Amazônia Judaica Edição Especial de 20 anos - Abril 2022

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EDITORIAL Diretor de Edição Elias Salgado Editora Executiva Regina Igel Colunista Especial Yehuda Benguigui Arte e Design Camila Rodrigues e Libna Gama Amazônia Judaica é uma publicação da EDITORA TALU CULTURAL

Colaboram nesta edição especial Alessandra Conde Wagner Bentes Lins Caroline Bejara Maximiliano Ponte Hudson Lima Sites www.amazoniajudaica. com.br www.talucultural.com.br Emails contato@talucultural. com.br ed.amazoniajudaica@ gmail.com

Vinte anos! Vinte anos de alegrias na publicação da nossa Amazônia Judaica! Não foram sempre alegrias, pois vieram transtornos, percalços, tudo no mesmo pacote, mas o que se ressalta nestas duas décadas é ALEGRIA! Poucas revistas assim específicas, ligada e interessada a uma determinada comunidade, tiveram vida longa. Somos uma comunidade pequena no país, daí que estarmos atuantes até agora é uma vitória nossa, de todos nós: leitores, escritores, cronistas, desenhistas, editores e o pessoal que faz a revista mostrar o melhor em apresentação gráfica. Todos nós estamos felizes, alegres, contentíssimos em cumprir 20 anos de expressão sefardita brasileira. Claro que nos ocupamos primordialmente da região amazônica, mas é o mundo sefardita em geral que nos leva a percorrer outros lugares, outras eras, épocas, vivências longe e perto de nós. São os homens e as mulheres que nos trouxeram a história das suas vidas, observações, descrições e narrativas tendo como foco a diáspora sefardita. Estamos dispersos, sim, mas também estamos juntos. Vejam, na reportagem sobre Amazônia Judaica, o que vocês e nós fizemos, sempre juntos: além do progresso da nossa querida revista, com reportagens e ensaios sempre muito interessantes, organizamos congressos, criamos centros de pesquisas e estudos, publicamos vários livros de diversos autores, cujos temas giram ao redor do mundo sefardita brasileiro e universal. Está tudo isto e mais ainda muito bem descrito na reportagem “20 anos de Amazônia Judaica”. E neste número, tão especial por celebrar nosso vigésimo aniversário, temos notícias especiais! Na época do Pessach, apresentamos a história de Miriam, que não é comum, porque ela tampouco era comum! Como nos conta Caroline Beraja, em “Judaísmo e Feminismo”, Miriam tinha um poder carismático sobre o povo (vai ver, estava no DNA dos três irmãos Miriam, Moisés e Araão!) e usou-o para manter os hebreus em linha com os sonhos do Moisés. Miriam influenciou sua geração e todas as que vieram depois, até hoje. Lendo este ensaio, vocês verão que ela foi


mesmo uma feminista antes do tempo e até hoje é invocada como uma precursora tanto de rabinas quanto de mulheres profissionais liberais, escritoras e filósofas, como nos indica a autora. Entrando pela região amazônica, somos levados pelo jornalista Hudson Lima a apreciar um belo relato sobre um cemitério judaico situado na cidade de Parintins. Fundado por volta de 1850, é ‘uma relíquia do judaísmo’, como está no texto, que celebra o tombamento oficial do cemitério. Isto quer dizer que o Brasil reconhece o valor histórico do recinto cujos trâmites para isto foram iniciados pelo vereador Mailedison Araújo Fonseca. As informações contidas na reportagem se ampliam para descrever as contribuições das famílias dos judeus na região de Parintins, todas descendentes de judeus marroquinos. Desde o seu surgimento no Pessach de 2002, Amazônia Judaica, vem dando um destaque a cada dia maior a chamada literatura sefardi amazônica. E para registrá-la, trazemos nesta edição especial o “Dossiê Literatura”. Com artigos e resenhas de Regina Igel, Alessandra Conde, Wagner Bentes Lins e Elias Salgado, ele nos dá com exatidão, a dimensão desta caminhada. Uma língua para a qual se pensava que já estava num cemitério de idiomas é a haquitia. E temos um presente para os nossos leitores: a coluna “El rincón de la Haquitia”, pelo dr. Yehuda Benguigui, nosso confrade paraense, doutor em Medicina, profundo estudioso e conferencista sobre tudo o que se relaciona aos judeus marroquinos na Amazónia. O canto da haquitia vem rejuvenescer o que se pensava ser uma língua morta. Estava apenas adormecida. E foi um judeu lá no Marrocos, que escreveu sobre a experiência dos patrícios e contemporâneos durante a ocupação nazi-fascista naquele país e no Magreb. Trata-se de uma paródia, isto é, uma obra que imita outra, mas com motivos para rir. Exemplos são dados no artigo “Como um judeu marroquino celebrou a perda de Hitler na região do norte da África, com uma Hagadá”. Enquanto a Hagadá de Pessach nos traz textos como as quatro perguntas durante a ceia, feitas por um filho inteligente, outra por um filho mau, outra por um ingênuo e, finalmente a última, feita pelo filho que não sabia o quê perguntar... No livro Hagadá de Hitler, o trecho paródico diz: “A Hagadá fala de quatro filhos: Inglaterra, o sábio; Hitler, o malvado; Estados Unidos, os bons e Mussolini, que não é digno de nossas palavras.” É um artigo divertido, ainda que baseado num momento trágico – no entanto, é a celebração da libertação para os judeus do Magreb. E é a libertação dos judeus do Egito que celebramos com nossa revista – as festividades do Pessach - , o que temos feito ao longo dos últimos vinte anos. Paz e alegrias, que o mundo se harmonize com todas as liberdades que a Humanidade ainda precisa conquistar! Hag Pesach Sameach! (Feliz Pessach! – em hebraico). Com o nosso muito obrigado por sua atenção, contribuição e interesse por todos estes anos. Têm sido muito bons e iremos todos juntos para os 120! Os Editores


ANO 12 – No. 20 – ISSN 2527-0826

ÍNDICE GÊNERO 06 Judaísmo e feminismo

CAPA 12 Amazônia Judaica 20 anos depois

HISTÓRIA 16 A Hagadá de Hiltler

PRESERVAÇÃO 19 Cemitério Judaico de 150 anos é tombado em Parintins

RESGATE 23 Certas mulheres que vieram de longe

EL RINCÓN DE LA HAQUITIA 29 DOSSIÊ LITERATURA 36 Amazônia Judaica 20 anos lado a lado com a literatura sefardi-amazônica: Regina Igel, Alessandra Conde, Wagner Bentes Lins e Elias Salgado

MENSAGENS

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JUDAÍSMO E FEMINISMO Muitas são as personagens e temáticas envolvidas na história de Pessach, mas destaco aqui a personagem Miriam, irmã de Moisés e Aarão. Diversas são as histórias e características das mulheres citadas na Bíblia, mas Miriam, apesar de ser retratada com sua feminilidade aflorada, é identificada com características que geralmente são atribuídas a homens: coragem e liderança.

Caroline Beraja*

Miriam tocando o pandeiro Marc Chagall, 1966.


M

iriam era muito mais que apenas irmã de Moisés e Aarão: ela tinha um papel importante na organização social da época, era uma liderança comunitária. Miriam fazia parte da tomada de decisões do povo de Israel, além de auxiliar na execução das resoluções. No livro Êxodo, há um trecho que conta que o povo teve medo de atravessar o Mar Vermelho e paralisou em frente ao caminho aberto com a cajadada de Moisés. Foi Miriam que, seguida por outras mulheres, que iniciou a travessia cantando e dançando e convenceu o povo a segui-la. “E tomou Miriam, a profetisa, irmã de Aarão, o adufe (pandeiro) na mão, e saíram todas as mulheres atrás dela, com adufes e danças e Miriam lhes dizia: Cantai ao Senhor, porque gloriosamente triunfou e precipitou no mar, o cavalo e seu cavaleiro.” (ÊXODO XV: 20). Esse ato de coragem e encorajador é uma inspiração para mulheres

Judaísmo e feminismo

judias e de todos os credos, tornando Miriam uma personagem de representatividade feminista. Assim como o Judaísmo, o Feminismo é um conceito em disputa. Não há um consenso sobre qual das diferentes definições de Feminismo é a mais correta, mas há um ideal comum entre as que se consideram feministas: igualdade de direitos e oportunidades entre os gêneros. Para atingir tal ideal, diferentes pensadores ao longo da história analisaram relações e padrões sociais de gênero, além de relativizar o próprio conceito de gênero. O feminismo, porém, apenas se estruturou como movimento social no século XX, com ações e organizações no Reino Unido e nos Estados Unidos que espalharam seus ideais por diversos países. É importante lembrar que os movimentos sociais, como conhecemos hoje no Brasil, são um modelo ocidental moderno. Logo, mulheres que subvertem as relações sociais de gênero antes do século

XX e/ou no mundo nãoocidental, além dos escritos que questionam tais relações, podem ser categorizadas como feministas mesmo que não se identifiquem dessa forma. Muitas dessas mulheres, inclusive, são importantes símbolos de representatividade para o movimento social feminista. É importante lembrar, também, que o Feminismo não se refere à feminilidade. A feminilidade é um conjunto de características designadas ao gênero feminino na sociedade. A feminilidade é, inclusive, questionada pelas feministas, seja por ser uma imposição da sociedade para o comportamento das mulheres ou por ser um conjunto de características que a sociedade identifica como frágeis, principalmente se atribuídas a homens. As interpretações de diferentes religiões sofreram impacto do feminismo. É possível encontrar, na historiografia, desde o século XV, interpretações religiosas de cunho feminista. O impacto de maior proporção, porém, teve Amazônia Judaica • 7


Gênero

início no contexto social e político da Revolução Francesa (1789-1799) e, portanto, do Iluminismo. Neste momento, com a incorporação do princípio de Egalité, todos os cidadãos passam a ter direitos iguais, perante o Estado francês, o que gerou mudanças significativas para os menos favorecidos, assim como para os judeus e outros grupos minoritários, mas, principalmente, para as mulheres. As mudanças sociais para as mulheres e o desenvolvimento do pensamento liberal, impulsionaram o pensamento feminista, que impactou as interpretações religiosas e se espalhou para além da França. Tal impacto gerou diversas consequências: do

abandono de qualquer fé religiosa pelas mulheres à criação de espaços feministas de espiritualidade de vários tipos. Desde então, o pensamento feminista nas interpretações religiosas tem ganhado espaço e acompanhado as mudanças sociais no mundo todo. Diversas foram as críticas elaboradas a partir desse pensamento: a imagem masculina de divindade; a figura submissa e virginal de Maria; a imagem pecadora de Eva; as interpretações sexistas das principais fontes das religiões (a Torá, a Bíblia, o Alcorão, os escritos do Budismo, etc.); entre outras. Diversas teólogas partem de tais críticas para propor uma transformação

de seu próprio credo religioso, para a criação de grupos novos, fundados sobre antigas crenças, para a recuperação de figuras femininas de matriarcas, deusas e até bruxas. Outra área que foi alvo de críticas do pensamento feminista foi o poder institucional e os efeitos sociais e políticos da implicação religiosa das mulheres. “A crítica feminista à sociologia das organizações sociais ofereceu os elementos necessários à crítica da análise das instituições religiosas. No campo católico, por exemplo, o uso genérico de categorias como clero, hierarquia, sem referência ao fato de que se referem a um grupo exclusivamente masculino impede a análise das relações de poder que presidem a organização dessa instituição religiosa.” (ROSALDO, 2001). Já no caso judaico, a designação tradicional das mulheres na vida judaica era o lar. As atividades religiosas que ocorriam Asenath Barzane. Ilustração de Yehuda Blum . Primeira rabina mulher da História.

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Judaísmo e feminismo

na esfera pública, fora do lar (como realização de casamentos, circuncisões, bar mitzvot, enterros e condução de rezas comemorativas), eram designadas aos homens; os trabalhos e tradições domésticos às mulheres. Era o rabino que regulava a prática da kashrut (leis de alimentação judaicas), porém era função das mulheres preparar as refeições. O ensino superior religioso era restrito aos homens, sendo papel da mulher a educação primária da prole. Estudo e oração eram práticas obrigatórias apenas para os homens e, apesar de as mulheres poderem realizá-las, um serviço religioso só poderia ser iniciado se houvessem 10 homens presentes. Os conselhos comunitários e os comércios eram, em esmagadora maioria, liderados por homens, restando às mulheres funções como costureiras, cozinheiras e parteiras. As reflexões e regras escritas em fontes judaicas sobre o comportamento feminino eram escritas por homens, mesmo os

temas como menstruação e gravidez. Claro, as tradições variavam nas diferentes comunidades e diferentes épocas, mas as comunidades conservadoras mantinham (e, algumas, ainda mantém) as designações femininas. Não que estas não fossem importantes

Cientista política, Hannah Arendt

Rabina Sandra Lowson

para a comunidade. Pelo contrário: compunham o leque de elementos culturais que foi transmitido através das gerações e ajudaram a manter a identidade judaica das famílias. Eram, porém, limitantes e, muitas vezes, não concedia às mulheres poder de escolha sobre suas próprias vidas. É importante ressaltar, também, que nem todas as mulheres se encaixavam. Apesar do apagamento e invisibilização das biografias de mulheres, há registros de algumas que subvertiam as relações sociais, como é o caso de Asenath Barzani (1590-1670), judia curda considerada a primeira mulher a estudar no ensino superior religioso e se tornar rabina, ou de Glueckel of Hameln (1645–1724), judia alemã que, após o falecimento do marido, passou a coordenar os negócios da família e escreveu um livro onde, entre outros temas, expõe suas reflexões sobre a tradições e ética judaicas. A grande maioria das mulheres, porém, estava imersa nas designações femininas. Amazônia Judaica • 9


Gênero

Para emergir, muitas mulheres abandonavam sua fé religiosa e suas comunidades, buscando assimilar-se à sociedade geral. Foi com o encontro entre o judaísmo e o pensamento feminista (ainda que não nomeado dessa forma) que as mulheres buscaram contrapor tal lógica. Cada vez mais, as mulheres judias buscaram ocupar espaços e escrever suas próprias histórias, sem abdicar de suas identidades judaicas: foram feitas revisões interpretativas dos principais temas da Torá, resignificando os textos e tradições judaicos a partir de uma perspectiva feminista; para que as práticas judaicas refletissem a experiência da feminilidade judaica, grupos de oração e de estudo de mulheres foram criados (muitos reunidos em torno do Rosh-Chodesh, o primeiro dia de cada mês lunar, uma ocasião para observar a lua nova e celebrar os ciclos corporais das mulheres); personagens bíblicas femininas passaram a ser analisadas com 10 • Amazônia Judaica

afinco; e cada vez mais, mulheres passaram a ocupar cargos de liderança política e institucional nas comunidades. Grace Aguilar (1816-1847), por exemplo, foi uma judia inglesa que escreveu diversos livros de reflexão sobre as tradições e ensinamentos judaicos sob a perspectiva feminina. Assim como Rayna Batya Berlin (aproximadamente 1817-1875), judia lituana comprometida com o estudo religioso que questionou os homens de sua comunidade alegando que as mulheres deveriam poder estudar a Torá e o Talmude. Com o avanço da Modernidade, as mulheres passaram a repensar seu papel, não apenas na religião, mas também em outros aspectos da identidade judaica e na sociedade geral. A conquista do direito a voto feminino no Segundo Congresso Sionista Mundial (1898), por exemplo, foi essencial para a construção do movimento sionista e, posteriormente, do Estado de Israel. Diversas mulheres judias foram essenciais para a ciência

e para a política mundial, ao longo do século XX. No âmbito da ciência, Hannah Arendt (1906–1975) teve grande contribuição nas Ciências Políticas e foi a primeira mulher a se tornar professora titular na Universidade de Princeton. Na sociedade brasileira, Olga Benário Prestes (1908-1942) lutou contra a ditadura de Getúlio Vargas. Hoje, existem diversas mulheres judias atuando em prol da igualdade de gênero. A rabina estadunidense Sandra Lawson, por exemplo, atua em prol da visibilidade das mulheres negras no judaísmo. A antropóloga brasileira Lilia Schwarcz contribui amplamente com os estudos de Sociologia no Brasil. Em Israel, a luta e judaísmo feministas também conquistaram espaços. As Nashot haKotel (Mulheres do Kotel) são um exemplo de organização que luta pelos direitos das mulheres em Israel, mais especificamente, no Kotel (o chamado “Muro das Lamentações”). Elas reivindicam a autorização de se levarem livros sagrados para a parte


Judaísmo e feminismo

feminina do muro, além da ampliação deste espaço que é muito menor do que a parte masculina. Todos os meses, elas fazem o serviço de RoshChodesh em frente ao Muro. Estas são apenas alguns exemplos entre as incontáveis mulheres judias que influenciaram o pensamento judaico, produziram uma vasta bibliografia e realizaram grandes feitos. As mulheres judias vêm protagonizando inúmeras formas de judaísmo, liderando instituições religiosas, comunitárias e sionistas, atuando em importantes setores na sociedade para além da comunidade judaica ou apenas buscando levar um modo de vida igualitário. Ainda há, porém, muitos padrões sociais de desigualdade de gênero a serem enfrentados. Que neste Pessach,

tomemos Miriam como inspiração e nos o esforcemos para tornar a cultura judaica um espaço mais igualitário, onde o gênero não é um fator limitante, um ambiente feminista.

FONTES BÍBLIA, A. T. Êxodo. In BÍBLIA. Português. Bíblia King James Atualizada. Abba Press, 2008. FEMINISM AND JUDAISM. The Pluralism Project. Harvard University. Disponível em: https:// pluralism.org/feminismand-judaism. Acesso: 30 de jul. de 2021. JEWISH WOMEN’S ARCHIVE. Disponível em: https://jwa.org/. Acesso: 30 de jul. de 2021. KOCHMANN, Sandra Kochmann. O Lugar da Mulher no Judaísmo. Revista de Estudos da Religião,

No. 2, p. 35-45, 2005. Disponível em: https://www. pucsp.br/rever/rv2_2005/p_ kochmann.pdf. Acesso: 30 de jul. de 2021. LEWIN, Helena. Judaísmo: Memória e Identidade. Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Vol. II, p. 107109, 1997. ROSADO, Maria José. O impacto do feminismo sobre o estudo das religiões. Dossiê: Feminismo em questão, questões do feminismo. 2001. Disponível em: https://www.scielo.br/j/cpa/ a/YnYKS3QPKG5YhdjXbz Wnhdw/?lang=pt. Acesso: 30 de jul. de 2021. WEINBERG, Sheila Peltz. Creating a New Paradigm. Genesis 2, Nova Iorque, Vol. 15, No. 5, p. 12, Abril, 1984. Disponível em: http://bcrw.barnard.edu/ archive/religion/Genesis_ Judiasm_and_Feminism. pdf. Acesso: 30 de jul. de 2021.

CAROLINE BERAJA Internacionalista e graduanda em Geografia, foi da liderança nacional do Movimento Juvenil Habonim Dror. É parte da equipe profissional do Instituto Brasil-Israel e Diretora

de Juventude na Federação Israelita de São Paulo. Judia cultural humanista, feminista e educadora.

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AMAZÔNIA JUDAICA 20 ANOS DEPOIS Estamos em festa, celebrando 20 anos de fundação da Amazônia Judaica!

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té hoje, ninguém nos suplantou em sermos o projeto de comunicações escrita e digital de mais longa duração na história do judaísmo amazônico. E como conseguimos chegar a isso? Com perseverança, confiança em nós e em nossos apoiadores e, mais do que tudo, com uma crença inabalável de que nossa missão é de suma importância: pesquisar, registrar e preservar a memória e a história da singular presença dos judeus na Amazônia. Mas, as tarefas e a trajetória exitosa da Amazônia Judaica jamais teriam êxito se não estivéssemos cercados de pessoas e instituições que desde o início acreditaram e confiaram em nosso trabalho. A todos, nossos reconhecimento e gratidão!

Um breve relato destes 20 anos de atividades: 2002 – O visionário chazan e editor David Salgado, funda no Pessach daquele ano, na cidade de Belém, o Jornal Amazônia Judaica. Era o ponta-pé inicial para uma história que chegaria até nossos dias. 2004 – É lançado o filme “Eretz Amazônia: presença judaica na Amazônia”, ganhador do I DOC TV – Pará. Direção de Produção de David Salgado. 2010 – Celebração dos 200 anos da ??? com uma vasta programação: Publicação do Calendário Judaico Lançamento do livro Judeus do Eldorado, de Reginaldo Jonas Heller Ampliação do Amazônia Judaica: É criado o Portal Amazônia Judaica, o AHAJ – Arquivo Histórico Amazônia Judaica; o Jornal Amazônia Judaica transforma-se na Revista Amazônia Judaica


2012 – 2013 – Realização de Projeto de Pesquisa de Campo, o Projeto de Memória e História Oral, resultantes no livro Judeus na Industrialização do Amazonas 2015 – Lançamento de História e memória: Judeus e Industrialização no Amazonas 2017 – 15 anos de fundação da Amazônia Judaica – é lançada a coletânea Amazônia Judaica, 15 anos de Travessia no Brasil, em Israel, Portugal e na Espanha. 2020 – Criação do CEJA – Centro de Estudos Judaicos da Amazônia, formado por intelectuais de vários países: Brasil, Israel, USA e Canadá. 2021 – Realização do I Festival de Haquitia – Zejút Abot – Realização do I CIES – Congresso Internacional de Estudos Sefarditas, via Zoom, com a participação de professores, estudiosos, artistas e líderes comunitários dedicados ao estudo do Sefardismo. 2022 – Festejos dos 20 anos de fundação da Amazônia Judaica:

Programação prevista: Eventos comemorativos e lançamentos presenciais em várias cidades do Brasil e Israel Participação do CEJA – Centro de Estudos Judaicos da Amazônia no XVIII Congresso Internacional de Estudos Judaicos na Universidade Hebraica de Jerusalém Realização do II Festival de Haquitia – Zejut Abot: • • • •

Eventos acadêmicos e independentes, virtuais e presenciais Lançamento da coletânea: “Amazônia Judaica 20 Anos Depois” com uma seleção dos trabalhos apresentados no I CIES Lançamento do vídeo de curta duração: “Amazônia Judaica 20 Anos – Muita história pra contar” Lançamento do Luach (Calendário Judaico), Amazônia Judaica, 20 anos.


PÁGINA Nossos sinceros agradecimentos ao apoio e colaboração das seguintes pessoas e entidades. Anne e Jaime Benchimol Sergio Benchimol Isaac Dahan Clara Azulay Moysés Sabbá z’l Saul Benchimol Ilko Minev Rabino Isaac Benzaquen Iana e Nelson Pinto Raquelita Athias Yehuda Benguigui Marcos Serruya z’l Marcos Nahon Isaac Bentes Nancy Rozenchan Nelson Nisenbaum Cristina Konder Mauro Malin Zazá Jucá Esther Dimenstein Vidinha Salgado Jaime Salgado z’l Frida Gerbati Israel Blajberg


OURO *Conselho Acadêmico do CEJA – Centro de Estudos Judaicos da Amazônia * NESA – Núcleo de Estudos Sefarditas da Amazônia da UFPA, Bragança * IBI – Instituto Brasil-Israel * CIP – Centro Israelita do Pará * Sinagoga União Israelita Shel Guemilut Hassadim * Mimouna Foundation , Marrocos * Centro Cultural Sefarad, Buenos Aires * Voces de Haketia * CIL – Comunidade Israelita de Lisboa * Ben Gurion University of Negev, Israel * University of Oregon, USA * Esnoga Beit Shmuel do Recife * Grupo Bemol * Clínica de Olhos Benchimol


COMO UM JUDEU MARROQUINO CELEBROU A LIBERAÇÃO DE HITLER COM UMA HAGADÁ Por Martin Lockshin (Fonte: Jerusalem Post. 3 de julho de 2021)

Em 1943, um judeu marroquino celebrou o fim da ocupação publicando um livro inspirado na Hagadá de Pessach.

O

ocupação dos alemães, dos italianos e no governo pró-nazi de Vichy. Segundo o site de Yad Vashem, “Muitas das leis de Nuremberg promulgadas contra os judeus da Alemanha em meados dos anos 30 foram assassinar judeus da copiadas no Marrocos e Europa Central e do na Argélia e os judeus se Leste. O sofrimento do encontraram em situação meio milhão de judeu do desesperadora”. Marrocos, da Tunísia, Página da Hagadá de Argélia e Líbia sob Hitler, em judeu-árabe, com domínio nazi é menos a passagem do “Bibhilu”, conhecido. tradicional do costume Depois de anos de marroquino. relativa negligência As exitosas campanhas acadêmica, militares dos Aliados em pesquisadores 1942 e no início de 1943 começaram a prestar culminaram com a rendição mais atenção na Capa da Hagadá de Hitler, de Nissim Ben Shimon, das potências do Eixo experiência desses judeus durante a no Norte da África, publicada em 1943, em Rabat, no Marrocos. s nazistas na Segunda Guerra Mundial se concentraram, principalmente, em


Como um judeu marroquino celebrou a liberação de Hitler com uma Hagadá

colocando fim ao tormento dos judeus na região ainda antes do que na Europa Central e Oriental. Em 1943, um judeu marroquino celebrou o fim da ocupação compondo e publicando um livro inspirado na Hagadá de Pessach, porém escrito no seu próprio idioma, o judeu-árabe. Judeus que viviam em países de fala árabe escreveram neste idioma durante mais de 1000 anos. A capa em hebraico assinala como autor Nissim Ben Shimon, um nome que não conhecemos de nenhuma outra fonte. O nome Simon Coiffeur (o editor? o pai do autor?) aparece em letras latinas. O título A Hagadá de Hitler é impactante; o autor aparentemente quis dizer “uma Hagadá que celebra a vitória sobre Hitler”. A Hagadá de Nissim há pouco foi reimpressa numa edição acadêmica. O original judeu-árabe é acompanhado de tradução ao hebraico (por Avishai Bar-Asher) e ao inglês (por Adi e Jonnie Schnytzer). Vários ensaios breves, também em hebraico e inglês, tratam sobre a Hagadá. O texto em si é uma interpretação espirituosa, reconhecível por qualquer um que esteja familiarizado com a tradicional Hagadá de Pessach. As Hagadot do Norte da África costumam começar com a frase:

“Partimos do Egito com muita pressa”. A Hagadá de Hitler começa: “Os americanos chegaram com toda a pressa”. A Hagadá tradicional apresenta uma discussão dos quatro tipos de filhos: o sábio, o mau, o ingênuo e o que não sabe perguntar, e o enfoque que um pai deve adotar para cada um. Na Hagadá de Hitler, a passagem diz: “A Torá fala de quatro filhos: Inglaterra, o sábio. Hitler, o malvado. Estados Unidos, os bons. E Mussolini, que não é digno de nossas palavras.” Mesmo que não seja encontrada nas primeiras Hagadot, a oração Vehi sheamda, que afirma a inevitabilidade e universalidade do antissemitismo, é fundamental para muitos judeus. “Não foi só um (tirano) que tentou nos destruir. Em cada geração tentam nos destruir. Porém, o Bendito Santo nos salva de suas garras.” A palavra hebraica “hi” (que significa “ela” ou “isso”), no começo da oração, sempre desafiou os intérpretes da Hagadá, já que não tem um antecedente óbvio. A Hagadá de Hitler enche este vazio: “Ela é a Rússia que defendeu nossos pais e a nós”. Porque não só Hitler tentou nos destruir, mas também Mussolini e outros, muitos outros tentaram nos destruir. E os benditos Aliados nos salvaram de suas garras.”

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História

A Hagadá tradicional afirma: “Clamamos ao Senhor, D’us de nossos pais, como se diz: Durante este longo período, o rei do Egito morreu, e os filhos de Israel gemeram de sofrimento e gritaram e os clamores de sua servidão se elevaram até D’us.” A Hagadá de Hitler diz: “Clamamos a Roosevelt, bendito seja, como está escrito: E Hyndenburg morreu e Hitler se levantou de suas ruínas e os israelitas gemeram de sofrimento e gritaram e Roosevelt escutou seus gritos sob a tensão da opressão”. Onde a Hagadá tradicional fala do poder divino, da compaixão e da salvação de D’us, Nissim foca nos seres humanos.

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Os judeus clamam a Roosevelt, que escuta seus gritos. Nissim inclusive se refere ao presidente Roosevelt como “tabaraka shemiyato” (itbarach shemó, em hebraico) “que seu nome seja bendito”, uma frase geralmente reservada a D’us. Roosevelt não é o único líder aliado que ocupa o lugar de D’us. Mais adiante na Hagadá de Nissim, se lê: “Portanto, devemos agradecer à Rússia, honrar e glorificar Stálin”. Nos tempos modernos, particularmente nos ciclos sionistas seculares, reescrever Hagadot para concentrar-se não em D’us, se não nas vitórias dos líderes judeus do passado (Moisés, Miriam etc.) ou inclusive do presente (os pioneiros sionistas), não é tão incomum. Colocar os líderes não judeus no cenário central da Hagadá, sim, é. Se bem que não se pode culpar Nissim por sua ignorância sobre o futuro. Em retrospectiva, seu estado de ânimo festivo sobre a derrota de Hitler no Norte da África em 1943 é discordante, já que milhões de judeus ainda estavam por morrer na Europa, nas mãos de Hitler. A dissonância faz com que o trabalho de Nissim seja ainda mais fascinante. Mostra como um judeu não europeu naquele período podia estar tão isolado e, ao mesmo tempo, ser tão atrevidamente secularizado e moderno.


CEMITÉRIO JUDAICO DE 150 ANOS É TOMBADO EM PARINTINS, AMAZONAS Reportagem e foto por Hudson Lima

A primeira matzeivá (lápide) de uma sepultura judaica é da senhora Donna Cohen, falecida em 29 de abril de 1886. Em seguida, do judeu Isaac S. Benjo, falecido em 26 de janeiro de 1887, que seria um grande comerciante judeu que ajudou muito a comunidade de conterrâneos.

O

dia 21 de dezembro de 2021 foi mais uma página na história da saga dos judeus na Amazônia. O cemitério judaico de Parintins foi tombado. No Estado do Amazonas existem 5 cemitérios israelitas, contabilizando 455 sepulturas. O cemitério judaico fica localizado ao lado do cemitério São José, atrás da Catedral de Nossa Senhora do Carmo. Na solenidade de tombamento estiveram o doutor David Israel, Presidente do Comitê Israelita do Amazonas e a doutora Anne Benchimol, Diretora da Confederação Israelita do Brasil. Além deles, o publicitário Leão Azulay e o médico doutor Jacob Cohen.

Cemitério Israelita de Parintins – AM

“Este cemitério acredita-se ter sido fundado em 1850; lá há lápides de judeus que aqui viveram, datadas de 1860. Este cemitério é uma relíquia do judaísmo no Brasil. No dia 21 de dezembro foi colocada uma placa comemorativa ao tombamento”, informa em mensagem, o publicitário Leão Azulay. Sobrenomes de pessoas sepultadas no cemitério judaico de Parintins:


Preservação

É possível encontrar Salama, Dray, Levy, Benjo, Salom, Zagury, Cohen, Assayag, Gagy, Pazuelo, Sicsu, Serrulha e Mendes. “O cemitério está totalmente preservado graças ao interesse da Prefeitura em mantê-lo em perfeita ordem. Lá, entre alguns parintinenses famosos, estão sepultados o Sr. Elias Assayag e Pichita Cohen, além do Dr. Marcos Zagury, que foi assassinado dentro do fórum de Parintins e tem seu nome no Tribunal do Júri, além de outros imigrantes judeus que aqui vieram desde 1850, procedentes do Marrocos”, prossegue Leão Azulay. Segundo Azulay, a maioria dos primeiros imigrantes judeus trabalhava como regatão, comprando e vendendo produtos nos mais distantes lugares, nos “beiradões”. As principais festas importantes do judaísmo, como Rosh Hashaná (Ano Novo judaico), Iom Kipúr (O dia do Perdão) Pêssach (Páscoa), assim como o próprio Shabat (Sábado), eram promovidos na residência da família Cohen, em Parintins. Os judeus também ajudaram a fundar em Parintins no ano de 1903, a Loja Maçônica União, Paz e Trabalho. O judeu Jayme Baruel foi o primeiro venerável da loja, o venerável presidente. Primeiro sepultamento em 1886 e o último em 1980 A primeira matzeivá (lápide) de uma sepultura judaica é da senhora Donna Cohen, falecida em 29 de abril de 1886. Em seguida, do judeu Isaac S. Benjo, falecido em 26 de janeiro de 1887, que seria um grande comerciante judeu que ajudou muito a comunidade de conterrâneos. 20 • Amazônia Judaica

Matzeivá da senhora Donna Cohen

A última lapide registrada como sepultamento é de Elias Assayag, nascido em 21 de fevereiro de 1909 e falecido em 14 de fevereiro de 1980. O maior Ginásio de Parintins, localizado próximo ao Bumbódromo, leva o nome de Elias Assayag. A família Assayag é considerada a mais numerosa do Amazonas e tem como patriarcas os irmãos Isaac Abraham Assayag e Simão Abraham Assayag. Marcus Zagury “Aqui repousa o talentoso e íntegro promotor público Marcos S. Zagury, vil e traiçoeiramente abatido pelas balas de um perverso, na tarde de 23 de Agosto de 1938. Victima da rectidão de seu carácter e do cumprimento do dever o seu sangue innocente derramado, clama aos Céus justiça”, está escrito na sepultura do promotor, que hoje concede nome ao Fórum de Justiça.


Cemitério judaico de 150 anos é tombado em Parintins, Amazonas

Matzeivá de Marcus Zagury

Pichita Cohen, o judeu da alegria O comerciante judeu Pichita Cohen, como era chamado, tinha como nome verdadeiro Pin-has Salomão Cohen. É tido como grande incentivador da cultura na Ilha de Tupinambarana, fazia a alegria das crianças, na época do Natal e no carnaval. Seu Pin-has Cohen faleceu em 19 de setembro de 1975. Hoje foi eternizado no parque infantil “Cidade da Criança Pichita Cohen”. Em Parintins, assim como em outras cidades do Pará e do Amazonas, a imigração foi feita por judeus marroquinos, que são chamados de “sefarditas ou sefaradins”, um grupo descendente de judeus espanhóis e portugueses que chegou a partir de 1850 em Parintins,

Matzeivá de Pichita Cohen

Tefé, Manacapuru e Itacoatiara. Depois, alguns se mudaram para Manaus. Segundo a leitura de Bentes (1987) e Benchimol (2008), a imigração judaica aparece nos dois autores associada à economia da borracha, à liberdade de culto e às expectativas que foram criadas com relação à região.

Placa afixada à entrada do Cemitério Israelita David Vidal Israel, atual

de Parintins – AM, na cerimônia oficial de

Presidente do CIAM

tombamento. Amazônia Judaica • 21


Preservação

DEPOIMENTO DE DAVID VIDAL ISRAEL, ATUAL PRESIDENTE DO CIAM – COMITÊ ISRAELITA DO AMAZONAS

O

tombamento do Cemitério Israelita de Parintins já vinha sendo solicitado há bastante tempo, principalmente pelo CIAM, por Leão Azulay, por meu tio Jacob Cohen e também por minha prima Soraya Cohen quem, lá pelos idos de 2015, ficou bastante preocupada, temendo que o Cemitério Municipal, adjacente ao nosso, tomasse uma área dele que ainda estava livre. Foram então feitos diversos contatos com o Patrimônio Histórico. Mais recentemente, em meados de 2021, Leão Azulay e Jacob Cohen me levaram ao prefeito da cidade para ver o andamento do processo de tombamento. E, para minha surpresa, quando cheguei lá, não só o processo havia avançado, como já havia sido sancionado pela Câmara de Deputados. Foi até engraçado, porque quando solicitamos saber do andamento, o prefeito procurou saber do processo, que foi trazido e já estava sancionado por ele, que já nem se lembrava. O fato também nos chamou a atenção para a necessidade de colocar no local uma placa informando do tombamento. E assim, no final do ano passado nós, Leão Azulay, Jacob Cohen, Soraya Cohen e várias outras pessoas, colocamos a placa e concedemos, em nome do CIAM, certificados às pessoas e autoridades que participaram do processo, tais como o autor da lei, o Presidente da Câmara e o prefeito. O CIAM segue empenhado no tombamento de outros cemitérios no estado do Amazonas. Para tanto, seguimos contando com o apoio do Leão Azulay. Um levantamento da situação de outros cemitérios está sendo feito e várias tratativas com políticos do estado para que nos ajudem no que for necessário.

22 • Amazônia Judaica


CERTAS MULHERES QUE VIERAM DE LONGE: AS “POBRES MULHERES” SEPULTADAS NO CEMITÉRIO SÃO JOÃO BATISTA DE MANAUS Por Maximiliano Ponte* Fonte: Boletim Informativo – Arquivo Histórico Judaico Brsileiro, No.48

Nas páginas amareladas do Livro de Inumações do Cemitério São João Batista (CSJB) de Manaus, está registrado que, no dia 04 de abril de 1915, foi sepultada uma mulher nascida na Rússia, cujos pais são desconhecidos

A

causa de sua morte foi “asfixia por estrangulamento”. E, estranhamente, no campo reservado para o estado civil, encontra-se registrado “meretriz” (ver 1ª ilustração). Na lápide da sepultura, abaixo de uma grande estrela de David, observam-se claramente letras do alfabeto hebraico. Não há dúvidas que se trata de uma sepultura de uma mulher judia. Em hebraico, com certa dificuldade, pode-se ler o que aqui apresento de modo transliterado, ishá aluvá, que pode ser traduzido, de diferentes formas, como ocorre usualmente quando se trata deste antigo idioma semítico.

Poderia ser traduzido como “a pobre mulher”, como “a mulher sem honra” ou como “a mulher indigna”. A seguir, encontra-se grafado um nome feminino, desacompanhado do nome do pai, como é tradicionalmente usado, ou seja, não se observa, após o nome da falecida, a expressão bat (filha de) Fulano. Mais à frente, as letras em hebraico estão bem gastas e é difícil compreender o que está escrito. Mais abaixo, em português, lê-se “aqui jaz” e segue um nome feminino acompanhado por um sobrenome com muitas consoantes e poucas vogais, bem ao modo de alguns sobrenomes adotados


Resgate

por judeus asquenazitas oriundos do leste da Europa. Como registrado na lápide, ela morreu aos (sic) “42 anos de edade”. Muito longe do seu local de nascimento, esta judia morreu de modo violento. Trágico fim, embora não infrequente para mulheres que exercem a comumente estigmatizada “mais antiga das profissões”. Neste caso específico, o estigma era de tal ordem que, para os funcionários do cemitério, ela não era casada, solteira ou viúva; ela era “meretriz”. E, na placa de pedra, seus patrícios não a identificaram como uma eshet chail (esposa virtuosa), mas como ishá aluvá. Ainda mais, ninguém registrou, para posteridade, a saudade que sua morte causaria.

Montagem do livro de “Inhumações” do cemitério São João Batista de Manaus Em destaque o estado civil de “meretriz”, a origem russa, e a causa da morte da “HAISHA HALUVAH” citada no texto.

Hotel Cassina/Cabaré Chinelo Foto tirada possivelmente no começo do século XX. No prédioretratado, localizado no centro de Manaus, funcionou ao longo dos anos um hotel 24 • Amazônia Judaica

e diferentes“casas de tolerância”. Para muitos, este prédio é um ícone do boom e débâcle (queda) da chama-da Belle Époque manaura, associada ao ciclo de exploração da borracha. A mudança dos nomesdas “casas de tolerância” que ali funcionaram reflete bem este processo. Nos tempos áureos, alifuncionava o Hotel Cassina (Cassina era o sobrenome do proprietário de origem italiana). Poste-riormente, e ainda nos tempos de bonança, mantendo o antigo nome do hotel, mas funcionandocomo “casa de tolerância” era freqüentado por seringalistas, os barões da borracha, que vinhamdos municípios do interior para capital para beber bons vinhos, jogar carteado, e, sobretudoprocurar os “serviços” das cocotes, principalmente daquelas de origem européia, entre as quaisse encontrariam possivelmente mulheres judias, como as que tratamos no texto. Com a ruínaeconômica, após abrigar por certo tempo uma pensão, passou a funcionar ali o “Cabaré Chine-lo”, em clara alusão ao baixo nível do estabelecimento que passou a ali existir a partir de então.

Lápide da sepultura de Sarah Beila, cemitério São João Batista de Manaus Na foto pode-se visualizar o nome escrito em hebraico, a ausência de referencia a família, a data do óbito nocomeço da segunda década do século passado, o registro de “saudade de suas amigas

Esta judia era uma daquelas mulheres que ficaram genericamente conhecidas como “polacas”, em alusão à origem polonesa de parte delas. Ao longo dos anos, este termo se foi tornando pejorativo.


Certas mulheres que vieram de longe: as “pobres mulheres” sepultadas no cemitério São João Batista de Manaus

Neste texto, de modo alternativo, e em homenagem à judia cuja lápide descrevemos no início, nós as chamaremos de “pobres mulheres” (as que não forem identificadas como deste subgrupo serão designadas de “não pobres mulheres”). Elas eram judias oriundas em geral do leste europeu, que foram, no mais das vezes, vítimas do que modernamente se chama de tráfico internacional de mulheres para exploração sexual, efetuado por quadrilhas com participação de judeus (GRUMAN, 2006). No final do século XIX e início do século XX, época de uma sociedade francófila, estas europeias brancas muitas vezes se passavam, nas elegantes “casas de tolerância” existentes na cidade (ver 2º ilustração), por francesas, “produto” valorizado, sobretudo nos tempos áureos de ciclo da borracha na região amazônica1 (SANTOS, 2007). Embora a migração judaica para a Amazônia tenha mais de 200 anos, seu incremento se deu sem dúvida com o advento do ciclo da borracha, sendo marcada pela expressiva participação de

judeus sefaraditas, do norte da África, em especial do Marrocos. Benchimol (2008) narra que o destino inicial principal dos imigrantes judeus na Amazônia era o interior dos estados do Pará e do Amazonas. Com o início do declínio do ciclo da borracha, muito judeus migraram para as capitais; outros, depois de certo tempo, foram para outras regiões, em busca de melhores condições de vida. Tanto é assim que, até 1928, não havia em Manaus um Cemitério Israelita, evidenciando a pouca articulação comunitária até aquele momento. Antes deste ano, em Manaus, os judeus eram sepultados no CSJB. Deste modo, o fato de nossa ishá aluvá não ter sido sepultada no Cemitério Israelita nada tem a ver com eventuais restrições de cunho moral ou religioso. Benchimol (2008) ainda refere que haveria 94 sepulturas judaicas no CSJB. Em levantamento recente realizado pelo Comitê Israelita do Amazonas, puderam-se localizar sepulturas e documentos relativos a um total de 85 destes judeus. O primeiro judeu sepultado neste cemitério foi Abraham S. Israel, que faleceu em 1892. Já o último

Documentos ainda não plenamente analisados apontam para a possível existência de uma complexa, embora velada, interação entre as “pobres mulheres” e a comunidade judaica local em formação. Há indícios de que membros desta comunidade auxiliaram na compra de sepulturas e disponibilizaram o ritual judaico de sepultamento para elas. Por outro lado, outras evidências apontam que elas possivelmente fizeram doações financeiras, colaborando, de algum modo, com a comunidade judaica da época. Ademais, relatos orais de pessoas mais velhas da comunidade informam que, nas décadas seguintes, as analisadas no texto, algumas destas “pobres mulheres” por vezes buscavam e conseguiam apoio espiritual junto ao rabino da comunidade. Tais aspetos, se devidamente corroborados por pesquisas mais aprofundadas, poderão colocar em xeque o entendimento amplamente difundido na literatura de que haveria uma quase instransponível barreira social entre a comunidade judaica manauara, altamente endogâmica e conservadora, e as “pobres mulheres”, desenraizadas e “de vida fácil” (ORUM, 2012). Amazônia Judaica • 25


Resgate

ocorreu em 1968, quarenta anos após a fundação do Cemitério Israelita. O motivo pelo qual houve alguns sepultamentos fora do Cemitério Israelita após 1928, ao que se costuma comentar, deu-se sobretudo por decisões familiares. Entretanto, a grande maioria das sepulturas (78 casos; 91,7%) são de judeus falecidos no período de 1900 a 1927. Considerando como universo estes 78 casos ocorridos entre 1900 e 1927, observou-se um ligeiro predomínio de pessoas do sexo masculino (44; 56,4%), o que é razoável de se esperar, tanto pela reconhecida sobre mortalidade masculina, como pelo fato que nos fenômenos migratórios a população de homens tende a ser maior. Dentre as 34 mulheres, encontraram-se indícios (país de origem, inscrições nas lápides, estado civil, entre outros fatores) de que 14 (41,2%) poderiam ser consideradas “pobres mulheres”, o que não pode ser considerado um percentual pequeno. De fato, a maioria, dez, era de russas; apenas três eram polonesas e uma era suíça. Enquanto dez “não-pobres mulheres” (76,9%) eram casadas, nove das trezes “pobres mulheres” para as quais se tinha informação sobre o estado civil (69,3%) eram solteiras. Tais números evidenciam diferenças importantes nas redes de relacionamento e nos laços familiares que estas mulheres mantinham em seus cotidianos, em um local tão longe de seus locais de origem. Nas lápides das sepulturas das “não-pobres mulheres”, comumente leem-se mensagens de familiares, tanto do ciclo familiar primário – tais como “recordação de sua mãe e irmãos”; “saudade de seus irmãos”, como também do secundário, como “saudade eterna de 26 • Amazônia Judaica

seus inconsoláveis esposo e filhos”; “eterna saudade do teu filho” “saudades de seu esposo e família”; “eterna recordação de seu esposo, mãe e irmãos”. Por outro lado, nas lápides das “pobres mulheres”, tal como visto em relação ao caso da ishá aluvá, raramente há os nomes dos pais, ou menção à família. Nas lápides, encontram-se, sobretudo, expressões de saudade e perda por parte de “amigas” e “patrícias”. Expressões “saudades de tuas amigas e patrícias” ou “suas amigas” eram recorrentes (ver 3ª ilustração). Noutras ocasiões, amigas específicas eram citadas, tais como: “lembrança de sua amiga Dora”; “lembrança de sua patrícia Cecília”; “muita saudade de tua amiga Schneider”. Tais citações parecem apontar para a existência de redes de solidariedade entre estas “pobres mulheres”, na medida em que “amigas” e “patrícias” providenciavam, de algum modo, o sepultamento umas das outras. Em alguns locais, sabe-se da existência de verdadeiras confrarias de ajuda mútua, incluindo para o auxílio funeral a ser realizado dentro da tradição judaica (KUSHNIR, 1996). Não temos dados concretos que possam afirmar a existência dessas instituições em Manaus, mas as inscrições nas lápides, com letras em hebraico e outros símbolos judaicos, parecem apontar nesta direção. É interessante também destacar dois casos atípicos, nos quais, a despeito de não se identificarem as sepulturas como sendo de “pobres mulheres”, encontram-se grafadas mensagens que se assemelham às encontradas nas delas. O primeiro se trata de homem jovem, com um sobrenome tipicamente alemão, que faleceu vitimado de febre amarela, em 1913, aos 24 anos.


Certas mulheres que vieram de longe: as “pobres mulheres” sepultadas no cemitério São João Batista de Manaus

Em sua lápide, encontra-se escrito, entre outros dizeres, “saudade de suas amigas e patrícias”. O segundo se trata de uma menina de quatro anos, cuja procedência registrada é “alemã”, falecida em 1920, devido a uma “infecção intestinal”. Em sua lápide, está escrito “recordações de sua mãe. Saudades de um seu amigo”. Seria o jovem alguém relacionado de algum modo ao ciclo das “pobres mulheres”? Que tipo de amizade teria com elas? Seria um aliciador ou um cliente que, por algum motivo, era por elas tido como benevolente, e talvez, também, como elas, desprovido de laços familiares naquela Manaus do início do século XX? E a menina, seria ela filha de uma “pobre mulher”, e o “amigo” algum protetor, ou até mesmo seu pai? Encontrar respostas a estas perguntas não é um exercício simples, porém, ao examinar estes casos atípicos, podemos sugerir que as “pobres mulheres”, em sua permanência em Manaus, não apenas desenvolveram laços de solidariedade entre si, mas também com outros judeus, e possivelmente com outras pessoas. Estando correta esta suposição, demarcase a capacidade, possivelmente aliada à necessidade, destas mulheres se adaptarem à vida em condições adversas, longe de suas casas e de suas famílias. Todas as mulheres identificadas como “pobres mulheres” morreram na década de 1910 a 1919. Esta década coincide justamente com o período que se segue ao princípio da derrocada do preço internacional da borracha. Tal fato levou a um incremento da migração dos seringais no interior do Estado para a capital, o que pode ter contribuído para um aumento da população judaica na cidade. Este incremento

populacional associado a uma possível uma precarização das condições de vida na capital, poderia explicar, pelo menos em parte, a concentração das mortes das “polacas” nesta década, especialmente por se tratar de um grupo especialmente vulnerável. Tal hipótese parece ser razoável, na medida em que, também para o grupo geral de 78 judeus tomados como universo, foi neste mesmo período em que ocorreu o maior número de sepultamentos no CSJB (55,1%). As principais causas de morte entre os judeus sepultados naquela época foram as doenças infecciosas, com especial destaque para a febre amarela (22 casos; 32,4%); malária e disenteria/infecção intestinal (ambas com 7 casos; 10,3%). De modo coincidente, a principal causa de morte entre as “pobres mulheres” também foi a febre amarela, responsável por metade das mortes entre elas. Entretanto, as causas externas (violências) apareceram em segundo lugar, na medida em que dois casos foram associados a este grupo de causa. Além da morte por estrangulamento já descrita para a ishá aluvá, outra judia também russa de cerca de 40 anos morreu por “ferimento por arma de fogo”, no ano de 1916. Interessante destacar que, entre os judeus do sexo masculino sepultados no CSJB, cujo número é mais do que três vezes maior que o das “pobres mulheres”, encontrou-se apenas uma morte por causa violenta. Esta ocorreu em 1918, quando um judeu sefardita-marroquino, de cerca de 20 anos, faleceu devido a “ferimento por arma de fogo”. Outro aspecto interessante a comentar, em relação ao perfil de causas de morte entre as “pobres mulheres”, é que a Amazônia Judaica • 27


Resgate

única morte por “siphiles” ocorreu em uma delas em 1915, evidenciando mais uma especificidade deste grupo, como dito anteriormente, sobretudo vulnerável. Por meio destes breves comentários, pretendi colaborar para o não esquecimento destas mulheres que vieram de longe para Amazônia, que morreram como seus demais patrícios, acometidas de febres e doenças tropicais, além de padecerem em decorrência das condições especialmente vulneráveis nas quais viveram. Também pretendia evidenciar que, neste triste momento da história judaica, estas mulheres foram, pode-se dizer, resilientes e obstinadas, para, no contexto de perdas de laços familiares, reordenar e reinventar suas redes de solidariedade. Se não puderam viver plenamente como judias, buscaram e obtiveram meios para serem sepultadas como tal. E hoje, mais de um século depois da morte de algumas, podemos contar uma parte, mesmo que pequena, desta história judaica. E como quase todas as histórias judaicas, esta, que teve como cenário a distante (pelo menos da Europa) Amazônia, é marcada por dor, morte, perda, superação, erros e concertos. Embora não estejam sepultadas no Cemitério Israelita, como, aliás, não estão todos aqueles judeus que faleceram antes de 1928, suas sepulturas como as dos demais foram ao longo dos anos compradas e hoje pertencem ao Comitê Israelita do Amazonas. Em tempos mais recentes, seus nomes também são lembrados nos informativos semanais da comunidade, que informam os nomes dos falecidos a cada semana do ano. Assim, 28 • Amazônia Judaica

espera-se que elas não sejam esquecidas, pois, como dizem os sábios, a verdadeira morte é o esquecimento.

AGRADECIMENTO Ao Comitê Israelita do Amazonas pelo acesso aos documentos. A Anne Benzecry Benchimol pela leitura crítica do texto, bem como pelo auxilio na escolha das figuras que ilustram o texto.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BENCHIMOL, Samuel. Eretz Amazônia: Os judeus na Amazônia. 3ª edição. Manaus: Valer, 2008. KUSHNIR, Beatriz. Baile de máscaras. Mulheres judias e prostituição. As polacas e suas associações de ajuda mútua. Rio de Janeiro: Imago, 1996. ORUM, Thomas T. As Mulheres das Portas Abertas: judias no submundo da Belle Époque amazônica, 1890-1920. Revista Estudos Amazônicos, v. VII, n. 1, p. 1-23, (2012). SANTOS, Fabiane V. Sexualidade e civilização nos trópicos: gênero, medicina e moral na imprensa de Manaus (18951915). História, Ciências, Saúde – Manguinhos, v.14, suplemento, p.73-94, 2007. SANTOS JR, Paulo M. Pobreza e prostituição na Belle Époque manauara: 1890 – 1917. Revista de História Regional, v. 10, n. 2, p. 87-108, 2005. (*) Médico-Psiquiatria Instituto Leônidas e Maria Deane – Fundação Oswaldo Cruz


EL RINCÓN DE LA HAQUITIA Yehuda Benguigui

Besiman Tob UbeMazal Tob y en hora buena, Amazônia Judaica acaba de criar uma nova pérola, nossa coluna El Rincón de la .Haquitia, sob o comando de nosso querido chaver, ferazmal Yehuda Benguigui

¿Como surgió esta columna? Era noche de Alhad, descues de la Habdalah, cuando recibí un mensaje de Ferazmal Elías Salgado, el dichoso editor de esta Revista. Me hadreo que descues del éxito del “Festival Zejut Abot” en Agosto.2021 y la gran repercusión de la “Meza redonda” sobre la Haquitia en el CÍES- Congreso Internacional de Estudios Sefardíes”, en Noviembre.2021, quería proponer una columna permanente sobre la Haquitia en la revista e invitaba a que me hiciera cargo de la misma. Con mucho entusiasmo he aceptado este desafío y así nació “El Rincón de la Haquitia”. ¿Qué es al fin y al cabo la Haquitia? A vuelo de pájaro, se puede decir que los “Expulsados de Castilla”

que se instalaron en el Norte del Marruecos a partir de 1492, llegaron con su lengua judeoespañol. Al incorporar vocablos de la lengua local en Arbia y mezclarlos con más vocablos de raíces del hebreo, nacía la Haquitia... ¿Como ha evolucionado la Haquitia? Mientras que el Ladino, hablado por los sefardíes de varios países del oriente (Turquía, Siria, los Balcanes) fue ampliamente documentado por textos impresos y literatura abundante, tal no ocurrió con la Haquitia. En Marruecos en ese entonces no había ese tipo de desarrollo de casas editoriales. Así, la Haquitia se transmitió básicamente a través de manuscritos de uso personal, cartas familiares, aparte de algunos documentos tipo Meguilot especiales escritas en alfabeto


El Rincón de la Haquitia

Rashi (Solitreo), actas institucionales además de la transmisión oral. Tanto los manuscritos como las cartas obviamente tuvieron una conservación limitada dado su condición de ejemplar único y efémero. La tradición oral, por otro lado, tiene limitaciones mucho más profundas, por la pérdida de contenido en cada generación. además de otros factores como, influencia de otros idiomas, como Francés, Hebreo, portugués y el mismo Español, llevando a la situación del dialecto de casi desaparición como tal. ¿Como fue el resurgimiento de la Haquitia? La más antigua y completa recopilación de vocablos, expresiones y refranes en Haquitia, está representada por el clásico estudio de José Benoliel, publicado en separatas en el periodo de 1927 al 1952 en los Boletines de la Real Academia Española. Posteriormente, muchos estudiosos de la Haquitia en un esfuerzo de los más encomiables han desarrollado un sistema gráfico y gramatical para la escrita de la Haquitia, lo que ha generado numerosos trabajos, nuevos enfoques, diccionarios, sitios y portales y varias otras relevantes iniciativas a nivel internacional en

30 • Amazônia Judaica

la preservación y la difusión del dialecto. ¿Que pasó con la Haquitia de los judíos que se establecieron en el Norte de Brasil? Cabe señalar lo que ocurrió con la vertiente Amazónica de la Haquitia. Como bien documentado está, las comunidades judías de los estados del Norte de Brasil, son oriundas de judíos marroquíes, cuya migración empezó hace unos 200 años. Los pioneros dominaban perfectamente la Haquitia y el dialecto era común y corriente en esas comunidades, entre el final del Siglo XIX y las primeras décadas del Siglo XX, con las mismas limitaciones de cómo hablada originalmente en el norte de Marruecos en ese entonces. O sea, prácticamente exclusivamente comunicación oral, con muy parcos textos, representados por cartas y otros documentos familiares. Con el desuso, quedó limitado a utilización ocasional en ámbitos estrictos y familiares. Estudio realizado, indica que todavía se encuentra en uso cerca de 500 vocablos por los judíos de la Amazonia y sus descendientes. ¿Que publicará nuestra columna? Nuestra columna “El Rincón de la Haquitia” será eclética. Se


Abertura

publicarán contribuciones tanto en la Haquitia elaborada con toda la hiba y la sofisticación en la sintaxis y en la construcción gramatical, como también en la forma utilizada por los judíos de la Amazonia- verdadera “cápsula del tiempo” del dialecto como hablado a fines del Siglo XIX, inicio del Siglo XX en el norte del Marruecos.

Con su amplio conocimiento de la Haquitia como hadreada en Belem Pará, mientras vivía en esa ciudad hasta la década de los años 40, ha producido una “carta Haquitiesca ficticia”, que es una verdadera perla de hermosura y refleja bien la forma como los pioneros que llegaron en la Amazonia hablaban la Haquitia.

¿Que publicamos en esta oportunidad? En esta esta edición inaugural del “Rincón de la Haquitia” publicaremos dos textos.

Glosario de términos

En primer lugar, tenemos el gran gusto de publicar una interesantísima crónica de la consagrada autora de textos en Haquitia, Alegría Benarroch Albo, con el título “Nejma y sus Recetas”, en la cual se puede apreciar tanto su amplio conocimiento de las sutilezas del dialecto en sí como también de la forma gramatical y gráfica establecida. El texto siguiente, se trata de un homenaje y un recuerdo a una querida amiga, la escritora Sultana Levy Rosenblatt- que en buen Olam esté- que nos ha adoptado como sus ahijados, a mí y a Ferazmal Aziza, durante más de 20 años, después que llegamos de la Amazonia a Estados Unidos.

En relación al español ahaquetiado como hablado por los judíos de la Amazonia, no vamos incluir un glosario de términos... proponemos a nuestros queridos y endiamantados lectores que hagan un ejercicio de intentar buscar el significado de cada vocablo y tomar apuntes... una vez que en un futuro no lejano, publicaremos nuestro libro “AYGUAS MI GUENO”, en el cual, además de toda la evolución de la Haquitia como hablada por los judíos de la Amazonia y sus descendientes, incluiremos un detallado Diccionario de los vocablos comunes de esa vertiente de la Haquitia. Y ahora, a disfrutar de estos dos hermosos textos. Besimanto!

Amazônia Judaica • 31


“NAJMA Y SUS RECETAS” Por Alegría Benarroch Albo

Ĵ

imol: Mesodi mi wueno, bienvenida, alegre tu cara, asentuate y te h›hare un tippad de té con yerbawuena chibbá y Ažahar y te saquare unas rosquitas de aĵiĵoli que hizzi para el Chabbat y un cachito de letuario de naranĵa para endursar la boca. Mesodi: Gracias Ferazmal, te quedes sempre alegre y režia y dulce lo vivas. ganas tenia de mirarte y kasrear contigo. Ĵimol: Oye Mesody, te acordas de Neĵma, nuestra vežina àllah IRahma, que biscochos, esas fiĵuelas, esos petit fours y esos letuarios, todo endiamantado, al pie de la letra y que prežentasion

tenía todo y la tarta con pelo de angel y almendras que sabor tenía... Como se fajmeaba con todo ello. Wa ven escucha esta, una vispéras de Purim, me faltaron wuevos, Ferazmal Mose mi marido, se tzelfeo y no me tracho bastantes wuevos, wa me dichi, daca ire a caža de Neĵma y me fukeara. Me fi en kadella y dokkei en la puerta y abrió la puerta a mitad la hija, me decho en la atzba, la dichi ande esta tu Madre? Me contesto que subió al terrado a bachar el chabonado... Mintió, ne era verdad, ella estaba en la cozzina preparando de todo lo wueno, del golor lo supi. Ella fe y me tracho los wuebos, me los mekneo y cerró la puerta. Wa ya sabes cómo era con eso de las recetas, mem cerrada y si te daba una, te la daba tuerta. De que la sirvio, se llevó todo con ella a la Mea’ara. Wua que en paz descanse y que en buen Olam este.... Fiĵuelas: son dulces de masa frita en forma de flor con almibar.


Najma y sus Recetas

Glosario: Asentuate: siéntate H’hare: hacer režia: te quedes sana Yerbawuena: yerbabuena con sabor suave a menta Chiba: una planta que se pone en el te, especialmente en el invierno Ažahar: flor del naranjo Aĵiĵoli: césame Letuario: es un confite hecho de trozos de naranjas o otras frutas.. Endulzar: sentir el sabor dulce Salida del mal: que te libres de enfermedades Kasrear: charlar, conversar Te acordas: te acuerdas Allah IRahma: que Dios la tenga en piedad Hažia: hacia Fijueras: son dulces de masa frita en forma de flor con almíbar Petit fours: son dulces pequeños hechos de almendra, coco, chocolate...

Pelo de Angel: cabello de Angel Wuebos: huevos Dichi: dije Daca iré: dame iré Fukeara: me ayudara fi : fui Enkadella: a ella Atzba: escalón de afuera Terrado: terraza Bachar: bajar Chabonado: la ropa lavada Mintio: mentir Cozzina: cocina Golor: olor Supi: supe Fe: fue Tracho: trajo Mekneo: entregar Mem cerrada: Como Mem del hebreo, letra sin ninguna apertura...una persona muy discreta Tuerta: torcida Lebo: se llevo Mea’ará: cementerio Wa: para expresar aprobación Buen Olam: buen mundo

A cronista Alegria Benarroch Albo

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“MAMÁ, MI BIDA”* Por Sultana Levy Rosenblatt

A escritora paraense, Sultana Levy Rozenblatt

Q

ue el Dio te jadee y nuncua me faltes. Mas negro que un carbón seria mi mazal si no te tuviera a ti para oír mis

kaaras. Ahora te hago el cuento de lo que ha pasado el Sabath. Go por mi... la adafina me salió shebda y Ferazmal levantó un gueruz. Se ha puesto un Haman, por todo se ensaña y me saca en vacío todo lo que hago por el. Ya sabes cómo lo cevo, que se ha hecho un Barragán... Makhlea Baba hasta erutar y le digo calzeando “berajah y provecho”... pero daca, que no hago como hacía la descansada su madre y que lo estoy

matando de hambre... No bale lo que me arqueo pa que todo salga luzido... escucha todo lo que hacemos, hasta un safon no deja pasar. Cuando Ferazmal se genea, le entra el huerco en su cuerpo... Le pido, ajlas no es jobah que la sajenah te oiga...pero el de tenekud, alza más la voz, tira las cosas, hace una guezerah, como si estuviera dando me una treja. Y eso que había venido de meldar y pitnear en la Esnoga. Es que queda muy entenido porque lo hacen kabot por su sabiduría de la Torah y le tratan de Ribi, kalek. Si vieran las pirzas que me hace, no me foquea en nada.... ni siquiera fetenea las matanzinas que me doy pa que tenga todo de bueno el


“Mamá, mi Bida”

Ribi de haráh, plasmado el hondon en la silla, kalek todo el día meldando. Es una Luz de la Calle y tinieblas en su casa... Mejor me hubiera quedado sola, que vivir ese negro mazal. No sé qué le dio a Ferazmal Papá de esa ajasras de me casuiar. Mire a Freha, aún con la janona que tiene y lo selteada que era y que luzero la tocó.... Siempre me decían que no querías junteras con josmines esos, que el padre charbeaba y y tenía una hermana malhablada que sería nishkajah, que la madre era una charfa fedionda, que los abuelos cargaban barriles de harah en Chechuan y acá se alzaron con halampas..., Ya me alegri de benir de jajamim y no pasar de aniim... Mi lucero es Reinica, le voy a enviar la estampa pá que veas como se parece, más bida tenga ella, que tía Perla. Su misma cara de luz y su corazón de sadikah. El día de los Purimes cumplió tu mano, mejorado que viva ciento beinte años, con alegrías y un claro mazal. Bueno mamá, perdóname te molestar con mis kaaras. No se olvides de pedir a Ferazmal Papá pá hecharme una berajah pá que se me aclare mi mazal...Tu hija qué tiene el alma arrancada por ti, Hadra

NOSSO COLUNISTA ESPECIAL * Yehuda Benguigui, é médico pneumologista especializado em Saúde Pública internacional. ExAssessor Senior da Organização Pan Americana da Saúde/ Organização Mundial da Saúde. Nascido no interior do Pará, é primeira geração de brasileiros, filho de marroquinos que chegaram na Amazônia e vive atualmente em Washington DC, nos Estados Unidos. Apaixonado pela cultura sefardi-marroquina, se dedica ao estudo deste tema. Realizou mais de dez viagens de estudo a várias cidades do Marrocos. Em base ao anterior, publicou cerca de 50 artigos sobre os chachamim

(*) - Publicado anteriormente en “Jornal Amazônia Judaica”. Edição # 14, Maio.2003, no artigo “Haquitia: Nosso Dialeto Quase Perdido (2)”, por Yehuda Benguigui.

(sábios) do Marrocos, a saga das famílias dos judeus de origem marroquina no Norte do Brasil e sobre a Haquitia, como falada pelos judeus da Amazônia, incluindo um estudo sobre o grau de uso desse dialeto. Estes temas estão sendo transformados em livro de sua autoria.

Amazônia Judaica • 35


Dossiê Amazônia Judaica 20 anos lado a lado com a literatura sefardi-amazônica


Literatura

Regina Igel Alessandra Conde Wagner Bentes Lins Elias Salgado


RESENHA DE TELA DE SEVOYA, DE MYRIAM MOSCONA Por Regina Igel Barcelona: Acantilado, 2014. 275 páginas.

Ladino é um dos idiomas mais enigmáticos e mais transparentes que existem. Parece uma controvérsia mas, para quem lida com esta língua em seu trabalho profissional, seja como escritor/a, crítico/a de literatura ou em outros tipos de observação, ladino pode nos levar a pensar como um idioma tão velho é ainda escrito, lido e compreendido? E, em alguns lugares, ainda é falado.

D

aí ser um enigma e ser tão claramente entendido por quem souber de sua história. Nasceu a partir do final do século XV, por volta de 1492, quando se fez oficial a expulsão de judeus ibéricos da Espanha. Proibidos de levar qualquer bem material que porventura possuíssem, os judeus levaram consigo a língua espanhola. Mas não o espanhol ou o castelhano falado por seus algozes, os reis Fernando e Isabel. Era um espanhol falado entre judeus, assim como os muçulmanos falavam seu castelhano também (conhecido como ‘espanhol-arábico’). O espanhol falado pelos judeus, ainda no território peninsular, já apresentava características especiais: era o espanholjudaico, mais tarde conhecido como ‘judezmoespañol’, além de receber outros nomes. Prevaleceu ‘ladino’, um termo genérico que se refere ao espanhol falado e escrito pelos judeus ibéricos, levado e ajustado aos seus vários caminhos diaspóricos. (Não confundir com

‘ladino’, língua falada ao norte da Itália e em certos espaços da Suíça – é uma coincidência de denominação; tampouco confundir com ‘ladino’, um cognome depreciativo para mestiços, criado durante tempos coloniais nas Américas Central e do Sul.) Várias gerações, estas descendentes dos espanhois e portugueses da fé judaica, continuaram a usar o ladino nas comunidades sefarditas onde se encontrassem. O desaparecimento das gerações que o falavam na sua vida cotidiana deixou um legado: o ladino escrito em poemas, histórias, cantigas, contos e provérbios. Já não é falado nas comunidades sefarditas, mas é ainda escrito e ensinado em certos centros universitários esparsos pela Europa, por Israel e pelas Américas. Há dicionários de ladino, como ladino-espanhol, ladino-inglês, ladino-francês, talvez outros mais, posso não saber de todos eles. O ponto a que quero chegar é que ladino é uma língua que foi falada fluentemente em todos os setores na prática dos expatriados


Así És: Saúde, Felicidades e Boa Sorte! Judaísmo na comunidade de Belém e suas Segulot

espanhois e portugueses judeus fora da Península Ibérica. Hoje, não sendo língua de comunicação pelos seus descendentes, ainda é escrita, principalmente em textos literários. Um exemplo do ladino escrito no nosso século XXI é aqui visitado: o romance Tela de sevoya, da escritora mexicana Myriam Moscona. Como se dá a perceber, o título está em ladino, assim como seus muitos capítulos, também enriquecidos com sentenças, diálogos, ensaios, crônicas e poemas em ladino, ao lado do espanhol, a comunicação narrativa primordial. Moscona é descendente de sefarditas da Bulgária. Jornalista, produtora de televisão, tradutora e poeta, recebeu o Prêmio Xavier Villaurrutia, em 2012, um dos mais ambicionados prêmios literários do México. Antes desta obra, publicou romances que também tiveram seu valor reconhecido por prêmios. “Sevoya” é ‘cebola’ em ladino e ‘tela’ tem a ver com seu envoltório, constituído de inúmeras capas, finas e quase transparentes. Para chegar ao bulbo comestível da cebola, vamos nos desfazendo dos seus invólucros e assim, o título do romance já o demonstra:

a narrativa é um descolar de camadas de memórias, pelas quais se infiltram partes da trajetória de uma família sefardita, descrições de fatos históricos que tiveram influência direta no destino daquele grupo familiar, cantigas em ladino, crônicas de uma viagem a Bulgária e a outros lugares, em busca das pegadas de famílias judias e uma passagem pela culinária sefardita também entra no descascar da cebola. A memória da narradora vai retirando as camadas das suas lembranças, o que presenciou desde menina na sua casa no México e o que ouviu de alguns parentes como era a vida antes do Holocausto na Bulgária, a terra dos pais da narradora. Pode-se dizer que a obra tem um relevo autoficcional e outro, histórico. Com uma estrutura que foge ao convencional, o romance instala seis partes, que se alternam na linhagem metódica dos relatos. São elas assim designadas: Distancia de foco (Distância de foco), Molino de viento (Moinho de vento), Del diario de viaje (Do diário de viagem), Pisapapeles (Pisapapeis), Kantikas (Cantigas) e La cuarta pared (A quarta parede). Pode-se ler em linha reta, por exemplo, terminando de ler Distancia de foco, que

trata da família da narradora, seguir para o próximo capítulo desta parte, que se coloca algumas páginas adiante. Entre Distancia de foco e o texto seguinte sob o mesmo nome intercala-se Molino de viento e outras partes se interpõem. E pode ser preferível seguir a trajetória da autora, isto é, recebendo suas lembranças à medida que ela as recebia, por instigações e relatos alheios. O vaivém dos fragmentos nos traz a ideia do movimento aleatório da memória, mas se faz evidente o trabalho artesanal-literário de Myriam Moscona, na distribuição dos textos. Embora embalada pelas lembranças da infância, a narradora não adoça suas relações com alguns membros da família, pois expõe o apetite sexual de um tio, mas principalmente a aspereza da sua avó materna, que morava com ela e sua mãe. Seu nome é Victoria, e não há diálogo entre elas que não tenha uma ofensa de parte da avó, que lhe fala em ladino ao que a menina (então) lhe responde em espanhol. Uma das referências a esta avó oferece o perfil da senhora: “Mi abuela Victoria, la mujer siniestra de mi infancia” ... (Minha avó Victória, a Amazônia Judaica • 39


Dossiê literatura

mulher sinistra da minha infância.) Os segmentos vistos em Del diario de viaje, como o título indica, têm a ver com uma viagem, aquela empreendida pela narradora para a Bulgária, em busca de elementos para reconstituir, por escrito, a vida dos sefarditas antes, durante e depois do Holocausto mas, principalmente, da sua família. Consegue visitar a casa onde moraram sua avó Victoria e sua mãe, quando menina. Naquele país, os judeus falavam o ‘djudezmo’, outro dos nomes de ladino. No segmento Molino de viento entram cenas surrealistas, recriadas em sonhos e miragens, seja a morte da sua mãe, que era cantora de ópera e pianista, ou visões de seu pai carregando um piano, ou de sua avó, a sinistra. Em Pisapapeles, a parte mais longa em termos de segmentos, são narradas a história dos judeus no México, do idioma ladino (em que são alinhados oito nomes para este idioma) e da possibilidade de seu desaparecimento (situação já prevista por gramáticos e filólogos). São também encontradas passagens explicativas a respeito da origem de certas palavras, além de crônicas curtas, 40 • Amazônia Judaica

seja contando uma piada, seja falando de um sonho fantástico ou de miragens de diálogos que entorpeciam as noites da narradora. Em La cuarta pared emerge um diário, datado do começo do século XX, pertencente a uma mulher que leva o nome de

família do seu pai, Karmona. Intrigada com estas páginas, a narradora descobre que tal mulher foi uma pioneira entre mulheres, pois conseguiu emprego como telegrafista, em tempos que mulheres não trabalhavam ‘fora’ e muito menos em trabalho geralmente ocupados por homens. Neste mesmo segmento, a autora insere passagens contendo sentenças, provérbios em ladino e textos completos, como o que está à página 58. Um trecho de um deles está assim: “Esta es la

língua de muestros rikordos, a los mansevos, agora, no les dize komo mos dize a mozos. (...) Los mansevos (...) No tienen kuriosidá por esta língua.” Está clara a mensagem: o ladino já não atrai a curiosidade dos jovens, passou a ser apenas uma língua para trazer ao presente recordações de quem a falava. Todo o volume é carregado de sugestões, possibilidades, situações imaginadas, imagens surrealistas que convivem com a narrativa realista, tipo ‘pés no chão’. O factual se expressa no relato da viagem à Sofia, sobre os antepassados turcos (como sua avó paterna), trazendo ainda uma pitada sobre a culinária sefardita e sobre cantares e provérbios. Não é um livro de aventuras, nem de viagem, mas inclui essas situações em meio a uma elaboração elegante, multifacética e exploradora de parte da história da dispersão sefardita. O espanhol em Tela de sevoya é bastante claro para o entendimento geral e o ladino nele incluído em diálogos, ensaios, diálogos e em poemas é também relativamente fácil para a nossa compreensão, como brasileiros ou portugueses.


ELIAS SALGADO: UM HISTORIADOR QUE SE QUIS CRONISTA E AS MÚSICAS GUARDADAS NA MEMÓRIA Por Alessandra Conde*

Li em algum lugar que alguns judeus na Amazônia mudaram seus sobrenomes tanto para evitar perseguições, atitude preventiva frente às injúrias, assassinatos e toda a sorte de ações antissemitas sofridas na terra da qual emigraram, como uma forma de se tornarem próximos aos nativos.

O

historiador e cronista Elias Salgado, por exemplo, diz que seu avô Lázaro aportuguesou o sobrenome Elmaleh, tornando-se Salgado. Em Memória indiciada (2020), Elias Salgado, o historiador que se quis cronista, mostra como as teorias da História e a prática de colher o fato histórico movem o seu fazer investigativo de historiador à espreita, constituindo motivos para as suas crônicas. O detalhe, segundo aprendeu do italiano Carlo Ginzburg, deve ser buscado e dirimido. O cronista, nascido em Rio Branco no Acre e criado em Boca do Acre, no Amazonas, aprendeu a ver nos detalhes, nos casos fortuitos, na música, uma oportunidade para conhecer algumas


Dossiê literatura

passagens a respeito da história dos judeus na Amazônia. Com bom humor, o historiador constrói o cronista, um artesão das histórias de família, cujos primeiros tons e semitons de uma melodia judaico-amazônica estava já presente no seu primeiro livro de crônicas O fim do mundo e outras histórias de beira-rio, publicado em 2015. Do mesmo ano, há o livro História e memória: judeus e industrialização no Amazonas feito em parceria com David Salgado. Neste, a memória ecoa as histórias de vida de um grupo de judeus no Amazonas. Um pedaço de uma história singular e significativa para a formação social e econômica da Amazônia, como bem lembrou Samuel Benchimol em sua obra seminal Eretz Amazônia (1998). Se o historiador pôs, num primeiro momento, os olhos sobre gente dita graúda, é sobre os miúdos e sobre os seus pareceiros que o cronista se detém. Ele ouve um chamado das melodias que envolvem as gentes simples que habitam florestas e ruas centenárias, quer na hileia amazônica, quer no Rio de Janeiro, que também recebeu migrantes judaico-amazônicos. De qual melodia ou sobre quais falamos? Memória indiciada é o terceiro livro de crônicas de Salgado. É um livro memorativo e comemorativo. É um livro que nos leva a ouvir uma música que não foi olvidada. Ao contrário, é rememorada. Para Walter Benjamin (1987, p. 224), “articular historicamente o passado não significa conhecê-lo, como ele de fato foi. Significa apropriar-se de uma reminiscência, tal como relampeja no momento de um perigo”. São músicas o que o livro Memória indiciada muitas 42 • Amazônia Judaica

vezes nos leva a ouvir. Não são longas canções, mas pequenos solfejos que impregnam a nossa mente. O cronista referencia músicas e cantos. O canto sabático não é esquecido. Está lá na memória, na celebração do feito histórico que a memória comemora: “Lechá Dodi Likrat Kalá Penei Shabat Nekabelá” (SALGADO, 2020, p. 31). O cronista historiador lembra de uma data e celebra com canto: o bar mitzvá do irmão. A música faz ainda o cronista lembrar das amizades. Nas trilhas da memória, os Beatles, Vivaldi, a Jovem Guarda, Roberto Carlos, a história do cronista vai se compondo. Saudosista quem sabe, mas talvez mais que isso, as lembranças sejam de dias alegres, significativos. Dias a ser comemorados. E o cronista se lembra de mais uma melodia: those are the days/ haiu zmanim (em hebraico) / aqueles tempos’, título de um hit musical daquele mesmo ano na voz de Mary Hopkin, no sentido de que os dias passados eram melhores que os atuais. Mas, se não melhores, aqueles, certamente, eram outros dias” (SALGADO, 2020, p. 47). Ele também se lembra do tango que lhe retratou a juventude com seus amigos: Balada para un loco (SALGADO, 2020, p. 79). Ou do samba que o ajudou a conquistar Mariza (SALGADO, 2020, p. 68). Mas, como um historiador a seguir seus mestres, o cronista, ao som das músicas presas na memória, sentencia: Nada mais somos do que pura memória. Até os desmemoriados têm memória. Acreditem, eles não as perderam, já que ela sobrevive às suas lembranças, mesmo aquelas que, para os outros, parecem apagadas. Nossa memória não está só em


Literatura na Amazônia judaica

nós, ela existe independente de nós. Se elas parecem esquecidas, haverá alguém, perto ou longe, que sempre as preservará. (SALGADO, 2020, p. 15).

São muitas as histórias e muitas as memórias. Mas como nascem as histórias, se interroga o cronista/ historiador na crônica “Fazendo o que quer e como quer?” : “Somos nós que vamos ao seu encontro ou são elas que nos procuram?” (SALGADO, 2020, p. 17). O cronista, contudo, não responde a esta inquirição. Olhando mais uma vez ao passado, ele revê pessoas significativas, pessoas que o ajudaram a ser o que é: um cronista, um historiador, um amante da boa música. Parece que entre tantas funções que desempenhou, o cronista, em sua trajetória como historiador, a música o enleva a altas inspirações, como aquelas que lhe fizeram rememorar a vida familiar na longínqua e quente cidade da infância ao lado das tias e da mãe: “E foi assim que ao mesmo tempo que cantava cantigas no colégio, como as músicas brasileiras da época, também as entoava com minha mãe e minhas tias, em casa. Enquanto isto, também aprendia a cantar em hebraico.” (SALGADO, 2020, p. 30).

Entre uma nota e outra, a história da infância e da juventude vai sendo colhida da memória, não como coisa plena, mas como vestígios, indícios, murmúrios de antigas canções jamais esquecidas.

Referências BENJAMIN, Walter. Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura. Trad. Sérgio Paulo Rouanet. São Paulo: Brasiliense, 1987 – (Obras escolhidas, vol. I). SALGADO, Elias. Memória indiciada. Rio de Janeiro: Talu Cultural, 2020. SALGADO, Elias, SALGADO, David. História e memória: judeus e industrialização no Amazonas. Rio de Janeiro: Amazônia Judaica, 2015. SALGADO, Elias. O fim do mundo e outras histórias de beira-rio. Rio de Janeiro: Talú Cultural, 2015.

Alessandra Conde Doutora em Letras e Linguística pela Universidade Federal de Goiás e Professora Adjunta da Universidade Federal do Pará, vinculada à Faculdade de Letras (FALE) do Campus de Bragança –PA.

Coordenadora e co-organizadora do projeto de pesquisa e do livro intitulado Ecos sefarditas: judeus na Amazônia e Membro do Conselho Acadêmico do CEJA – Centro de Estudos Judaicos da Amazônia. Amazônia Judaica • 43


ASÍ ÉS: SAÚDE, FELICIDADES E BOA SORTE! JUDAÍSMO NA COMUNIDADE DE BELÉM E SUAS SEGULOT por Wagner Bentes

A despretensiosa publicação de Iana Barcessat Pinto nos arrebata por sua simplicidade e desperta nos leitores um misto de empatia e curiosidade.

O

texto de Así És: O Judaísmo em Belém e suas Segulot em sua informalidade nos remete à sensação de uma conversa espontânea ao redor de uma mesa farta e alegre, como é recorrente nas comunidades sefaraditas que há mais de dois séculos se estabeleceram na Amazônia. Em amplas mesas, são servidas iguarias marroquinas, de receitas trazidas de longe, conservadas ao longo dos tempos, e quase sempre adaptadas aos temperos e ingredientes da culinária local. Ao redor delas, escutamos uma diversidade de histórias, algumas de tempos idos, outras do dia anterior.

Preces e canções repetidas ao longo de gerações. Uma miscelânea de vozes, assuntos diversos que variam em uma velocidade inacreditável. Os escritos de Iana, sem dúvidas, nos remetem a essa atmosfera dinâmica dos encontros dos judeus da Amazônia. Onde um assunto enseja outro assunto diferente. que serão explicados e detalhados ao máximo, até onde alcançam os limites da memória. E logo em seguida, rapidamente, emerge um assunto distinto, ou assuntos anteriores dos quais algum detalhe foi negligenciado, são de pronto retomados. Tudo isso recheado de diversas expressões em hebraico e principalmente em Haquitia,


Así És: Saúde, Felicidades e Boa Sorte! Judaísmo na comunidade de Belém e suas Segulot

a língua judaica trazida do Marrocos, hoje em franco desuso, que resiste em palavras soltas, expressões que denotam pavor, agradecimento, indignação... xingamentos ou ditados, como o que enseja o título deste livro. Além de nos remeter de forma espontânea à atmosfera da comunidade judaica de Belém, o diferencial na abordagem da autora é um rico apanhado do cotidiano dessa coletividade judaica a partir da última metade do século XX. Descrições sobre os primórdios da imigração judaica na Amazônia já foram realizadas com certa recorrência pela historiografia, por segmentos das ciências sociais e na literatura. No entanto, o texto contido neste livro abarca um cotidiano mais recente que certamente norteará pesquisadores em futuras abordagens deste assunto. Ao descrever as festividades do calendário judaico e celebrações como casamentos, circuncisões, bar-mitzvot, transparecem no texto costumes e particularidades, o misticismo e crenças trazidos do Marrocos que ainda perduram ou que já foram esquecidos, ou substituídos por outras influências judaicas. Tudo isso muito bem ilustrado com antigos documentos resgatados, fotos de família, desenhos e pinturas com temática judaica. E nesse apanhado diverso como um colorido mercado marroquino, ou sortido e variado como os regatões dos pioneiros judeus que navegavam nos rios da Amazônia, a autora resgata suas memórias, relembra seus antepassados e, consequentemente, a memória da comunidade como um todo. E realiza

assim, um desejo antigo de registrar em palavras o que ela descreve como Segulot. Na tradição talmúdica e cabalística, a palavra Segulah, cujo plural é Segulot, significa “remédio, proteção”. Também encontrada no Antigo Testamento, nos livros de Êxodo e Deuteronômio, como sentido de Tesouro, quando Deus referese à Nação de Israel como “Sua Segulah”. De acordo com estas explicações, o livro faz jus ao seu título e conteúdo, quando desponta como um remédio contra o esquecimento, como proteção da memória e de costumes daqueles que já não estão entre os seus. Ou ainda, como um valioso tesouro, que guarda a preciosidade das coisas simples. Um tesouro que a autora gostaria não somente de perpetuar para seus filhos e netos e que agora também compartilha com os leitores.

Amazônia Judaica • 45


AMAZÔNIA JUDAICA E A LITERATURA SEFARDITA AMAZÔNICA: CAMINHANDO JUNTAS E BEM ACOMPANHADAS Elias Salgado

Nos seus 20 anos de existência, Amazônia Judaica vem estudando, analisando, resenhando e publicando artigos e livros de autoras e autores judeus amazônicos. E a lista é imensa.

S

e tentarmos listá-los a todos, sem dúvidas incorreremos em injustas omissões. Uma visita ao nosso site, www.amazoniajudaica. com.br , certamente corroborará nossa afirmação sobre o trabalho que vimos realizando neste campo da cultura. Mas há uma outra maneira de fazer justiça, que seria listando todos aqueles – estudiosos da literatura, críticos literários, jornalistas e os próprios autores – que leram, estudaram, pesquisaram, escreveram e foram por nós publicados, em nosso jornal e nossas revistas ou em formato de livro, por nossa editora ou outras. Numa rápida volta ao passado, visando tentar historicizar, de maneira resumida, a relação do/a Amazônia Judaica1


Literatura na Amazônia judaica

com a literatura, registraremos tal trajetória a partir do critério de tentar destacar aquelas que consideramos as fases mais marcantes e determinantes deste processo histórico da relação do/a Amazônia Judaica com a literatura. Na fase de publicação do jornal, a literatura judaico-amazônica se fez representar em suas páginas pela icônica escritora paraense Sultana Levy Rosenblatt (z”l), que chegou a publicar crônicas especiais para o Jornal Amazônia Judaica. Com o surgimento da Revista Amazônia Judaica, em 2010, a literatura ganhou de vez um espaço importante e definitivo em nossas edições. Passou a publicar textos do cronista Elias Salgado2 e ganhou uma coluna literária especial, comandada por ninguém menos que a Profa. Dra. Regina Igel, Editora Executiva da nossa editora e, naquele então, Coordenadora do Departamento de Língua Portuguesa e

Espanhola, da Universidade de Maryland, USA (hoje é Professora Emérita na mesma instituição). A Profa. Regina é especialista em literatura brasileira judaica. É de sua autoria o clássico Imigrantes Judeus, Escritores Brasileiros. Ela é a pioneira nos estudos de autores sefarditas da Amazônia, e segue sendo até hoje uma referência mundial no tema. De sua autoria, a Revista Amazônia judaica, já publicou os seguintes trabalhos: Moacyr Scliar e Milton Hatoum, em texto que compara a obra dos dois escritores3 e, com este artigo, inaugurou esta fase tão marcante da história da Amazônia Judaica em seus primeiros 20 anos de existência. Estes foram seguidos por: Marcos Serruya (z”l)4 , Ilko Minev e Elias Salgado5, Paulo Jacob e Samuel Benchimol6; Leonor Scliar Cabral, Tatiana Salem Levy7 e Sultana Levy Rosenblatt8.

Sefarad Universo

ANO 1 No 1 ABRIL DE 2018 ISSN 2527-0826

PRESENÇA EM SEFARAD:

UMA ARQUEOLOGIA DAS ORIGENS 1

Amazônia Judaica • 47


Dossiê literatura

Em 2017, quando dos 15 anos de fundação, publicamos em português e espanhol, pelo nosso selo Amazônia Judaica, a coletânea Amazônia Judaica, 15 Anos de Travessia, organizada por Elias e David Salgado e que foi lançada no Brasil, em Israel, Portugal e na Espanha contendo, entre outros textos, artigos, resenhas literárias e crônicas de autores judeus sefarditas brasileiros. Em 2018, na Universidade Federal do Pará, campus de Bragança, foi criado, pela Dra. Alessandra Conde, o projeto Ecos Sefarditas, Judeus na Amazônia, voltado para o estudo da literatura de autores sefarditas da Amazônia, iniciativa inédita naquela região e rara em nível acadêmico no país até hoje. As demais universidades envolvidas conosco são: USP (Universidade de São Paulo), a UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais)9 e a UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro). No ano de 2019, Amazônia Judaica e o Projeto Ecos Sefarditas, Judeus na Amazônia dão início a uma parceria, na qual a Profa. Dra. Regina Igel, Editora Executiva da Amazônia Judaica e o Prof. Elias Salgado, Diretor, passam a fazer parte do conselho acadêmico do Projeto Ecos e a Dra. Alessandra Conde, do CEJA (Centro de Estudos Judaicos da Amazônia), criado e mantido pelo Amazônia Judaica. Esta iniciativa das duas instituições é hoje um marco na história dos estudos, 48 • Amazônia Judaica

pesquisas e publicação de artigos, ensaios e resenhas sobre a literatura de autores judeus ou descendentes, em especial os de origem sefarditaamazônica. O primeiro grande resultado desta importantíssima parceria foi a edição e publicação, em 2020, da coletânea Ecos Sefarditas, Judeus na Amazônia, organizada pelas Dras. Alessandra Conde e Silvia Benchimol e lançada pelo selo Amazônia Judaica. Em setembro do mesmo ano a Revista Universo Sefarad publica um Dossiê Especial de lançamento da coletânea e sobre o trabalho realizado por nosso parceiro, o Projeto Ecos. O Dossiê traz também uma maravilhosa resenha da Profa. Dra. Nancy Rozenchan, da USP, especialista em literatura, israelense, judaica mundial e brasileira10. Na mesma edição a jornalista Cristina Konder, colaboradora da coluna de Literatura das nossas revistas, publica resenha sobre a trilogia de livros do cronista Elias Salgado11. Desde então não paramos mais. O ano de 2021 ficará na história dos estudos e pesquisas sobre o judaísmo sefardita mundial, tendo o Brasil, através do CEJA, Centro de Estudos Judaicos da Amazônia, como um dos novos polos de produção e distribuição de conhecimento referente a esta etnia judaica, no mundo, na atualidade. Em seguida, outro importante passo foi dado: Por iniciativa do CEJA, organizamos


Literatura na Amazônia judaica

o I CIES – Congresso Internacional de Estudos Sefarditas12. O evento contou com a participação de cerca de 50 estudiosos de 10 diferentes países e teve a literatura sefardiamazônica, por iniciativa do Projeto ECOS, na pessoa da Dra. Alessandra Conde, como um dos eixos mais significativos do Congresso. Mais de 50% dos trabalhos apresentados no evento tinham a literatura judaica sefardita como temática. E agora, para culminar esta brilhante trajetória de duas décadas atuando em prol da cultura sefardita-amazônica, com ênfase marcante na produção literária e o seu estudo, Amazônia Judaica lançará a coletânea Amazônia Judaica - 20 Anos Depois, organizada pelo Prof. Elias Salgado e pela Profa. Dra. Regina Igel, contendo artigos selecionados entre os

trabalhos apresentados no I CIES, pela Coordenação Acadêmica do Congresso. O CEJA e a Editora Amazônia Judaica, no intuito de preservar a cultura sefardita no Brasil, registrará, nessa coletânea, estudos publicados por especialistas nas áreas literária, linguística, histórica e sociológica como emitidas sobre a região amazônica.

Notas Entre os anos de 2002 e 2010, Amazônia Judaica foi publicado como jornal comunitário impresso, em Belém do Pará, pelo chazan e jornalista David Salgado, seu fundador. A partir de 2010, ano do Bicentenário da presença judaica na Amazônia, os irmãos Elias e David Salgado transformam o jornal na Revista Amazônia Judaica. E em julho de 2018, com a criação,

1

Amazônia Judaica • 49


Dossiê literatura

por Elias Salgado, da Revista Universo Sefarad, Amazônia Judaica se torna um suplemento da mesma, passando a ser publicado em formato digital e impresso e em edições especiais, Amazônia Judaica é impressa separadamente. Isso se deu a partir da 1ª. edição da revista (2010) e segue até os dias atuais (2022). Em 2015, parte daquelas crônicas foram publicadas no primeiro livro do autor, O Fim do mundo e outras histórias de beira-rio, pelo selo Talu (Talu Cultural)

2

“Igarapés literários da Amazônia: Samuel Benchimol, Paulo Jacob, Ilko Minev e Elias Salgadio” (Amazônia Judaica, Edição n° 10, abril 2017).

6

“Escritoras sefarditas brasileiras: Minoria dentro da minoria” (Amazônia Judaica, Edição n° 11, setembro 2017).

7

“Inesquecíveis jantares de Pessach na residência de Sultana Levy Rosenblatt e Martin Rosenblatt” (Universo Sefarad, Edição 1 – n° 6, abril 2020).

8

3

“Moacyr Scliar & Milton Hatoum: Semelhanças e diferenças” (Amazônia Judaica, Edição n° 4, julho 2011). No artigo, Profa. Regina Igel aponta que a principal correlação entre os dois autores é o fato de serem o que ela classifica como autores étnicos.

9

“Marcos Serruya – Uma obra revisitada” (Amazônia Judaica, Edição n° 7, abril 2012. O título do artigo assinala que Regina Igel já havia analisado, anteriormente, a obra do autor. O artigo homenageia Marcos Serruya (z’l), pela passagem da sua nachalá (passagem de um ano após sua morte).

“Ecos Sefarditas, judeus na Amazônia”. Edição n° 7 – setembro 2020.

4

“Encontros literários no Amazonas: Ilko Minev e Elias Salgado” (Amazônia Judaica, Edição n° 8, abril 2016), onde a Profa. Igel, além da análise específica e aprofundada da escrita dos dois autores, aponta para dois pontos em comum entre os autores: o fato de serem judeus sefarditas, e que suas escritas são de gênero autobiográfico, ambientadas na selva amazônica. 5

50 • Amazônia Judaica

Destacamos a Edição Especial da Revista Arquivo Maariv, Revista de Estudos Judaicos da UFMG, sobre literatura judaica da Amazônia. (v. 15 n° 29 (dezembro 2021), editada pela Profa. Dra. Lisley Nascimento e a Dra. Alessandra Conde.

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“O homem que veio do fim do mundo”. Edição n° 7 – setembro 2020.

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O I CIES aconteceu de maneira remota nos dias 21 e 22 de novembro de 2021 e teve como tema geral “O Sefardismo e as grandes questões contemporâneas”. O evento contou com a parceria do IBI – Instituto Brasil-Israel; do NESA – Núcleo de Estudos Sefarditas da Amazônia; do NIEJ – Núcleo Interdisciplinar de Estudos Judaicos e das universidades Ben Gurion University of Negev, em Israel e a University of Oregon, nos Estados Unidos. 12


PODCAST CHIBÉ: A LITERATURA AMAZÔNICA ESTÁ NO AR A gente não quer só chibé: Podcast Literatura da Amazônia Paraense, um parceiro dos projetos Ecos sefarditas: judeus na Amazônia, do NESA (Núcleo de Estudos Sefarditas da Amazônia) e do CEJA (Centro de Estudos Judaicos da Amazônia).

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Podcast A gente não quer só chibé: Literatura da Amazônia Paraense foi criado em 2020 pelo professor Dr. Abílio Pacheco da UNIFESSPA. Na época, o professor Pachêco, ainda pertencente ao quadro de docentes da Faculdade de Letras da Universidade Federal do Pará, campus de Bragança, conduziu o projeto buscando divulgar o trabalho de escritores e pesquisadores da Amazônia paraense. No ano seguinte, o projeto foi entregue à Dra. Alessandra Conde da Universidade Federal do Pará, campus de Bragança, que ampliou o seu escopo, alcançando não apenas pesquisadores e escritores paraenses, mas os da Amazônia Legal. Assim é que amazonenses, acreanos, amapaenses, paraenses e demais irmãos amazônidas puderam ecoar suas vozes e seus trabalhos. Nesta trajetória, alguns

escritores judeus nascidos ou radicados na Amazônia lograram maior visibilidade entre os acadêmicos paraenses e demais colegas amazônicos. Elias Salgado, Myriam Scotti, Ilko Minev são escritores judeus na Amazônia. Seus romances e crônicas dão conta disso, da presença judaica na região. Márcio Souza e Salomão Laredo têm origem judaica. Márcio Souza já havia falado sobre isso em Entre Moisés e Macunaíma (2000), coautor com Moacyr Scliar, e reforçou comentários sobre a sua origem em entrevista ao Podcast A gente não quer só chibé. Mas foi para a entrevistadora Libna Gama, bolsista PIBEX/UFPA, que Salomão Laredo, escritor paraense, relatou a sua ascendência judaica e as suas vivências nas cercanias do rio Tocantins, que banha a cidade de Cametá, no Pará. Elias Salgado iniciou as entrevistas no ano de 2021, relatando sobre a sua


Dossiê literatura

trajetória como historiador e cronista. Todos eles falaram sobre suas produções, seu modo de escrever suas gentes, suas tradições e suas aspirações. Espera-se daqui para a frente contar com a participação de pesquisadores sobre a presença judaica na Amazônia, pois as vozes de alguns escritores judeus já poderão ser ouvidas em cinco dos onze episódios publicados em 2021. Que tal conhecer o Podcast A gente não quer só chibé? As entrevistas com escritores e pesquisadores foram veiculadas nos seguintes endereços eletrônicos: Anchor: https://anchor.fm/podcastchibe. Spotify: https://open.spotify.com/show/0be27vdBcKut3xug1jbLK2. Instagram: http://bit.ly/podcastCHIBE.

● Conde-Silva, Alessandra F.; Pacheco, Abílio; Gama, Libna Keite. Elias Salgado. [Locução de]: Libna Keite Gama [S.I]: Podcast A gente não quer só chibé, 05 maio 2021. Disponível em: https://open.spotify.com/ episode/40y64Y27veMzV3uiDN9GYr. Acesso em: 30 out 2021.

● Conde-Silva, Alessandra F.; Pacheco, Abílio; Gama, ibna Keite. Salomão Laredo. [Locução de]: Libna Keite Gama [S.I]: Podcast A gente não quer só chibé, 20 mai 2021. Disponível em: https://open.spotify.com/ episode/6Uei1QmtHSk5cOSPlIhGtZ. Acesso em: 30 out 2021.em: 30 out 2021.

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Podcast Chibé: a literatura amazônica está no ar

● Conde-Silva, Alessandra F.; Pacheco, Abílio; Gama, Libna Keite. Márcio Souza. [Locução de]: Libna Keite Gama [S.I]: Podcast A gente não quer só chibé, 29 jun 2021. Disponível em: https://open.spotify.com/ episode/0Z6tN7txwA4fyyeyIkyAzb. Acesso em: 30 out 2021.

●Conde-Silva, Alessandra F.; Pacheco, Abílio; Gama, Libna Keite. Myriam Scotti. [Locução de]: Libna Keite Gama [S.I]: Podcast A gente não quer só chibé, 27 jul 2021. Disponível em: https://open.spotify.com/ episode/0TNGo1a2RiHs1SlLbrbN0A. Acesso em: 30 out 2021.

●Conde-Silva, Alessandra F.; Pacheco, Abílio; Gama, Libna Keite. Ilko Minev. [Locução de]: Libna Keite Gama [S.I]: Podcast A gente não quer só chibé, 29 out 2021. Disponível em: https://open.spotify.com/ episode/3ybXQvKFwDvE5x2pqWpYz1. Acesso em: 30 out 2021.

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“L’ILUI NISHMAT” – “PARA A ELEVAÇÃO DA ALMA” Por Elias Salgado

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judaísmo acredita na eternidade da alma. A alma é perene, possuí essência espiritual. Portanto, quando ela se afasta do corpo, ela não desaparece, ela não se desintegra. Continua presente e mais presente do que nunca, porque agora ela não sofre as limitações do corpo. O destino final de todas as almas, segundo a religião judaica, é o Gan Eden (Paraíso). Porém, como tal processo está numa instância elevada da espiritualidade, as possibilidades da alma em sua elevação são imensas. E assim surge, no judaísmo, o costume de L’ilui Nishmat, que permite aos entes queridos da pessoa falecida, atuar positivamente, em prol da grandeza espiritual da elevação de sua alma. O costume consiste em realizar, ao longo do primeiro ano de falecimento, boas ações pelo mérito daquela pessoa. É este nobre costume judaico a razão maior do livro recém lançado pela querida chaverá Raquelita Athias, liderança atuante na comunidade judaica de Belém há várias décadas,

intitulado Fé e Alegria: Um olhar sobre Rabi Nachman de Breslev e seus ensinamentos. A seguir, Raquelita nos conta sobre sua experiência na escrita do seu livro.

“FÉ E ALEGRIA: Um olhar sobre Rabi Nachman de Breslev e seus ensinamentos” por Raquelita Athias (Ed. Paka – Tatu, 2021)


“L’ilui nishmat ” – “Para a elevação da alma”

Amazônia judaica entrevista a autora Raquelita Athias AJ - Amazônia Judaica RA - Raquelita Athias ”Mitzvah gdolah Lihiot be Simcha Tamid, viver com alegria, eis o dever de um verdadeiro judeu”. AJ – Ferazmal, Raquelita, o que a levou a escrever Fé e Alegria? RA – Decidi escrever esse texto L’ilui Nishmat de nosso filho, Miguel (z”l), que perdemos fisicamente, no dia 16 de dezembro de 2020. Precisava canalizar a energia da dor e da saudade para algo positivo. De acordo com os ensinamentos da Torah e de nossos sábios, tudo vem dos desígnios do Criador e assim, entendendo que tivemos um tesouro em nossas mãos por 48 anos e o privilégio de educá-lo e amá-lo, a forma de agradecer a D’us era a de oferecer algo em troca desse presente, que foi o nosso filho. AJ – E como se deu a escolha do tema? RA – Somos uma família amante de livros e fui naturalmente levada a pensar que nada seria melhor para honrar sua memória do que um texto escrito. Um pequeno livro, para ser distribuído entre familiares e amigos e que trouxesse uma mensagem de paz e esperança ligada à nossa tradição. E, por uma feliz coincidência, ao ler sobre Rabi Nachman, constatei que ele considerava a imprensa como uma das faces da Redenção, permitindo levar a muitos os seus ensinamentos. Foi assim que cheguei ao tema desse livro: os ensinamentos de Rabi Nachman de Breslev.

AJ – Fale um pouco do seu processo de aproximação à filosofia de Rabi Nachman de Breslev. RA – Foram duas as mizmarot de sete dias pelo falecimento do Miguel (z”l): uma em Belém, seguindo os ritos e tradições da comunidade, e outra, em Israel, realizada pelos queridos amigos David e Simone Salgado com a maciça presença de nossos amigos que já fizeram sua alyah. Foi nessa casa amiga e acolhedora que nosso filho Marcos Fortunato pode dizer o Kadish pelo irmão. E foi nessa ocasião que David encontrou o melhor caminho para homenagear a memória do Miguel, realçar sua alegria de viver, seu amor pela vida. Lembrou, em suas palavras de homenagem, Mitzvah gdolah Lihiot be Simcha Tamid, viver sempre com alegria, eis o dever de um verdadeiro judeu. Após algumas conversas com o David, foi lentamente tomando corpo em minha mente a ideia de aprofundar meu conhecimento sobre a obra e os ensinamentos de Rabi Nachman e assim poder compartilhar ideias tão enriquecedoras e tão valiosas para nos ajudar a viver da melhor forma possível e de enfrentar nossos desafios com mais coragem e tranquilidade. Era um caminho perfeito para honrar a memória de nosso filho. Amazônia Judaica • 55


Entrevista

Meus momentos de pesquisa e estudo foram o alicerce de minha vida neste período e me proporcionaram a força que precisava para seguir em frente, entendendo a riqueza da família e dos amigos que me cercam!

caminho. Todos aqueles que se detiverem em seus ensinamentos se sentirão atraídos e inspirados por eles, porque sua mensagem é de fé, esperança, arrependimento e retorno a uma vida boa, prazerosa e significativa.

AJ – Conte-nos um pouco sobre Rabi Nachman de Breslev e sua obra. RA – Rabi Nachman foi um sábio de grande erudição que trabalhou com base na teologia judaica, abraçando o segmento da Chassidut. Tinha em mente o público judeu, mas tornou-se patrimônio da Humanidade. Faz parte de um seleto grupo de homens, ao longo da história, que foram tão grandes em sua missão, tão especiais em sua mensagem, que conseguiram atingir a todos, independentemente de seu credo, de seu tempo e de sua experiência pessoal, pela sua capacidade de acolhêlos e de aproximá-los do Bem e de D’us. São suas as palavras seguintes, em trecho adaptado: “Eu tenho o poder de fazer todo mundo retornar ao Bem, não somente as pessoas mais simples, mas mesmo os Justos (Tzadikim) ... pois também os justos precisam retornar ao Bem. E não somente o povo sagrado de Israel, mas todos os povos do mundo: eu posso trazê-los de volta para o abençoado Senhor.” Ainda que seus seguidores e estudiosos afirmem que sua verdadeira grandeza e santidade estejam acima de nossa compreensão, as palavras de Rabi Nachman são belas, claras, cheias de pureza e santidade, podendo ser compreendidas por todos, desde as pessoas mais simples às mais cultivadas, desde os bons de coração até os afastados dos valores do bom

AJ – Muito obrigado, Raquelita. Essa homenagem a seu filho ilumina nossos corações e nos ensina muito. A orientação do Rabi Nachman, como contida no seu livro, ajudará a todos os leitores, esteja certa disto. RA – Obrigada. Que assim seja.

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Rabi Nachman de Breslev


Parabéns Amazônia Judaica – Mejorado 120 con bueno mazal y grandes maasim tobim Pessach Sameach Sergio Benchimol e família


Mensagens

Alberto Gabbay Canen Deseja Chag Kasher V´Sameach a Familiares e Amigos

União Israelita Shel Guemilut Hassadim Be Mazal Tob UbeSiman Tob! Parabéns pelos 20 anos da Amazônia Judaica Pessach Kasher VeSameach ao nosso Kahal Kadosh

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Mensagens

Felicitamos a passagem dos 20 anos de fundação da Amazônia Judaica, e desejamos a toda a KEHILÁ, CHAG HAPESSACH SAMEACH Anne, Jaime, José Benchimol. E Rebeca, Joshua, Benjamin e Daniel Neman Amazônia Judaica • 59


Mensagens

CIP – CENTRO ISRAELITA DO PARÁ Parabenizamos a Amazônia Judaica pelos seus 20 anos de luta em prol da divulgação e preservação do judaísmo amazônico. Pessach Sameach

Esnoga Shaar Hashamaim Parabeniza Amazônia Judaica por seus 20 anos de atividades ininterruptas Chag HaPessah Sameach

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Mensagens

Esnoga Essel Abraham Parabenizamos a Amazônia Judaica pela passagem dos seus 20 anos de criação. Mazal Tob e Pessach Kasher Ve Sameach Amazônia Judaica • 61


Mensagens

Com imensa alegria e orgulho, parabenizamos os 20 anos da Amazônia Judaica e desejamos a todos Pessach Sameach Vidinha Salgado, filhos, noras, netos e bisnetos. 62 • Amazônia Judaica


NO PRELO MAIS UMA PUBLICAÇÃO DA ED. TALU CULTURAL LANÇAMENTO PREVISTO PARA O PRIMEIRO SEMESTRE DESTE ANO. MÉDICOS DA ALMA AUTORES:

ALBERTO G. CANEN ANA IVENICKI



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