Diretor de Edição Elias Salgado
Editora Executiva Regina Igel
Colunista Especial Yehuda Benguigui
Arte e Design Camila Rodrigues
Colaboram nesta edição especial Myriam Szwarcbart Colaboram nesta edição Albert Rosenblatt Alegria Benarroch Albo Alessandra Conde Anne B. Benchimol Esther Benmaman Line Amselem Paulo Valadares Safira Ohana Tova Sender
Amazônia Judaica é uma publicação da EDITORA TALU CULTURAL
EDITORIAL
“Banu chosher legaresh” (Viemos para expulsar a escuridão).
Assim cantamos em Chanuká. E não é outra a intenção desta primorosa edição da Festa das Luzes, da Revista Amazônia Judaica: Trazer novas luzes, deixar para trás tempos tão obscuros.
E comandando esta iluminada missão, uma seleção primorosa de macabeias das artes e da cultura. O destaque maior desta edição, vai para a passagem dos 25 anos de publicação do clássico “Imigrantes Judeus, escritores brasileiros”, de Regina Igel, com bela homenagem em forma de resenha de Alessandra Conde da Silva. Já o gênero HQ, estreia em nossa revista através da artista plástica, Myriam Szwarcbart. Line Amselem lá de Paris nos trás uma resenha do novo livro de Gladys Pimienta, “Un alĵófar y una perla. Facetas del tesoro cultural de los judeoespañoles de Marruecos”. A escritora e tradutora, Tova Sender, homenageia o escritor sefardi israelense A.B. Yehoshua, falecido em 14 de junho deste ano em resenha sobre seu último livro, “O túnel”. As artes plásticas, estão à cargo de desenhos da pintora tangerina, Esther Benmaman. Já Friha Bat Yosef, vem representando a poesia hebraica magrebina e Safira Ohana a poesia judaico marroquina amazônica, com seu poema Chanuká. Mas que não fiquem tristes os homens. Eles também estão muito bem representados. Nosso preciado ferazmal, Yehuda Benguigui, nos traz pérolas em sua coluna “El rincón de la haquitia” e o grande genealogista, Paulo Valadares, com um artigo sobre George Abecassis, um dos pioneiros do automobilismo mundial.
Feliz Festa das Luzes
Os Editores
Sites www.amazoniajudaica.com.br www.talucultural.com.br Emails contato@talucultural.com.br ed.amazoniajudaica@gmail.com
ANO 20 – No. 21 – ISSN 2527-0826
5
é
6
12
38 O resgate
41
o
EL RINCÓN DE LA HAQUITIA 43 MENSAGENS 52 AMAZÔNIA JUDAICA 56 Suplemento Especial Os judeus no Amazonas
ÍNDICE A IMAGEM DA CAPA
A festa das luzes
interna GALERIA AJ
Uma arte de fontes judaicas DOSSIÊ LITERATURA
Alessandra F. Conde da Silva, Line Amselem, Myriam Szwarcbart Regina Igel, Safira Ohana, Sultana Levy Rosenblat RESTAURAÇÃO
do patrimônio judaico de Arcila PERSONALIDADES
George Abecassis e a carruagem de fogo:
“marroquino” mais rapido do mundo
A IMAGEM DA CAPA
“Luzes de Chanukah” –Myriam Szwarcbart ( Imagem da capa )
A festa das luzes é interna
– Por Myriam Benayon Scotti*
Sabemos todos o significado da festa de Chanuká. Mais do que sobre luzes, ela nos convoca à resistência. Nosso povo, ao longo de sua história, vem provando que, por maiores que sejam os percalços, resistimos. Mas por que resistir? Qual o propósito de ano a ano, século a século, teimarmos em sobreviver? Só consigo pensar que é por amor. Nestes tempos de tanta intolerância e violência, o amor, o mais nobre dos sentimentos, ainda precisa ser quem nos guia os passos. E esse amor precisa começar de dentro para fora, até se tornar grandioso, para e por todos. Por isso, quando penso em motivos para levantar todos os dias e continuar a acender as luzes da minha casa e da minha vida, penso em meus filhos, o amor mais genuíno que podemos escolher experimentar nesta vida. Embora saboreie outros tipos de amor, assevero que nada se compara ao amor materno.
Sem qualquer titubeio, posso garantir que amo minha mãe muito mais neste agora, quando também sou mãe. É retornando que se evolui. E como resistir a algo não é tarefa fácil, com a maternidade não poderia diferente. Costumo dizer que a maternidade, inclusive, é o meu grande sertão, aquele do que ouso afirmar ser a maior obra de ficção brasileira. E bem está escrito no romance: ou se governa o sertão ou ele nos governa. Por isso, eu não podia ter melhores companheiros de jornada para enfrentar os tantos obstáculos, para permanecer resistindo e acendendo as luzes da minha vida, senão quem a mim foi ofertado. Portanto, não há razão maior senão dizer aos meus filhos: obrigada pelo amor paciente e por, sobretudo, compreenderem que também falho. Obrigada por serem as luzes da minha vida todos os dias. Feliz Chanuká!
*Escritora amazonense. Mestranda em Literatura pela PUC-SP
UMA ARTE DE FONTES JUDAICAS
A revista Amazônia Judaica, em várias edições, tem procurado proporcionar, ao seu público leitor, o conhecimento de obras de artistas plásticos judeus, em especial, de origem marroquina.
Esther Benmaman
Éo caso de Arieh Wagner, que nos brindou com sua arte colaborando conosco em capas de nossas publicações (revistas e livros), calendários e matérias. Fazendo jus as suas raízes amazônicas-marroquinas, sua obra, de estilo naif, tem entre seus principais temas a vida judaica na Amazônia.
Também colaborou conosco, a artista Donna Benchimol z”l, com obras para nosso calendário anual de 2020 e seus quadros foram os prêmios recebidos pelos participantes do I Festival de Haquitia Zejut Abot, em 2021.
Mais recentemente, a arquiteta e artista plástica Myriam Schwacbart, imprimiu o seu singular estilo artístico na Amazônia Judaica, nos prestigiando com trabalhos que incluem capa de revistas, gravuras em livros, Cartão de Rosh Hashaná, logos, entre outras artes gráficas.
Myriam Szwarcbart – “Kotel
Uma arte de fontes judaicas Amazônia Judaica • 7
Arieh Wagner: “Ribi Shimon encantado” – Acrílica sobre canson
Donna Benchimol: “Tanger” – óleo sobre tela
Benmaman – La Noche de Berberisca
Nesta edição convidamos os leitores a conhecerem parte da obra da pintora Esther Benmaman, em que as tradições e a vida judaica no Marrocos são magnificamente exploradas.
Marroquina de Tetuan, nascida em 1943, quando o país encontrava-se sob o Protetorado da Espanha, Esther Bemanan cursou seus estudos primários y secundarios na Alliance Israélite Universelle de Tetuán. Iniciou sua formação artística na Escola de Belas Artes de sua cidade natal, aprimorado seus estudos no ateliê do pintor español Diego Gamez. Em 1965, emigrou para Argentina, estabelecendo-se em Buenos Aires, onde cursou arte e decoração, dedicando-se a esta atividade até os días de hoje.1992 porém, foi o ano que marcou seu retorno a pintura. Completou sua formação nos atelies de Silvia Brewda e Carla Rey e participou de cursos de Fabiana Barreda, Rodrigo Alonso y Julio Sanchez. Seguem aquí reproduções de algumas de suas obras, em que resgata, através da arte, costumes de judeus marroquinos.
As noivas de Marrocos, tempos atrás, usavam um traje de veludo negro, verde ou azul, bordados com símbolos cabalísticos ou representativos da Torá em fios de ouro. Evocam a forma de cobrir os Sefer Torá, atribuindo a mulher o papel de cuidadora dos preceitos de seu novo lar. Trazido da Espanha para o Marrocos, era a vestimenta utilizada no casamento, acrescida de elementos berberes que constituíam o povo local à época. Apesar do advento da moda do vestido branco em séculos mais recentes, é mantido o costume de lembrar a cerimônia antiga um dia antes do casamento de branco, chamado de Noche de Panos ou Noche de Berberisca. Até os dias de hoje, nos países para onde os judeus marroquinos imigraram, essa tradição é conservada, com a realização de festas belíssimas, típicas, em que a emoção é o sentimento predominante, onde quer que sejam celebradas.
“Ceremonia da Henna” Acrílico diptico de
100X100
É costume que a noiva seja vestida entre várias mulheres, que entoam canções em haquitia enquanto adornam a nubente
Galeria aJ 8 • Amazônia
Judaica
Esther
“A noiva Berberisca“ - Acrílico diptico 100x100
de jóias em abundância para lhe desejar parnassá (sustento). Há também o ritual da Henna, que é aplicada na palma da mão da noiva para boa sorte e para espantar o mal olhado na busca pela bem-aventurança.
Já vestida a noiva ilumina os clássicos salões marroquinos.
Vestindo a noiva” Acrílico 80x50
O círculo feminino da família se esmera em colocar cada objeto no formoso vestido, enquanto ao som de pandeiros algumas mulheres entoam canções de noiva.
“Uma vez
e
nunca mais” Óleo 60x50
A mãe aproxima a noiva do espelho para que ela se veja e diz: “uma vez e nunca mais”, desejando-lhe, assim, que seja seu único casamento para toda vida de felicidade.
“Noiva no salão” Acrílico 80x50
Raízes de Sefarad” Óleo de 60 x50
Nossa formosa noiva descende da saudosa Sefarad de onde trouxeram seus costumes e trajes.
Uma arte de fontes judaicas Amazônia Judaica • 9
Exposições
Argentina
Exposições coletivas
1995 Espacio Alfa
1996 Salón Pequeño Formato Edea
1997 Gala (2º lugar em pintura)
1998 Salón Bollini
1999 Fundación Redes “las del Corazón”
2000 Galería Perez Quesada (Menção)
2001 1º Salón Holidays Inn Abasto(Obra selecionada)
2002 Fundación Avon Para La Mujer
2004 “Huellas” – Salón La Manufactura Papelera
2004 Museo Nacional Del Grabado (Museo Provincial Santa Fe): livro de artista
2004 “DNI” en Galería de arte 1/1 Caja de Arte
2004 Expotrastienda
2005 “Proyecto Librería”: livro de artista en 1/1 CAJA DE ARTE
2005 Museo de Bellas Artes Dr. Urbano Poggi e Rafaela Sta Fe
2005 Museo La Caverna Rosario “Instantes gráficos”
2005 Museo de Arte Contemporáneo Raúl Lozza Alberti Pcia Buenos Aires
2011 “ Mixturas 2011” Centro Cultural Recoleta
2013 “Mixturas 2013” Centro Cultural Recoleta
2014 Semana Cultural Marroqui” Comunidad Sefaradí de la ciudad de Santa Fe
Exposições individuais
2001 “Racines” Centro Fortabat de la Allianza Francesa
2005 “El octavo dia” galeria Karina Paradiso
2005 CIDICSEF – Mês da cultura marroquina
2013 “Vivencias” – Mês da cultura marroquina en ACILBA
No exterior
2002 Wallflowers Gallery – Miami Beach (USA)
2003 The Wizard Gallery – Miami Beach (USA)
2004 Nuevo espacio de Arte Contemporaneo” – Ciudad de Panamá
Publições gráficas Ilustração para capa de livros:
* “Erase una vez sefarad “de Hélène Gutkowski
* “Entre hierbabuena y azahare: nostalgia mora” de Simy Zerrad Chocron
* “Recuerdos de al magrib” de Etty Corcias
* “Los marroquies en la argentina“ de Diana Epstein E-mail: estherbenmaman67@gmail.com Cel: (15) 35792732
A artista plástica Esther Benmamon, originária de Tetuan, no Marrocos
Galeria aJ 10 • Amazônia Judaica
DOSSIÊ LITERATURA
Nesta edição, Amazônia Judaica, presta uma merecida homenagem à Regina Igel, Profa. Emérita da University of Maryland, e nossa Editora Executiva, pela passagem dos 25 anos da publicação do seu livro “Imigrantes judeus, escritores brasileiros: O componente judaico na literatura brasileira”.
Alessandra F. Conde da Silva
Line Amselem
Myriam Szwarcbart Regina Igel Safira Ohana Sultana Levy Rosenblat
REGINA IGEL E UMA PRIMEIRA LISTA CRÍTICA SOBRE A LITERATURA JUDAICA NO BRASIL
Por Alessandra Conde*
Fruto de uma meticulosa pesquisa, que levou oito anos para ser concluída, a especialista em Literatura Brasileira Regina Igel, Professora Emérita da Universidade de Maryland, publicou, em 1997, o livro: Imigrantes Judeus Escritores Brasileiros: O Componente Judaico da Literatura Brasileira”, cujo prefácio é da autoria do exembaixador Ruben Ricupero.
Desde seu lançamento, e lá se vão 25 anos, essa obra figura na bibliografia de ementas de cursos de graduação e pós-graduação que se debruçam na temática judaica na literatura nacional. Nos índices para catálogos sistemáticos presentes na ficha catalográfica do livro, destacam-se três elementos reveladores sobre de quem o livro fala, o tipo de discurso abordado e o campo em que se insere: Escritores Judeus. Análise Crítica. Literatura Brasileira. A autora apresenta um vasto panorama da produção literária de escritores judeus e não judeus, cujo tema abordado refere-se a questão judaica. Ao longo de sete capítulos, os textos analisados por Igel podem ser categorizados como obras ficcionais, semificcionais e pessoais. Os motes principais são: a presença dos imigrantes judeus
no campo e na cidade, processos transculturais de asquenazitas e sefarditas em solo nacional, sentimentos de marginalização e reminiscências de fatos históricos como a Shoah e o Sionismo. A autora lista 50 narradores, judeus e não judeus, alguns de conhecimento público outros não, cujos textos estão distribuídos em crônicas, ficções e relatos orais.
No seu entendimento a lista não é um fecho. ”( GEL, 1997, p.37) A autora vale-se, de certa forma, do topos da indizibilidade, comentado por Umberto Eco em “A Vertigem das Listas” (2010), ou seja, da impossibilidade de dizer tudo. Portanto ela mostra que a sua obra é apenas o início da travessia. Cabe a quem mergulha no livro ter a percepção de que há muitos escritoresnarradores que se valem da temática judaica, que ultrapassam em número aos que foram elencados por ela, A lista não é finita. Concomitantemente ela convida o leitor crítico a conhecer essas vozes e essas histórias.
a experiência da leitura, que descreve, interpreta, avalia o sentido e o efeito que as obras exercem sobre os (bons) leitores, mas sobre leitores não necessariamente cultos nem profissionais . A crítica aprecia, julga; procede por simpatia (ou antipatia), por identificação ou projeção”. É isto que Regina Igel faz, com maestria, na referida obra. Segundo a escritora, ela objetivava, em cada capítulo: “sugerir o prosseguimento da fruição da literatura brasileira judaica”. Nesse sentido, há que se pensar em outras listas, as que indiquem artigos, ensaios, resenhas e livros que tomaram o “Imigrantes Judeus/Escritores Brasileiros “ como obra seminal.
A autora, Dra. Profa. Emérita, Regina Igel
REFERÊNCIAS
Reconhecido o caráter de continuidade de narradores e suas histórias, a autora opta por, no processo, a tecer análises críticas sobre a matéria coletada. Antonie Compagnon (2001, p,21-22) define a crítica literária como: “ um discurso sobre as obras literárias que acentua
IGEL, Regina. Imigrantes judeus/ escritores brasileiros. São Paulo: Perspectiva, 1997. ECO, Umberto. A vertigem das litas. Trad. Eliana Aguiar. Rio de Janeiro: Record, 2010.
COMPANGON, Antoine. O demônio da teoría: literatura e senso comum. Trad. Cleonice P. B. Mourão e Consuelo Fortes Santiago. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2001.
*Doutora em Estudos Literários pela Universidade Federal de Goiás e Professora da Universidade Federal do Pará.
Regina igel e uma pRimeiRa lista cRítica sobRe a liteRatuRa judaica no bRasil Amazônia Judaica • 15
ERA UMA VEZ...
TURISMO À FORÇA
Conto de Maurice Szwarcbart e ilustrações de Myriam R. Szwarcbart*
“Era uma vez...Turismo à força” é um conto escrito por meu pai, Maurice Szwarcbart, sobre sua história quando esteve sempre fugindo da perseguição nazista durante o Holocausto, na II Guerra Mundial.
Meu pai nasceu em Antuérpia e, quando ainda não tinha completado 10 anos, ele e a família abandonaram tudo para fugirem da invasão alemã na Bélgica e da perseguição.
Passou pelo sul da França, trabalhando em uma fazenda, esteve em um orfanato, em mosteiro, escondido em sótãos de casas, viu-se sozinho, fugindo. Esteve, também em St. Martin Vesubie. E, a partir dali, cruzou os Alpes a pé rumo à Itália, junto com os pais e irmão (em um breve período em que estiveram reunidos), junto aos judeus que ali estavam escondidos. Muitos destes foram capturados ao chegar
a Cuneo/Burgo Sandalmazo e enviados a Aushwitz. Não sabemos como conseguiu escapar e não ser preso. Reencontrou os pais, o irmão e a irmã (que lutou na Resistência francesa) na listagem da UNRRA, em Roma, ao final da Guerra. Ali, estabeleceram uma pensão com comida kasher, para os soldados judeus americanos. De lá, conseguiram visto para o Brasil e aqui chegaram em 1947.
A partir do conto, criei os desenhos, em uma história em quadrinhos, como uma homenagem a meu pai. Foram divididos inicialmente em 6 páginas (A4), contendo 33 quadrinhos, feitos a lápis, contornados com nanquim, coloridos com lápis de cor. Não uso, neste trabalho, programas para computador.
Era uma vEz... Turismo à força Amazônia Judaica • 17
Dosasiê Literário 18 • Amazônia Judaica
Era uma vEz... Turismo à força Amazônia Judaica • 19
Dosasiê Literário 20 • Amazônia Judaica
Era uma vEz... Turismo à força Amazônia Judaica • 21
Dosasiê Literário 22 • Amazônia Judaica
Era uma vez... Turismo à força Conto de Maurice Szwarcbart – Texto original datilografado pelo autor.
*Myriam Szwarcbart, criadora do HQ: Arquiteta pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo; pesquisadora sobre imigração, memória, patrimônio e identidade judaica.
Maurice Szwarcbart z”l, o autor do conto e sua esposa Dora Dina z”l
Era uma vEz... Turismo à força Amazônia Judaica • 23
Friha bat Yosef – A Paitanyt do Maghreb
(Fonte: Historia, arqueologia e tradição judaica –https://www.facebook.com/photo/?fbid=3616637105227328&set=pcb.3616637351893970)
Friha nasceu no Marrocos no segundo trimestre do século dezoito. Ela foi a única mulher a escrever poesia hebraica no norte da África, e seus Piyutim são cantados até hoje entre os judeus de origem magrebina.
Friha era filha do poeta R. Avraham ben Adiba, mas adotou o nome literário “Bat Yosef”. Nos anos 1727-1759, muitos distúrbios eclodiram no Marrocos que prejudicaram a vida dos judeus e empobreceram as comunidades. Os motins eclodiram
após a morte do rei marroquino Moulay Ismail, que reinou entre 1672-1727. Teve muitos descendentes de dezenas de esposas e concubinas, mas foi incapaz de nomear um herdeiro durante sua vida. As guerras cruéis que seus filhos travaram pelo poder prejudicaram toda a população, e os governantes, que frequentemente mudavam durante este período, impuseram pesados impostos às comunidades judaicas.
Para encontrar descanso e bem-estar, o rabino Avraham ben Adiba mudou-se com sua família para o oeste da Argélia, aparentemente para a comunidade
Tlemcen, perto do Marrocos. Durante os poucos anos em que moraram lá, as canções do pai em judeo-árabe e os piyyutim, principalmente o poema que ele escreveu para Tisha B’av sobre Jó, seu sofrimento e reabilitação, e os piyyutim dela que falavam sobre a redenção dos judeus do Maghreb e o anseio existencial dos judeus pela terra de Israel , um apelo pessoal agitado ao criador para ajudá-la a alcançar a terra de Israel, rapidamente ficaram bastante famosos. Porém, mesmo em seu lar, o destino deles não melhorou e eles emigraram para a cidade de Túnis, onde esperavam encontrar ordem e paz.
Mas em 1756, pouco depois de chegar a Túnis, os Hinicheres invadiram a cidade, atacando a população local e a comunidade judaica. Alguns dos judeus de Túnis conseguiram escapar de navio para Trípoli, na Líbia, e encontraram refúgio lá até que os distúrbios diminuíssem. Yosef Bejawi escreveu que o rabino ben Adiba também conseguiu escapar com seu filho para Trípoli, porém que Friha não fugiu com eles. Quando voltaram para Túnis, seu pai e seu irmão procuraram por ela, mas foi em vão. O rabino Avraham entendeu que sua filha havia sido morta. Ela ficou e morreu em kidush Hashem, negando a conversão ao islamismo.
Essa jovem era bonita e especialmente instruída, andava a cavalo, se dedicava à música e era poetisa . Seu desejo pela Terra de Israel, na qual ansiava por ver a luz divina, era tão intenso que se contentava em alcançá-la. Friha escreve que ela estava disposta a morrer feliz na Terra de Israel. Ela passava todo o seu tempo, e até mesmo suas noites, estudando e estudando, mas é possível que as coisas tenham sido escritas sabendo que sua tempestade estava por chegar.
Em nome de sua filha, que era uma Estudante Sábia, o rabino Avraham transformou o quarto dela em uma mikveh e a sala onde era sua biblioteca, em uma sinagoga. Desde a sua fundação até a sua demolição no final dos anos 1930, a sinagoga tornou-se um centro de peregrinação para mulheres e jovens judias em Túnis, que ofereciam orações, pediam para Hatzadika Friha protegê-las e curar suas dores.
O nome de Friha tornou-se um nome de santidade na boca dos judeus de Túnis, e muitas lendas foram associadas a ela, independentemente dos eventos que levaram ao estabelecimento da sinagoga. O memorial foi destruído devido ao extenso trabalho de restauração que o município de Túnis decidiu fazer no bairro judeu da cidade.
BIBLIOGRAFIA:
Elisheva Sheetrit, Fatos da vida judaica no Marrocos (2004).
Yosef Sheetrit, A poesia de Friha, filha do Rabino Avraham ben Adiba (2004).
Friha bat YoseF – a Paitanyt do Maghreb Amazônia Judaica • 25
Un aljófar y Una Perla: Facetas del Tesoro cultural de los judeoespañoles de Marruecos
Documentos recogidos y comentados por Gladys Pimienta. Paris-Jerusalén: EREZ. 466 páginas. (Um aljôfar e uma pérola. Facetas do Tesouro cultural dos judeus espanhois do Marrocos. Documentos coletados e comentados por Gladys Pimienta. Paris-Jerusalém: Erez. 466 páginas.) Por Line Amsalem* (Traduzida do espanhol e da haquitia por Regina Igel).
¿Por que não Cantáis La Bella?
“
Una hija tiene el rey / una hija regalada / su padre por más valor / un castillo la fraguara.Ventanita alrededor / por donde el aire la entrara; / por una le entrara el sol / y el aire de la mañana./ Por la más chiquita de ellas / le entra un gavilán y sale / con las sus alas abiertas y no le hace ningún male./ Bordando esta un camison / para el hijo de la reina; Bordándole está con oro / labrándole está con seda. / Y entre puntada y puntada y un
aljofar y una perla; / ¿por qué no cantáis mi bien? /¿Por qué no cantáis la bella? Ni canto, ni cantaré, / que mi amor está en la guerra, /y una carta escribiré, /de mi puño y de mi letra./ Que me traigan a mi amor /sano, vivo y sin cadenas y si no me lo trajeren /yo armaré una grande guerra; /de navios por el mar de gente armada por tierra; / si no hubieren velas pronto, /mis lindas trenzas pusiera, si no hubieren remos pronto / mis lindos brazos pusiera,/ si no hubiere capitán yo me pondré a la bandera./ Para que diga
1
la gente: Viva, viva esta doncella /que por salvar a su amor / se echó ella a la tormenta”
Um livro aguardado
Aqueles que se interessam pela cultura judaica-espanhola do Marrocos, aguardavam este livro depois de terem apreciado o trabalho anterior de Gladys Pimienta e Sidney Pimienta: a bem cuidada edição do Livro de Atas da Junta Seleta da Comunidade Hebraica de Tânger (1860-18831).
Livro interessante por seu rigor histórico, linguistico e lexicográfico, além da beleza do volume como objeto. As mesmas qualidades encontram-se neste livro, Um aljôfar e uma pérola (Un aljófar y una perla), impresso em fins de 2019, sua distribuição demorada devido à pandemia atual.
Títulos e números
O título é esclarecido pela autora na sua Introdução: retoma uma citação do romance “Por que não cantais a Bela?... (“Por qué no cantáis la Bella?” …) na qual as duas palavras de sentido parecido, “um aljôfar e uma prola” vêm associadas. Explica que “reflete bem as duas facetas do tesouro cultural judaico-espanhol do Marrocos, por um lado e, por outro, a haquitia com seu espanhol arcaico, suas palavras de origem árabe e hebraico (“aljófar”) e o espanhol moderno […] “perla”.
O aljôfar, essas perolazinhas que as mulheres judias do Marrocos usavam,
Pimienta, Gladys y Pimienta, Sidney. (2010). Libro de Actas de la Junta Selecta de la Comunidad Hebrea de Tánger (1860-1883) [transcripción y ed. de Gla dys y Sidney Pimienta]. París – Jerusalén: EREZ
parece, de fato, uma metáfora feliz para representar os sessenta artigos do livro. A contrapartida oferece mais números: 30 anos de trabalho, 140 informantes, 700 horas de gravação. A autora começou participando do “Projeto Folclórico” (Proyecto Folklor) da rádio Kol Israel, em 1980, dedicando-se à gravação e à transcrição de entrevistas de informantes sefarditas do Marrocos, que apareciam entre a maioria dos entrevistados em língua judaico-espanhola do Oriente. Com os anos, o Projeto criou a revista Aki Yerushalayim sobre a cultura judaicaespanhola marroquina numa qualificação com o título ‘o cantinho da haquitia (“el kantoniko de la haketía”), ou seja, o ‘cantinho da haquitia’ foi naturalmente levado por Gladys Pimienta.
Um texto de apresentação de Moshé Shaul – redator de Aki Yerushalayim –lembra que “desde o ano 1991, Gladys Pimienta nos abriu uma janela a um mundo que era quase completamente desconhecido para o público falante de ladino.” (No original ladino: “Desdel anyo 1991, Gladys Pimienta mos avrio una ventana a un mundo ke era kaje kompletamente deskonosido para el publiko ladino-avlante.”) A autora escrevia seus textos em castelhano que era traduzido ao espanhol-judaico do Oriente para os leitores da revista. Aqui voltam a ser publicados em castelhano ainda que as fontes estudadas venham reproduzidas nas línguas originais diferentes, faladas ou escritas por judeus-hispanos do Marrocos; são reproduções de manuscritos, transcrições de entrevistas, a maior parte inédita e de alto valor documental. O espaço
Un aljófar y Una perla Amazônia Judaica • 27
proposto originalmente na revista pode ter influído no formato dos artigos, bastante concentrados e polidos; a maior parte não passa de quatro a cinco páginas, os mais longos chegam a doze, quando se referem a temas profundos como a língua ou a importância dos casamentos no folclore. Mas cada um deles, grande ou pequeno, traz o mesmo rigor e vem acompanhado de ilustraçoes iconográficas, também valiosos documentos, frutos do mesmo trabalho de colheita: quadros, fotos, postais antigos. Não falta, a cada passo, a bibliografia e os nomes dos informantes que são lembrados com agradecimentos e ternura.
Uma arquitetura planejada
O livro é uma introdução paciente à cultura judaico-espanhola do Marrocos, desde o mais acessível ao mais íntimo. Consta de cinco capítulos organizados segundo os critérios combinados pela importância do campo estudado e da cronologia. 2 Apesar do aspecto fragmentado do conjunto, a armação do livro ganha a fluidez de uma progressão pedagógica. O maior capítulo é o que se refere a “folclore e cultura”. Começa com uma homenagem a José Benoliel, o primeiro estudioso da cultura judaicoespanhola marroquina e da sua língua, a haquitia. Seus trabalhos sobre a língua, reunidos e publicados em 1977, são a matriz de todos os estudos
posteriores do tema. 3 Depois vêm os “Cantes”: romances, coplas, piyyutim, etc. (21 artigos); Contos (“Cuentos”, 6 artigos); Provérbios (“Refranes”, 1 artigo); Publicações (“Publicaciones”, 4 artigos). A maior parte dos artigos focaliza a riqueza da literatura oral; a literatura escrita, escassa e tardia dá lugar a apenas quatro artigos. Ressalta a importância do ‘corpus’ cantado e, em menor medida, dos contos, e o amplo refraneiro hispano-judaico do Marrocos é estudado por um artigo somente; vários provérbios e ditados estão presentes por todo o livro, servindo e epígrafe aos artigos. Aparecem como um elemento vivo da cultura, como uma apostila pela qual o leitor se afasta do caráter rigorosamente informativo dos artigos.
O segundo capítulo, intitulado Documentos antigos e faíscas de história (“Documentos antiguos y ‘Chispas’ de historia”) apresenta dez artigos em que a autora aborda temas que vão desde ‘as takanot dos expulsados de castela” (“las takanot de los expulsados de castilla”), até um documento sobre Rebi Mordechai Bengio, do século 20. As “Faíscas” expõem acontecimentos destacados da história e muito lembrados, não só pelos hispanojudeus do Marrocos, como o Purim de Sebastião relacionado com a Batalha dos Três Reis (1578), ou a muito traumática execução da jovem tangerina Sol Hatchuel (1817-1834), venerada como santa e mártir, que inspirou obras escritas e iconográficas a uma multidão de escritores.
2 Aqui consideramos apenas os capítulos com textos e não as tabelas e tampouco a bibliografia.
3 Benoliel, José. (1977). Dialecto judeo-hispano -marroquí o hakitia. Madrid – Salamanca: Copis tería Varona.
Dossiê Literário 28 • Amazônia Judaica
O capítulo seguinte, Outros documentos antigos (“Otros documentos antiguos”, 6 artigos), apoia-se também em valiosas fontes históricas em primeira mão para abordar a vida cotidiana: ketubot, inventário de uma casa, uma lista de nomes de pessoas falecidas ou a presença dos judeus na geografia da cidade de Tânger nos anos 1930. É, portanto, u m complemento ao capítulo anterior, com uma orientação mais sociológica e antropológica dentro da história.
O quarto capítulo, Correspondências (10 artigos), segue o mesmo caminho: tem o interesse duplo de expor um testemunho dos deslocamentos de membros da comunidade por vários continentes, além de mostrar a língua usada pelas famílias, uma das raras amostras da haquitia escrita. Terminando o livo com Haquitia Hoje, o quinto capítulo apresenta instrumentos lexicográficos e fragmentos das pouquíssimas obras literárias contemporâneas em haquitia, como são as obras teatrais fundamentais de Esther Cohen Aflalo e os diversos livros de Solly Levy. Um glossário das palavras usadas no volume, uma bibliografia e um quadro sobre a procedência das ilustrações recapitulam e coordenam os elementos já
presentes nos artigos. São instrumentos utilíssimos para quem queira aprofundarse no conhecimento da cultura aqui apresentada.
Pela variedade de temas e documentos, rigor nas referências, claridade da edição, este livro representa um retrato único da cultura judaicohispana-marroquina. O leitor deste conjunto percebe que, além do fio de pérolas humildes e nobres anunciado no título, Gladys Pimienta consegue polir as facetas de uma cultura pouco conhecida que, graças a seu trabalho, expõe centelhas claríssimas.
Un aljófar y Una perla Amazônia Judaica • 29
*Line Amselem: Université Polytechnique Hauts-de-France
Syme e a tromba d’água em Terra úmida de Myriam Scotti
Por Alessandra Conde*
SCOTTI, Myriam. Terra úmida. Guaratinguetá: Panalux, 2021. 268 págs.
Terra úmida, publicado em 2020, é um romance de Myriam Benayon Reis Scotti, escritora nascida em Manaus.
De que trata este romance? Sou levada, inicialmente, a dizer que Terra úmida faz aditamentos à matéria já apresentada no conto “Terra Prometida”, presente em Éden tártaro, também de Myriam Scotti. Nos primeiros capítulos, sorvi algumas angústias de um rapazola apaixonado pelas águas amazônicas, a mesma voz narrativa que se percebe em “Terra prometida”. Mas, como as muitas águas, os choros de um filho pela mãe desaguaram em novas praias. Não se tratava unicamente das memórias do filho mas, também, as da mãe, uma mulher, antes de tudo, com defeitos e acertos. Terra úmida não é uma narrativa romanesca ou de contos de fadas. Os judeus que aqui aportaram comeram muitas vezes pães duros e beberam águas turvas. Se os homens se inebriaram com o exotismo amazônico, a mulher, a mãe, na recolha de seu lar, remoeu mágoas, aspirações e sonhos, remoeu a si, fragmentada e líquida. E é este o ponto central do romance de Scotti.
Amante do mar, Syme, a mãe de Abner, deixava as águas levarem os filhos que não queria ter. Eles escorriam da vida, levados pelas águas de dores e angústias. Syme era mulher singular. Vestida de tradição, pela vontade ou contra a vontade, a mulher nascida no Marrocos, mas arrastada pelo marido para a Amazônia, amava a contrapelo. Amava e desamava os filhos. Amava e desamava a si própria.
Se uma leitura interpretativa pode ser feita calcada na relação entre as
personagens e as águas dos rios, dos mares, das chuvas, dos banhos etc., da mesma forma, como esteio mítico está, em contiguidade avizinhada, a presença de Medeia. Syme prefigura Medeia, uma Medeia amazônica. Mas ela é mais que isso. Ela é plural, porque fragmentada. Ela quer ser uma “amazona”, não quer matrimônio, quer ensinar a outras mulheres, porém não pode vencer a tradição. De igual modo, a mesma tradição que a derrotou, vociferada nos lábios do pai, também a amparou, a conteve, a abraçou como o fez a avó, a mãe, as vizinhas judias ou não, as mulheres sofridas e que sabiam amar.
Se se faz presente um narrador que nos conta, inicialmente, de sua tumultuosa relação com a mãe, há, em papéis amarelados, marcados pelo tempo, a voz de uma mulher que vê no diário uma personificação de uma pseudodivindade muito particular, alguém que acolhe erros sem ajuizar valores. Em alguns momentos, pergunta ao diário sobre o futuro da gravidez, em outros, acusa o diário de aumentar suas angústias. O diário, como lugar em que se exercita o livre pensar, causa dor, medo, divagações. Por vezes, Syme se cala e o diário fica também fragmentado. O que se vê ou lê nele é uma mulher em construção e desconstrução, mas não de forma linear. Há percalços e tropeços mesmo na melhor fase da maturidade. Há amores clandestinos... Curiosamente, Syme, que significa “alegria” em haquitia, era o avesso do significado do seu nome. Penso a personagem como uma mulher real,
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não idealizada, infeliz e escurecida. Ela era uma tromba d’água tragando e sendo tragada pela sua própria constituição.
Abner encanta-se com um evento aliciante nos caudalosos rios amazônicos, a tromba d’água que também aterrorizou os lusíadas que rumaram em busca de umas terras com nome feminino, como se vê no Canto V de Os Lusíadas: “Não menos foi a todos excessivo / Milagre, e cousa, certo, de alto espanto, / Ver as nuvens, do mar com largo cano, / Sorver as altas águas do Oceano” (CAMÔES, 2009, p. 133). O espanto que a imagem de um torvelinho na água causa no narrador vislumbramos em Syme, personagem cujo eu fragmenta-se, liquefaz-se em sonhos e desejos não alcançados. Tempestuosa, Syme é o turbilhão de águas malversadas, maltratadas, mal vertidas, que continente ou incontinente arrebataram assombrosamente o filho para si e para o caudal de angústias. Por fim, um pouco mais apaziguado, Abner conclui: “Jazia em meu peito uma mulher misteriosa, de quem comecei a sentir falta exatamente por não sabê-la” (SCOTTI, 2021, p. 254).
Saí deste mergulho que me foi ler Terra úmida com um gosto de vida, não de vida encantada, mas de vida real, incomodada pelas angústias de uma mulher não maternal mas, ainda assim, mulher. Nem todas nasceram Gimol e Messody, como as irmãs de Syme, mulheres maternais. Nem todas deveriam parir filhos, mas abençoadas sejam aquelas que querem filhos e os amam. Abençoadas mais ainda sejam aquelas que não os querem.
Desejo que não sejam mães. Todas elas, no entanto, são mulheres, diferentes, mas mulheres que fazem ecoar suas vozes independente das muitas águas.
REFERÊNCIAS
CAMÕES, Luís de. Os Lusíadas. São Paulo. Martin Claret, 2009. SCOTTI, Myriam. Éden tártaro. Manaus: Versão Kindle, 2018. SCOTTI, Myriam. Terra úmida. Guaratinguetá: Panalux, 2021.
Dossiê Literário 32 • Amazônia Judaica
LIVRO O “TÚNEL” DE A.B. YEHOSHUA
POR TOVA SENDER*
O livro mais recente (à altura desta escrita) do premiado autor israelense A. B. Yehoshua acaba de ser lançado em português pela DBA Editora.
Com o sugestivo título O Túnel, o enredo é construído com o uso estratégico de contrastes que ora se distanciam, ora se aproximam, e que podem ser chamados de opostos, mas também de complementares.
O livro demonstra uma preciosa peculiaridade, que extrapola a qualidade de um enredo cheio de surpresas e de emoções, previsíveis ou improváveis, que capturam o leitor numa ilustração fictícia, porém embasada nos fatos que representam a atual realidade de estilo narrativo que promove a equivalência entre a forma e o conteúdo. A frequente presença das dualidades no jeito de narrar é muito mais do que um estilo. Ela
revela um encontro entre o dito e o não dito e sugere a oposição existente na história, oposição que não está textualmente expressa, mas que se manifesta no modo de narrar.
Embora o livro tenha sido escrito em 2018, na moderna Israel, os personagens principais, Maimoni e Luria, recebem nomes inspirados em dois grandes pensadores do judaísmo: Maimônides, do século 12, e Luria, do século 16. Aqui, na escolha dos nomes, há dois contrastes que chamam a atenção: Maimônides foi um grande filósofo racionalista, e Luria, um expoente na mística da Cabala. São, portanto, pensadores com abordagens contrastantes. Os personagens Maimoni e Luria não têm qualquer
semelhança ideológica, filosófica ou de outra ordem com seus patronos de nome. Tudo leva a crer que a escolha dos nomes indica, intencionalmente, uma dualidade, e não mais que isso. Outro contraste entre os nomes é que o ilustre filósofo Maimônides tem suas origens na Espanha, que em hebraico é Sefarad, e o proeminente cabalista Luria descende de judeus da Alemanha, que em hebraico é Ashkenaz. Sefarad e Ashkenaz constituem duas tendências culturais bastante diferenciadas dentro do judaísmo, e embora não exista qualquer menção a respeito dessas condições nos personagens Maimoni e Luria, supõe-se também que os nomes sejam estrategicamente indicativos da dualidade.
O livro gira em torno do personagem Tzvi Luria, engenheiro rodoviário que está entrando em processo de demência, e seus atos, escolhas e pensamentos tendem a confundir lucidez e delírio. Essa dualidade vai se acentuando no decorrer da história, e enquanto a demência de Luria aumenta, o enredo também começa a oscilar, tornando-se intencionalmente duvidoso para o leitor se os fatos narrados estão mesmo ocorrendo conforme relatados, se é a mente delirante do personagem distorcendo a descrição dos acontecimentos, ou se existe um movimento alternado entre o relato de fato e a percepção dos acontecimentos pela mente perturbada de Luria.
Com isso, apresentase mais uma dualidade, com a possível ocorrência de dois narradores: o narrador oficial, na sua função atribuída pelo autor, e o narrador delirante que se apossa do relato quando lhe convém, e o
leitor fica dividido se a tal viagem narrada ocorreu de fato ou se foi uma alucinação do personagem, porque no decorrer dos acontecimentos não há delimitações entre ocorrência e delírio, e não há como perceber qual dos dois narradores está de posse da narração e em quais circunstâncias, já que o enredo não é interrompido na sua continuidade.
A dualidade do prenome de Luria, Tzvi, cuja tradução para o português é cervo, favorece entendimentos de duplo sentido e dá margem à dupla interpretação num jogo de palavras, com a presença de um cervo imaginário, mítico, que ronda a mente delirante de Luria, cujo nome também é Tzvi, cervo. O próprio desfecho permanece duvidoso, entre o real e o mítico, entre Tzvi (cervo), o personagem, e o tzvi (cervo), o animal utópico que às vezes ocupa a fragilizada mente do personagem com o mesmo nome.
A recorrência de contrastes em O Túnel ilustra a dualidade do que trata o próprio enredo do livro, em essência, a presença de dois povos em oposição, no mesmo território. A mente dividida de Tzvi Luria, entre a lucidez e a demência, percebe a divisão histórica e territorial que assola o seu país. Talvez um túnel seja uma boa solução para o impasse.
*Tova Sender: Psicóloga, Mestre e Doutora em Literatura, escritora, tradutora, professora e pesquisadora de Cabala .
Dossiê Literário 34 •
Amazônia Judaica
O escritor A.B.Yehoshua
Chanuká
(Fonte: Jornal Amazônia Judaica – no. 20 – Nov 2003)
Dezembro é Festa da Luz Que veio para ilumina Foi brilho que D”Us criou A Festa da Chanuká Esta é nossa linda festa Que guardamos com respeito Sabemos que D”Us existe E tudo o que faz é perfeito Vamos então celebrar Esta festa com carinho Pra termos Paz e Amor No nosso longo caminho Ainda me lembro bem Quando eu era criança Quando meu pai falava Para termos esperança Jerusalém é muito Linda Cidade abençoada Por mais que queiram acabar Jamais será derrotada A nossa Lei de Moisés É a lei mais verdadeira Vem do começo do mundo E será sempre a primeira O Dia do Kipur É para ser respeitado É o dia do perdão Em que seremos julgados Temos também o Purim Pessach e Simchat Torá Sentimos muita alegria Quando chega a Suká Aqui termino este verso Pra não lhes roubar o tempo Pois estas simples palavras São do meu próprio talento.
Safira Ohana
A POESIA EM BOAS TRADUÇÕES
Regina Igel nos apresenta a arte de traduzir de Albert Rosenblatt.
Nelly Sachs (1891–1970), como se sabe, nasceu na Alemanha, mas deve sua vida à Suécia, pois conseguiu, em companhia da sua mãe, escapar das garras nazistas, em 1940, tendo encontrado asilo naquele país.
Tornouse cidadã sueca e ficou conhecida como tendo dupla nacionalidade. Foi uma das muitas pessoas traumatizadas pela perseguição nazista,
“A Floresta petrificada”–Pierre Dmitrienko, 1956. chegando ao ponto de precisar ser internada numa instituição de reabilitação para doentes mentais. Sua obra teatral e poética é originalmente em alemão, e a ela foi outorgado o Prêmio Nobel de Literatura em 1966. Quatro anos depois, ela faleceu, em Estocolmo. Deixou vasta obra teatral e poética, a maior parte tingida pelo traumatismo causado pelo nazismo.
Um dos poemas de Nelly, poeta e dramaturga, reflete sua abismal
preocupação com a morte como imposta pelo Mal. Recebeu, de parte do tradutor Albert Rosenblatt, fluente em português, espanhol, inglês, alemão e ídiche, quatro traduções: em português, espanhol, em inglês em ídiche. Publicamos, abaixo, as primeiras três.
Albert Rosenblatt é um dos três filhos da escritora paraense Sultana Levy Rosenblatt.
SINAI
Nelly Sachs / A. Rosenblatt
Oh, arco do sono das estrelas Que estalaste na noite Na qual todos os teus tesouros – os olhos petrificados dos amantes Suas bocas, ouvidos, sua felicidade apodrecida Chegaram ao esplendor.
Em ondas de fumo, surgiste ante a Memória Quando a mão da Eternidade transformou o tempo.
Até a libélula soube a hora do seu Criador Na pedra de sangue e de ferro.
Moisés descendo do cume Carregava o céu aberto na sua testa E, passo a passo, o seu rosto se esfriou Até que a Humanidade, esperando nas sombras –tremendo –Tolerou a agitação debaixo do seu véu protetor. Onde estaria um seguidor do Sinai Entre os sucessores dos que tremeram?
Oh, que brilhe como uma chama Sobre a pilha dos sem-memória Dos petrificados.
SINAI
O, arco del sueno de las estrellas
Que estallaste en la noche
En la cual todos tus tesoros – Los ojos petrificados de amantes
Sus bocas, oídos, su felicidad podrida –Llegaron al esplendor.
En olas de humo, surgiste ante la Memoria
Cuando la mano de la Eternidad transformó el tiempo.
Hasta la libélula supo la hora de su Creador
En la piedra de sangre e hierro.
Moisés, bajando de la cumbre Cargaba el cielo abierto en su frente
Y, paso a paso, su rostro se enfrió Hasta que la Humanidad, esperando en las sombras – temblando –Soportó la agitación bajo su velo protector.
Donde estaría un seguidor de Sinai
Entre los sucesores de los que temblaron?
O, que brille como una llama Sobre la pila de los sin-memoria, Los petrificados.
SINAI
Oh, Ark of the Stars’ Sleep, that burst open in the night, Where all your treasures – the petrified eyes of lovers, their mouths, ears, their putrefied happiness – attained splendor.
In billows of smoke, you struck out before Memory while the Hand of Eternity changed Time. Even the dragonfly – knew the hour of its Creator – in the blood-iron-stone. Moses, descending from the summit carried on his forehead the Open Sky and step by step his face cooled, until Humanity waiting in the shadows- -trembling-– withstood the ferment behind his protective veil. --Where is there still a follower of Sinai among the successors of those that trembled?
Oh, may he shine like a light in the heap of those without memory, the petrified.
A poesiA em boAs trAduções Amazônia Judaica • 37
O tradutor, Albert Rosenblatt
O RESGATE DO PATRIMÔNIO JUDAICO DE ARCILA
Por Alegria Benarroch Albo
Meu nome é Alegria Benarroch Benmerqui, sobrenome de casada Albo. Como muitos judeus marroquinos, que imigraram para o Brasil em busca de condições de vida melhores, a história de parte da minha família em terras brasileiras se inicia com meu avô, Abraham Benmerqui, que saiu de Arcila, norte do Marrocos, muito jovem, com aproximadamente 18 anos.
Sinagoga Kahal: Arcila, Marrocos. Restaurada por iniciativa de Alegria Benarroch Albo
Deixou seu pai, meu bisavô Salomon Benmerqui em sua cidade natal e partiu para o Norte do Brasil. Lá casou-se com Camila Roffé, neta de Levy Rofé (Roif) (1816-1926).
Os avós maternos de minha mãe eram Alfredo e Julia (tio e sobrinha). Meu avô Abraham Benmergui e Camila Roffé tiveram 4 filhos: Minha mãe Ester, minha tia Rica e meus tios Salomon e Julia, que eram gêmeos. Viviam em Afuá, norte do Pará, região banhada pelo rio Amazonas. Tinham uma padaria ao lado da casa, criavam patos e a água potável era levada para eles de barco. Não era uma vida fácil. Minha avó Camila morreu muito jovem de febre amarela e meu avô tomou a decisão de regressar a Arcila com os filhos. Minha mãe, que era a mais velha, tinha apenas 12 anos quando perdeu a mãe. Voltaram para a casa do meu bisavô Salomon e, depois dessa tragédia, meu avô refez a sua vida, casou-se com Camila
Bengio e tiveram seis filhos. Meu avô Abraham faleceu em Tânger, em 1960.
Eu nasci em Arcila, deixei Marrocos em 1968. Em 2019 decidi voltar à aldeia da minha infância. Fui ao Cemitério Judaico e senti muita dor ao ver que estava tudo abandonado. A única Sinagoga que sobrou (as outras foram vendidas no passado) era a Kahal.
Dela só se via o arco da porta e o Maguen David. Procurei o Mikve, o hamam e o forno da comunidade. A vista só alcançava um muro e atrás dele, tudo destruído. Fiz uma promessa a mim mesma de voltar e buscar uma forma de restaurar nossos lugares santos, porém a pandemia me paralisou.
Dois anos depois do surto do coronavírus, senti um despertar dentro de mim, como se uma voz me falasse: “Alegria, tenta solucionar desde Isarel”. Pela manhã telefonei para minha prima Juli Bengio, que ainda vive em Tânger e pedilhe o número do telefone da Comunidade Israelita do
O resgate dO patrimôniO judaicO de arcila Amazônia Judaica • 39
Alegria Benarroch Albo fala aos presente na reinauguração da sinagoga
A tebá da Sinagoga Kahal
Marrocos, lá mesmo em Tânger. Liguei para o Sr. Aaron Abikzer, que me atendeu carinhosamente e me prometeu que iria ver o cemitério. Três dias depois me contatou por vídeo, por whatsapp, de Arcila e me disse que estava ali e que ia começar a tratar do assunto.
Eu criei um grupo no whatsapp de conterrâneos de Arcila que ajudaram com donativos para auxiliar o projeto. Depois de 8 meses, aproximadamente, com o apoio do rei, Sua Majestade Mohamed VI ,que tem consciência de como é importante a preservação da nossa cultura e tradições, com o suporte do Secretário Geral da Comunidade em Casablanca, além do trabalho incansável do Sr. Aaron Abikzer; não só o cemitério de Arcila foi restaurado como também a tumba do tzadik Rabbi
Jehuda Bengio e sua esposa z”l. Logo depois a Sinagoga de Kahal foi limpa, os escombros foram retirados (o teto havia caído e foi reconstruído), para tal tivemos a prestimosa ajuda da Sra, Sonia Cohen, que conserva o patrimônio dos lugares santos da Comunidade Judaica de Tânger. Ela também cuidou do mikve, do hammam e do forno.
Em 6 de setembro último, viajei com alguns conterrâneos para a abertura de todos os lugares santos e foi um acontecimento inesquecível. Chegaram convidados respeitáveis e amigos das três religiões e três culturas, como vivíamos e nos educaram.
O Fórum de Arcila agradece a todos que colaboraram, mesmo os que não foram citados aqui.
Alegria Benarroch Benmergui 6.9.2022
RestauRação 40 • Amazônia Judaica
Objetos sagrados antigos recuperados durante a restauração da sinagoga
GEORGE ABECASSIS E A CARRUAGEM DE FOGO: O “MARROQUINO” MAIS RAPIDO DO MUNDO
É o judeu marroquino mais veloz de sempre. Um dos pioneiros das competições de alta velocidade no automobilismo mundial: George Edgar Abecassis, nascido em Chertsey, Inglaterra, herdeiro de um passado de glamour e sucesso.
Ahistória das competições de alta velocidade registra poucos pilotos de famílias de origem judaica: o inglês Moss (que aparece linhas adiante), o francês François Cevert (1944 – 1973), o americano Peter Revson (1939 – 1974) e o sul-africano Jody Scheckter, campeão mundial de F1 em 1979. E ele.
O seu avô paterno é o empresário português Moisés Conquy Abecassis (1841 1911), natural de Ponta Delgada, filho do tangerino (natural de Tanger) Fortunato
Paulo Valadares, autor de “Caiu na rede é post” (RJ: Talu Cultural, 2019)
(Messod) Abecassis e Júlia Tedeschi Conquy, estabelecido no ramo dos transportes marítimos. Parentelas encontradas na diáspora magrebina. Moisés encontrou a rica expatriada americana Isabella W. Brush, em Lisboa, que já vivera em Milão, Florença e Londres. Ela pertencia a família do Presidente (aquele do caso Amistad que deu origem ao filme de Spielberg) Martin Van Buren (1782 – 1862). Casou-se com ela e tiveram os filhos: Edgar, Ester e Julia. Moisés teve com Marie Stevenson Knapp (1884-1966), fora do casamento, o filho David em 1873 – pai do piloto George e que morreu quando ele tinha sete anos.
No início, automobilismo era ocupação para jovens aristocratas ou filhos de famílias muito ricas, que não precisavam trabalhar e tinham recursos para manter a estrutura das baratinhas. Eram vistos como uma projeção dos cavaleiros medievais europeus. Competiam entre si e basta examinar as listas de baixas iniciais para se comprovar isto, tantos titulares ou herdeiros vítimas de acidentes.
George – quando ele nasceu o Rei era George V – Edgar Abecassis é um destes cavaleiros modernos. Tinha o dimdim familiar e a vocação física. Ele começou em 1935. Disputou provas em várias categorias. Um dos seus rivais nas pistas foi o Príncipe Bira (1914 –1985), neto do rei tailandês Rama IV, personagem do livro Anna and the King of Siam (1944), de Margaret Landon.
Casou-se, lé com lé, cré com cré, com Ângela, filha de “Sir” David Brown (1904-1993), dono da Aston Martin, a grande marca inglesa, com geração.
Fundou a equipe Hersham and Walton Motors (HWM) para a construção de monopostos de competição, competiu com eles em várias modalidades. Ganhou as 24 Horas de Le Mans (1950) e largou em dois GPs de F1 na Suíça.
A carreira foi interrompida pela II Guerra Mundial. Lutou como piloto de aviação em missões secretas e instrutor de pilotos. Foi condecorado com a DFC - Distinguished Flying Cross, por sua contribuição bélica. Só deu baixa em 1953.
Com a morte do socio num acidente aposentouse das pistas em 1956. Trouxe para a equipe o novato Sterling Moss (1924-2020), que por medo do antissemitismo ocultava a ascendência sefardi-portuguesa através dos seus ramos: Mocatta, Lumbroso de Matos, Lousada, Lamego, Mendes da Costa (se a documentação estiver correta).
Biografia planejada como il fault. Deu tudo certo. Recebeu a bandeira xadrezada em Ibstone, aos 78 anos (21/03/1913 –18/12/1991).
Personalidades 42 • Amazônia Judaica
George Abecassis
EL RINCÓN DE LA HAQUITIA
Por Yehuda Benguigui
“Adafina” – Acrílico 50x80 – Esther Benmaman Era habitual ver los viernes transportar las ollas de adafina por el morito y kas mismas regresaban calentitas el sábado al medio día
Adafina, mi adafina La mejor de mi cozzina… Mi orisa de trigo nuevo Con sus ajos y sus huevos, Su relleno y su garbanza, Que bien mos llena la pansa! Esto es oneg del Sabbá, Boz lo juro por Pappá! (*)
(*) – Poema “Un Sabbá por la mañana”, en “Yahasra”, por Solly Levy.
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¿Qué paso después del primer número de nuestra columna?
Estimados haberim vehaberot, que honor ha sido el de recibir comentarios, preguntas y sugerencias sobre el primer número de nuestra columna “El Rincón de la Haquitía”. Alguien escribió hadreando que escucho un postaje de gentes interesadas en este tema y a partir de eso, le ha surgido una serie de safeques – dudas, que nos han planteado, ansi que vamos a aprovechar para contestar algunas de ellas, sin querer por supuesto joquear con ellos...
¿La Haquitía en Marruecos era hablada de una manera uniforme en todas las partes del país donde se utilizaba este dialecto? ¡Absolutamente, no mi alegría! La Haquitía, que como sabemos era hadreada en el norte de Marruecos, más específicamente en Tánger, Tetuán, Arcila, Chewan, Larache, Melilla, Ceuta y adyacencias, no era uniforme, al contrario, había variaciones importantes… Aun en el
su apogeo, dependiendo del lugar, por ejemplo, en Tánger- ciudad que gozaba de un estatus internacional, donde los yehudim estaban cada uno con su país “protectorado” y donde nuncua hubo un Mellah, las relaciones con los de afuera de nosotros eran de las mejores, así que la Haquitia era munsho más cargada en palabras en Arbia, por ejemplo, que, en otras partes, como Tetuán o Arcila…
¿Qué paso entonces con la Haquitía al llegaren los judíos en la Amazonia, una vez que venían de diferentes ciudades del Marruecos?
Ferazmal, eso explica incluso el hecho que los hebriim que llegaban del Norte del Marruecos, a la Amazonia, en fines del Siglo XIX y las primeras décadas del Siglo XX, han traído diferentes matices de la Haquitia y de esa manera, se consolido una nueva vertiente “amazonida”, donde juntaron palabras en Portugués, a la base del dialecto que originalmente era notadamente “djudeoespañol”, con palabras en Hebreo y Arbia mezcladas.
Y eso, nos lleva a la siguiente pregunta.
¿El hecho que se redacte o se hable en “españolahaquetiado”, eso de alguna manera contribuye al desaparecimiento de la Haquitía?
¡Oh no! Jas Veshalom! Muy al revés…la base de la Haquitía siempre fue hadrear una mezcla donde preponderaba el Español, por eso mismo tratase de una “Djudeolengua hispánica”. Los pioneros que vinieron a la Amazonia hablaban justamente ansi: un riquísimo vocabulario de expresiones en Haquitia en un contexto del español, o sea , un “español ahaquetiado”.
¿Pero, como todo eso empezó en Marruecos?
Bueno mi alegría, en Sefarad, o sea en España, antes de la Guezerah de la Expulsión decretada por la malograda Inquisición, los judíos hablaban el Español Medieval y en aquel entonces una lengua ibérica con mezclas incluso del portugués medieval. Sin embargo, cuando querían hadrear algo religioso o de la tradición judía, o en ambiente
El rincón dE la haquitia 44 • Amazônia Judaica
privado, lo hablaban en hebreo, lo que ya iniciaba un djudeo-español. Ansi, que con el “Decreto de Alhambra” y la desdichada Expulsión, al llegaren al norte de Marruecos, juntaron palabras en Arbia. Con la llegada de los portugueses, mas palabras lusas fueron incorporadas y ansi se transformó en Haquitia, el dialecto especifico hablado por los judíos del norte del Marruecos.
¿Escuche que el “ Meam Loez es de autoría de los judíos de Marruecos? No, Ferazmal. El “Meam Loez”, es una obra voluminosa, escrita en diferentes épocas y autores. El primer autor fue el festejado jajam Ribi Yaakob Kuli, Bendicha sea su memoria, que escribió el primer tomo, de Bereshit, publicado en Constantinopla en 1730. Cuando escribía el segundo tomo, de “Shemot”, falleció precozmente. Otros grandes maestros siguieron escribiendo en el mismo estilo y publicando los demás volúmenes hasta llegar a 12. Todos escritos
originalmente en Ladino, O sea, aun que no fue escrito para los judíos del Marruecos, el “Meam Loez” fue muy bien recibido por todo el mundo sefaradí, incluyendo los judíos del norte del Marruecos.
De hecho, como ya nos referimos en la pasada Columna- y para no enredar más el asunto- la Haquitía se transmitió básicamente a través de manuscritos de uso personal, cartas familiares, actas, algunas Meguilot especiales, varios escritos en alfabeto Rashi además de la transmisión oral. O sea, sin una literatura desarrollada o una gramática propria.
Me’Am Lo’ez . La obra marcó uma de las primeras grandes impressiones de texto ladino em el Império Otomano.
¿He notado que “¿El Rincón de la Haquitía” no es redactado con la gramática recomendada por algunos expertos en Haquitía, Por qué? No, mi querido. Nosotros de la “Vertiente Amazónica” de la Haquitía, hablamos y escribimos justamente como los pioneros que llegaron del norte del Marruecos a la Amazonia lo hacían. Yahasra!!! Ellos hablaban en “español ahaquetiado”,,, y así lo seguimos haciendo…
¿Y cómo estaría la Haquitía hoy? Estaría en extinción? , Barminam! ¡De ningún modo! Me quedi geneado, casi me shenfeo con tu pregunta, preciado…Lo que paso, es que aun en Marruecos, con la “Reespa ñolización” en la época del “Protectorado Español”, durante munshos años, la Haquitía y los que la hadreavan, eran considerados como incultos y que hablaban una lengua “deformada”, que la gente que se consideraba culta los rechazaba con deprecio.
Fue ansi, que, con la creciente migración de los judíos y la disminución de las comunidades del norte del Marruecos, con
AberturA Amazônia Judaica • 45
la extinción de varias de ellas, con su dispersión por varias partes de todo este olam, fue sentido que se estaba perdiendo un valioso tesoro cultural… Desde entonces, se multiplicaron las actividades en pro de la Haquitía, se constituyeron asociaciones, se formaron grupos de habla de Haquitía, se organizaron conferencias, seminarios, congresos y jornadas El más importante, tuvo lugar en Madrid en 2012, con el título: “La Vida en Haquitía, pa que se no la pierda”. Así mismo, programas radiales, incluso en Israel, la prestigiosa revista en Ladino “Aki Yerushalaim”, abrió su espacio para columnas, artículos y textos en Haquitía…Se publicaron gran numero de discos, CDs y “casetas” con cantes y romanzas de Marruecos
¿Ha habido movimientos en el así llamado “mundo académico” para incluir la Haquitía?
¡Sin ningún hamayot, se puede contestar que sí! El mundo académico en general y varios investigadores, antropólogos, lingüistas,
historiadores y profesores de lenguas han conducido estudios que han resultado en publicaciones diversas. Se pueden mencionar algunas recientes: el profesor Jacob Bentolila de la Universidad Ben Gurion, de Beer Sheba, ha investigado sobre el elemento hebreo de la Haquitía e incluso público un “Diccionario del Elemento Hebreo de la Haquitía”. El Profesor Maatouri de la Universidad Autónoma de Madrid, se ha interesado por los elementos en Arbia de la Haquitia.
La prestigiosa revista en Ladino “Aki Yerushalaim”, abrió su espacio para columnas, artículos y textos en Haquitia
Pero, sin lugar a dudas que el diccionario de José Benoliel, publicado como separatas en los boletines de la “Real Academia Española” en los años 50, ha representado un marco en el proceso de resurgimiento de la Haquitia. Mas tarde, las publicaciones y el completo diccionario de Alegría Bendayan de Bendelak, así como el diccionario de Isaac Benharroch en los años 90, son obras de referencia. A estos, se suman, los 13 cassettes de los hermanos Esther Aflalo y Moses Cohen, que han elaborado obras originales en Haquitia. Por otra parte, Solly Levy, uno de los mejores conocedores de Haquitia, tangerino de origen, humorista, cantante, compositor y escritor, ha publicado los primeros libros enteramente redactados en Haquitia. En un próximo número de nuestra Columna, vamos a dedicar un espacio especial a la obra de Solly Levy, ¡en buen Olam este!
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El diccionario de José Benoliel, ha representado un marco en el proceso de resurgimiento de la Haquitia.
¿Qué otras referencias internacionales sobre la Haquitia se puede mencionar?
Hay munshos más, sin embargo, por razones de espacio, he seleccionado las siguientes, por la relevancia que tienen: el libro de Lina Amselem, “Pequeñas historias de la Calle Saint-Nicolas”, es un libro que ofrece un emblemático testimonio lingüístico. La autora es una académica de primera calidad en los estudios y en la difusión de la Haquitia. Puedo mencionar
dos otras obras de destaque, que ilustran la naciente literatura – si se puede decir asíde la Haquitia, de autoría de Gladys Pimienta: “Un Alfojar y una Perla – Facetas del tesoro cultural de los judeoespañoles de Marruecos”. La otra obra, en coautoría con Sídney Salomón Pimienta, el enciclopédico “Libro de Actas de la Junta Selecta de la Comunidad Hebrea de Tánger, de 1860 a 1883 – Nacimiento y Desarrollo de una Comunidad Organizada”.
Es digno de notar también la gran contribución a la difusión de la Haquitia que Moshé Shaul, director de la sección judeoespañol de la “Radio Kol Israel” y redactor de la revista “Aki Yerushalaim” que ya mencionamos al incluir un “Kantoniko de la Haquitia” en aquella publicación en Ladino en los años 80 y 90.
Bueno, pero hemos escuchado de unos expertos que hicieron teses académicas sobre el inminente desaparecimiento o la extinción de la Haquitia, incluso en la Amazonia, ¿qué opina sobre eso? Barminam! Go por los moros y los malogrados… Kaparat Abon… …
El libro de Line Amselem ofrece un emblemático testemunho linguistico
Luzzidos todos, de hecho, la vertiente de la Haquitia hadreada en las comunidades de la Amazonia por los descendientes de los judíos originarios del norte del Marruecos, y que llegaron en Brasil a mitades del Siglo XIX hasta cercade la mitad del Siglo XX, también esta teniendo un importante “renacimiento” …casi que acompañando el
AberturA Amazônia Judaica • 47
mismo fenómeno a nivel mundial…
Se pueden mencionar algunos marcos: en 1981, en Belem, Para, el General Abraham Ramiro Bentes, ha publicado su libro “Os Sefardim y a Hakitia”, el cual estuvo basado en los pioneros estudios de José Benoliel. El Prof. Samuel Benchimol, en su significativa obra “Eretz Amazonia”, publicado en Manaos, Amazonia, en 1998, hace menciones diversas acerca de la Haquitia como hablada por los judíos de la Amazonia.
En los años 2000 al 2010, Yehuda Benguigui, ha publicado una serie de cinco artículos en “Amazonia Judaica”, Paralelamente, ha conducido amplio estudio de campo con 350 informantes acerca del grado del conocimiento de la Haquitia por los judíos de las comunidades de la Amazonia y sus descendientes.
Nuestro luzzido Editor Elías Salgado, tuvo el mérito de organizar una gran actividad, que fue idealizada por el Doctor Sergio Benchimol de Rio de Janeiro – un ilustre profesional de la medicina
y apasionado por la Haquitia, descendiente de judíos marroquíes que llegaron en la Amazonia. Este evento, ha sido un marco para la búsqueda de autores de textos en Haquitia por los descendientes de las comunidades amazónicas.
El “Festival Zejut Abot” fue realizado del Diciembre 2020 a Junio del 2021 y ha contado con 20 participantes de 10 países. Con el gran éxito de ese evento, realizado totalmente a distancia, por el “Zoom”, fue acordado que el Festival debería de ser conducido como una actividad periódica, de manera permanente, en el calendario de la comunidad de los hadreadores de Haquitía.
Durante el “CIES – 1er Congreso Internacional de Estudios Sefarditas” realizado los días 21 –22. Noviembre.2021, se efectuó un panel sobre la “Haquitia Hoy: Conservación, Enseñanza, Investigación y Difusión”. Las presentaciones fueron publicadas en la edición especial de los 20 años de “Amazonia Judaica”.
En 2021, la Editora “Amazonia Judaica” ha
publicado el libro “Así Es: O Judaismo em Belem e suas Segulot”, autoría de Iana Barcessat Pinto, en el cual está incluido una reseña acerca de la Haquitia
En Agosto de 2022, durante el “The 18th World Congress of Jewish Studies” realizado en Jerusalem, el CEJA – Centro de Estudios Judíos de la Amazonia ha tenido un panel donde presentaron temas referentes a la Haquitia, incluso sobre la vertiente amazónica de la misma.
Finalmente, estamos elaborando el libro “Ayguas mi Gueno”, en el cual, además de toda la evolución de la Haquitia como hadreada por los judíos de la Amazonia y sus descendientes, incluiremos un detallado Diccionario de los vocablos comunes de esa vertiente de la Haquitia.
Desa manera mis endiamantados lectores, no será en esta generación que se verá extinta la Haquitia.
Besimanto! Umazalto! Vida larga a nuestra Haquitia
El rincón dE la haquitia 48 • Amazônia
Judaica
Textos adicionales
Al igual que en el primer numero de “El Rincon de la Haquitia”, publicaremos dos textos adicionales.
El primer texto
Se refiere a un episodio ocurrido en El Larrache, ciudad del norte de Marruecos, entre los anos 1930-35. Me fue relatado por el Sr Boris Toledano, en buen Olam este, en la visita que le hice en Casablanca, en Mayo.2004. El Sr Toledano era el Presidente de la Comunidad Judía de Casablanca y además era el Secretario General Adjunto del “Consejo de Comunidades Israelita de Marruecos”. Tenía una increíble hoja de servicios prestados a la comunidad judía de Marruecos. Fue un baluarte en la lucha por la preservación de la cultura y de la riquísima herencia sefaradí y de las costumbres y tradiciones, además de los valores espirituales del judaísmo marroquí. El Sr. Boris Toledano falleció a los 97 a ños de edad el 10. Agosto.1916. Este texto es un homenaje a su memoria, Alav Ha Shalom!
“La Desconsulta”, citado por Sr Boris Toledano (*)
La señora conocida como Simcha del Pozo, estaba con uno de sus hijos enfermos y decidió visitar el médico de la localidad.
Fue a ver al Dr. Terezo, que en los años 1930-35 atendía a la comunidad en EL Larache.
Cuando llego su turno, le dijo Doña Simcha: Duto, la creatura tiene una machala, que tienen también las otras creaturas en la casa. No makhlea y no hadrea nada…
Pregunta el Dr. Terezo: y cuantas creaturas tiene Usted, Doña Simcha?
Tu mano, dijo Doña Simcha: Chamsa!
El Dr. Terezo empezó a examinar al niño. Lo encuentra muy joniko y al mirar la cara, lo ve con una janona enorme, una carita demacrada y muy aguajleado. Entonces le pregunta, cuantos tuvo antes de este?
Dice Doña Simcha, este es el Bejor… primogénito… sin embargo, el Dr. Terezo entendió que ella decía “este es el mejor”. Así que le dijo el Dr. Terezo: Yahasra Doña Simcha, si este es el “mejor”, usted tiene que traerme urgentito todas las otras creaturas…
Doña Simcha le hadrea entonces al Dr.
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Boris Toledano z”l con el Rey de Marruecos, Muhamed VI, en 2015
Terezo: “Duto, me voy con mi “Bejor”, pes que me trajo, pes que me lleven...” Y se termina la consulta
El segundo texto
Se trata de un cuento de autoría de una persona muy especial para mí. Reuven Tobelem, de Bendicha memoria, más que mi cuñado, era mi hermano. Era conocido por su permanente interés y dedicación por las causas judaicas. Mientras residía con mi preciada hermana Myriam Benguigui Tobelem y su familia en Rio de Janeiro, por mas de 30 años fue frecuentador de la congregación de la UISGH – Unión Israelita Shell Guemilut Hassadim, donde ha ejercido varios cargos, siendo “Socio benemérito” por sus relevantes servicios. Llegaron en Israel en 1980 y tuvieron el Zejut de reunir toda su familia y descendientes en Israel. Mis respetos por el gran Sionista que fue Reuven, además de su espirito religioso con lo que ha pautado su vida y el magnifico ejemplo que considero el gran legado que ha dejado a toda su familia. El cuento a seguir fue escrito por Reuven en Bat Yam, Israel, en Marzo de 2004.
Este episodio se paso en Tetuán, tierra de mis padres… Los partícipes son: Moshito, su mujer Freja, y sus tías Sarah y Rebeca.
Un día, noche de Eljad, las tías deciden visitar a Freja y cuando llegan la encuentran sola en la casa. Media hora descues, llega Moshito con un paquete muy bien adornado, que todo lo indicaba tratarse de un regalo y lo entrega a las manos de Freja diciéndolo: “Mejorado nuncua lo uses… Mejorado nuncua lo uses… Mejorado nuncua lo uses en tu vida…” En seguida, Freja abrió el paquete, el cual contenía un vestido nuevo. Las tías entendieron que lo que Moshito le dijo a su sobrina era muy ofensivo. Mientras Freja salía del salón para buscarles un té, Sarah y Rebeca mantuvieron el siguiente vaydaber:
Sarah: “Miraste tu lo que miri yo? Escuchaste lo que oyi? Que poderío! El malogrado ni siquiera nos ha dado kabot, nos no ha respetado…”
Rebeca: “Le venga un troquijo que lo lleve. Me vaya kaparah por Freja”.
Sarah: “Nuestros maridos, siempre que nos regalan algo nos dicen justamente al revés, con vida larga lo uses, con luz y alegría lo goces, dichosa seas…Y Moshito que la dijo? Mejorado nuncua lo uses… él debe de estar completamente mojlato, pero te juro que le voy a pegar, te juro que le doy una treja. Mizquenah de Freja, que negro mazal la toco, anda manzia baabonot harabim1”.
Rebeca: (calmando a Sarah)- “Ajlash, no llevantes candela, déjale con sus ganas” … Mientras hadreavan, aparece Freja con el té y las tías la llaman y le dicen:
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“Las Mishmarot”, por Reuven Tobelem (*)
Reuven Tobelem, en Israel.
“Oye Freja que paso? Que guezera min Hashamaim es esa? Entonces tu marido te regala un vestido y te desea que nunca lo uses en tu vida? Que manzer, guo por él se haga”
En seguida, su tía Sarah se puso a llorar. Freja se puso entontada con la actitud de su tía y empieza a consolarla diciendo: “No llores tía, no es nada de lo que tu estas pensando. De hecho, Moshito es un marido endiamantado, Yo te explicare lo que paso…Ocurre que lo alenu, cuando fallece un hibri, tenemos que concurrir a las Mishmarot, para cumplir con el jessed y con las familias. Mishmarah de siete días, del mes, e yo siempre diciendo a Ferazmal Moshito, mira no tengo ropa adecuada para esas
ocasiones. Bueno, descues de munsho rogarle, recién hoy día me trajo una falda negra y una blusita blanca, muy apropiados para sepelios y Mishmarot. Entonces Ferazmal Moshito me deseo: “Mejorado que nuncua lo uses en tu vida”. “Ahora, fíjense ustedes, si yo no usare, es señal que ya no hay Mishmarot… si no hay Mishmarot, es que no se han muerto los hibrim, y si los judíos no se mueren, Baruj Hashem, pa que sirve el vestido nuevo?”
Lejaim velaBeraja! Besimanto! Exclamaron las tías en jubilo?
(*)- Textos publicados anteriormente en “Jornal Amazonia Judaica”, Edicao # 25, Junho. 2004, Pags. 4 e 5, no artigo “Haquitia: Nosso Dialeto Quase Perdido (4), por Yehuda Benguigui.
* Yehuda Benguigui, é médico Pneumologista de profissão e especializado em Saúde Pública internacional. ExAssessor Senior da Organização Pan Americana da Saúde/ Organização Mundial da Saúde. Nascido no interior do Pará, é primeira geração de brasileiros, filho de marroquinos que chegaram na Amazônia e vive atualmente em Washington DC, nos Estados Unidos. Apaixonado pela cultura sefardi-marroquina, se dedica ao estudo deste tema. Realizou mais de dez viagens de estudo a várias cidades do Marrocos. Em base ao anterior, publicou cerca de 50 artigos sobre os chachamim (sábios) do Marrocos, a saga das famílias dos judeus de origem marroquina no Norte do Brasil e sobre a Haquitia, como falada pelos judeus da Amazônia, incluindo um estudo sobre o grau de uso desse dialeto. Estes temas estão sendo transformados em livro de sua autoria.
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CIP – CENTRO ISRAELITA DO PARÁ
Mensagens 52 • Amazônia Judaica
Parabenizamos a Amazônia Judaica pelos seus 20 anos de luta em prol da divulgação e preservação do judaísmo amazônico. Chanuká Sameach
Esnoga Shaar Hashamaim Parabeniza Amazônia Judaica por seus 20 anos ininterruptas Chag Chanuká Sameach
Mensagens Amazônia Judaica • 53 Esnoga Essel Abraham Parabenizamos o Amazônia Judaica pela passagem dos seus 20 anos de criação. Mazal Tov e Chanuká Sameach União Israelita Shel Guemilut Hassadim BeMazal Tov UbeSiman Tov! Parabéns pelos 20 anos do Amazônia Judaica Chag Chanuká Sameach ao nosso Kahal Kadosh
Mensagens 54 • Amazônia Judaica Parabéns Amazônia Judaica – Mejorado 120 con bueno mazal y grandes maasim tobim Chanuká Sameach Sergio Benchimol e família Felicitamos a passagem dos 20 anos de fundação do Amazônia Judaica, e desejamos a toda a kehilá, Chag Chanuká Sameach Anne, Jaime, José Benchimol. E Rebeca, Joshua, Benjamin e Daniel Neman
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tenhamos Luz, Sabedoria e Justiça. Chag Chanuká Sameach! Nelson Pinto Escritório de Advogacia Com imensa alegria e orgulho, parabenizamos os 20 anos da Amazônia Judaica e desejamos a todos Chanuká Sameach Vidinha Salgado, filhos, noras, netos e bisnetos.
Que
Suplemento Especial
OS JUDEUS NO AMAZONAS
Anne Gimol Benzecry Benchimol
Chanuká – 5783 – Dezembro 2022
(Casamento de Isaac Jacob Benzecry com Gimol Benchimol Benzecry em Belém do Pará, década de 1930 – parentes e amigos dos noivos).
DO DESERTO PARA A FLORESTA: O NASCIMENTO DA COMUNIDADE JUDAICA NO AMAZONAS
Por Anne Gimol Benzecry Benchimol*
A memória é o vínculo entre o passado e o presente e se mantém viva por meio dos rituais e pela tradição de transmissão de histórias, unindo as gerações pela herança cultural comum.
Nesse contexto, essa escrita tem como objetivo resgatar brevemente a história da constituição da comunidade judaica no Amazonas, a fim de fortalecer nossa herança cultural. Será apresentado o processo migratório que não desvaneceu a lembrança e os costumes sefarditas, ao contrário, manteve vivo os rituais, o simbolismo e as tradições na comunidade, fortemente marcada pelas personalidades fundadoras que deixaram seu legado na ciência, na economia e na religião. Rememorar e registrar o passado é a garantia de preservação da memória, é o legado de uma comunidade e maior contribuição que se pode dar para que assim possamos sonhar com mais 210 anos de judaísmo na Amazônia.
O judeu sefardita demonstra maestria:
ele finca novas raízes entre umbus, sapucaias e andirobas, mas de seu caule ainda verte o látex ancestral. (SILVA, 2019, p.4)
Os Judeus na Península Ibérica e a Migração para Marrocos
Um importante evento que antecede a chegada dos judeus marroquinos na Amazônia mas que de forma direta contribuiu para essa migração começa com a bula “Exigit sincerae devotionis affectus ” autorizada pelo Papa Sisto IV (14711484) que deu origem à Inquisição Espanhola (1478-1834). A bula deu poderes aos reis católicos Fernando II de Aragão e Isabel I de Castela, que promulgaram o Decreto de Alhambra, também conhecido como Édito de Granada (1492), que ordenava a expulsão dos judeus dos Reinos de Castela e Aragão, seus territórios e possessões. Mais de 100 mil judeus, aproximadamente, procuraram refúgio em Portugal, que infelizmente durou pouco tempo, pois em 1496 teve início a Inquisição Portuguesa, perdurando até 1821.
Após a expulsão ibérica, em busca de abrigo e segurança, alguns migraram para
o Marrocos, e de fato, a chegada em Marrocos foi o início de uma nova vida, podiam trabalhar livremente, estudar em boas escolas e acima de tudo, podiam praticar sua crença religiosa. Assim, os judeus sefarditas viveram em harmonia com o povo marroquino por mais de 400 anos, ainda que houvesse instabilidade em alguns momentos.
Vale lembrar que desde o ano 70 da era atual já existiam judeus naquele país – Assim os Megorashim, judeus sefarditas recém chegados passaram a conviver com os Tochavim, judeus que já se encontravam no Marrocos.
Dificuldades econômicas, sanitárias e sociais nos anos 1800, no entanto, impulsionaram a saída do país em busca de melhores condições de vida, prosperidade e mais liberdade. Jovens imigrantes deixaram suas famílias e cruzaram o Atlântico rumo ao desconhecido, alguns com pouco mais de 13 anos. Pode-se imaginar a partida, suas malas repletas de coragem e esperança, contemplando
Suplemento eSpecial 58 • Amazônia
Judaica
ao longe o Cabo Espartel, provavelmente a última visão do continente que os abrigou por tanto tempo. Mesmo em meio ao sentimento de incerteza e solidão, seguiram confiantes em busca da Nova Terra da Promissão, a Eretz Amazônia, a Amazônia Mi Guena.
Cenários Percebidos e Fatores de Atração
A Europa do início dos anos 1800 era das guerras napoleônicas. Em 1808, o Príncipe Regente Dom João de Portugal, temeroso de uma possível invasão de Napoleão, foge com sua corte para o Brasil, considerada a colônia mais valiosa do Império Português. A Inglaterra oferece proteção às ameaças de Napoleão e obtêm boas condições comerciais e sociais como moeda de troca. No Marrocos, quase simultaneamente, os ingleses iniciam uma série de propagandas no Marrocos divulgando atrativos e vantagens de se viver na Amazônia. Esses fatores, associados a promessa de liberdade, foram essenciais para a
decisão de vinda dos judeus marroquinos para o Brasil, especialmente àqueles das cidades de Tanger, Tetuan, Larache, Arsila, Salé, Rabat, Fez e Casablanca, com destaque para as duas primeiras, que viriam a ser das comunidades as mais representativas na Amazônia.
A chegada da Família Real em 1808 traz inúmeros progressos para o Brasil Colônia, entre eles o início da assinatura de acordos e tratados que favorecem a imigração de estrangeiros: 1) Abertura dos Portos às Nações Amigas (1808) - logo após a assinatura da Carta Régia de 28 de janeiro de 1808, de imediato se vê a grande movimentação de importação e exportação no Brasil. Ideias inspiradas em Adam Smith sobre o livre comércio e acesso ao mundo em busca de melhores condições para as importações e exportações acabando assim com o monopólio da colônia, o Brasil se abre ao comerciante estrangeiro , 2) Tratados de Aliança Comércio e Navegação (1810), sela-se a vinculação de Portugal a Inglaterra , por estes
acordo os protestantes Ingleses impunham uma derrota a Inquisição Católica que ficava proibida no Brasil. ( trecho retirado do livro: A Presença Britânica no Brasil 1808 - 1914 Ed. Paubrasil, 1987, 3) Fim da Inquisição em Terras Portuguesas - Portugal e Colônias (1821), a Constituição pós independência de 1824, 4) Abertura dos Portos e Rios da Amazônia à Navegação Estrangeira (1866) e 5) Constituição Republicana de 1889. Assim, em 1810 tem início a grande imigração marroquina judaica para a Amazônia, motivados pela busca do ouro negro, a borracha e de outras riquezas naturais da floresta amazônica. Entre os anos de 1850 e 1920 as capitais dos estados amazônicos eram praticamente utilizadas como pontos de passagem para os principais destinos: as cidades do interior situadas às margens do Rio Amazonas ou em algum de seus ricos afluentes. A trajetória começava em Belém em direção às cidades de Cametá (a que mais imigrantes recebeu no primeiro momento
Do Deserto para a Floresta: o NascimeNto Da comuNiDaDe JuDaica No amazoNas Amazônia Judaica • 59
migratório no Estado do Pará), seguindo para Óbidos (PA), Santarém (PA) e Parintins (AM) e Itacoatiara (AM) em razão do comércio da borracha e de outros produtos regionais, como sorva, balata, cumaru, óleos essenciais e peles de animais silvestres.
As cidades em que se comprova a presença judaica no primeiro ciclo da borracha no Pará são Alenquer, Baião, Belém, Boim, Bragança, Breves, Cametá, Gurupá, Itaituba, Mocajuba, Óbidos, Oriximiná, Portel e Porto de Moz; no Amazonas são Atalaia do Norte, Boca do Acre, Borba, Coari, Eirunepé, Humaitá, Ipixuna, Itacoatiara, Manacapuru, Manaus, Manicoré, Maués, Parintins e Tefé; em Rondônia são Abunã, Porto Velho e Guajará Mirim; e no Ama pá são Macapá e Mazagão Velho, essa última como a que primeiro recebeu judeus marroquinos, em 1770 aproximadamente, mas essa migração motivada por diferentes razões não teve continuidade. Cabe registrar que o primeiro ciclo da borracha
ocorreu entre 1879 e 1912, seguido de uma ligeira sobrevida entre 1942 e 1945 e nas duas ondas é possível identificar a presença de judeus atuando nesta cadeia extrativista em toda a Amazônia. Aos poucos, a calha do Rio Amazonas (até Iquitos no Peru) e seus principais e ricos afluentes no Estado do Amazonas como os rios Madeira, Tapajós, Purus e Juruá e no Estado do Pará Tocantins, Tapajós, Trombetas e na Ilha de Marajó, foram ocupadas paulatinamente por esses imigrantes. Por toda a Amazônia, mais de 20 cemitérios judaicos podem ser observados, símbolos do assentamento e fixação dessas comunidades na região. Hoje essas lápides gravadas em hebraico são as testemunhas de uma história de mais de 200 anos.
Pode-se afirmar que um dos fatores coadjuvantes na expansão da comunidade judaica na Amazônia está relacionado ao domínio de vários idiomas pelos judeus, uma vantagem no mercado internacional da borracha, em parte pela visão de
Adolphe Crémieux e mais dezesseis jovens colaboradores, que em 1860 fundou em Paris a escola Alliance Israelite Universalle com objetivo de assegurar os direitos dos judeus em volta do mundo por meio da educação. A instituição ensinava línguas, geografia, matemática, ciências e história, entre outros conhecimentos e no Brasil do início do século XX essas competências foram essenciais.
No Estado do Amazonas, a presença desses imigrantes mais acentuada era nos municípios de Parintins e Itacoatiara, cujo desenvolvimento econômico, tanto no que se refere à prosperidade como à administração, está ligado à presença judaica. Em Itacoatiara, a Comunidade já estava organizada desde a primeira década de 1900, seguindo o rito judaico e promovendo eventos comunitários como o casamento, brit milah, bar mitzvah e sepultamento, fatos que podem ser comprovados por meio dos jornais locais do período. O cemitério judaico de Manaus, por exemplo, foi
Suplemento eSpecial 60 • Amazônia Judaica
fundado em 1928, quase 3 décadas depois do cemitério de Itacoatiara, fundado em 1900. É importante registrar o papel das famílias Ezagui e Perez na cidade de Itacoatiara, importantes agentes da preservação das tradições judaicas e da economia do município. Da principal atividade econômica no Amazonas, o Seringal Remanso merece evidência, era próspero nos áureos tempos da borracha e singularmente um dos raros exemplos de proprietários judeus, Isaac Barros, marroquino, nascido em 1850 e associado ao seu sobrinho Samuel José Levy, também marroquino — originando em 1895 a firma B. Levy & Cia, dona de 309 seringais na Amazônia — em uma realidade em que a maioria desse grupo religioso era guarda-livros (contador) ou administrador. Outras funções que ocupavam eram de negociantes fluviais, os chamados regatões, vendendo mercadorias aos seringueiros a um preço mais baixo que os do barracão. De
aviadores, que eram os que contratavam os serviços dos seringueiros em troca de dinheiro ou produtos de subsistência. E os comissionários, comerciantes nacionais e internacionais contratados para funções de confiança. Sua nova pátria, no entanto, não atenuou a memória das raízes, ainda profundas, firmes e duradouras, o que se pode constatar na comunidade judaica de Manaus como na de Belém nos dias de hoje. Na culinária, saladinhas marroquinas sempre presentes nas comemorações, sobretudo no jantar de Shabat, na sexta-feira à noite. Em momentos especiais, cuscuz marroquino, adafina, almoronia, mocoli, sem esquecer as frijuelas e o limão curado. Simbolicamente, o prato que traduz a representação do movimento migratório e incorporação da cultura é a utilização da farinha de mandioca ao invés da tradicional farinha de cuscuz, produto de difícil acesso naqueles dias. No idioma, o dialeto Hakitia com sua rica combinação de espanhol, hebraico e árabe — usado
pelos sefaraditas do norte do Marrocos — hoje, no Brasil, se mistura também com o português. Até hoje encontramos um grande número de descendentes dos primeiros imigrantes que ainda utilizam palavras em Hakitia e expressões fragmentadas no seu cotidiano. A Hakitia usada em Tânger, Tetuan e arredores, era usado na fala diária, servia para brincar, chamar carinhosamente membros da família, discutir, ofender, arrepender-se, enfim em contextos de uso em que se manifesta uma forte carga afetiva. É rica em refrões, brincadeiras e provérbios que falam de amor, abandono, ingratidão, vinganças e está presente em canções e em romances. Hoje, olhando para trás, muitos acreditam que no Marrocos quem usava Hakitia eram as classes sociais mais simples.
Alguns personagens contribuíram especialmente para o nascimento, crescimento, desenvolvimento e preservação da Comunidade Judaica do Amazonas. Destaco três pioneiros judeus no
Do Deserto para a Floresta: o NascimeNto Da comuNiDaDe JuDaica No amazoNas Amazônia Judaica • 61
período da borracha: Isaac José Perez, Raphael Benoliel e Jacob Samuel Benoliel. O legado de Isaac José Perez, prefeito em Itacoatiara entre os anos de 1926 e 1929, reverbera até hoje em suas obras fundamentais, estendendo-se até Manaus. Em 1928, através de Isaac Perez, conseguese o terreno onde foi erigido o Cemitério Judaico de Manaus, mesmo ano do falecimento de seu filho Leon Peres, sendo tragicamente o primeiro a ser sepultado no local. Raphael Benoliel, nascido em Tetuan, foi fundador e primeiro presidente do Comitê Israelita do Amazonas (CIAM) de 1929 a 1931. Principal executivo da firma B. Levy & Cia., foi responsável pelo novo impulso econômico da firma a partir de 1902 e presidente da Associação Comercial do Amazonas por mais de 10 anos. Jacob Samuel Benoliel, nascido em Moçambique em 1899, como proprietário da Drogaria Universal, teve muito sucesso com a produção de parte de seus medicamentos. Grande líder empresarial da década de 1930, diretor-
tesoureiro e presidente da Associação Comercial do Amazonas por mais de 20 anos e segundo presidente do Comitê Israelita do Amazonas (de 1931 a 1937).
De acordo com Samuel Benchimol, no livro Eretz Amazônia, estima-se que a partir de 1810, aproximadamente 1000 famílias vieram do Marrocos em direção a Eretz Amazônia, na esperança de uma vida digna com liberdade, que mesmo em meio à diversidade, pudesse manter religião, tradição e sustento. Chegaram primeiro os jovens solteiros, depois as famílias já formadas. Havendo a necessidade de busca de noivas para jovens rapazes, não se hesitava em buscar no Marrocos uma prima ou conhecida que estivesse disposta e consciente de seu papel na fixação e desenvolvimento desta nova família na Eretz Amazônia. Dessa confluência, podem ser contabilizados mais de 500 diferentes sobrenomes nos últimos 210 anos, resultando hoje em uma comunidade
de aproximadamente 900 judeus na cidade de Manaus, segundo censo cadastral realizado pelo Comitê Israelita do Amazonas (CIAM) em 2006 e atualizado em 2020.
Os anos de 1870 a 1914 marcam o período áureo da borracha. Manaus crescia juntamente com a prosperidade do látex da seringueira, com intensa atividade fluvial. Toda a atividade da Borracha era concentrada e escoada por Manaus ou por Belém. Assim, tornou-se necessária em 1902 a construção do Porto Flutuante de Manaus, na época de sua inauguração de 1907 era considerado o maior do mundo. Obra planejada e executada pelos ingleses que neste período eram os responsáveis pelas obras de infraestrutura em algumas cidades do Brasil. Os sinais de progresso eram evidentes: Manaus foi a segunda cidade do Brasil a introduzir a eletricidade na iluminação pública, em 1895; foi a terceira cidade a ter bonde elétrico no Brasil, logo depois de Rio de Janeiro e Salvador;
Suplemento eSpecial 62 • Amazônia Judaica
construiu o Teatro Amazonas, símbolo de riqueza e ostentação, pavimentou o centro urbano com pedras vindas da Europa, entre tantos outros avanços. Os negócios com hotéis, importação e exportação, joalherias e atividades gerais de serviços ao público tinham presença marcante de sefarditas e asquenazitas. Uma curiosidade que podemos perceber é o fato de não vermos judeus asquenazitas envolvidos com seringais. Eles se fixaram nos centros urbanos enquanto que os sefarditas simplesmente ocupavam toda e qualquer nova atividade comercial.
Os problemas decorrentes do declínio do comércio da borracha tiveram início em 1920 aproximadamente. Dois são os principais fatores para este declínio: o início da produção das seringueiras na Malásia e a recessão econômica mundial ocorrida em 1929. O preço praticado entre 1871 e 1910 de 390 libras por tonelada caiu para 27 libras por tonelada a partir de 1931. A grande depressão da
borracha trouxe imenso impacto para toda a região amazônica. Mais de 1000 casas foram abandonadas em Manaus.
Um grande número de famílias judaicas também buscaram uma nova sorte.
Entre elas podemos citar são: Abecassis, Abenathar, Abensur, Abtbol, Afergan, Alves, Amzalak, Appenzeller, Assayag, Athias, Azulay, Baruel, Bemergui, Benarrós, Benassayag, Benathar, Benayon, Benchimol, Benemond, Benguigui, Benhamu, Bennesby, Benoliel, Bensabat, Bentes, Bentolila, Benzecry, Bohbot, Buzaglo, Cagy, Cohen, Dahan, Dray, Ezagui, Farache, Foinquinos, Gabbay, Hamu, Hanan, Hazan, Israel, Klarnet, Klein, Larrat, Lassery, Levy, Matalon, Melul, Nahmias, Ohana, Pazuello, Perez, Pinto, Roffé, Rhuas, Sabbá, Salgado, Samuel, Serfaty, Serrulha, Serruya, Soares, Sicsu, Siqueira, Tapiero, Taub e Zagury, em diferentes períodos da diáspora, tem grande número de membros que partem, principalmente para o Rio de Janeiro, fortalecendo a já existente
colônia judaica marroquina naquela cidade. Alguns membros representantes do grupo asquenazita voltam aos países de origem. Os que aqui permaneceram, o fizeram com determinação, mantendo a chama do judaísmo amazônico acesa e são agora fonte de informação para os que buscam suas raízes no Brasil.
Aspectos Determinantes da Consolidação da Comunidade Judaica do Amazonas
O ano de 1929 foi marcado pela organização da Comunidade Judaica já existente em Manaus desde 1870, aproximadamente. Em 1940, aproximadamente, as dificuldades econômicas acirraram algumas diferenças culturais entre os marroquinos de Tanger e de Tetuan que resultaram na criação de duas sinagogas — Beit Yaacov e Rebi Meyr — enfraquecendo assim a comunidade. As décadas de 1930, 1940 e 1950 foram efetivamente difíceis na cidade de Manaus:
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economia ruim, comunidade dividida e emigração expressiva da população. A inflexão veio em 1958 por iniciativa do Presidente do Comitê Israelita à época, Isaac Israel Benchimol, com a aquisição do imóvel para uma nova sinagoga, que viria a conciliar as demais, separadas há mais de 10 anos. A união das duas esnogas existentes em uma só Sinagoga Beit Yaacov Rebi Meyr em janeiro de 1962 foi a decisão que garantiu a força e a unidade da comunidade em Manaus nos fazendo chegar até os dias de hoje. O evento de inauguração reuniu personagens cujas relevantes contribuições repercutiram na história do Judaísmo Amazônico e na consolidação da nova dinâmica religiosa. Destaco a atuação de Isaac Israel Benchimol na aquisição do terreno a ser usado para a construção da nova sinagoga, mas, sobretudo na percepção da importância da união das comunidades separadas; Israel Isaac
(Sinagoga Beit Yaacov, na Av. Getúlio Vargas em Manausaproximadamente em 1925)
(Sinagoga Beit Yaacov na Praça da Saudade em Manaus, sede própria em 1937)
(Sinagoga Rebi Meyr, na Av. Sete de Setembro em Manaus, sede própria década 1940)
Benchimol, presidente que iniciou as obras da nova Sinagoga; Samuel Isaac Benchimol no sentido de preservação das tradições e contínua presença nas conciliações comunitárias. Samuel Benchimol exerceu a função de Presidente da Comunidade Judaica do Amazonas por mais de 10 anos; Jacob Azulay, sheliach, líder religioso desde a década de 1930 aproximadamente; David José Perez na instituição do importante jornal judaico A Columna, um dos primeiros sobre judaísmo no Brasil; Judah Levy, conhecido como o construtor de três sinagogas foi o responsável pelo novo projeto arquitetônico –filho de Eliezer Levy, outro grande nome do judaísmo amazônico, irmão da escritora Sultana Levy Rosenblatt. Eliezer Levy foi prefeito por duas vezes (no Pará e no Amapá), tornouse coronel da Guarda Nacional (o que o fez ficar mais conhecido como Major Levy) e fundou o jornal Kol Israel em 1918.
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Amazônia Judaica
(Lançamento da pedra fundamental em 1959, discursando Israel Isaac Benchimol. Figuras presentes: Gimol Levy Benchimol, prefeito de Manaus Lóris Cordovil, Samuel Isaac Benchimol, David José Perez, Isaac Israel Benchimol, seu neto e homônimo Isaac Israel Benchimol e outros importantes membros da comunidade Judaica de Manaus)
os marroquinos Isaías Abensur, professor querido de seus alunos e Sheliach dirigente na Sinagoga Beit Yaacov e seu sucessor, cunhado e o mohel Isaac Pazuello e também Sheliach comunitário. Lázaro Salgado foi outro importante dirigente da ainda não formalizada comunidade judaica do Amazonas na década de 1920, que atuava realizando casamentos, auxiliando nos sepultamentos e em outras tão variadas funções comunitárias.
Cabe destacar a atuação de Jacob Azulay até 1980, quando faleceu, e Isaac Dahan a partir de 1972 na preservação e continuidade dos valores e da tradição judaica marroquina em Manaus. Chegaram de Salé, Marrocos (1930) e Alenquer (PA) (1972) respectivamente, mas
(Inauguração da Sinagoga Beit Yaacov Rebi Meyr em 18 de janeiro de 1962) foi em solo manauara que deixaram o legado de harmonia, tolerância e união, garantindo uma comunidade viva e atuante. Nos últimos 90 anos, conduziram a comunidade firmados na tradição, tendo como prioridade a educação das novas gerações. Não podem ser esquecidos
Sob essa liderança, a comunidade pratica tradições já esquecidas em outros grupos sefarditas marroquinos, com destaque para os
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Ribi Jacob Azulay
descendentes tomar a benção dos pais e avós após a leitura da Torah, em fila, ao lado da Tebah ou beijar a própria mão após cumprimento, como sinal de respeito. Também cabe ressaltar a fala hakitia e a preservação da culinária marroquina, esquecidas em outros grupos. Hoje a comunidade de Manaus preserva tradições de mais de 200 anos, é uma viagem no tempo. É possível apontar três aspectos curiosos da comunidade judaica de Manaus, dentre eles, o triste reconhecimento de que cerca de 60 sepulturas de mulheres no cemitério judaico de Manaus e no cemitério
Municipal de Manaus
São João Batista sejam de vítimas do movimento criminoso Zvi Migdal, as “Polacas”, mulheres vítimas de um tempo. Outra curiosidade é sobre o rabino Shalom Emanuel Muyal, morto pela febre amarela em 1910, sepultado no cemitério São João Batista, tendo em vista que a comunidade católica lhe rende homenagens por poderes de cura que dizem ter. O rabino Muyal opera milagres e os não judeus prestam orações e oferendas a ele na busca por graças. Por fim, um Sefer Torah que se encontra na sinagoga de Manaus de quase 500 anos de idade. Chegou ao Brasil trazido pelos primeiros imigrantes marroquinos e ficou em Itacoatiara (AM) até 1920, antes de chegar a Manaus, seu destino final. É um símbolo da preservação, da tradição, da resiliência e da sobrevivência, considerando que estudos de grafia constataram sua idade, sugerindo que chegou ao Marrocos oriundo da Península Ibérica, provavelmente na diáspora da Espanha
e Portugal no período marcado pela Inquisição.
Assim como nos ciclos da borracha foi possível anotar a participação de alguns membros destacados, o mesmo ocorre no período pósborracha. Agora o reconhecimento é dirigido a quatro personagens centrais: Isaac Benayon Sabbá, Isaac Israel Benchimol, Isaac Jacob Benzecry e Samuel Isaac Benchimol. O primeiro, empresário reconhecido por sua força de vontade e obstinação, desempenhou um enorme papel no desenvolvimento
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Sheliach Tzibur e Chazan Isaac Dahan
(Sefer Torah de quase 500 anos)
(Sepultura do Rabino Milagreiro –Shalom Emanuel Muyal)
econômico do Amazonas ao implantar uma refinaria de petróleo em Manaus. Isaac Benayon Sabbá, nascido em Belém em 1907, filho de Fortunata e Primo Sabbá, chegou a Manaus trazido pelo apego familiar de seus pais com sua irmã Carlota Israel recém casada com Salomão Israel e tendo fixado moradia em Manaus. E foi nesta cidade que Isaac Sabbá desenvolveu todo o seu talento industrial juntamente com seu irmão mais velho Jacob Sabbá. Foram mais de 40 empresas e estabelecimentos criados por eles ou a eles associados ao longo de sua vida empresarial.
A unificação das sinagogas e o contínuo serviço comunitário são realmente fatos significativos e Isaac Israel Benchimol sempre será reverenciado por isso. Seu sentido de justiça, honestidade, resiliência e amor pela família também vale notar.
O empresário Isaac Jacob Benzecry, primeira geração nascida no Brasil, filho de Jacob Messod
Benzecry (Tetuan) e de Esther Larrat Benzecry (Cametá) nasceu em Belém do Pará em 22 de fevereiro de 1908. Desde muito jovem iniciou suas atividades comerciais. Chegou ao Amazonas em 1936 vindo do Nordeste Brasileiro e se tornou um empresário muito bem sucedido tendo criado várias firmas ligadas aos produtos essencialmente Amazônicos, como castanha do Brasil, peles silvestres, juta, óleos essenciais. Algumas dessas empreses são: I.J. Benzecry, CIEX, Empresa Industrial de Juta S/A., Curtume Canadense, entre outras. Grande colaborador e apoiador
da comunidade judaica do Amazonas. Isaac Benzecry é identificado pelo empreendedorismo e capacidade de inovação sendo o responsável pelo início da desidratação da castanha do Brasil.
Agregando assim mais valor a esse produto em fase de desvalorização no mercado internacional. Atuou amplamente, dentro e fora da comunidade judaica, promovendo oportunidades e oferecendo apoio aos que necessitavam. Seu legado cultural associa-se à honestidade, perseverança e conhecimento.
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Isaac Israel Benchimol, sua esposa Nina Siqueira Benchimol e filhos: Israel, Raphael, Samuel, Robine, Alice e Alberto. Mais tarde chegariam, Saul e Benjamin
Samuel Isaac Benchimol foi profundo conhecedor da Amazônia. Seu legado de conhecimento científico é inestimável e mundialmente reconhecido, com mais de uma centena de obras publicadas, entre elas Eretz Amazônia e Judeus no Ciclo da Borracha, dois tesouros para os estudiosos na temática Judeus na Amazônia. Sua lembrança está associada indelevelmente ao carismático líder comunitário, que mediou conflitos baseado na postura de acordo, paz e união entre as partes. Atuou como professor universitário na UFAM por mais de cinquenta anos, conciliando sua bem sucedida carreira empresarial ao mundo acadêmico e científico. Conseguiu conciliar o
mundo acadêmico ao empresarial. Também teve destaque como empresário sendo o fundador de duas empresas na indústria e no varejo: Fogás e Bemol juntamente com seus irmãos Israel e
Benchimol.
O Amazonas teve três grandes ondas migratórias: duas motivadas pela exploração da borracha 1879-1912 e 1942-1945, e mais tarde a terceira onda em 1967 em decorrência da implantação da Zona Franca de Manaus (ZFM). Essa última pode ser caracterizada principalmente pela migração dos judeus asquenazitas já instalados no Rio de Janeiro e São Paulo, muitos sobreviventes do holocausto da Segunda Guerra Mundial, que vieram a se destacar no comércio e na indústria de Manaus no pós-1967. Eles trouxeram novos cenários de prosperidade e entusiasmo para a economia da cidade. Merecem destaque no polo industrial, comercial e agropecuário: Michael e Rivka Schwarcz–ambos sobreviventes de campo de concentração, ele da
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Casamento de Samuel Isaac Benchimol e Mery Israel Benchimol
Saul
Isaac Benayon Sabbá
Isaac e Gimol (Santinha) Benzecry
Isaac Israel Benchimol e Nina Siqueira Benchimol
Samuel Isaac Benchimol e Mery Israel Benchimol
antiga Tchecoslováquia e ela da Polônia –chegaram a Manaus em 1967. Seu comércio era a loja Genève com produtos diferenciados e de qualidade que atraíam clientes de vários lugares, muito além de Manaus; Aron Hakime, nascido no Irã, chegou a Manaus em 1968; a loja Arontex vendia eletrônicos e bebidas importadas de qualidade; Abraham Benzion, nascido em Jerusalém, chegou a Manaus em 1969; importador de produtos variados, fazia da Casa Azury um centro de interesse para crianças e adultos. Esses são apenas alguns dos representantes da comunidade judaica na Manaus após Zona Franca, que fincaram raízes nessa terra e muito contribuíram com seus negócios prósperos e modernos para a geração de riqueza e empregos para o Estado. Uma lista completa de todas as firmas judaicas do período pós-1967 pode ser encontrada no livro Eretz Amazônia.
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(Isaac Israel Benchimol, Salvador Bemerguy, Isaac Jacob Benzecry, José Raphael Serruya)
(Vida comunitária)
(Três gerações que muito contribuíram e contribuem para a preservação do Judaísmo na Amazônia: Isaac Israel Benchimol Z’L, Samuel Isaac Benchimol Z’L e Jaime Samuel Benchimol)
Para chegarmos até os dias de hoje contamos com a ajuda de grandes pessoas, dentre elas destaco Jaime Samuel Benchimol, membro sempre atento às necessidades de sua comunidade e assim como o seu pai Samuel Isaac Benchimol, é presença importante no aconselhamento ponderado e na exortação da paz na vida comunitária. E o saudoso Abraham Pinto, que num
ato de reconhecimento e generosidade trouxe para o CIAM, a prosperidade dos tempos da borracha repercutirem até os dias de hoje. Doou imóveis que ajudam a comunidade a se manter viva e ativa. Sem a participação desses membros comunitários talvez nossa história fosse diferente. Deixo um especial agradecimento às mais de 500 famílias com diferentes sobrenomes que por aqui passaram e aos que tanto apoiaram e apoiam com seu trabalho e dedicação a preservação do Judaísmo na Amazônia mi Guena.
* Vice Presidente do CIAM – Comitê Israelita do Amazonas. Bacharel em Letras pela Universidade Federal do Amazonas e pesquisadora do judaísmo na Amazônia. Sua contribuição pode ser conhecida especialmente em documentos sobre estudos genealógicos da comunidade judaica ligados à migração marroquina, nos relatos sobre as origens dos judeus sefarditas de Manaus derivados da expedição ao Marrocos e no acervo gerado em decorrência da curadoria da exposição sobre Anne Frank | abbenchimol@gmail. com | (+55) 92-31333781.
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(Sinagoga Beit Yaacov Rebi Meyr – nos dias de hoje)
(Vida comunitária)
(Vida comunitária)