativamente bem delineados, palavras escritas em “letra de arquiteto” - quanto uma lógica conceitual intrínseca, pois, a exemplo de alguns trabalhos do Bispo do Rosário, nelas ele estabelecia relações claras e consistentes – ainda que por vezes subversivas – entre palavras, ideias e pessoas. Com frequência eram nomes de políticos da época, nomes de cantores populares, nomes de jogadores de futebol, organizados em jogos de palavras e ideias que tinham toda uma lógica interna na maneira como eram relacionados com nomes de cidades, estados, gênero, etnia, raça, etc. A repetição obsessiva dava ritmo e musicalidade a essas análises combinatórias. Nesses casos, o português empregado era geralmente adequado, pois ele certamente sabia ler as revistas das quais parecia tirar essas informações. Mas havia também um terceiro tipo de manifestação, que eu pessoalmente não vi nos trabalhos dos artistas da Dra. Nise e nem no trabalho do Bispo do Rosário, ou mesmo de outros artistas comparáveis deste gênero que muitos chamam de “arte bruta”. Eram espécies de pequenas declarações pungentes e manifestos-desabafos pessoais, alguns, quem sabe, pequenos poemas, outros quase haikais. Nesses casos, não havia o mesmo rigor geométrico formal e o uso do português era bem mais precário. Algumas dessas manifestações tinham um caráter político manifesto, outras soavam como pedidos de socorro, outras expressavam sua raiva. Algumas eram puro lirismo. Todas falavam com enorme eloquência da sua condição de ser humano excluído, maltratado, humilhado, desumanizado. As questões da negritude e da escravização eram recorrentes nas suas composições e manifestações, que, com frequência, falavam de várias 14




formas de opressão e violência que ele certamente experimentava: pobreza extrema, falta de dinheiro, fome, desemprego, desrespeito à sua cidadania. A mais comovente dessas manifestações era, para mim: NUFERI NOSMAS NAO Ao ver essa foto sinto hoje a mesma dor que senti, mais de trinta anos atrás, ao ver a inscrição no muro. Dor que somente aumenta ao constatar que as desigualdades socioeconômicas e socioespaciais somente têm feito aumentar, condenando mais e mais pessoas como ele a viverem em situação de rua, excluídas, maltratadas, humilhadas e desumanizadas. Mas as fotos hoje também confirmam minha primeira impressão ao ver os trabalhos dele: o poder da arte para (re)organizar e dar novos significados ao mundo. Um mundo dele, um mundo onde ele coubesse sem sentir tanta dor. Ele mesmo se considerava um artista: NUMATA UARTISTA MASNAO AUTEU GETU PROPRI Também me impressionava ver como muitas de suas intervenções no espaço urbano eram feitas nos limites entre as calçadas e as ruas, 17


entre as calçadas e os muros, nos espaços intermediários quase invisíveis que ele também parecia ocupar no mundo e na cidade, equilibrando-se nos meios-fios de uma vida presa por um fio. Olhando hoje as fotos de mais de trinta anos atrás, é incrível ver como as ruas eram bem mais tranquilas e vazias, inclusive em dias de semana. Fosse hoje, ele talvez não tivesse as mesmas condições de fazer esse tipo de intervenção. Mesmo sem saber nada sobre sua biografia, passamos a chamá-lo de “Dorieu Videla”, pois este nome – que, diferentemente dos demais, não conseguimos identificar - era algo recorrente em seus trabalhos, misturado às vezes com nomes de cantores, políticos e outros, e, em um caso, com uma referência a UNEGRODORIEUVIDELA. Ficamos emocionalmente convencidos de que esse era o nome dele, e que, da mesma forma com que ele se esforçava para reorganizar e dar significados a seu mundo, ele se inseria pessoalmente no panteão das pessoas que listava e a quem homenageava. Por três décadas nutri esse desejo de registrar a passagem desse homem anônimo, que deixou sua marca precária em riscos de giz no enorme quadro-negro das ruas e calçadas de Belo Horizonte, no começo da década de 80. Marca efêmera essa que, mesmo naquela época, passou despercebida para a maioria dos moradores da cidade, e que teria desaparecido completamente, pela ação da chuva e do tempo, se não fosse pelas lindas fotos que o Manoel tirou. Convidei alguns amigos queridos para, junto comigo e com o Manoel, dialogar com as fotos do trabalho do Dorieu: são poetas, psicanalistas, urbanistas, historiadores, filósofos, ativistas do movimento negro e curadores de arte. Todos ficaram surpresos e encantados com o que viram. Recuperar a história real desse morador de rua, dar a ele seu verdadeiro nome, é outro projeto que tem sua importância, mas nesta publicação não nos propomos a isto. 18


Queremos tão somente tirá-lo da invisibilidade e dialogar com ele - a quem demos um nome, Dorieu Videla - por meio das fotos dos trabalhos dele, que são, na verdade, falas dele. Ele, que não gostava de falar de outra forma. Essas falas, mesmo sem que saibamos exatamente quem ele era, nos dizem muito sobre ele, sua cidade e seu tempo. E nos dizem tanto sobre nós mesmos. As fotos são a principal razão desta publicação, pois elas falam por si mesmas de forma tão eloquente. Nossos textos são apenas sugestões de diversas portas de entrada para apreciar o universo instigante e comovente desse homem pobre, negro, solitário, indigente, silencioso, possivelmente doente - e artista (re)criador. Todos nós, cada qual de sua maneira, temos algo a dizer sobre as forças excludentes da vida urbana, sobre o poder includente da arte, bem como sobre as dinâmicas misteriosas da alma humana que permitiram que alguém tão pobre, tão precário, tão excluído, tão maltratado, tão desumanizado fizesse esse esforço tão público, tão heróico, de (re)ordenar o mundo e de se inserir de alguma forma na realidade que tanto o oprimia. Dorieu Videla carregava sua dor pelas ruas de Belo Horizonte como um monarca destronado, seus trajes reduzidos a trapos, mas com uma altivez que ainda me dá arrepios, expondo sua alma ali na rua, na calçada, no muro, para quem quisesse e soubesse ver, cobrando seu lugar na sociedade e na cidade, exigindo respeito. Sabendo da sua diferença – seu “getu propri” –, mas afirmando sua humanidade. Dignidade maior não há.

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MANOELTEIXEIRA

Um negro Dorieu Videla

Meados dos anos 80. Desenhos e inscrições nas calçadas de Belo Horizonte, arredores da zona hospitalar, fascinavam a mim, a Edésio e, seguramente, a outros. Atraíam nosso olhar e nos intrigavam. Nos tempos mortos do trabalho, passamos a percorrer as ruas próximas, fotografando essas imagens. Quem fazia aqueles desenhos? Descobrimos pouco a pouco. Um ser arredio, maltrapilho, carregado de tralhas, fugitivo do mundo, andarilho da cidade. Entre as inscrições recorrentes, um nome aparecia sempre e achamos que falava de si: Dorieu, “um negro Dorieu Videla”. Assim passamos a chamá-lo e nunca soubemos se esse era seu nome. Tentamos aproximações, inutilmente. Só quando lhe deixamos uma caixa de giz, seu instrumento de trabalho, nos dirigiu um olhar, e parecia reconhecido, agradecido. Dorieu não queria ser visto, se escondia, se esgueirava nos cantos. Mais um entre os seres invisíveis da cidade, desprezados, que preferiríamos tirar da paisagem de nossos olhos, mas que insistem na sua presença. Dorieu precisava falar e não tinha palavras. Desenhava. Lindas composições geométricas de traço preciso, combinando formas quadriculadas, circulares, em geral as que organizavam o conjunto, ortogonais, triangulares, sempre marcadas pela simetria. Lembravam mandalas, embora nem sempre fossem centralizadas. Em poucos casos recebiam inserções inusitadas de figurações: um coração, uma mão e um pênis. Muitas vezes apenas as captamos inacabadas ou em processo. 25


Lembravam naves espaciais, formas que remetiam a um tempo futuro e visionário. Surgiam inesperadas na mesmice do pavimento das ruas e pareciam vir de um mundo de sonho, falavam de outros mundos possíveis. Eram pura poesia, posta de repente ao olhar dos passantes distraídos. Como, daquele ser embotado em si mesmo, brotavam expressões tão claras e ordenadas? Além dos desenhos, Dorieu escrevia. Sequências obsessivas que, em sua maioria, repetiam um nome (padeiro, padeiro moreno, índia, negra, iscravo negro, iscravo branco, iscravo moreno, motorista de caminhão, delegacia, bicicleta roubada, entre outros) e o ligava a uma sucessão de cidades e lugares. Essas combinações às vezes embaralhavam gêneros, como a negra associada a nomes masculinos de figuras conhecidas (a negra tancredo neves, a negra francelino, etc.) ou a branca associada a nomes de cantores e astros da televisão (a branca Elvis Presley, a branca roberto carlos, a branca chacrinha, etc.). Em dois casos o nome repetido de duas pessoas era associado a uma sucessão de nomes de cidades e bairros: antonio coto e jurandi. Quem eram? Que significado tinham na vida de Dorieu? Apareciam também sequências de números, quase que intermináveis, anos, meses, nomes de pessoas, nomes de edifícios. Essas sequências ora remetem ao tempo simplesmente e sua passagem linear (os anos) ou cíclica (os meses), ora são meros acúmulos infindáveis (os números). Abrem também amplitudes do espaço, naquelas que remetem certos nomes a cidades e lugares diferentes, e na repetição falam de singularidades: seres, objetos, edifícios diferentes unidos na condição de raça, de profissão, de função, mas sempre lembrados nessa conjugação do que os une e do que os diferencia. Em um caso a sequência se libera e é pura poesia na repetição: “bicicleta azu / bicicleta azu / bicicleta azu / ...” 26




A história de Dorieu vinha talvez nesses fragmentos, memórias de lugares, pessoas, gente conhecida e desconhecida, que ele ordenava em sequências, fazendo ligações singelas ou estranhas, sempre com um cuidado de composição fascinante. Nesse falar do tempo e do espaço, tempo da memória, do presente e do futuro, espaço do aqui e do sonho, há um forte vínculo entre os desenhos e os escritos de Dorieu, fazem parte de um mesmo universo interior. No entanto, Dorieu também escrevia suas angústias e seus desejos, seu cotidiano. Frases curtas rebentavam como gritos desesperados: “devove us meu dinheiro”; “geraldo alves devove us dinheiro du povo di juiz de fora”; “eu nu so iscravo / priciso di dinheiro / eu nu so cachorro nao / eu nu conmo resto / eu comon resto”; “nu mata / u artista / mas nao / auteu / getu / propri”; “aruma / u servico / nas obra / prami”; “estado / devove u dinheiro / du povo”. Mesmo nesse falar direto ao mundo de suas demandas do presente, não se perde a ordenação das formas. As frases são sempre dispostas de modo ordenado nas paredes, em geometrias e regularidades precisas. Além daquele recorrente falar do tempo e do espaço, a vontade de ordenação, a vontade construtiva, é também o que enlaça as expressões básicas de Dorieu: os desenhos geométricos, as disposições e associações de palavras, os números e as frases curtas. Não era tempo de grafites e pixações e a arte de Dorieu tinha uma expressão própria e inovadora, obsessiva, em que buscava talvez ordenar seu universo interior estilhaçado e em turbilhão. E me faz lembrar os trabalhos dos internos do Hospital Psiquiátrico do Engenho de Dentro que, a partir da ação inovadora e do olhar generoso e humanístico de Nise da Silveira, puderam acalmar seus mundos interiores em expressões ordenadas nas pinturas, nos desenhos e esculturas que hoje compõem o Museu de Imagens do Inconsciente. E me faz lembrar também 29



do universo luminoso da arte de Arthur Bispo do Rosário e seus mantos e reapropriações dos objetos de seu cotidiano. Dorieu podia estar entre eles, no acervo de museus ou em exposições de arte. Mas trabalhava com giz, seu trabalho era efêmero, feito para não durar, um gesto passageiro que talvez lhe apaziguasse a alma, mas que o tempo apagou das ruas. Faz lembrar o trabalho de alguns monges tibetanos que elaboram sofisticadas mandalas de areia, que, findas, são apagadas, para sempre lembrar a impermanência da vida e de que o que vale é a elaboração permanente e contínua da harmonia, trabalho constante, que a perfeição geométrica das mandalas busca expressar. Assim era Dorieu, que, em sua condição material precária e seu estado de constante nomadismo pela cidade, fixava seu mundo através do fazer constante, para quem o finalizado e o retido, possivelmente, não tinham importância. Sua vida era o fazer, expressar seu mundo permanentemente em desenhos e escritos lançados em sua cidade/casa, a serem sempre apagados e novamente elaborados, numa sequência infindável, até que não se tivesse mais notícia de Dorieu na cidade. A importância de nossos registros fotográficos e deste livro é poder oferecer para o presente e o futuro a arte passageira e instigante de Dorieu Videla ou de que nome tenha esse andarilho singular, a percorrer a cidade em meio a outros dorieus invisíveis, ambulantes, ocupantes das ruas, população pobre a andar pela Praça da Estação e a Rua da Bahia, numa Belo Horizonte menos agitada e verticalizada, mas constante nas suas separações e exclusões, que permanecem no presente, com outras caras e outras potências escondidas e sufocadas que, tomara, possam emergir em novos dorieus.

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ALÍCIADUARTEPENNA

Sobre DORIEU para Edésio e Manoel, naquelas ruas “Estou aqui para dizer não, e para morrer.” (Em Adeus à linguagem, de Jean-Luc Godard)

I Você pensa que é meu semelhante? Existo eu, DORIEU. (Nasci onde nasci. Meu nome, alguém me deu? Lá, de onde vim, me chamariam? Lá, de onde vim, me chamariam “filho”?) DORIEU, filho de DORIEU, filho de DORIEU, DORIEU.

II Descubro, nas ocupações da Izidora, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, famílias quase nuas, esfomeadas, que não aparecem porque se envergonham (Séculos atrás, envergonhavam-se e não apareciam senão à noite os que moravam sob o chão de outras casas, ainda que não mais em senzalas). Embora libertos, homens e mulheres recusaram-se a depor sobre a escravidão. Uma ex-escrava, que gentilmente recebeu um pesquisador inglês em sua casa, nada lhe disse. Ao sair, ele reparou no par de sapatos dispostos, como preciosidades, sobre uma cômoda. O que comunicar a tal distância? 39



III Que expectativa tinha DORIEU de que o que inscrevesse – a giz – fosse lido? Que não demorássemos a descobri-lo. Que o seguíssemos, como Edésio e Manoel o seguiram: passos trocados. Doutro modo – na presença – DORIEU não diria nada, não seria o bastante ouvi-lo, não haveria inscrição.

IV A revelação dos sonhos esquecidos, 30 mil anos depois, pode apagá-los. E se Belo Horizonte desaparecesse? Nossos passos apagados por nossos passos? Na pista de DORIEU, encontro-me com Edésio e Manoel: eu, descendo para a Escola de Arquitetura direto pela Gonçalves Dias; os dois errando até o PLAMBEL, na Avenida Brasil. Teremos nos entreolhado (nossos olhares - distraídos ou documentais, sobre as mesmas inscrições, nas mesmas ruas - trocados)? É como se sim, e assim nos aproximamos mais (enquanto aquela Belo Horizonte mais se afasta). Por isso nos ocupamos, agora, de DORIEU. Voltamo-nos para olhar de novo.

V (Dorieu inscreve e sai de cena, largando para trás seu não. Sofrerá adiante o que já sofreu, inscreverá e sairá de cena. Quantas vezes?)

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VI É sempre o mesmo que vem para cima de mim. Para cima de mim.

VII Observo agora o que não observei da primeira vez: suas inscrições, tão contidas na repetição e na simetria, descem dos muros, avançam pelas calçadas e tomam as ruas, fazendo de murocalçadarua, indistinta e subversivamente, suporte do NÃO.

VIII

AO DESENRAIZAMENTO; AO ANONIMATO; À SOCIEDADE DE CONSUMO; À METRÓPOLE; À VIOLÊNCIA, À DOR:

grite agora, DORIEU!

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CARLOSAMADEUBOTELHOBYINGTON

Por que as ruas e as calçadas falam? Comentário sobre a obra do morador de rua Dorieu Videla

Quando Nise da Silveira enviou a Jung pinturas de psicóticos do Hospital do Engenho de Dentro, do Rio de Janeiro, o sábio de Zurique ficou fascinado e, a seguir, muito agradecido. Tão gratos ficaram também seus discípulos, que convidaram a Dra. Nise para levar muitos daqueles quadros para o Congresso de Psiquiatria de 1957, em Zurique, no qual Jung foi homenageado como o maior psiquiatra vivo. O fascínio e o agradecimento de Jung foram devidos ao fato de os pacientes psicóticos da Dra. Nise serem, em sua maioria, analfabetos. Se não tinham cultura, como poderiam pintar imagens de mitos, como foi o caso de Adelina Gomes, cujas pinturas representavam a jovem que se transformou em árvore e em flor? Não é esse o tema central do mito de Dafne que, para fugir de Apolo, pediu à Mãe Terra que a transformasse no loureiro? As pinturas do Engenho de Dentro foram o centro das atenções naquele Congresso de Psiquiatria, porque eram a prova da existência dos arquétipos universais na psique humana. Pelo fato de serem analfabetos, aqueles artistas mostravam ao mundo que a arte guia o ser humano para o desenvolvimento da Consciência, por intermédio dos símbolos, naturalmente coordenados pelos arquétipos da psique consciente e inconsciente, com bênção da cultura ou sem ela. 49


Tivesse a Dra. Nise conhecido as falas e os desenhos das formas geométricas e mandalas de Dorieu, ela certamente também os teria levado para Zurique para ilustrar o discurso dos arquétipos no grito de socorro das ruas, exclamado por Dorieu: “NUFERI, NÓS MAS NÃO!” Por que Dorieu Videla não falava com ninguém, mas escrevia sua fala nas calçadas e ruas, como nos mostram mais de 180 fotos deste livro? Talvez, por ser negro, pobre e dormir na rua, seus arquétipos sentissem que ninguém, em particular, era capaz de entendê-lo. Talvez ele sentisse que devia falar diretamente com o mundo ou, quem sabe, com as estrelas que o leriam quando a maioria dos mortais estivesse dormindo. Que estranhas, misteriosas e enigmáticas são as falas de Dorieu Videla espalhadas durante anos nas ruas e calçadas de Belo Horizonte. Será que sua fala com “o mundo equilibrado” o fez sofrer tanto que ele, de um dia para o outro, deixou de confiar na intimidade e passou a expressar-se somente com o testemunho de todos? Ou será que ele, do fundo de uma esquizofrenia, recebeu o chamado delirante para escrever verdades para a humanidade, verdades estas que transcendem a comunicação pessoal e que, por isso, deveriam ser expressas diretamente ao mundo, como um oráculo escrito nas ruas e calçadas? A arte vem dos arquétipos que criam a linguagem do Ser durante o processo de encarnação. Cada ser tem a sua fala: das bactérias aos moluscos, dos tubarões às gaivotas. A fala mostra quem somos e o que buscamos para realizar o potencial da semente que nos gerou. Vocês, Edésio Fernandes e Manoel Teixeira, foram atraídos pelo mistério da minha fala. Vocês tiveram a sensibilidade de perceber, nas palavras que escrevi e que nunca dirigi a qualquer pessoa, as pegadas do 50




meu ser no caminho da encarnação. Por que vocês quiseram reunir a minha fala num livro e reparti-la com o mundo? Por que vocês entraram na minha solidão para buscar ouvir o mistério que sempre escondi? Por que vocês não se contentaram com a fala pessoal dos outros humanos e vieram buscar-me no além? Nunca falei pessoalmente com vocês, mas sinto o amor que os trouxe a mim.

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CELINABORGESLEMOS

O pequeno grande mundo de Dorieu Videla: suas vivências entre o real e o imaginário no palimpsesto belo-horizontino.

Surge um artista Algumas realidades da vida estão presentes nos registros já lendários de Dorieu Videla. O artista e suas vicissitudes deixaram seu legado nos traços, palavras e atitudes registrados delicadamente pelos seus interlocutores Edésio Fernandes e Manoel Teixeira. Como verdadeiros etnógrafos, eles percorreram os passos do artista e vestígios e rastros da sua saga e da sua arte. Tudo isso aconteceu no início dos oitenta, século passado, na capital mineira, uma cidade que apresentava, simultaneamente, ares de metrópole e resquícios e vícios do seu curto, porém, intenso passado. Belo Horizonte, projetada por uma comissão de especialistas liderada pelo engenheiro Aarão Reis em 1897, registrou nas últimas décadas do século XX transformações significativas nas suas condições social e econômica, cultural e urbanística (Figura 1). A cidade, nascida de um eficiente desenho de inspiração neoclássica francesa, tem na sua malha urbana primária, correspondente à região rigidamente detalhada pelos planejadores, a territorialidade do artista. Alguns dos anos em que ocupou e demarcou seus lugares, a região condensava um verdadeiro palimpsesto, em que a paisagem de outrora era marcada pelas estéticas do ecletismo – que enaltece a frontalidade da imagem –, contracenava com ruínas, demolições e renovações imperativas no urbano capitalista (Figura 2). O trilhar pela malha ortogonal, recortada pelas linhas diagonais, articula-se com os vários passados

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e os imperativos do presente. As inúmeras vias arborizadas, que se cruzam de quarteirão em quarteirão, criam enunciados e chamam a atenção para o comércio, o banco, o sobrado ou para um novo formalismo arquitetônico ultramoderno. As redes e tramas urbanas abrigam as escrituras rasuradas pelo tempo e mostram o passado ainda bem recente da capital (Figura 3). Pelas fabulosas imagens dos autores, observa-se que a hora e o lugar levaram o artista a determinadas enunciações estéticas que projetam situações em que seus traços e desenhos revelam um sujeito engajado e consciente em nome dos seus direitos e, ao mesmo tempo, certo distanciamento desse seu papel social. Nesse passo, Dorieu marca sua presença no palimpsesto urbano e representa, nas suas demarcações, a cidade, que atrai e enfeitiça, lugar das vicissitudes, que se apresenta como o incansável elixir da poética do traço, da palavra e do desencantamento (Figura 4). Outra menção verificada nesses traços e grafismos seriam o forte sentimento social e uma densidade com o meio, expressos nas palavras materializadas, que delimitam seu concretismo poético (Figura 5). Essa representação está também ratificada pelos lugares onde o estado da arte é edificado. Tudo acontece na paisagem primeira belo-horizontina, que, naquele agora, poderia auscultar algo novo da ordem metropolitana da grande cidade. Naquele período, ele havia testemunhado uma situação de descaracterização dessa centralidade, enunciando, pelo seus percursos, cenários diversos de renovação do patamar de ocupação dos espaços e das reminiscências daquilo que já foi (Figura 6). A deterioração dos serviços mais tradicionais bem como o envelhecimento físico de algumas áreas são consequência dos processos anteriores, que caracterizaram essa modernização. Nessa diversidade imagética do patrimônio urbano, perambulava nosso personagem, com muitas perguntas sem respostas (Figura 7). 62


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George Simmel comenta em seus estudos os caminhos para decifrar a modernidade e as existências, como a do personagem de Minas, que habitam esse lugar1. Considera que o ódio apaixonado pela grande cidade de naturezas como Ruskin e Nietzsche são naturezas que encontram o valor da vida naquilo que é peculiar e não esquemático, e não no que é igualmente especificável. Pondera que, da mesma fonte, brotaria o ódio contra a economia monetária e contra o intelectualismo da existência. Qual seria a natureza desse personagem? O que vai nesse sujeito solitário vivente na grandeza do espaço impessoal belo-horizontino? (Figura 8) O autor complementa ainda: a essência mais significativa da grande cidade reside nessa grandeza funcional, para além dos seus limites físicos: e esta eficácia retroage de novo sobre si mesma e confere peso, consideração e responsabilidade à sua vida2. Assim, se pode pensar o ser humano no artista em tela, as imagens do que criou, suas apropriações e seus gestos. Ao ultrapassar as fronteiras do seu corpo e do espaço que percorreu, as marcações de suas deambulações lançaram uma apresentação síntese dos efeitos que dele, temporal e espacialmente, irradiaram (Figura 9). Toda ambiência que envolveu seu percurso no cotidiano da cidade demarca, cria, exprime algo a mais que suas demandas e necessidades. A particularidade e a incomparabilidade próprias da sua natureza se exprimem na configuração da vida – vida esta retida nas imagens que penetram as sensibilidades e os olhares como um sentimento extemporâneo (Figura 10). O artista desenha e deixa seus traços e compostos formais em uma conjuntura de profunda transmutação, em que as formas de expressão se diversificam na cidade. Imerso em um período de abertura política, a contribuição de Videla acontece numa grande cidade marcada por diferentes vivências e práticas culturais. Mesmo certamente distante dos fóruns de discussão e da ambiência acadêmica, sua prática artística integra uma deambulação singular, que ecoa em alguns acontecimentos artísticos desde o final dos anos de 1950. 68


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Entre respeitáveis referências memoráveis da criação artística notificadas em centros diversos, Ligia Clark se notabilizava como uma contribuição fundamental para se entender o período. A artista mineira, nos idos anos de 1950 e nos subsequentes, participou ativamente das mudanças técnicas, conceituais e nas maneiras de expressar a arte. Como parte das suas inquietações, por exemplo, considerou a imposição espacial da moldura opressora e, em seguida, mostrou que a pintura não poderia se sustentar mais no seu suporte tradicional3. Ao lado de outros artistas, como o também mineiro Amílcar de Castro, havia assinado em 1959 o Manifesto Neoconcreto, de grande relevância para os futuros caminhos da arte, que questionava as convenções mais tradicionais. Na medida em que a arte deixa de se revelar apenas em parâmetros mais recorrentes, questionamentos a respeito do espaço da moldura e dos suportes tradicionais de representação propiciam contribuições relevantes, culminando com elas. Ao considerar essas iniciativas, a rua é inaugurada como suporte não institucionalizado da arte. Vale esclarecer que desde a antiguidade clássica a arte pode ser notificada em espaços de uso coletivo público, como a escultura, os painéis, a arquitetura, entre outros. Articuladas, as missões de ordens simbólicas diversas sempre buscaram delinear marcações de importância para suas respectivas cidades e sociedades. Nos anos de 1980, as contribuições de alguns artistas de rua, como os americanos Keith Haring e Jean-Michel Basquiat, que iniciaram suas experiências na condição independente, se tornaram lendas4. As relevantes contribuições desses artistas reafirmam o caráter irreverente e muitas vezes insurreto que o mundo da arte e da rua confunde. A arte pública de Dorieu Videla acompanha esse mesmo húmus de uma modernidade cosmopolita em que fantasmagorias, como havia escrito Benjamin, preenchem as ruas das metrópoles. Traços, composições abstratas e grafias concretas do personagem mineiro remetem a algo distante, apesar de tão próximo (Figura 11). Mesmo que sejam consideradas as peculiaridades de cada um desses artífices, é possível identificar que estão imersos nessa modernidade avassaladora, manifestada nos lugares públicos das grandes cidades. 71


Pelas ruas com o artista Como analisa Buck Morss, para quem perambula ociosamente nas ruas, os objetos aparecem divorciados de seu contexto e sujeitos a conexões misteriosas, nas quais os significados são lidos na superfície das coisas5. Essa análise contribui para buscar, através das imagens de Manoel e Edésio, algumas pistas para encontrar um vestígio dessa mentalidade. Suas figurações enunciam uma circunscrição de um ritual cotidiano, que pode ser lido apenas nessa superfície dos seus manifestos (Figura 12). Concebido para funcionar como o Gymnasio Mineiro, o Instituto de Educação de Minas Gerais, eleito por Dorieu Videla seu lugar de descanso, teve sua construção iniciada em 1897, data da inauguração da capital, tendo o edifício abrigado, inicialmente, o Tribunal da Relação6. Apenas em 1909 a Escola Normal Modelo ocupou o local, situado no primeiro quadrante da Rua Pernambuco, Bairro dos Funcionários, área escolhida para receber os funcionários egressos da antiga capital mineira. A construção, com ares de palacete, recebeu nos primeiros decênios do século XX inúmeras reformas e adaptações e teve como a mais expressiva a ocorrida entre 1926 e 1930. Com as fachadas ainda mais sofisticadas, o centro educacional, já reconhecido até então, tornou-se sede do Instituto de Educação, com a reforma do ensino superior engendrada pelo Estado. O majestoso palacete, tombado pelo Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais, tem seu valor reconhecido em 1982, período que coincide com as fotografias de Manoel e Edésio. Essa iniciativa de reconhecimento da importância do bem se relaciona à qualidade artística e arquitetônica e à amplitude dos seus jardins de cuidadoso paisagismo. Para além da sua condição material, a vocação imaterial do instituto de receber, abrigar e formar propiciou que seus espaços, circundados pelos jardins de área abundante, se traduzissem em um sentido de largueza, amplidão, ausência de barreiras (Figura 13). Todo esse complexo universo de significação do lugar, ancorado 72


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no sentido de acolher, educar, possivelmente tenha atraído o artista, andarilho do mundo, na sua escolha (Figura 14). É dele o ponto de partida da incursão imaginativa do artista, e sua obra ganha o espaço da cidade (Figura 15). A luz prodigiosa da fotografia ilumina seu corpo torneado seminu, cor de azeviche, relembrando a fundamental obra de Théodore Géricault, A Jangada da Medusa (1818-9). Nessa obra, um sobrevivente negro acena, e os tons contrastantes do seu corpo, enunciados pela matéria e pela luz, reforçam um sentido dramático articulado em extremos de desespero e de esperança7. O Dorieu, acomodado na quina geométrica da fachada principal do instituto de ascendência neoclássica, figura uma corporeidade mais próxima de uma condição unidimensional que oscila entre a solidão e o desalento (Figura 16). Dessa sua condição espoliada, ganha espaço sua obra, que tem na paisagem mais tradicional da metrópole sua moldura. Como um poeta novecentista, ele se apresenta como um estranho no cotidiano das esquinas, vias e passagens, já desgastadas pelo tempo (Figura 17). E por lá passa Dorieu, que demarca o espaço com as figuras concretas e reluzentes naquele vazio arruinado de uma cidade sem cuidados (Figura 18). A figuração geométrica, em sua irreverência, lembra as Bagas Silvestres e/ou o Veleiro, do artista suíço Paul Klee. O elemento orgânico suaviza a geometria e se apresenta numa limpeza expressiva, articulada à infinita região do inconsciente8. Segundo Argan, os estudos de Freud e Jung apontam para uma região em que nada aparece como representação ou conceito. Tudo se materializa nas imagens e nos signos, que conformam no conjunto da sua obra um diário de vida interior e profunda. Como nos desenhos de giz do artista mineiro, a arte em linhas e formas surge e revela nexos ilógicos e assimétricos, mas vitais e sensíveis (Figura 19). As linhas desenhadas em abundância estruturam uma forma e sugerem volume, que emoldura o triângulo realçado pela luminosidade. 75


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Algumas de suas composições abstratas e a plástica de expressão da geometria das formas irregulares estão intercaladas pelas quadrículas em claro-escuro (Figura 20). Ao entardecer, essas formas expressivas brilham, potencializadas pelo vazio e pelo pausado escurecimento das ruas (Figura 21). Não é impossível imaginar ser a obra de Dorieu aleatória, pois ela emergiu de uma sensibilidade e carrega essa vitalidade kleeiana quando recorre às linhas e projeta densidade às formas (Figura 22). Mas essa expressão é também intensa e se transmuta em manifesto – sua palavra concreta que se faz poesia, em que o sentido começa a ser dilatado na própria grafia das palavras (Figura 23). Nela, o texto é pleno de visibilidade e não é escrito na folha em branco, mas, sim, nos planos das fachadas da arquitetura e nos percursos e esquinas. A cidade para ele é promovida, e esta condição é de suporte em que todo o seu aparato estruturador pode ser reescrito semantizadamente. O tema faz parte da imprevisibilidade urbana e carrega alguns indícios da sua vida, valores, indignações, lembranças. E aqui termina essa pequena trajetória no espaço/tempo, documentada magicamente pelos autores das fotos em que Dorieu Videla se deixa revelar. Nessa incursão na sua inusitada trajetória experimentada cotidianamente, permanecem as imprecisões sobre a sua vida, sua implacável solidão e, quem sabe, uma possível autoeducação estética (Figura 25). Belo Horizonte figura como o cenário escolhido não se sabe se pelo sentido da sua nominação ou se pelos reveses da vida. Nesse espectro, que faz dela apenas mais uma metrópole, esteve um personagem que encantou as ruas e fez dessas incursões um modo de se reinventar no mundo.

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NOTAS 1. SIMMEL, Georg. The Philosophy of Money. Second edition London: Routledge, 1990. 2. SIMMEL, Georg. As grandes cidades e a vida do espírito. Cidade da Beira: Covilhã, 2009, p.15. 3. BRITO, Ronaldo. Neoconcretismo: vértice e ruptura do projeto construtivo brasileiro. Rio de Janeiro: FUNARTE/Instituto Nacional de Artes Plásticas, 1985. 4. ARGAN, Giulio Carlo. Arte Moderna: do iluminismo aos movimentos contemporâneos. São Paulo: Companhia das Letras, 1992. 5. BUCK-MORSS, S. Dialética do olhar: Walter Benjamin e o projeto das Passagens. Belo Horizonte: Editora UFMG; Chapecó/SC: Editora Universitária Argos, 2002. P.213. 6. Revista Pedagógica IEMG. Instituto de Educação de Minas Gerais. Ano 1, n.01, agosto, Belo Horizonte, MG. 7. PHILIPOV, Karin. A Balsa da Medusa, de Théodore Géricault: Uma questão de método, uma encruzilhada de interpretações. VIII EHA - Encontro de História da Arte – 2012.Campinas: UNICAMP/SP. Disponível em: http://www.unicamp.br/chaa/eha/atas/2012/Karin%20Philippov.pdf. Acesso em: 3 abr. 2016. 8. ARGAN, Giulio Carlo. Arte Moderna: do iluminismo aos movimentos contemporâneos. São Paulo: Companhia das Letras, 1992.

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PAULA

flor do asfalto a Edésio Fernandes

do túnel do tempo que leva ao aeroporto por sob a rotatória de flores que - dizem, não se vê - continua lá emerge um homem negro e magro de olhos vivos amarelos ameixados de peito e alma nus. ele caminha enquanto seguimos parados enlatados enjaulados enfileirados nem o último entardecer da semana liberta da manhã de depois de depois de amanhã: da inexorável segunda-feira quando o idêntico recomeça tudo outra vez, outra vez

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ele olha para trás, para talvez o sol que se põe; eu olho para ele e sinto pena de mim de nós emaranhados no dia seguinte - é sábado apresenta-me tu a quem conhecera ontem apresenta-me tu a quem dormiu comigo apresenta-me tu a quem me trouxe de um transe sutil para o mundo desenho palavras suas impermanências. dali floresce concreto motorista de si mesmo Dorieu e seu riscado

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MARCIODOCTORS

Uma obra à procura de um autor

Dor(i)Eu é o sinal mais expressivo do abandono daqueles que ficam à margem da sociedade e se reinventam na fragilidade e na dor. Escavam um espaço anônimo e insistem (persistem) em deixar um rastro que seja, um sinal, da sua passagem entre nós, viventes de outra espécie, que vemos nele refletida a ideia de sentido que cada um de nós busca de alguma maneira dar à sua vida. Ele transforma o mundo num grande quadro negro onde vai deixando suas marcas de giz, que podem ser facilmente apagadas, assim como a sua e a nossa existência. Sua obra trata de apagamento e expressa o esquecimento ao qual estamos todos destinados. Só que Dor(i)Eu faz do esquecimento sua marca. Ele marca que é esquecido através de um material que naturalmente se apaga pela ação do tempo, mergulhando de volta no esquecimento. Ele escava na massa discursiva, que permeia a tudo e a todos, sua sintaxe única e nos diz: Eu sou o esquecimento; Eu sou o apagamento. E é isso que me intriga: Edésio Fernandes batizou (nomeou) esse corpo e essa alma com o nome de Dorieu* porque ele é um autor sem nome; é o criador de uma obra. Edésio e seus amigos (nós) queremos encontrar um autor para essa obra: é uma obra à procura de um autor. Queremos nos certificar de que ele não será esquecido, fazendo um livro com as fotos-registro de Edésio Fernandes e Manoel Teixeira, deixando um rastro “permanente”, que crie uma coalescência entre o personagem-autor e sua obra-vida. Mas eu penso que Dor(i)Eu tem algo maior a nos ensinar do que nosso desejo de o fazer lembrado – que é legítimo e que reconheço, no meu desconhecimento, que não teríamos forma melhor 97


de acolhê-lo, num mundo que acho mais nosso do que dele e que foi tão hostil a ele - para criar uma forma de permanência; uma lembrança do seu rastro. Mas eu creio que o que ele quer nos ensinar é que a arte, ou melhor, o que a sua vida-obra nos indica, é que uma obra de arte se faz arte quando ela nos aproxima do caos – que é onde a vida pulsa em potência –, mas não se deixa ser completamente engolida por ele. Há arte – há uma obra de arte – quando existe uma voz, um rumor que fala das entranhas da matéria do mundo e que expressa algo onde nós nos reconhecemos pela identificação de que há alguma coisa que pulsa para além do movimento do tempo cronológico: um tempo cósmico (a duração bergsoniana) que é o tempo do caos, e que uma vida-arte ou um homem-obra é o ancoramento de uma coerência que dá expressão a um sentido na trama do mundo. Parafraseando William Kentridge, o artista não precisa criar sentido, mas coerência. O que Dor(i)Eu nos indica é que o autor não é necessariamente um canto de uma única voz, mas, antes, uma fala que instaura um discurso e, por isso, por mais que tenhamos necessidade de localizar um autor, uma obra para existir exige uma vida. E essa obra pode ser construída por uma fala anônima, apesar de nossa sociedade necessitar sempre da localização de uma autoria, assim como precisamos da marca de um produto porque essa é a lógica do mercado. Mas, para além dessa questão, que não é o meu foco no momento, o que desejo mostrar é que Dor(i)Eu nos indica que, apesar de toda a dor e a marginalidade que lhe foram reservadas, e que me sinto incapaz de avaliar, mas só reconhecer, há algo que pulsa através das marcas de sua existência que nos faz vibrar quando entramos em contato com sua obra. E esse fazer vibrar é o que reconheço como arte; como esse aproximar-se do magma da vida em potência que é onde o caos está, mas que Dor(i)Eu consegue atravessá-lo, ou melhor, filtrá-lo, e resgatar para nós esse contato como uma membrana, que é a sua obra, que assim como toda obra de arte que se sustenta a si mesma é expressão dessa travessia do caos e construção de um bloco de 98



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sensações, como nos mostra Deleuze. A função da arte é colocar-nos em contato com o tempo vivo, com as forças intempestivas do caos que atravessa a vida, a precipitação das sensações, que parece não ter sentido, mas é o que dá sentido a uma existência e o que alimenta a arte e nos alimenta. Estou convicto de que Dor(i)Eu, na sua dor, encontrava na arte algo que o ajudava a suportar sua dura existência, que era reflexo da sua fragilidade diante da rudeza da nossa sociedade e que sua fina sensibilidade não suportou.

*Gosto muito desse nome que Edésio escolheu para esse artista anônimo porque, assim como Dorieu de Esparta, filho de Anaxândrides II, que foi preterido para ser rei e emigra de Esparta para fundar sua própria cidade, nosso Dor(i)Eu foi também preterido por nossa sociedade e funda um território para si, através da arte.

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CARLOSANTÔNIOLEITEBRANDÃO

O homem que não é da multidão

Da esquina, vejo mendigos mendigando entre si, velhas senhoras penduradas nas suas bolsas e nos calcanhares em que as raízes roxas das veias serpenteiam à flor da pele, pregadores de preces e penhores, aposentados indo de um café para outro, cegos vendendo loterias com esperanças azuis nas mãos, carregadores esmagados pelos fardos que sustentam antes de os jogarem ao chão, estudantes esperançosos de preencherem o vazio do presente e do futuro e especialistas em enganar os outros com uma boa promessa de crédito, tal como fazem os bancos. Em sentido contrário, e sobre o mesmo passeio curtido de fuligem e líquidos derramados, passam contadores que nada têm para contar, despachantes que retornam aos cubículos apertados onde se fundem às mesas em que são empoleirados antes de partirem para outra fila, mocinhas que trazem um elixir na mão e imitam o requebro e os olhares de prostitutas que consideram ricas, catadores de papéis e de latas prestes a enferrujar, camelôs exaustos de tanto berrar seu ócio, freiras que lançaram seu passado no fosso de uma abstrata vida eterna e um ex-engraxate que balbucia pelos olhos vermelhos as palavras desconexas que a sua boca não consegue mais articular. Detrás da fresta que passa no meio dessas cortinas de transeuntes, o olhar de um advogado (mas poderia ser de um sociólogo, de um urbanista, de um escritor ou de um ascensorista curioso) captura a silhueta neolítica de um homem esboçada como um traço de giz sobre um quadro quase negro. Um homem neolítico, refletiu o advogado, anda sem parecer andar, orbita como a via láctea que passa sempre na mesma hora pelo mesmo 107


lugar. Diferindo de seu antecessor paleolítico, e dos transeuntes que desfilavam para a flaneria estática do advogado, seu nomadismo lhe serve para ir e vir sem nunca sair do mesmo lugar: o seu corpo move, mas a alma neolítica, nunca. Ela se alimenta de um ritmo cósmico que espera por ser fisgado, compreendido, animado e ordenado. Dessa ordem cósmica o homem neolítico se orna: ornare, ordinare. Ele se serve daquilo que planta e cultiva conforme a sucessão invariável com que as estações escoam para o embornal do ano seguinte. Ele mora nas ruas de Belo Horizonte? Não, ele ara as suas ruas com uma charrua de giz. O solo cultivado por nosso agricultor neolítico é o asfalto diante do qual rolam as cortinas de pessoas entre as quais o advogado espia, é o cimento das calçadas diurnas sobre as quais as aventuras prometidas pelo cotidiano são reticuladas, é os vários matizes de cinza produzidos pela cidade e que a cal do giz vem rasgar como um bisturi, é os revestimentos opacos que se alternam com os reflexos dos vidros e dos neons para compor o tabuleiro vertical do jogo em que se move o xadrez das fachadas. Pensamos jogar esse jogo, mas é ele que nos joga. As matérias perenes em que a cidade parece durar, como as das ruas e dos edifícios, são para o artista neolítico o papel e a tela nos quais ele grava a ordem, a simetria, o ritmo e as batidas dos nomes e números que capturou e que, como o pêndulo de um carrilhão mental, lança sobre a dureza urbana, sobre a urgência dos desejos e sobre a dispersão da massa para orquestrá-las num cosmos. Orquestrando-as, o artista demiurgo confere ao mundo uma estabilidade, um sentido e uma ordem com os quais ele pode se ordenar e se ornar também, como se faz com os cosméticos. Escrevendo sobre as calçadas, as ruas e as paredes, o artista neolítico submete-as ao inscrever nelas o seu espírito. O homem paleolítico, como o caçador pré-histórico ou como Leonardo da Vinci, gravava impressões nas paredes das cavernas e nos afrescos. Em sua armadilha de tintas, ele capturava (no caso do 108


homem pré-histórico) ou adivinhava (no caso de Leonardo) o mundo como fenômeno, movimento e passagem e conferia êxito à sua caçada. O neolítico captura as grandezas do mundo para desmontá-las e reconfigurá-las numa geometria em que renascem, simultaneamente, o artista e a realidade que ele transfigura. Sua matéria não é mais a bruta que os órgãos sensoriais tentavam tragar, mas a sensível que toca a flor de sua pele habitada pelo espírito que migrou para ela. Atrás da multidão, o advogado entreviu a solidão com que o artista neolítico reescrevia em giz as palavras e as mandalas que libertavam o seu espírito. O artista precisa delas escritas, vistas e lidas fora de si mesmo. Pensando nisso tudo, o advogado se levantou da cadeira em que lia a programação teatral da semana (ou desencostou-se do marco de uma porta por onde via o mundo passar ou descolou-se da lembrança de uma professora quer_ida). Movido pela “simpatia” por aquele que não era um homem da multidão, seguiu o artista neolítico com o qual suspeitou compartilhar uma dor que não podia distinguir nem nomear. Dorieu Videla foi o nome que o advogado supôs ser o dono daqueles pedaços de giz e daquela boca que só se dirigiu a ele com clareza uma vez, para pedir cigarro. Um provérbio alemão do século XII dizia que o ar das cidades liberta. Para Dorieu, a matéria da cidade liberta na medida em que podemos lançar sobre ela o giz com seus traços das lembranças revistas, dos desejos de ordem e de ornamentos capazes de refinar a substância da vida mais do que a sua epiderme, da vontade de desenhar horizontes, mandalas cósmicas veladas pelo smog urbano, números e nomes com que as coisas que estão dentro e fora do mundo e da multidão podem ser apresentadas a céu aberto. Essa promessa de liberdade atraiu o advogado. Lamentou ele não ter à mão um livro de Umberto Eco sobre a vertigem das listas, pois muito do que Dorieu riscava eram listas de lugares, de santos, de números e nomes que formavam conjuntos coerentes e infinitos sobre o tapete incoerente e finito das calçadas e 109



dos abismos de meio-fio sobre as pistas de rolamento. Essas listas serpentinam um universo que não gravita em torno de nenhum astro ou buraco negro. Elas são como anjos que perderam tanto o comandante do exército que formavam quanto as suas próprias asas, mas que ainda resistem a decair como Ícaro. Elas são os registros do infinito invadindo a finitude da cidade como um líquido que o volume de nenhum recipiente é capaz de conter. Elas buscam o que não tem nome e nem lugar. A obra de Dorieu revela que o pano de fundo sobre o qual ela é desenhada, a cidade, não é apenas o lugar dos registros duráveis, como cria Lewis Mumford, mas também dos que se apagarão com a primeira chuva, com o movimento dos insetos ou com as solas de sapatos descuidados e atarefados. A cidade possibilita construir, armazenar e transmitir mensagens efêmeras e permanentes. Do ponto de vista da sua duração no tempo, a obra em giz de Dorieu é efêmera, a não ser que a fotografemos como faz o nosso advogado depois que o artista a riscou sobre a “rua”, a terra da urbe, e a arou. Mas o conteúdo que nossa passagem resvala nela – se nosso corpo não é demasiado pré-ocupado pelas tarefas e filas que deverá preencher ao final de seu trajeto – parece lidar com o eterno e com mensagens sagradas, como se contivessem as fórmulas do céu, da história, dos homens, dos lugares e dos santos. Dorieu, como neolítico que é, torna a cidade etérea e a conforma na caligrafia clara, límpida e esquemática das listas com que ele prende o tempo e confere finitude escrita ou desenhada ao que não tem fim. A cidade refaz o homem. Dorieu reedifica a cidade e faz dela o jarro de onde o infinito brota e corre como um rio. As ondas de suas listas não quebram quando Dorieu as deixa: prosseguem pelas calçadas e paredes que, ainda que não tocadas por seu giz, convertem-se no papiro por onde o espírito liberto da matéria persiste arrolando e designando os entes que sobrenadam no rio que ele vê da margem. A cidade é o etcetera que não coube no tempo, no espaço, no cansaço 111


e no pedaço de giz esgotado pela mão de Dorieu. Como o Bolero de Ravel, as obras de Dorieu prosseguem infinitamente pelo espaço e pelo tempo da cidade, a subirem por uma escada que termina só no céu (elas nunca parecem descer para o inferno). Como os personagens pintados por Caravaggio, cujos corpos saem da luz extrema para mergulharem na profunda escuridão em que devemos prolongar suas formas a fim de dar-lhes completude. Em Dorieu, essa escuridão é o infinito. O giz de Dorieu cala os impropérios que o advogado ouve ao seu lado, abaixa os olhos de quem anda pela rua como se desfilasse por passarelas, alivia-nos dos temores e da obrigação de parecermos sempre jovens, faz-nos esquecer o sexo oposto e o sexo próprio que estamos sempre tentando conquistar, aplaca as coqueterias, as fanfarronices e as expressões de ódio e de amor que ensaiamos ao caminhar, ralenta os passos e tira-lhes o chão para colocá-los sobre as listas, mandalas e órbitas aradas pela charrua de Dorieu sobre a terra da urbe, para ornamentá-la. O advogado lembrava, sem muita certeza, que uma das coisas que fazia poética, e não prática, uma lista era, para Umberto Eco, a tentativa de lidar com algo que resiste a ser dominado e controlado, como o raio do sol que não conseguimos segurar dentro das mãos. Uma lista de compras é jogada fora tão logo compramos os objetos elencados nela. Ela se esgota em sua utilidade. As listas de Dorieu se apagam, mas não se esgotam. Elas passam pelo chão como a sombra de uma nuvem e pelas paredes como a luz trêmula de uma vela. Elas não são apenas infinitas, mas também são sem fins (o infinito e o sem fim não são a mesma coisa, assim como o nada e o vazio não o são) no sentido de não serem úteis, de não serem perdidas ou consumidas, de não terem objetivos fora de si e de não serem instrumentos para nada: elas não nos conduzem a nenhum objeto, senão a elas mesmas e à materialidade de suas formas, do branco do giz e do elenco de nomes e números que não se voltam para nada que está fora, além ou ao fim deles mesmos. 112



Como no concretismo, a poesia de Dorieu mora na epiderme da escrita, na carne da mandala, na vertigem da sucessão e da repetição. A ladainha das beatas e dos mantras é feita para nos transportar pelos ouvidos. A de Dorieu se dirige para o tamanho, o ritmo e a distância de nossos passos e de nosso olhar. Ela comporta uma música compassada com rigor, construída com esmero e sutilmente disposta para ser descoberta e interpretada sob a pauta cinza das calçadas e das paredes. O que conta não é propriamente os nomes de lugares, santos, autoridades e números, mas o ritmo que eles formam e a rima desenhada pela grafia e pelos espaços compostos: arte abstrata (sem referente), poesia concreta; ordem e forma desenhadas sob a multidão sem forma, sem ordem e sem rosto para dar a ela um registro e um rosto humano, ainda que Dorieu não retrate o seu e nem assine o seu nome (ao contrário da egolatria que o advogado recriminava em alguns artistas do seu círculo de amizade). Como as demais listas poéticas, e não práticas, as de Dorieu nascem de uma obsessão ao redor do vazio e do indizível. Contudo, elas mantêm a serenidade de quem sabe ser o espírito infinito, mas o corpo finito, de quem sabe que a gula e o gozo que lhes deram origem não serão saciados, de quem sabe que basta ao espírito se insinuar minimamente além da prisão da matéria para ele já se encontrar completamente livre, como em Michelangelo. Dorieu escreve e desenha sem querer conquistar nada. Ele quer apenas passar pelo espaço e pelo tempo de uma cidade que casualmente recebeu o nome de Belo Horizonte. Nosso artista neolítico (mas, também, poeta concreto) acendeu o cigarro dado, agradeceu, dobrou a esquina dessa cidade feita de todo tipo de esquinas, inclusive a do passado e a do futuro, chamada, de “presente” e a de nós com os outros, chamada às vezes de “desejo”, e outras, de “inferno”. O advogado nunca mais o viu. Como a maquiagem que começa a derreter com o calor, ele observou os precisos e duros traços do giz molificarem e perderem sua forma, tal como um riacho destituído das margens acaba dando lugar ao pântano. 114


Tempus edax rerum. A volúpia dos calçados começou a apagar lentamente os nomes e números das listas que acabaram de ser feitas, como a esponja da professora quer_ida fazia sobre o quadro quase negro ao final da aula, lembrou o advogado. Uma barata indecisa começou sua tarefa de polvilhar aquilo que antes era o traço branco e contínuo do “S”, a primeira letra do nome de todos os santos elencados sobre o passeio como se fossem versos. Um pouco de café escapou do copo do rufião apressado para corromper a simetria da mandala desenhada com cuidado medido, como deve ser todo tipo de cuidado. Em breve o passeio se reergueria cinza, imponente e opaco sobre a materialidade do poema concreto e do desenho de giz que equivocadamente qualificamos de abstrato. Vendo essa dissolução, o advogado compreendeu que, ao se fazerem poéticas, a palavra e a forma inauguram um mundo. Esse mundo reluz durante algum tempo. Depois, a palavra volta ao seu estado de dicionário, a forma retorna à pré-história do desejo e o mundo se recolhe na terra ou na rua enquanto aguarda a aradura de outras charruas. A cidade é um teatro cujas cortinas uma hora têm de se fechar sem deixar frestas, pensou o advogado, como os olhos. Mas, depois de todas as luzes do teatro serem apagadas, o drama prossegue. Uma peça boa é aquela que continua em nós depois que o espetáculo acaba, uma vez que dela saímos transformados, conhecendo algo que não sabíamos sobre nós mesmos, melhores do que somos e com um vislumbre daquilo que deveríamos ser. Um vislumbre frágil como um traço de giz no passeio, mas que convém não perder de vista ao sairmos do espetáculo. O advogado girou sobre os calcanhares, guardou a máquina fotográfica e partiu para casa (mas poderia ser para o cinema, para o bar, para encontrar com os amigos ou para o aeroporto pegar um avião para Londres ou Paris). Dor-i-eu poderia dar um bom assunto para um texto ou um documentário, ele previu. E guardou esse assunto para si. Reservado esse assunto para o advogado, a mim também convém dobrar a esquina, fechar as cortinas e dar por encerrado o meu. 115







VERAVALADARES

E escrever serve para nos salvar... De alguma morte

Há um ponto impossível de dizer – incurável – e é preciso fazer algo aí, porque aí a vida se escreve como um grito. A letra, cifra sem sentido, é ao mesmo tempo buraco e linha, silêncio e grito. E assim renda, ela tece, escreve, enlaça. E sendo grito, chama. Sendo chama, é luz e quer saber.

Tem algo de vida e morte neste jogo do saber e do desejo.

Então, mesmo nos circuitos aparentemente viciados de algumas repetições infindas, algo se rompe, religando este corpovidalinguagem. ES/CRE/VIDA !

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JOICEBERTH

Cidade em primeira pessoa, na pessoa de Dorieu Videla

Eu, no meio do tempo, não fui tempo que se pudesse atravessar. Eu, no meio da cidade, fui senão pedra, folha seca e papel perdido no chão. Não consegui alcançar o mar de pessoas que me atravessavam sem parar. Eu não alcanço ninguém. Ninguém me alcança. Eu, que muitas vezes, nos labirintos formados na minha cabeça de ciranda silenciosa, acelerada, incendiada por todos os sentimentos ativos e todas as circunstâncias de nulidade que me cabiam na pele preta que eu vestia, escorri por entre meus próprios dedos, na ponta de minha lança-língua branca, que a cidade chamava de giz. Contei no chão da cidade tudo que eu vivia. No chão de gente pisar, escrevi minha dor. Eu refiz o tempo futuro inteiro, procurando a metade que eu perdi em alguma esquina, deitado em névoas de um passado que me consumia e eu não conhecia. O espelho da cidade mente, né? Num olha pra ele não, né? Faz sofrer. Quem como eu não tem passado, é gente? Não. Quem é gente também, como eu, é chão da cidade? 125


Eu sou gente, chão ou cidade? Eu não posso ser a cidade. Ela tem medo de mim. Não me abraça nem me olha de perto. Ninguém pode ser o que tem medo de ser. Pode? Tem medo de ser. Tem medo de ser. Tem medo de ser. Né? Pergunto para o chão da cidade se eu sou gente. Ele me responde que não. Ele me responde que sim. Me dá colo. Então sou gente, sim. Gente pede colo. Chão da cidade é colo de quem não tem mãe. Né? Nem tudo me alcança, tempo em meu peito-suspeito de aflições não ditas, não anda, não avoa. Fujo pra bem longe. Bem longe é aqui. Né? 126


Minha cidade estática. Minha dor estática A cidade dos homens é de gente estática. Eu não. Eu fui muitos caminhos. Caminhos são para serem ditos. Caminhos são para serem gravados. Caminhos são para serem cravados com a ponta do meu giz. Escrevo caminhos pela cidade. Cravei as passagens com a ponta dos dedos. Quem passa não vê. Não me vê. A Cidade não me vê. Eu vejo toda a cidade que passa entre minhas mãos. Né? Minha cidade não era o homem que eu sou. Minha cidade era o homem que eu sou. Minha cidade era. Minha cidade. Cidade só. 127



Procuro nela o que não vejo em mim. O espelho da cidade mente. Na cidade cabe todo mundo. Cabe quem não existe também, né? Eu não existo. Caibo também, né? Não sei se penso que sou eu. Ou se sou eu. Eu sou meu pensamento? Mas é na cidade que eu escuto. Escura como eu, né? Mas ela clareia de dia. Eu não. Sou noite pra sempre. Mas noite também tem estrelas. Eu posso brilhar, né? Chora por mim. Choro por ela. Cidade só. No meio-fio entre a vida que aceitavam e a minha, nem vida era. No meio-fio dos meus pesadelos felizes, reflexos da cidade que não me via. Cidade só. Eu só. Quem consome minha dor? Cidade-colo que não me acolhe porque eu não caibo no teu espelho. Quando eu clamava, a dor chovia. A chuva era eu. 129


Queria gravar meu nome onde eles pisam. Eles pisam no meu corpo. É um vai e vem que atordoa. Atravessa meu corpo e dói. Deve ser a dor que faz brilhar. O céu quando fica da minha cor dói, né? Onde eles vão? Cidade só. Dentro e fora de mim. Tudo anda. Eu, sempre doendo, não me movo. É uma agonia. É uma alegria. Dentro e fora da minha cabeça a cidade dança. O que é real nessa cidade-leito. Dói também o coração da cidade. Faz amor? Faz amor com minhas mãos. Com minhas mães. Mas meu nome era o mundo todo. Eu não era ninguém. Ninguém. Ninguém na multidão me ouvia. Meu silêncio faz mais barulho que os carros, né? 130


Eram muitos carros, muitas pernas, muitos risos, muita pressa, muita fala. Eu sou pouco, pouco. Né? Quando eu clamava, a dor chovia. Chovia. Chuva lava a dor. Dor que eu sou. Chuva que eu sou. Me traz de volta, às vezes. Não sei viver sem sua companhia. Nunca mais. Chuva traz de volta o que leva. Às vezes, a chuva sou eu. E a cidade, às vezes, é ninguém. De ninguém. De todo mundo. Mas nunca foi minha. Né?

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RITAVELLOSO

NU FERI NOS MAS NAO

Ler o texto que está sobre a parede e encontrar exaustão, medo, súplica. Do que mais houvesse para ser reconhecido ali, nada jamais perdeu a força da sensação; as palavras - imobilizadas - se desdobram dando conta da potência sensível do que, um dia, se quisera dizer. Ao primeiro olhar, dá-se um texto frágil, mas provocador, forçando-o a procurar a origem de sua intranquilidade. Palavra que se torna imagem, a frase aparece em público como inscrição. Foi Kant quem primeiro colocou o problema nos termos mais contemporâneos quando afirmou, na Crítica da Faculdade de Julgar, que não há valor para a arte que não coloque a questão teleológica e moral. Depois, seria Hegel a dizer na sua Estética (não menos relevante para a atualidade) que não há valor para a arte sem inervação num lugar-tempo histórico. Aqui, o contemporâneo é que dá o molde, ou antes, a razão para estabelecer a relação entre questões filosóficas de tal porte e o sentimento particular que nos despertam as inscrições de Dorieu Vilela. Compreensão do lugar histórico em que a obra se executa, sentido ético posto em movimento pelo artista quando a localiza num território público qualquer, ou, ainda, a interpretação da obra no seu aparecimento a um espectador – desse contemporâneo é que se trata aqui, a fala de um homem nômade, cuja obra torna vísivel sua subjetividade singular, artista errante que foi. 137


Deriva Dorieu caminha continuadamente numa deriva que, se por um lado transborda os códigos urbanos ao deixar-se levar pelas solicitacões do terreno e dos encontros correspondentes, por outro, encontra frestas pelas quais rompe o inóspito de ruas e lugares obscuros que atravessa. Para esse homem, a deriva é expressão de sua entrega à cidade; frestas e transbordamentos são formas de se deixar, por ela, ser afetado. Mas nenhuma deriva é desinteressada, ainda que desempenhada num jogo entre o inconsciente e a subjetividade radical do nômade. Puro fluxo num tempo que é sempre presente, um agora sempre escandido, o andar a esmo de Dorieu produz registros que fixam seus trajetos urbanos, se contrapõem ao nomadismo; poder-se-ia dizer, talvez, serem mesmo sua contradição. Seus desenhos são como pegadas, passos-vestígio. Geometrias, escrituras que perduram na cidade vazia, presas às coisas, alvenaria, asfalto. Derivar, nesse caso, constitui-se em narrativa de um sujeito urbano singular que aparece e desaparece de modo pontual e fugaz, sem ser habitante nem expatriado. Torna-se, com suas palavras inscritas na pedra, em elemento da cidade - a ela passando a pertencer, ainda que de modo mínimo. Recolhe-se à margem das calçadas, cola-se às paredes em leitos improváveis, móveis, e os povoa com sua caligrafia. “Tornara-se parte da cidade. Ele era um ponto, um tijolo numa interminável parede de tijolos” (Paul Auster, Trilogia de Nova York, 1992).

Superfície Seu gesto estético é sutil, uma manifestação que parece estar a um ponto de extinguir-se, e, contudo, não cessa de dar combate ao anoni-

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mato sem pleitear identidade. Sem enunciar um nome, rompe a invisibilidade do andarilho e aparece, ao dizer: olá, existo; moro na rua, vivo aqui, vivo agora. Das palavras às frases, palavras isoladas, palavras repetidas. Imagens da escrita que materializam lamentos, pedidos de socorro, memórias de ídolos, canções, nomes próprios. Escritas de imagens em mandalas-geometria, mandalas-palavras, abstrações, mandalas que são devaneios. De certa maneira, seus traços terminam por jogar luz sobre os lugares que suportam as inscrições. O que puder ser dito sobre essas imagens deve-se fazê-lo em torno dos lugares e dos espaços aos quais as imagens são atribuídas. Esses, sob o olhar de quem se detém diante do desenho, restam fortalecidos, evidenciados em sua materialidade. São arquiteturas que a inscrição faz ver; são fragmentos de espaço público que se reconfiguram. A inscrição afeta o edifício, a calçada, o pavimento destinado aos carros, confirmando a potência de uma escritura-imagem que transfigura o espaço qualquer em espaço a que pertence algo que o singulariza, ao modo de uma tatuagem. O dispositivo sensorial da obra de Dorieu depende muito da perturbação que causa às superfícies em que se inscreve, pois cada um de seus registros só será decifrado a partir do lugar de contato entre o objeto e o público, ou, melhor dizendo, do vínculo causado entre pessoas-lugares por seus traços. A inscrição é da ordem das imagens que perturbam um sentido estabelecido, a ordem da cidade, ordem da vida urbana e coletiva. Não são imagens intransitivas ou proposições de termo único. Ao contrário, há sempre outro a que parecem se destinar. Se não esperam por um espectador determinado, são gestos que se abrem à cidade, a outros - no plural - desconhecidos. A Dorieu, calígrafo-desenhador,

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talvez a expressão fosse uma urgência; a que serviria seu esforço poético senão para dizer algo a outros que são, como ele, meros viventes urbanos. “O que é desenhar? Como se chega a isso? É a ação de abrir passagem através de uma parede de ferro invisível, que parece situar-se entre o que se sente e o que se pode. Na minha opinião, para atravessar esta parede, de nada adianta bater nela com força, e sim miná-la, perfurá-la limando-a lentamente e com muita paciência. (Vincent Vang Gogh, carta a Theo, 08/09/1888. Lettres à son frère Théo, Paris, Gallimard, 1988).

Fala Toda cidade é uma pletora de espaços simbólicos, cuja gramática própria nem sempre se dá a ver; são espaços atravessados por diversas ordens discursivas para as quais, insistem, é sempre possível significá-los, estratificar suas camadas, retalhá-los em suas funcionalidades. Não é verdade. Cada cidade guarda, em sua materialidade, modos minúsculos de resistir à objetividade que tudo explicita, converge, integra, apagando as diferenças. Assim é que toda cidade abriga seus nômades, por vezes nos deixando, como detetives, entrever a presença de um sujeito errante lá onde ele não era esperado, se dadas as regras do desenho e do plano urbano. À errância dessas mulheres e desses homens corresponde um enraizamento de estranha natureza, que os faz pensadores das zonas opacas da cidade: talvez por isso desenhem, escrevam, inscrevam. Para, por meio dessa fricção com os lugares que, sabem, lhes são hostis, experimentar os limites do conflito que dispõe em campos opostos de expressão a imaginação e o poder. 140




Tensionando até o fim essa disputa, Dorieu Vilela, os pixadores de hoje, o graffiti de décadas precedentes, pensam por meio das imagens e seguem escrevendo uma estética outra – aquela que faz da cidade um imenso caderno de notas tomadas em rascunhos até que alguém as encontre e sobre elas se debruce, atentamente. Inscrições em muros urbanos, em qualquer tempo, são imagens que produzem uma nova potência de vida e para a qual deve-se estar aberto a viver, pois, como escreveu Calvino: “Os símbolos formam uma língua, mas não aquela que você imagina conhecer...” (Italo Calvino, As Cidades Invisíveis,1993.)

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ANAPAULABRUNO

avesso

hĂĄ vinte anos fui fazer projeto de presĂ­dio e tive vontade de botar grades no mundo

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DIVAMOREIRA

Carta a Dorieu

Dorieu, Sua dor e eu temos muito em comum. Por isso, resolvi lhe escrever esta carta. Imagino muitas coisas de você. Tomara que esteja certa, pelo menos em algumas delas. Em 1980, quando os meninos o descobriram ao lado do Colégio Arnaldo, você deveria estar com uns 40 anos. Imagino que você deve ter vindo ao mundo na década de 1940. Nesse tempo, em Minas Gerais, ainda existia trabalho escravo em regiões como o Norte e o Vale do Jequitinhonha! De repente, em todo o estado, também! Sua família, ou mesmo você, podem ter feito trabalho cativo, que era o modo como o meu Tio João falava sobre o trabalho escravo em Bocaiuva, que ele testemunhou. No ano passado, no Canjerê - 1º Festival de Cultura Quilombola de Minas Gerais, eu me encontrei com irmãos que eram mais novos do que eu e que tinham sido trabalhadores escravos, no Vale; você acredita? Pior ainda, Dorieu, em nosso país tem trabalho escravo em vários estados. É como se os fazendeiros não concordassem até hoje com a Princesa Isabel e a Lei Áurea, cuja memória existe até hoje em nossas guardas de Congo e Moçambique! Por falar nisso, você foi membro de alguma guarda do Rosário? Outra coisa que nos irmana, Dorieu, foi a falta de escola para as crianças negras. E isso também não aconteceu somente durante a escravização, mesmo quando veio a República que diziam servir pra todos, 155



mas não serviu pra nós, Dorieu! Eu tive a sorte de estudar no Colégio Estadual porque a minha mãe era empregada doméstica e morávamos no Bairro da Serra. Mas, se fosse filha de operários e morasse em bairros mais afastados, teria até ficado sem o curso primário. Nem falo do Colégio Arnaldo, ali pertinho de você, mas das escolas públicas que foram construídas do lado de dentro da Avenida do Contorno. Prédios bonitos, imponentes, como os do Instituto de Educação e da Escola Pedro II – que ficavam próximas do Arnaldo, você se lembra? Estudar em colégio particular, como o Arnaldo? Nem pensar, não é? Os colégios católicos foram criados para atender os filhos e filhas dos ricos. O máximo que puderam fazer foi deixá-lo ficar na calçada. E o giz, você conseguia era deles? Sabe uma coisa que muito me intriga, Dorieu? É saber que você às vezes aparecia com a cabeça raspada. Submeter as pessoas a corte zero do cabelo é a maior humilhação, sabe? Faz lembrar imagens dos campos de concentração, de trabalho forçado, coisas ruins assim! Por onde andava quando lhe cortavam os africanos cabelos? Em alguma prisão? Pergunto, assim, não é por imaginar que você tivesse feito alguma coisa ruim, mas porque no Brasil da tal República havia uma lei contra o nosso povo: de repressão à vadiagem, à capoeira e aos ébrios, o nome que davam a quem bebia muito. Mas veja só, Dorieu: os homens que ficavam livres do trabalho escravo tinham muita dificuldade de emprego por causa da preferência dos senhores e empresários pelos trabalhadores imigrantes. Muitos achavam até melhor continuar trabalhando nas fazendas (o que acho esquisito, mas deixa pra lá!) Pode imaginar tanta injustiça? Nossos antepassados tudo fizeram neste País, mas depois da abolição nos descartaram como se fôssemos coisa imprestável! Essa falta de trabalho foi punida pelos códigos penais da República com prisão, e o detento poderia passar até um mês em cela escura, se fosse 157


mal comportado ou reincidente. Não é duro saber disso, Dorieu? Pois é, então voltemos aos seus sumiços e cortes de cabelo. Você poderia também ter sido obrigado a passar um tempo internado em algum manicômio de Barbacena. Visitei aquilo ali várias vezes e encontrava muita gente negra, pobre, com aquela aparência de total abandono! Tanta gente morreu por lá, Dorieu, que o lugar, depois, foi chamado de “genocídio à brasileira”. Bem, não quero ficar só com lembranças tristes para que aumente a dor que existe em você e em mim! Quero pensar em coisas bonitas, porque, ao ver seus desenhos, fico imaginando onde você estaria ao desenhar aquelas imagens tão fortes e que me comovem tanto! Quem sabe, você estava na Turquia dançando a dança cósmica dos dervixes? Transmutando energia para dar luz e misericórdia para o nosso mundo tão insensível e desamoroso? Outras vezes, penso assim: quem sabe você foi levado por algum disco voador e ficou um tempo com outros seres planetários? Como era por lá? Também indago: estaria na Índia, no Tibet, onde aprendeu a tecer no giz aquelas mandalas lindas, feitas para serem desfeitas para simbolizar como a vida é efêmera? Ah, Dorieu, fico por aqui! Um dia, se nos for permitido um encontro, quero ouvi-lo sobre as perguntas que lhe fiz. Onde quer que esteja, desejo-lhe que continue nos mandando sua luz para que nossas dores se transmutem em alegria! De sua irmã, Diva Sabará, 29 de março de 2016

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ANTONIOQUINET

Dorieu, o artista do efêmero

Ao preparar-me para responder ao convite do Edésio para escrever algumas linhas sobre o que a arte de Dorieu me inspirava, perguntei à Cláudia Renault, artista plástica mineira, se ela o havia conhecido. Recebi de presente uma bela imagem. Contou-me que quando criança andava quarteirões inteiros seguindo a escrita de Dorieu pelas ruas de Belo Horizonte. Mas nunca o tinha visto. Aliás, parece que ninguém o via e que ele escrevia, pintava, desenhava, nos pavimentos do vazio da noite. Tive um flash: a visão panorâmica de uma menina andando em cima de um rolo estirado de papel cinza repleto de letras, frases e escrita, como uma carta de betume que se desenrola sob os nossos pés à medida que caminhamos e que chamamos de calçada. Um caminho calçado de letras e traços. A arte de Dorieu transita pelas vias entre o escrito e o desenho. De outra forma, Gentileza, que também fazia arte na rua sob a forma de escrita, fez seu nome igualar-se à sua missão de profeta transmitindo pelos muros e pilastras do Rio sua mensagem de gentileza aos homens de boa vontade.

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A escrita tem a função de fixação. Ela se opõe à fala que, leve e solta, nos faz perambular pelas cadeias de pensamentos sem fim ao sabor das associações livres. O vento leva as palavras faladas. A escrita é material. Ela concretiza a palavra. Fixa a letra e perdura. Transmite-se para além do sujeito e de sua vida. A fala é efêmera, a letra, imortal. A letra imortaliza-se no livro e na lápide. Mas a palavra escrita no livro fechado é letra morta. Uma vez lida ou falada ela se vivifica. No livro aberto da rua, a letra está lá ao alcance dos olhos, prontinha para o passante. A letra é litoral, nos diz Lacan, entre o simbólico e o real, ou seja, entre a linguagem do que pode ser dito e o real do gozo do vivente que pode ser sentido e vivido, mas é impossível de ser dito, porque as palavras faltam. A arte, como a escrita, se transmite para além do artista. Diferente das obras de seu colega carioca Gentileza e de outros grafiteiros e street artists, a obra-escrita de Dorieu é efêmera, foi escrita com giz. Efêmera fixação. E assim sua rua não é caderno, é lousa. E, como um professor, Dorieu escreve no quadro negro das vias públicas suas fórmulas, suas listas, seus projetos, seus reclames, suas plantas, seus desenhos, suas topografias e sua equação pessoal. O giz não fixa como a tinta, para sempre, a escrita na lousa – sua fixação é transitória. Pode ser apagada pela água da chuva, o afago de uma mão, uma lufada de vento, um safanão. Freud, no acender das luzes do século XX, descobriu o Inconsciente e nos entregou as chaves para desvendar esse território oculto e misterioso para os comuns dos mortais. E nos indica que a chave-mestra são os sonhos. “O sonho é a via régia do Inconsciente”. Mas o que é o sonho? É a loucura de cada um posta em cena no palco da noite. No caso dos loucos, a rua é a via régia do Inconsciente. É por isso que a sociedade, ao varrer o louco da rua, fez dele um “louco varrido”, como tantos que perambulam pelas ruas de nossas cidades carregando suas casas nas costas, com suas esculturas andrajosas e seus figurinos criativos e desconcertantes. 166


Dorieu usa a rua como diário, caderno íntimo, livro de registro ou caderno de ponto, faixa de manifestação, mural de depoimentos e mensagens para o transeunte, a pólis, o outro social. Dorieu é artista de “arte virgem”- a arte imaculada dos clichês e da influência de outros artistas, fora da tradição e da história da arte. Dorieu é artista de “arte bruta”: sem lapidações, ele nos entrega sem ornamentos escritos e desenhos. “Arte bruta” foi a designação de Jean Dubuffet à arte produzida sem qualquer influência de estilos oficiais nem das imposições do mercado de arte, como as produções daqueles que estão fora do meio artístico, como os pacientes de hospitais psiquiátricos, em cujos desenhos e pinturas Dubuffet via uma forma pura e genuína de arte. Foi com produções desse tipo que Nise da Silveira, de forma pioneira, montou o Museu de Imagens do Inconsciente, através do estímulo às artes visuais como forma de terapia, principalmente como pacientes psicóticos no Hospital Pedro II, no Engenho de Dentro, no Rio de Janeiro. Aqui no Brasil, o crítico de artes plásticas Mário Pedrosa utiliza a expressão “arte virgem” para se referir às produções artísticas desses mesmos sujeitos psiquiatrizados. “Mário Pedrosa, diante dos trabalhos dos pacientes da Dra. Nise, defendeu o valor estético dos mesmos e mostrou-se contrário ao preconceito referente à expressão plástica dos alienados. Essa expressão, que não é estruturada por regras pré-estabelecidas, nem ordenada pela tradição clássica, foi denominada, por Pedrosa, de arte ‘virgem’, na medida em que é realizada por criadores que, espontaneamente, começam a pintar depois de adultos. (cf. Giovana Caires Motta1; Marta Dantas In: Simplicidade e singularidade: arte “virgem” na concepção de Mário Pedrosa. Semina: Ciências sociais e humanas, 2008). Esse tema, que desenvolvo no meu livro Teoria e clínica da psicose (Editora Forense Universitária), a propósito da arte de alguns artistas do Museu de Imagens do Inconsciente e das obra de Bispo do Rosário, levou-me a pesquisar as funções na economia subjetiva dessas produções, 167


seja como mensagem endereçada ao outro (o espectador, o transeunte ou alguém especial) sobre as vivências subjetivas - delirantes ou não - e também como forma de fixação de algum tipo de gozo invasivo ao qual o sujeito se vê submetido, tendo assim uma função de apaziguamento. Será que Dorieu, como Arthur Bispo do Rosário, outro artista da “arte bruta”, tinha a missão de reconstruir o mundo? A obra de Bispo é perfeitamente articulada a seu delírio de redenção, construído a partir do episódio alucinatório em que anjos desceram dos céus e ele ouviu a voz de Deus com a ordem de reconstruir o mundo. A partir daí, sua missão criativa e divina realizada por décadas nos permitiu usufruir da beleza e da originalidade de uma das obras mais espetaculares do planeta. Em Dorieu haveria uma ideia a ser transmitida, algum projeto, alguma profecia, algum delírio articulados ao ato de escrita-desenho? Será Dorieu um nome inventado, ou ressignificado, reinterpretado – como o de Gentileza - que traria em si alguma designação especial, algo como um d’Ouro Eu? Não sabemos nada da história de Dorieu. Ninguém o via, ninguém o viu. Não foi pego em flagrante fazendo arte na rua. Como os tapetes de flores de Ouro Preto na Semana Santa, as ruas acordavam vestidas por suas letras. O autor escafedeu-se aos primeiros raios de sol. Nem tampouco a polícia dos grafiteiros o deteve. E sua arte não permaneceu ao vivo e a cores como a de Bispo. Sua arte efêmera feita de giz o tempo levou. Não foi possível levar seu trabalho para Bienal alguma. Graças a Edésio Fernandes, com seu olho de artista, temos as imagens belíssimas dessa street art do efêmero, a imagem de uma performance sem o corpo do autor. Quem é Dorieu? Vejamos o que ele diz em giz. Um artista, pois seu nome está na “lista dos artistas” junto com Elvis Presley, Caetano Veloso, Martinho da Vila, Grande Otelo e muitos outros. É um homem, pois está na lista de homens artistas – na partilha dos sexos ele está do lado homem, 168


diferentemente do Presidente Schreber, famoso caso de Freud, que está do lado feminino. Ele está desempregado e “arruma serviço nas obras para mim” como escreve em seu anúncio de jornal de rua. É um comerciante “compre vendo pedra” mas nada de prostituição – “teu corpo não”. Além da venda ele “levanta um pouço”. Não, corrige-se, não é comerciante. Ele é: “artista branco atreira moreno” que escreve “vendo/compro”. Sua vida é dura e de miserável e, no entanto, inserida no esquema com sua consciência de classe como expressa na mensagem de revolta endereçada ao transeunte, deixando claro que não é escravo, precisa de dinheiro; que não é cachorro e não come resto. E, no entanto, está comendo resto. E em outra placa dá seu cardápio: “Eu como arroz. Eu como feijão”. Como a escrita de Bispo do Rosário, também em Dorieu encontramos muitas listas: de prefeituras, de delegacias, de motocicletas, de nomes, de “rococó”, de jogadores de futebol. O aspecto “inventariante do mundo” também se presentifica nas listas de Dorieu.

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É também artista plástico, como testemunham seus desenhos e suas “mandalas”. Seriam mandalas? Seriam projetos de alguma máquina, alguma nave espacial que nos fizesse descolar da bruta realidade de cimento, pedra e betume? Dorieu Videla é antes de tudo um cidadão que se interessa por todas as prefeituras municipais. O louco é o “mestre na Cidade dos Discursos”, diz Lacan. Dorieu é um mestre que, ao se colocar fora dos laços sociais convencionais (suposição minha, é claro), em sua posição excêntrica, de foracluído das normas convencionais, inclui-se a seu modo na Pólis através de seu discurso original, singular, fazendo circular pelas ruas as mazelas e misérias de seu ser social, as aspirações de ser cidadão. Como? Fazendo um leito de escrita lá onde os outros caminham, povoando de letras e desenhos as muralhas da cidade, enviando ao mundo suas mensagens como uma carta aberta lançada ao mar de asfalto numa garrafa sem fundo para ser lida por quem por ali passar.

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ANAPAULABRUNO

o homem que anda rastela o que anda parado no homem

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YARALANDREMARQUES

Dorieu e o futuro

Primeiro eu vi as inscrições a giz nas calçadas e nos muros da região hospitalar de Belo Horizonte, e eram muitas e se sucediam. Passei a observá-las. Algum dia, naquele momento eu o vi sentado entre revistas, na maioria dos momentos ele estava quase em fuga, podia-se vê-lo pelas costas, atravessando rapidamente uma avenida sempre com suas sacolas. Nunca o vi dormindo, nunca o vi fazendo inscrições, era como se elas aparecessem ao amanhecer, ou aparecessem de uma hora para outra, sem que ninguém se apercebesse; algumas estavam incompletas e indicavam que um incômodo o havia impedido de terminá-las. Ele existia, e suas inscrições eram o seu efêmero testemunho disso. Nós, que andávamos por ali, acostumamo-nos a procurá-las, a identificá-las e, algumas vezes, o víamos por perto, silencioso, e isto também se incorporou ao que sabíamos dele. Não era um pedinte, não estava ali a pedir esmolas. Alguém lhe fornecia comida, muitas vasilhas de isopor – quentinhas – apareciam nos lugares onde possivelmente havia passado algumas horas. Era a pequena arqueologia de sua vida por ali. Outra coisa que sabíamos é que às vezes aparecia com a cabeça raspada, o que indicava alguma instituição ditando-lhe algum ritmo. Polícia? Instituição psiquiátrica? Nunca soubemos. Quando penso em suas mandalas, em suas frases sobre temas, escritas de maneira a formar um desenho, muitas vezes penso na impermanência 185


das mandalas de areia dos monges budistas, feitas com muito trabalho e cuidado para serem destruídas num só momento, representando a transitoriedade da vida. Mas, embora efêmeras, as inscrições de Dorieu, vamos chamá-lo assim, como um dia assinou um desenho, não queriam demonstrar a efemeridade da vida, pelo contrário, ele estava registrando a sua vida, ele estava marcando um espaço. Efêmero e frágil socialmente era o personagem, provisórios eram os suportes de suas inscrições. O espaço da rua para quem mora nela tem mais símbolos que para nós, que apenas transitamos por ela, eu diria que ele dominava este universo simbólico. Poderia se dizer que ele registrava o tempo presente, mas nem disto estou muito certa, alguns registros se referiam a fragmentos de passado, a dívidas e dores. Ele tinha passado e registrava o momento, mesclado desses fragmentos de passado e das admirações que tinha. Se a inserção social dele era frágil, ele, a pessoa, não era. Ele falava de professoras, misses, capitais, negros, referia-se eventualmente às questões sexuais. Ele admirava um mundo urbano. Se nasceu num mundo rural, o que é possível, eu não sei, mas ele era um personagem urbano e não havia nostalgia alguma de um rural longínquo. Eu vejo nele um orgulho, vejo a firmeza da mão no desenho, a letra de forma bem talhada, a disposição das figuras. Eu vejo nele o artista elaborando sua obra. Um morador de rua certa vez disse a mim que na rua não há futuro, ¨tudo é um presente contínuo¨. Dorieu, em apenas um momento, em uma queixa aguda, em uma súplica, apresenta um vínculo possível com algum futuro: Nuferi Nos mas Não Há um tênue, muito tênue futuro, no qual ele pede que não o firam mais. Só.

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ANAPAULABRUNO

o sol se faz com cinco mil variantes iguais ele ĂŠ diferente nĂłs, indigentes

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BEATRIZDEALMEIDAMAGALHÃES

REGIZTROS EFÊMEROS REGIZTROS E FÉ MEROS REGIZTROS Sempre (a que hora?) o poeta (de fora?) cobre a cidade de versos brancos de pó Autônomo amanuense o poeta andarilho registra em giz obsessões obscenas Ilustra com desenhos antes variados e elaborados com surpreendente virtuosismo em complexa enigmática e simétrica geometria Depois sistematicamente seriados figuram um pênis no mais das vezes ereto uma que outra lasso tridimensão sintética design magistral em um só 199


ininterrupto mínimo traço E anexa uma cronologia cuja preposição errando em português reverte ao latim: IN 1957 1958 1959 1960 1961 1962 1963 1964 ... Lascivo o poeta (daqui?) em horas despercebidas cobre a cidade com seu falo logomarca E o jorro branco de versos caligrama escorre pelos muros faz ângulo nas calçadas desce o meio-fio e esparrama no asfalto anáforas aliterações analogias A urbe / suporte suporta re / signada a seminal semiologia 200


que diferente do indelével grafito sobre ela apenas pousa desaparecendo com a ação do tempo ou com os acessos moralistas

Mas logo ressurge aqui e ali

nítido

o boxe denso

a escrita precisa

Assíduo o poeta errante há anos emprenha furtivo a cidade Impregna nossos roteiros

de sua ortografia incorreta

de sua caligrafia exata

de sua callegrafia erótica

de sua calgrafia cáustica:

E vai por aí afora ritmo insistência repetição reincidência de vício sexo

droga ou

rock n’roll

Em rol

vai

nomeando e

qualificando 201


pessoas políticos celebridades divindades santos seres coisas lugares estabelecimentos instituições

vai acumulando

números ordenando datas horas reorganizando

o mundo

o espaço

o tempo

dos mil e novecentos e tantos anos da graça de Nosso Senhor Jesus Cristo léxico computação nexo fixação fábrica

cuja prospecção

estanca

em 1999

Analógico inventário

de carvão e greda

relatório 202


território missão? degredo?

de quando

de onde

o mister

o mistério

o segredo

o medo

de tão gráfico

pornográfico lúbrico lúdico

livre e

pacífico poeta?

Poeta esse de onde? Um poeta de SP? Um poeta de BA? Um poeta de MG? Um poeta de BH? Um poeta dos confins? Um poeta do caixa-pregos? Um poeta dos cafundós? Um poeta das redondezas? O poeta das voltas redondas O poeta dos passos fundos O poeta das contagens

Nascido e criado

em qual cidade?

em qual estado?

E em que estado? 203


em que tempo?

Que idade

meu Deus?

Um poeta de

extrema necessidade de andaraí viramundo ivirapoeira

Ou ubíquo poeta?

Diversos poetas?

Diverso poeta

de verso branco

deambulância obsessão obscenidade sublimação

estesia e

Poesia solo

pop povera concreta solidão Discreto exibicionista de esquinas e contra-esquinas nos mostra a qualquer momento seu verbo duro Um poeta de móveis ideias fixas dia após dia lançando sobre a cidade

livro livre

em registro novo o universo

Um poeta

204


na incumbência de tudo assentar

antes que a profecia se cumpra:

“A mil chegará

de dois mil não passará”

Ao findar o século sem mais tempo para palavras números e falos desenha cabeças em um poste figurando esquemática análise combinatória das cores da raça humana

preto de cabelo branco

branco de cabelo pardo

pardo de cabelo preto

branco de cabelo preto

branco de cabelo branco

preto de cabelo pardo

Passada a data fatal

da consumação de tudo

o que é

do poeta?

205







MOACIRDOSANJOS

Criança e colecionador de rua

Dorieu Videla viveu nas ruas de Belo Horizonte. Andava nelas todos os dias, quase o tempo inteiro. Sabia-as como poucos, pois mover-se em um território é prática intuitiva para conhecê-lo. São escassas, em contraste, as informações que se possuem de sua história, e até seu nome foi atribuído por outros, já que se recusava, no mais das vezes, a falar com estranhos que o abordassem. Tinha, entretanto, uma atividade constante e conhecida, além daquelas voltadas à sobrevivência física imediata: desenhava e escrevia em calçadas e pavimentos, assim como em muros e fachadas de casas, ocupando, com as marcas de seu gesto, mesmo exíguos espaços vagos. Eram coisas variadas o que Dorieu Videla desenhava, mas principalmente figuras geométricas de composição intrincada, várias delas assemelhadas a mandalas; e eram de diversos tipos os seus escritos, muitos deles podendo, por juízos assentados, se chamar poesia. Eram traços e letras de um homem que parecia querer deixar, para os outros, vestígios de uma existência singular. Não para todos, certamente, mas para qualquer um. Para aqueles que, confrontados com seus riscos e palavras inscritos na rua, desacelerassem um pouco o ritmo vivido e se deixassem afetar pelo inesperado. Figuras ou textos, eram construções quase todas feitas com giz escolar branco, criando contraste com os tons de cinza menos ou mais claros que comumente revestem pisos e paredes dos espaços urbanos. E que estavam sempre à beira do desaparecimento completo. Dorieu Videla possuía, por critérios que vigoravam à época em que era encontrado nas ruas (e que ainda vigoram, em certa medida), uma 211


mente fora das normas e uma forma de vida que desobedecia aos mecanismos instituídos de controle de corpos. Uma mente à deriva, a mimetizar seu corpo magro que vagueava pelas ruas da cidade. E se não era possível discernir, nos seus atos e marcas, que dores o afligiam, somente intuí-lo como “alienado” do mundo regrado desconcertava quem tinha acesso aos seus desenhos e textos, assim como embaça a vista de quem se defronta, tanto tempo depois, com os registros fotográficos de seus trabalhos. Diante de criações tão inesperadas quanto potentes como as de Dorieu Videla, é frequente instalar-se a dúvida de como classificá-las em meio a outras tantas que existem. Embora o impulso imediato seja o de inscrevê-las nesse campo tão reconhecido quanto opaco chamado arte, tal inscrição implica evocar, quase como cacoete supostamente civilizado, critérios acordados de legitimação institucional e, eventualmente, sua valoração patrimonial. Sem possuir esse reconhecimento ainda, é certo que há precedentes na história da arte brasileira (a despeito desta ser ainda tão rarefeita) de obras feitas por “anormais” que gradualmente foram incluídas no campo da produção artística, sendo razoável, portanto, aproximar a produção dele destas outras já consagradas. Chamam a atenção, de imediato, semelhanças entre procedimentos ou formas de trabalhos de Dorieu Videla e aqueles que são próprios dos textos pintados ou bordados por Arthur Bispo do Rosário – compostos de frases apropriadas e trazidas para um novo contexto ou de palavras encadeadas em listas –, ainda que a plataforma de invenção deste não tenha sido as ruas, mas os quartos de hospício que habitou por quase toda a vida. Do mesmo modo que existem, principalmente nos desenhos de mandalas feitos por Dorieu Videla, similitudes com trabalhos realizados, ao longo de muitos anos, por internos do Hospital Pedro II, no Rio de Janeiro, sob os cuidados da psiquiatra Nise da Silveira. Mas, para além dessas aproximações possíveis, a obra de Dorieu Videla é 212


arte porque partilha, com tantas mais imagens, textos e objetos feitos por mais gente, a capacidade de desacomodar conhecimento antigo, ou de abrir fissuras nas coordenadas usadas para orientar movimentos e falas. Venha de onde e como vier, arte é aquilo que tira o chão e que obriga o refazimento de articulações entre coisas quaisquer. É aquilo que embaralha ideias tidas antes como seguras e certas. Por morar nas ruas, Dorieu Videla não distinguia o fora do dentro de casa e tampouco fazia distinção entre espaço de vida ordinária e espaço de criação simbólica. Condição que o insere, mesmo que não tivesse consciência disso, em tradição assentada há quase dois séculos, quando Charles Baudelaire propôs vínculos entre o deambular pela cidade e a atividade que seria própria do artista imerso na “vida moderna”. Dorieu Videla foi um flanêur pobre, interessado e imerso no ambiente instável do cotidiano urbano sem que por isso dissolvesse, naquele meio, sua individualidade. Para tanto, valeu-se de sua capacidade de desenhar e de escrever sobre as superfícies diversas que encontrava, prática que o aproximava da dinâmica do universo infantil, quando a recriação constante da existência é realizada por meio de apropriações diversas, tais como paredes riscadas e cobertas por figuras, coisas nomeadas a gosto, e mesmo o ajuntamento de objetos os mais inusitados. Atividades de criança que, segundo Walter Benjamin, seriam similares às empreendidas por colecionadores, posto que ambos buscam reinaugurar o mundo a cada aquisição simbólica ou material feita. Aproximando o que parece aos outros distante, tanto a criança que descobre o seu entorno quanto o colecionador adulto criam, conforme sugere o escritor alemão, inventários imateriais e físicos que afirmam os lugares que ocupam no mundo. E desde onde se comunicam com os demais. Dorieu Videla foi uma criança e um colecionador de rua. 213







ARALINAPEREIRAMADALENA

DORESDESENHADAS POEMASESCAVADOS HORIZONTEESTREITO VIDACONTADA ELEGÂNCIA UNIDADE VOZ ESCOADA IDEALIZADA DIAMANTE ESPECULAR LABOR ARIDEZ

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ANAPAULABRUNO

Grande Otel, o Dorieu Macunaíma nasceu

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ROGÉRIOPALHARESZSCHABERDEARAÚJO

A dor e eu, a dor e nós: o individual, o coletivo e o comum no espaço da cidade

Por uma incorrigível deformação profissional ou por entender assim o convite para comentar as instigantes imagens do trabalho desse anônimo personagem urbano, não consegui me desvencilhar da noção de espaço público e de tudo que ele suscita e representa, também em termos das múltiplas possibilidades de expressão individual e coletiva que ele pode abrigar na cidade. Borja nos lembra de que os espaços públicos, tal como foram concebidos pelo urbanismo moderno ocidental, surgiram no século XIX como uma resposta classista ao processo de apropriação privada do espaço urbano, fazendo com que avenidas, alamedas e calçadas, definidas para além dos lotes e quarteirões, passassem a ter funções que extrapolam a simples circulação de pessoas e mercadorias para constituírem lugares de representação e reafirmação dos valores da burguesia, então ascendente. Mantidos, de maneira geral, em sua morfologia original até a atualidade, esses espaços passaram a ser também lugares de exclusão social, seja pela cada vez mais presente captura material e simbólica da sua dimensão pública por estratégias de consumo privado, restringindo sua fruição aos que podem pagar, mas também, e com muita frequência, por políticas de controle urbanístico e posturas que, muitas vezes, inibem sua livre apropriação pela população em geral.

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Por outro lado, a conquista democrática pelo direito à cidade tem passado, histórica e necessariamente, pelo espaço público, tanto pela via da contravenção - pisando a grama, pichando, ocupando ou manifestando-se pelas mais diversas formas de resistência – como pela via da apropriação espontânea, do encontro fortuito, da festa e da arte urbana que igualmente tensionam essa tênue membrana entre o individual e o coletivo, ou ainda, como diria Simmel, tudo que reside entre a atitude blasé da mais alta impessoalidade e a subjetividade altamente pessoal do cidadão metropolitano. É desse encontro de dois universos - o ficcional interior da representação individual de sentimentos profundos e o real exterior e coletivo da cidade em movimento - que surgem essas imagens de forte apelo estético, não só pelo rigor formal e intrigante conteúdo, mas também pela delicadeza do traço e sua efêmera existência, que sem pedir licença a proprietários e transeuntes, numa atitude que mistura coragem e humildade, clamam por atenção e urgente consideração. Não fosse a sensibilidade desses dois queridos amigos urbanistas, em mais uma de suas despretensiosas incursões etnográficas pela cidade e pelo bairro dos Funcionários, sutil demonstração de amor e respeito pelo outro, pela diferença, pelo público e, particularmente, por Belo Horizonte, essas imagens que agora nos chegam certamente nunca mais poderiam ser apreciadas. Agora eu me lembro. Ocupavam a sombra das árvores, nichos e recuos onde esse migrante solitário, pobre, desempregado, preto, indigente, fazia sua nômade morada, pedindo por socorro nas esquinas, nos muros e calçadas de uma cidade que, infelizmente, continua desigual.

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Traduzem com textos e desenhos uma obsessão em nomear, catalogar, organizar e juntar o que o urbano injustamente separa: o homem público e o cidadão comum. Falam também de fome, preconceito e sofrimento, em tempos de crise, opressão e cerceamento das liberdades democráticas. Mas, para além de possíveis interpretações dos símbolos abrigados em profundas camadas da alma humana, nos conduzem também a refletir sobre o poder curativo e libertador da criação artística que, particularmente no caso daqueles privados de outras possibilidades, encontra no espaço público a oportunidade de realização do que é essencial e do que é comum. Uma função social da cidade que nenhuma sociedade que se pretende justa e solidária deveria menosprezar.

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LUIZFELIPEFELIXTHOMAZDASILVA

UNEGRODORIEUVIDELA UNEGRODEMARIA UNEGROGRAN

Um Negro Dorieu Videla, andarilho, morador de rua, poderia ser apenas mais um dos inúmeros na mesma condição e com as mesmas características dos que habitam as ruas das grandes cidades. Quando não invisíveis, são vistos como uma ameaça ou nômades urbanos, como se alguém que vivesse na Cidade sob uma lógica distinta da estabelecida pelo “Mercado” fora destituído do direito pueril de chamar um beco, esquina, marquise ou o cantinho que seja de Lar. Mas de tempos em tempos as ruas são marcadas por vestígios efêmeros como um chão de giz, oriundos de mentes complexas, brilhantes e desafiadoras que ousam romper com a normatização do cotidiano e a banalização da miséria humana. E foi nas ruas de uma Região de Belo Horizonte que se pôde registrar a existência do nosso Artista o Negro Dorieu Videla. Para além do filtro da desigualdade, que naturaliza a indiferença e cristaliza estigmas a partir da aparência, esse se fez notar ainda que muitos insistissem em não querer vê-lo. Ele, de constituição mediana, trazia consigo sempre algumas bugigangas a tiracolo, como muitos moradores de rua o fazem, porém, a sua ARTE não só o diferenciava como dava o testemunho da genialidade de sua obra. As formas geométricas simétricas praticamente perfeitas e singulares desenhadas nas paredes, calçadas e nas ruas, sempre de 237


uso de um giz de lousa (ou algum material similar que poderia ser facilmente removido) chamava a atenção, embora não impedisse o curso de alguns transeuntes que, na desatenção proporcionada pela celeridade da cidade, transpunham aqueles espaços, sem se dar conta. Havia forma e beleza até no verbo ou nos textos que escrevia sempre com algum elemento repetitivo, dando a impressão de movimento e continuidade. Reproduzia pequenas crônicas cotidianas de forma singular, frisando sempre o aspecto espacial não só com a localização do evento, objeto ou pessoa, mas como isto lhe remetia à apropriação da cidade a partir dessa narrativa. O estilo inconfundível e a lógica utilizada lembram uma métrica, ou melhor…a desconstrução da mesma de modo a não ser aprisionado por um conjunto de regras estilizadas da língua portuguesa. Contudo, as mesmas mãos que produziam traços instigadores por vezes apenas verbalizaram o ordinário. Nessas horas a sua escrita já não tinha tanta originalidade, assim como os textos nem aparentavam a tal métrica desconstruída ou concepção estética do desenho e alinhamento de sua letra de forma. Era mais econômico ao falar da dor e das questões ordinárias como racismo, a fome, a falta de dinheiro e de oportunidades. Não se sabe ao certo que fim levou o nosso artista. Se esse mudou de ares, de vida ou se a mesma não lhe permitiu mais tempo para desenhar, se expressar e tocar a todos que tiveram a oportunidade de ver a sua obra, ou que ouviram de alguém alguma história sobre um tal Negro Dorieu das ruas da Capital Mineira. Como aqueles que, assim como eu, acabaram de conhecê-lo e que se deram conta de que, ao contrário da fragilidade do giz, algumas mensagens superam o tempo. 238








ANAPAULABRUNO

ordeno o mundo fora porque dentro nado tem peixe no asfalto e Cobra Norato

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NOTASSOBRECONTRIBUINTES

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ALÍCIADUARTEPENNA

nasceu em Belo Horizonte em 1962, escritora, arquiteta e doutora em Geografia Urbana, professora do Curso de Arquitetura e Urbanismo da PUC Minas. Publicou, entre outros, Duo terno e gravata (edição independente,1984), Espelho diário (EDUFMG/EDUSP/IOESP, 2008) e Quarenta poemas e dez (Editora Scriptum, 2011), entre outros, além de livros, traduções e artigos na área de Arquitetura e Urbanismo. Foi parceira de Rosângela Rennó em Espelho Diário (videoinstalação); de Eder Santos e Marcus Vinícius Nascimento (EMVIDEO) em Cactus, Deodorina e Geografia das sombras (videoarte); e de Marcelo Santiago em Sonhos e desejos (longa metragem). Tem poemas musicados por Eduardo Guimarães Álvares (Pétula Petulância), CD New Music, Grupo Novo Horizonte, Prêmio Associação Paulista de Críticos de Arte.

ANAPAULABRUNO

escorpiana de 8 de novembro de 1976, graduada e doutora em arquitetura e urbanismo pela Universidade de São Paulo, servidora pública com passagens pela Prefeitura da Cidade de São Paulo e pelo Ministério das Cidades, no qual atualmente ocupa a Diretoria de Políticas de Acessibilidade e Planejamento Urbano. É filha de Iansã, apaixonada por pessoas, por cidades e pela língua portuguesa. Escreve por prazer e sem disciplina, sempre que as palavras brotam, em verso ou em prosa. Entende a loucura como excesso de lucidez. Entende a loucura. Não quer muita coisa; só: amor, loucura e poesia.

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ANTONIOQUINET

psicanalista, psiquiatra, docteur en philosophie, escritor e dramaturgo. Membro da Escola de Psicanálise dos Fóruns do Campo Lacaniano, Professor do Mestrado e do Doutorado de Psicanálise, Saúde e Sociedade (UVA), pesquisador convidado do Instituto de Psiquiatria(UFRJ). Conferencista internacional com artigos publicados em vários países. Autor de dez livros de psicanálise publicados na coleção de seu nome na Editora Zahar, sendo dois publicados em espanhol e outros dois em francês, e de oito peças de teatro, a maioria publicada na coleção O teatro de Antonio Quinet - a psicanálise na cena, da Editora Giostri, sendo a última, Hilda e Freud, publicada também em inglês e espanhol. Diretor da Cia Inconsciente em Cena, com espetáculos encenados em várias capitais brasileiras e também em Paris, Roma, Londres e Buenos Aires. Mora e atende no Rio de Janeiro.

ARALINAPEREIRAMADALENA

poetisa, professora e tradutora de francês - nasceu em Belo Horizonte - Minas Gerais. Em 1982, mudou-se para o Rio de Janeiro e frequentou os cursos de desenho, pintura e xilogravura. Trabalhou na Aliança Francesa de São Paulo, onde mora desde 1992. Em 2011, conhece o Ponto de Cultura ILÚ OBÁ de MIM, onde é professora de francês e participa das ações de fortalecimento do grupo ∕ ativistas negras. Está traduzindo Mariama et d’autres contes d’Afrique d’Ouest.

BEATRIZDEALMEIDAMAGALHÃES

é artista, arquiteta e escritora. O poeta foi foco da sua tese de doutorado Poetopos: cidade, código e criação errante, FALE/UFMG, 2008.

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CARLOSAMADEUBOTELHOBYINGTON

é médico psiquiatra e analista junguiano. Formado em Medicina no Rio de Janeiro (UFRJ), fez pós-graduação em Psicologia Analítica no Instituto C.G. Jung de Zurique. É membro fundador da Sociedade Brasileira de Psicologia Analítica e membro analista da Sociedade Internacional de Psicologia Analítica. Título de Notório Saber em Psicologia Analítica, pela PUC-SP, tendo já examinado teses de Mestrado, Doutorado e Livre Docência em Psicologia Analítica. Título de Professor Ad Honoren da Faculdade de Psicologia da Universidade Católica do Uruguai – Damaso A. Larrañaga. É o criador da Psicologia Simbólica Junguiana, do conceito de Arquétipo da Alteridade e da Teoria Arquetípica da História. Tem inúmeros artigos e diversos livros publicados, dentre eles: Inveja Criativa – O resgate de uma força transformadora da civilização, pela Editora W11, 2002, traduzido para o espanhol (Ed. Linear B, 2005) e para o inglês (Chiron Publications, 2003); o livro sobre educação: A Construção Amorosa do Saber – O fundamento e a finalidade da Pedagogia Simbólica Junguiana, pela Editora Linear B, 3ª edição, 2011, traduzido para o espanhol (Ed. Linear B, 2005) e para o inglês (Chiron Publications, 2010); Psicologia Simbólica Junguiana – A viagem de humanização do cosmos em busca da iluminação, pela Ed. Linear B, 2008, traduzido para o espanhol (Ed. Linear B, 2009) e para o inglês (Chiron Publications, 2012); e A Viagem do Ser em Busca da Eternidade e do Infinito. As Sete Etapas Arquetípicas da Vida pela Psicologia Simbólica Junguiana. (São Paulo: Edição do Autor, 2013), traduzido para o espanhol (São Paulo: Edição do autor, 2013).

CARLOSANTÔNIOLEITEBRANDÃO

é professor titular de História da Arquitetura na Universidade Federal de Minas Gerais e pesquisador do CNPq.

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CELINABORGESLEMOS

é Arquiteta e Urbanista, Doutora em Ciências Sociais IFCH/ UNICAMP-SP e Professora Associada da Escola de Arquitetura da Universidade Federal de Minas Gerais.

DIVAMOREIRA

é jornalista e cientista política. Há mais de meio século atua em movimentos sociais e nas últimas décadas tem se dedicado às lutas antirracismo.

EDÉSIOFERNANDES

é jurista e urbanista, professor universitário e consultor internacional sobre temas de Direito Urbanístico.

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JOICEBERTH

é arquiteta e urbanista, pesquisadora sobre feminismo negro e questões raciais, colunista do portal Justificando e do site Nó de oito. Integrante do Coletivo Imprensa Feminista.

LUIZFELIPEFELIXTHOMAZDASILVA

historiador de formação e Urbanista de ofício se dedica a pesquisas e projetos relacionados à temática Urbana e a do Desenvolvimento Regional. Milita em movimentos sociais sempre na luta em defesa dos “deserdados da Terra”.

MANOELTEIXEIRA

natural do Rio de Janeiro, mora e trabalha em Belo Horizonte. Arquiteto, urbanista e artista plástico. Professor do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da PUC Minas.

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MARCIODOCTORS

é curador, com formação em filosofia, vive e trabalha na cidade do Rio de Janeiro. No final dos anos 1970, trabalhou com o renomado crítico de arte Mário Pedrosa. É o criador do Espaço de instalações permanentes do Museu do Açude, pioneiro no Brasil em relacionar arte contemporânea e natureza, onde instaurou a primeira obra pública de Hélio Oiticica, o Magic Square # 5-De Luxe, em 2000. Foi crítico de arte do jornal O Globo entre 1979 e 1982. Doctors é curador da Fundação Eva Klabin e, desde 2004, por meio do projeto Respiração, criado por ele, convida artistas contemporâneos para fazerem intervenções na coleção de arte clássica da casa museu.

MOACIRDOSANJOS

é pesquisador da Fundação Joaquim Nabuco e foi curador da 29ª Bienal de São Paulo (2010).

RITAVELLOSO

arquiteta (UFMG), mestre e doutora em Filosofia (UFMG), professora da Escola de Arquitetura da UFMG e da PUC Minas.

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ROGÉRIOPALHARESZSCHABERDEARAÚJO

é arquiteto urbanista e doutor em Geografia pela UFMG, sócio da Práxis Projetos e Consultoria, sediada em Belo Horizonte, e professor do Departamento de Urbanismo da UFMG.

VERAVALADARES

é psicanalista, reside e trabalha em Belo Horizonte. Publicou em 2005, Do amor sem fim, livro de poemas em que já se delineava a pergunta sobre o encontro da psicanálise com a poesia. Em 2012, publicou seu segundo livro, Corteatrela, alinhando escrita poética e anotações sobre a teoria psicanalítica. Em 2016, publica Cangurupreguiça, sua primeira aventura com o conto infantil, que segue o fio dos avessos de uma escrita estranhamente familiar às crianças e a quem mais quiser ler.

YARALANDREMARQUES

é arquiteta-urbanista, web designer, fotógrafa amadora. Gosta da cidade, gosta de caminhar pela cidade e observar seus diversos personagens. Ah! Tomou gosto pelos desertos também.

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ORGANIZAÇÃOEDÉSIOFERNANDES

FOTOGRAFIAMANOELTEIXEIRA

DESIGNGRÁFICOLÚCIANEMERMARTUSEFORNACIARI

PRODUÇÃOGRÁFICANFDESIGN

IMPRESSÃORONAEDITORA

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ESTE LIVRO FOI IMPRESSO NA RONA EDITORA, O TEXTO FOI COMPOSTO COM A FAMILIA TIPOGRÁFICA UNIVERS, DESENHADA POR ADRIAN FRUTIGER. A ­IMPRESSÃO DO MIOLO FOI FEITA NO PAPEL OFF-SET 90G/M2, A GUARDA DA CAPA NO PAPEL RIVES TRADITION PALE CREAM 170G/M2, COM ­TIRAGEM DE 300 EXEMPLARES. BELO HORIZONTE. OUTONO DE 2016

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