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DOSSIÊ LITERATURA
Literatura
Regina Igel Alessandra Conde Wagner Bentes Lins Elias Salgado
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RESENHA DE TELA DE SEVOYA, DE MYRIAM MOSCONA
Por Regina Igel Barcelona: Acantilado, 2014. 275 páginas.
Ladino é um dos idiomas mais enigmáticos e mais transparentes que existem. Parece uma controvérsia mas, para quem lida com esta língua em seu trabalho profissional, seja como escritor/a, crítico/a de literatura ou em outros tipos de observação, ladino pode nos levar a pensar como um idioma tão velho é ainda escrito, lido e compreendido? E, em alguns lugares, ainda é falado.
Daí ser um enigma e ser tão claramente entendido por quem souber de sua história. Nasceu a partir do final do século XV, por volta de 1492, quando se fez oficial a expulsão de judeus ibéricos da Espanha. Proibidos de levar qualquer bem material que porventura possuíssem, os judeus levaram consigo a língua espanhola. Mas não o espanhol ou o castelhano falado por seus algozes, os reis Fernando e Isabel. Era um espanhol falado entre judeus, assim como os muçulmanos falavam seu castelhano também (conhecido como ‘espanhol-arábico’). O espanhol falado pelos judeus, ainda no território peninsular, já apresentava características especiais: era o espanholjudaico, mais tarde conhecido como ‘judezmoespañol’, além de receber outros nomes. Prevaleceu ‘ladino’, um termo genérico que se refere ao espanhol falado e escrito pelos judeus ibéricos, levado e ajustado aos seus vários caminhos diaspóricos. (Não confundir com ‘ladino’, língua falada ao norte da Itália e em certos espaços da Suíça – é uma coincidência de denominação; tampouco confundir com ‘ladino’, um cognome depreciativo para mestiços, criado durante tempos coloniais nas Américas Central e do Sul.)
Várias gerações, estas descendentes dos espanhois e portugueses da fé judaica, continuaram a usar o ladino nas comunidades sefarditas onde se encontrassem. O desaparecimento das gerações que o falavam na sua vida cotidiana deixou um legado: o ladino escrito em poemas, histórias, cantigas, contos e provérbios. Já não é falado nas comunidades sefarditas, mas é ainda escrito e ensinado em certos centros universitários esparsos pela Europa, por Israel e pelas Américas. Há dicionários de ladino, como ladino-espanhol, ladino-inglês, ladino-francês, talvez outros mais, posso não saber de todos eles. O ponto a que quero chegar é que ladino é uma língua que foi falada fluentemente em todos os setores na prática dos expatriados
espanhois e portugueses judeus fora da Península Ibérica. Hoje, não sendo língua de comunicação pelos seus descendentes, ainda é escrita, principalmente em textos literários.
Um exemplo do ladino escrito no nosso século XXI é aqui visitado: o romance Tela de sevoya, da escritora mexicana Myriam Moscona. Como se dá a perceber, o título está em ladino, assim como seus muitos capítulos, também enriquecidos com sentenças, diálogos, ensaios, crônicas e poemas em ladino, ao lado do espanhol, a comunicação narrativa primordial. Moscona é descendente de sefarditas da Bulgária. Jornalista, produtora de televisão, tradutora e poeta, recebeu o Prêmio Xavier Villaurrutia, em 2012, um dos mais ambicionados prêmios literários do México. Antes desta obra, publicou romances que também tiveram seu valor reconhecido por prêmios.
“Sevoya” é ‘cebola’ em ladino e ‘tela’ tem a ver com seu envoltório, constituído de inúmeras capas, finas e quase transparentes. Para chegar ao bulbo comestível da cebola, vamos nos desfazendo dos seus invólucros e assim, o título do romance já o demonstra: a narrativa é um descolar de camadas de memórias, pelas quais se infiltram partes da trajetória de uma família sefardita, descrições de fatos históricos que tiveram influência direta no destino daquele grupo familiar, cantigas em ladino, crônicas de uma viagem a Bulgária e a outros lugares, em busca das pegadas de famílias judias e uma passagem pela culinária sefardita também entra no descascar da cebola. A memória da narradora vai retirando as camadas das suas lembranças, o que presenciou desde menina na sua casa no México e o que ouviu de alguns parentes como era a vida antes do Holocausto na Bulgária, a terra dos pais da narradora. Pode-se dizer que a obra tem um relevo autoficcional e outro, histórico.
Com uma estrutura que foge ao convencional, o romance instala seis partes, que se alternam na linhagem metódica dos relatos. São elas assim designadas: Distancia de foco (Distância de foco), Molino de viento (Moinho de vento), Del diario de viaje (Do diário de viagem), Pisapapeles (Pisapapeis), Kantikas (Cantigas) e La cuarta pared (A quarta parede). Pode-se ler em linha reta, por exemplo, terminando de ler Distancia de foco, que trata da família da narradora, seguir para o próximo capítulo desta parte, que se coloca algumas páginas adiante. Entre Distancia de foco e o texto seguinte sob o mesmo nome intercala-se Molino de viento e outras partes se interpõem. E pode ser preferível seguir a trajetória da autora, isto é, recebendo suas lembranças à medida que ela as recebia, por instigações e relatos alheios. O vaivém dos fragmentos nos traz a ideia do movimento aleatório da memória, mas se faz evidente o trabalho artesanal-literário de Myriam Moscona, na distribuição dos textos.
Embora embalada pelas lembranças da infância, a narradora não adoça suas relações com alguns membros da família, pois expõe o apetite sexual de um tio, mas principalmente a aspereza da sua avó materna, que morava com ela e sua mãe. Seu nome é Victoria, e não há diálogo entre elas que não tenha uma ofensa de parte da avó, que lhe fala em ladino ao que a menina (então) lhe responde em espanhol. Uma das referências a esta avó oferece o perfil da senhora: “Mi abuela Victoria, la mujer siniestra de mi infancia” ... (Minha avó Victória, a
mulher sinistra da minha infância.) Os segmentos vistos em Del diario de viaje, como o título indica, têm a ver com uma viagem, aquela empreendida pela narradora para a Bulgária, em busca de elementos para reconstituir, por escrito, a vida dos sefarditas antes, durante e depois do Holocausto mas, principalmente, da sua família. Consegue visitar a casa onde moraram sua avó Victoria e sua mãe, quando menina. Naquele país, os judeus falavam o ‘djudezmo’, outro dos nomes de ladino. No segmento Molino de viento entram cenas surrealistas, recriadas em sonhos e miragens, seja a morte da sua mãe, que era cantora de ópera e pianista, ou visões de seu pai carregando um piano, ou de sua avó, a sinistra. Em Pisapapeles, a parte mais longa em termos de segmentos, são narradas a história dos judeus no México, do idioma ladino (em que são alinhados oito nomes para este idioma) e da possibilidade de seu desaparecimento (situação já prevista por gramáticos e filólogos). São também encontradas passagens explicativas a respeito da origem de certas palavras, além de crônicas curtas, seja contando uma piada, seja falando de um sonho fantástico ou de miragens de diálogos que entorpeciam as noites da narradora. Em La cuarta pared emerge um diário, datado do começo do século XX, pertencente a uma mulher que leva o nome de
família do seu pai, Karmona. Intrigada com estas páginas, a narradora descobre que tal mulher foi uma pioneira entre mulheres, pois conseguiu emprego como telegrafista, em tempos que mulheres não trabalhavam ‘fora’ e muito menos em trabalho geralmente ocupados por homens.
Neste mesmo segmento, a autora insere passagens contendo sentenças, provérbios em ladino e textos completos, como o que está à página 58. Um trecho de um deles está assim: “Esta es la língua de muestros rikordos, a los mansevos, agora, no les dize komo mos dize a mozos. (...) Los mansevos (...) No tienen kuriosidá por esta língua.” Está clara a mensagem: o ladino já não atrai a curiosidade dos jovens, passou a ser apenas uma língua para trazer ao presente recordações de quem a falava.
Todo o volume é carregado de sugestões, possibilidades, situações imaginadas, imagens surrealistas que convivem com a narrativa realista, tipo ‘pés no chão’. O factual se expressa no relato da viagem à Sofia, sobre os antepassados turcos (como sua avó paterna), trazendo ainda uma pitada sobre a culinária sefardita e sobre cantares e provérbios. Não é um livro de aventuras, nem de viagem, mas inclui essas situações em meio a uma elaboração elegante, multifacética e exploradora de parte da história da dispersão sefardita.
O espanhol em Tela de sevoya é bastante claro para o entendimento geral e o ladino nele incluído em diálogos, ensaios, diálogos e em poemas é também relativamente fácil para a nossa compreensão, como brasileiros ou portugueses.
ELIAS SALGADO: UM HISTORIADOR QUE SE QUIS CRONISTA E AS MÚSICAS GUARDADAS NA MEMÓRIA
Por Alessandra Conde*
Li em algum lugar que alguns judeus na Amazônia mudaram seus sobrenomes tanto para evitar perseguições, atitude preventiva frente às injúrias, assassinatos e toda a sorte de ações antissemitas sofridas na terra da qual emigraram, como uma forma de se tornarem próximos aos nativos.
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Ohistoriador e cronista Elias Salgado, por exemplo, diz que seu avô Lázaro aportuguesou o sobrenome Elmaleh, tornando-se Salgado.
Em Memória indiciada (2020), Elias Salgado, o historiador que se quis cronista, mostra como as teorias da História e a prática de colher o fato histórico movem o seu fazer investigativo de historiador à espreita, constituindo motivos para as suas crônicas. O detalhe, segundo aprendeu do italiano Carlo Ginzburg, deve ser buscado e dirimido.
O cronista, nascido em Rio Branco no Acre e criado em Boca do Acre, no Amazonas, aprendeu a ver nos detalhes, nos casos fortuitos, na música, uma oportunidade para conhecer algumas
passagens a respeito da história dos judeus na Amazônia.
Com bom humor, o historiador constrói o cronista, um artesão das histórias de família, cujos primeiros tons e semitons de uma melodia judaico-amazônica estava já presente no seu primeiro livro de crônicas O fim do mundo e outras histórias de beira-rio, publicado em 2015. Do mesmo ano, há o livro História e memória: judeus e industrialização no Amazonas feito em parceria com David Salgado. Neste, a memória ecoa as histórias de vida de um grupo de judeus no Amazonas. Um pedaço de uma história singular e significativa para a formação social e econômica da Amazônia, como bem lembrou Samuel Benchimol em sua obra seminal Eretz Amazônia (1998). Se o historiador pôs, num primeiro momento, os olhos sobre gente dita graúda, é sobre os miúdos e sobre os seus pareceiros que o cronista se detém. Ele ouve um chamado das melodias que envolvem as gentes simples que habitam florestas e ruas centenárias, quer na hileia amazônica, quer no Rio de Janeiro, que também recebeu migrantes judaico-amazônicos.
De qual melodia ou sobre quais falamos? Memória indiciada é o terceiro livro de crônicas de Salgado. É um livro memorativo e comemorativo. É um livro que nos leva a ouvir uma música que não foi olvidada. Ao contrário, é rememorada. Para Walter Benjamin (1987, p. 224), “articular historicamente o passado não significa conhecê-lo, como ele de fato foi. Significa apropriar-se de uma reminiscência, tal como relampeja no momento de um perigo”. São músicas o que o livro Memória indiciada muitas vezes nos leva a ouvir. Não são longas canções, mas pequenos solfejos que impregnam a nossa mente. O cronista referencia músicas e cantos. O canto sabático não é esquecido. Está lá na memória, na celebração do feito histórico que a memória comemora: “Lechá Dodi Likrat Kalá Penei Shabat Nekabelá” (SALGADO, 2020, p. 31). O cronista historiador lembra de uma data e celebra com canto: o bar mitzvá do irmão.
A música faz ainda o cronista lembrar das amizades. Nas trilhas da memória, os Beatles, Vivaldi, a Jovem Guarda, Roberto Carlos, a história do cronista vai se compondo. Saudosista quem sabe, mas talvez mais que isso, as lembranças sejam de dias alegres, significativos. Dias a ser comemorados. E o cronista se lembra de mais uma melodia: those are the days/ haiu zmanim (em hebraico) / aqueles tempos’, título de um hit musical daquele mesmo ano na voz de Mary Hopkin, no sentido de que os dias passados eram melhores que os atuais. Mas, se não melhores, aqueles, certamente, eram outros dias” (SALGADO, 2020, p. 47). Ele também se lembra do tango que lhe retratou a juventude com seus amigos: Balada para un loco (SALGADO, 2020, p. 79). Ou do samba que o ajudou a conquistar Mariza (SALGADO, 2020, p. 68).
Mas, como um historiador a seguir seus mestres, o cronista, ao som das músicas presas na memória, sentencia: Nada mais somos do que pura memória. Até os desmemoriados têm memória. Acreditem, eles não as perderam, já que ela sobrevive às suas lembranças, mesmo aquelas que, para os outros, parecem apagadas. Nossa memória não está só em
nós, ela existe independente de nós. Se elas parecem esquecidas, haverá alguém, perto ou longe, que sempre as preservará. (SALGADO, 2020, p. 15).
São muitas as histórias e muitas as memórias. Mas como nascem as histórias, se interroga o cronista/ historiador na crônica “Fazendo o que quer e como quer?” : “Somos nós que vamos ao seu encontro ou são elas que nos procuram?” (SALGADO, 2020, p. 17). O cronista, contudo, não responde a esta inquirição. Olhando mais uma vez ao passado, ele revê pessoas significativas, pessoas que o ajudaram a ser o que é: um cronista, um historiador, um amante da boa música. Parece que entre tantas funções que desempenhou, o cronista, em sua trajetória como historiador, a música o enleva a altas inspirações, como aquelas que lhe fizeram rememorar a vida familiar na longínqua e quente cidade da infância ao lado das tias e da mãe: “E foi assim que ao mesmo tempo que cantava cantigas no colégio, como as músicas brasileiras da época, também as entoava com minha mãe e minhas tias, em casa. Enquanto isto, também aprendia a cantar em hebraico.” (SALGADO, 2020, p. 30).
Entre uma nota e outra, a história da infância e da juventude vai sendo colhida da memória, não como coisa plena, mas como vestígios, indícios, murmúrios de antigas canções jamais esquecidas.
Referências
BENJAMIN, Walter. Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura. Trad. Sérgio Paulo Rouanet. São Paulo: Brasiliense, 1987 – (Obras escolhidas, vol. I). SALGADO, Elias. Memória indiciada. Rio de Janeiro: Talu Cultural, 2020. SALGADO, Elias, SALGADO, David. História e memória: judeus e industrialização no Amazonas. Rio de Janeiro: Amazônia Judaica, 2015. SALGADO, Elias. O fim do mundo e outras histórias de beira-rio. Rio de Janeiro: Talú Cultural, 2015.
Alessandra Conde
Doutora em Letras e Linguística pela Universidade Federal de Goiás e Professora Adjunta da Universidade Federal do Pará, vinculada à Faculdade de Letras (FALE) do Campus de Bragança –PA. Coordenadora e co-organizadora do projeto de pesquisa e do livro intitulado Ecos sefarditas: judeus na Amazônia e Membro do Conselho Acadêmico do CEJA – Centro de Estudos Judaicos da Amazônia.
ASÍ ÉS: SAÚDE, FELICIDADES E BOA SORTE! JUDAÍSMO NA COMUNIDADE DE BELÉM E SUAS SEGULOT
por Wagner Bentes
A despretensiosa publicação de Iana Barcessat Pinto nos arrebata por sua simplicidade e desperta nos leitores um misto de empatia e curiosidade.
Otexto de Así És: O Judaísmo em Belém e suas Segulot em sua informalidade nos remete à sensação de uma conversa espontânea ao redor de uma mesa farta e alegre, como é recorrente nas comunidades sefaraditas que há mais de dois séculos se estabeleceram na Amazônia. Em amplas mesas, são servidas iguarias marroquinas, de receitas trazidas de longe, conservadas ao longo dos tempos, e quase sempre adaptadas aos temperos e ingredientes da culinária local. Ao redor delas, escutamos uma diversidade de histórias, algumas de tempos idos, outras do dia anterior. Preces e canções repetidas ao longo de gerações. Uma miscelânea de vozes, assuntos diversos que variam em uma velocidade inacreditável.
Os escritos de Iana, sem dúvidas, nos remetem a essa atmosfera dinâmica dos encontros dos judeus da Amazônia. Onde um assunto enseja outro assunto diferente. que serão explicados e detalhados ao máximo, até onde alcançam os limites da memória. E logo em seguida, rapidamente, emerge um assunto distinto, ou assuntos anteriores dos quais algum detalhe foi negligenciado, são de pronto retomados. Tudo isso recheado de diversas expressões em hebraico e principalmente em Haquitia,
a língua judaica trazida do Marrocos, hoje em franco desuso, que resiste em palavras soltas, expressões que denotam pavor, agradecimento, indignação... xingamentos ou ditados, como o que enseja o título deste livro.
Além de nos remeter de forma espontânea à atmosfera da comunidade judaica de Belém, o diferencial na abordagem da autora é um rico apanhado do cotidiano dessa coletividade judaica a partir da última metade do século XX. Descrições sobre os primórdios da imigração judaica na Amazônia já foram realizadas com certa recorrência pela historiografia, por segmentos das ciências sociais e na literatura. No entanto, o texto contido neste livro abarca um cotidiano mais recente que certamente norteará pesquisadores em futuras abordagens deste assunto.
Ao descrever as festividades do calendário judaico e celebrações como casamentos, circuncisões, bar-mitzvot, transparecem no texto costumes e particularidades, o misticismo e crenças trazidos do Marrocos que ainda perduram ou que já foram esquecidos, ou substituídos por outras influências judaicas.
Tudo isso muito bem ilustrado com antigos documentos resgatados, fotos de família, desenhos e pinturas com temática judaica. E nesse apanhado diverso como um colorido mercado marroquino, ou sortido e variado como os regatões dos pioneiros judeus que navegavam nos rios da Amazônia, a autora resgata suas memórias, relembra seus antepassados e, consequentemente, a memória da comunidade como um todo. E realiza assim, um desejo antigo de registrar em palavras o que ela descreve como Segulot.
Na tradição talmúdica e cabalística, a palavra Segulah, cujo plural é Segulot, significa “remédio, proteção”. Também encontrada no Antigo Testamento, nos livros de Êxodo e Deuteronômio, como sentido de Tesouro, quando Deus referese à Nação de Israel como “Sua Segulah”.
De acordo com estas explicações, o livro faz jus ao seu título e conteúdo, quando desponta como um remédio contra o esquecimento, como proteção da memória e de costumes daqueles que já não estão entre os seus. Ou ainda, como um valioso tesouro, que guarda a preciosidade das coisas simples. Um tesouro que a autora gostaria não somente de perpetuar para seus filhos e netos e que agora também compartilha com os leitores.
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AMAZÔNIA JUDAICA E A LITERATURA SEFARDITA AMAZÔNICA: CAMINHANDO JUNTAS E BEM ACOMPANHADAS
Elias Salgado
Nos seus 20 anos de existência, Amazônia Judaica vem estudando, analisando, resenhando e publicando artigos e livros de autoras e autores judeus amazônicos. E a lista é imensa.
Se tentarmos listá-los a todos, sem dúvidas incorreremos em injustas omissões. Uma visita ao nosso site, www.amazoniajudaica. com.br , certamente corroborará nossa afirmação sobre o trabalho que vimos realizando neste campo da cultura.
Mas há uma outra maneira de fazer justiça, que seria listando todos aqueles – estudiosos da literatura, críticos literários, jornalistas e os próprios autores – que leram, estudaram, pesquisaram, escreveram e foram por nós publicados, em nosso jornal e nossas revistas ou em formato de livro, por nossa editora ou outras.
Numa rápida volta ao passado, visando tentar historicizar, de maneira resumida, a relação do/a Amazônia Judaica1
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com a literatura, registraremos tal trajetória a partir do critério de tentar destacar aquelas que consideramos as fases mais marcantes e determinantes deste processo histórico da relação do/a Amazônia Judaica com a literatura.
Na fase de publicação do jornal, a literatura judaico-amazônica se fez representar em suas páginas pela icônica escritora paraense Sultana Levy Rosenblatt (z”l), que chegou a publicar crônicas especiais para o Jornal Amazônia Judaica.
Com o surgimento da Revista Amazônia Judaica, em 2010, a literatura ganhou de vez um espaço importante e definitivo em nossas edições. Passou a publicar textos do cronista Elias Salgado2 e ganhou uma coluna literária especial, comandada por ninguém menos que a Profa. Dra. Regina Igel, Editora Executiva da nossa editora e, naquele então, Coordenadora do Departamento de Língua Portuguesa e Espanhola, da Universidade de Maryland, USA (hoje é Professora Emérita na mesma instituição).
A Profa. Regina é especialista em literatura brasileira judaica. É de sua autoria o clássico Imigrantes Judeus, Escritores Brasileiros. Ela é a pioneira nos estudos de autores sefarditas da Amazônia, e segue sendo até hoje uma referência mundial no tema. De sua autoria, a Revista Amazônia judaica, já publicou os seguintes trabalhos:
Moacyr Scliar e Milton Hatoum, em texto que compara a obra dos dois escritores3 e, com este artigo, inaugurou esta fase tão marcante da história da Amazônia Judaica em seus primeiros 20 anos de existência. Estes foram seguidos por: Marcos Serruya (z”l)4 , Ilko Minev e Elias Salgado5, Paulo Jacob e Samuel Benchimol6; Leonor Scliar Cabral, Tatiana Salem Levy7 e Sultana Levy Rosenblatt8 .
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UniversoSefarad
ANO 1 No 1 ABRIL DE 2018 ISSN 2527-0826
PRESENÇA EM SEFARAD: UMA ARQUEOLOGIA DAS ORIGENS
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Em 2017, quando dos 15 anos de fundação, publicamos em português e espanhol, pelo nosso selo Amazônia Judaica, a coletânea Amazônia Judaica, 15 Anos de Travessia, organizada por Elias e David Salgado e que foi lançada no Brasil, em Israel, Portugal e na Espanha contendo, entre outros textos, artigos, resenhas literárias e crônicas de autores judeus sefarditas brasileiros.
Em 2018, na Universidade Federal do Pará, campus de Bragança, foi criado, pela Dra. Alessandra Conde, o projeto Ecos Sefarditas, Judeus na Amazônia, voltado para o estudo da literatura de autores sefarditas da Amazônia, iniciativa inédita naquela região e rara em nível acadêmico no país até hoje.
As demais universidades envolvidas conosco são: USP (Universidade de São Paulo), a UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais)9 e a UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro).
No ano de 2019, Amazônia Judaica e o Projeto Ecos Sefarditas, Judeus na Amazônia dão início a uma parceria, na qual a Profa. Dra. Regina Igel, Editora Executiva da Amazônia Judaica e o Prof. Elias Salgado, Diretor, passam a fazer parte do conselho acadêmico do Projeto Ecos e a Dra. Alessandra Conde, do CEJA (Centro de Estudos Judaicos da Amazônia), criado e mantido pelo Amazônia Judaica.
Esta iniciativa das duas instituições é hoje um marco na história dos estudos, pesquisas e publicação de artigos, ensaios e resenhas sobre a literatura de autores judeus ou descendentes, em especial os de origem sefarditaamazônica.
O primeiro grande resultado desta importantíssima parceria foi a edição e publicação, em 2020, da coletânea Ecos Sefarditas, Judeus na Amazônia, organizada pelas Dras. Alessandra Conde e Silvia Benchimol e lançada pelo selo Amazônia Judaica. Em setembro do mesmo ano a Revista Universo Sefarad publica um Dossiê Especial de lançamento da coletânea e sobre o trabalho realizado por nosso parceiro, o Projeto Ecos. O Dossiê traz também uma maravilhosa resenha da Profa. Dra. Nancy Rozenchan, da USP, especialista em literatura, israelense, judaica mundial e brasileira10 . Na mesma edição a jornalista Cristina Konder, colaboradora da coluna de Literatura das nossas revistas, publica resenha sobre a trilogia de livros do cronista Elias Salgado11 .
Desde então não paramos mais. O ano de 2021 ficará na história dos estudos e pesquisas sobre o judaísmo sefardita mundial, tendo o Brasil, através do CEJA, Centro de Estudos Judaicos da Amazônia, como um dos novos polos de produção e distribuição de conhecimento referente a esta etnia judaica, no mundo, na atualidade.
Em seguida, outro importante passo foi dado: Por iniciativa do CEJA, organizamos
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o I CIES – Congresso Internacional de Estudos Sefarditas12 .
O evento contou com a participação de cerca de 50 estudiosos de 10 diferentes países e teve a literatura sefardiamazônica, por iniciativa do Projeto ECOS, na pessoa da Dra. Alessandra Conde, como um dos eixos mais significativos do Congresso. Mais de 50% dos trabalhos apresentados no evento tinham a literatura judaica sefardita como temática.
E agora, para culminar esta brilhante trajetória de duas décadas atuando em prol da cultura sefardita-amazônica, com ênfase marcante na produção literária e o seu estudo, Amazônia Judaica lançará a coletânea Amazônia Judaica - 20 Anos Depois, organizada pelo Prof. Elias Salgado e pela Profa. Dra. Regina Igel, contendo artigos selecionados entre os trabalhos apresentados no I CIES, pela Coordenação Acadêmica do Congresso.
O CEJA e a Editora Amazônia Judaica, no intuito de preservar a cultura sefardita no Brasil, registrará, nessa coletânea, estudos publicados por especialistas nas áreas literária, linguística, histórica e sociológica como emitidas sobre a região amazônica.
Notas
1 Entre os anos de 2002 e 2010, Amazônia Judaica foi publicado como jornal comunitário impresso, em Belém do Pará, pelo chazan e jornalista David Salgado, seu fundador. A partir de 2010, ano do Bicentenário da presença judaica na Amazônia, os irmãos Elias e David Salgado transformam o jornal na Revista Amazônia Judaica. E em julho de 2018, com a criação,
por Elias Salgado, da Revista Universo Sefarad, Amazônia Judaica se torna um suplemento da mesma, passando a ser publicado em formato digital e impresso e em edições especiais, Amazônia Judaica é impressa separadamente.
2 Isso se deu a partir da 1ª. edição da revista (2010) e segue até os dias atuais (2022). Em 2015, parte daquelas crônicas foram publicadas no primeiro livro do autor, O Fim do mundo e outras histórias de beira-rio, pelo selo Talu (Talu Cultural)
3 “Moacyr Scliar & Milton Hatoum: Semelhanças e diferenças” (Amazônia Judaica, Edição n° 4, julho 2011). No artigo, Profa. Regina Igel aponta que a principal correlação entre os dois autores é o fato de serem o que ela classifica como autores étnicos.
4 “Marcos Serruya – Uma obra revisitada” (Amazônia Judaica, Edição n° 7, abril 2012. O título do artigo assinala que Regina Igel já havia analisado, anteriormente, a obra do autor. O artigo homenageia Marcos Serruya (z’l), pela passagem da sua nachalá (passagem de um ano após sua morte).
5 “Encontros literários no Amazonas: Ilko Minev e Elias Salgado” (Amazônia Judaica, Edição n° 8, abril 2016), onde a Profa. Igel, além da análise específica e aprofundada da escrita dos dois autores, aponta para dois pontos em comum entre os autores: o fato de serem judeus sefarditas, e que suas escritas são de gênero autobiográfico, ambientadas na selva amazônica. 6 “Igarapés literários da Amazônia: Samuel Benchimol, Paulo Jacob, Ilko Minev e Elias Salgadio” (Amazônia Judaica, Edição n° 10, abril 2017).
7 “Escritoras sefarditas brasileiras: Minoria dentro da minoria” (Amazônia Judaica, Edição n° 11, setembro 2017).
8 “Inesquecíveis jantares de Pessach na residência de Sultana Levy Rosenblatt e Martin Rosenblatt” (Universo Sefarad, Edição 1 – n° 6, abril 2020).
9 Destacamos a Edição Especial da Revista Arquivo Maariv, Revista de Estudos Judaicos da UFMG, sobre literatura judaica da Amazônia. (v. 15 n° 29 (dezembro 2021), editada pela Profa. Dra. Lisley Nascimento e a Dra. Alessandra Conde.
10 “Ecos Sefarditas, judeus na Amazônia”. Edição n° 7 – setembro 2020.
11 “O homem que veio do fim do mundo”. Edição n° 7 – setembro 2020.
12 O I CIES aconteceu de maneira remota nos dias 21 e 22 de novembro de 2021 e teve como tema geral “O Sefardismo e as grandes questões contemporâneas”. O evento contou com a parceria do IBI – Instituto Brasil-Israel; do NESA – Núcleo de Estudos Sefarditas da Amazônia; do NIEJ – Núcleo Interdisciplinar de Estudos Judaicos e das universidades Ben Gurion University of Negev, em Israel e a University of Oregon, nos Estados Unidos.
PODCAST CHIBÉ: A LITERATURA AMAZÔNICA ESTÁ NO AR
A gente não quer só chibé: Podcast Literatura da Amazônia Paraense, um parceiro dos projetos Ecos sefarditas: judeus na Amazônia, do NESA (Núcleo de Estudos Sefarditas da Amazônia) e do CEJA (Centro de Estudos Judaicos da Amazônia).
OPodcast A gente não quer só chibé: Literatura da Amazônia Paraense foi criado em 2020 pelo professor Dr. Abílio Pacheco da UNIFESSPA. Na época, o professor Pachêco, ainda pertencente ao quadro de docentes da Faculdade de Letras da Universidade Federal do Pará, campus de Bragança, conduziu o projeto buscando divulgar o trabalho de escritores e pesquisadores da Amazônia paraense. No ano seguinte, o projeto foi entregue à Dra. Alessandra Conde da Universidade Federal do Pará, campus de Bragança, que ampliou o seu escopo, alcançando não apenas pesquisadores e escritores paraenses, mas os da Amazônia Legal.
Assim é que amazonenses, acreanos, amapaenses, paraenses e demais irmãos amazônidas puderam ecoar suas vozes e seus trabalhos. Nesta trajetória, alguns escritores judeus nascidos ou radicados na Amazônia lograram maior visibilidade entre os acadêmicos paraenses e demais colegas amazônicos.
Elias Salgado, Myriam Scotti, Ilko
Minev são escritores judeus na Amazônia. Seus romances e crônicas dão conta disso, da presença judaica na região. Márcio Souza e Salomão Laredo têm origem judaica. Márcio Souza já havia falado sobre isso em Entre Moisés e Macunaíma (2000), coautor com Moacyr Scliar, e reforçou comentários sobre a sua origem em entrevista ao Podcast A gente não quer só chibé. Mas foi para a entrevistadora Libna Gama, bolsista PIBEX/UFPA, que Salomão Laredo, escritor paraense, relatou a sua ascendência judaica e as suas vivências nas cercanias do rio Tocantins, que banha a cidade de Cametá, no Pará.
Elias Salgado iniciou as entrevistas no ano de 2021, relatando sobre a sua
trajetória como historiador e cronista. Todos eles falaram sobre suas produções, seu modo de escrever suas gentes, suas tradições e suas aspirações.
Espera-se daqui para a frente contar com a participação de pesquisadores sobre a presença judaica na Amazônia, pois as vozes de alguns escritores judeus já poderão ser ouvidas em cinco dos onze episódios publicados em 2021. Que tal conhecer o Podcast A gente não quer só chibé? As entrevistas com escritores e pesquisadores foram veiculadas nos seguintes endereços eletrônicos:
Anchor: https://anchor.fm/podcastchibe.
Spotify: https://open.spotify.com/show/0be27vdBcKut3xug1jbLK2.
Instagram: http://bit.ly/podcastCHIBE.
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● Conde-Silva, Alessandra F.; Pacheco, Abílio; Gama, Libna Keite. Elias Salgado. [Locução de]: Libna Keite Gama [S.I]: Podcast A gente não quer só chibé, 05 maio 2021. Disponível em: https://open.spotify.com/ episode/40y64Y27veMzV3uiDN9GYr. Acesso em: 30 out 2021.
![](https://assets.isu.pub/document-structure/220313142306-f4ff563d1867684ef9793e415f73a7d7/v1/7e928c7dc0cc5d6bae71138a596785e9.jpeg?width=720&quality=85%2C50)
● Conde-Silva, Alessandra F.; Pacheco, Abílio; Gama, ibna Keite. Salomão Laredo. [Locução de]: Libna Keite Gama [S.I]: Podcast A gente não quer só chibé, 20 mai 2021. Disponível em: https://open.spotify.com/ episode/6Uei1QmtHSk5cOSPlIhGtZ. Acesso em: 30 out 2021.em: 30 out 2021.
![](https://assets.isu.pub/document-structure/220313142306-f4ff563d1867684ef9793e415f73a7d7/v1/00fcbe0bf5d678fe292910e364ee7318.jpeg?width=720&quality=85%2C50)
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● Conde-Silva, Alessandra F.; Pacheco, Abílio; Gama, Libna Keite. Márcio Souza. [Locução de]: Libna Keite Gama [S.I]: Podcast A gente não quer só chibé, 29 jun 2021. Disponível em: https://open.spotify.com/ episode/0Z6tN7txwA4fyyeyIkyAzb. Acesso em: 30 out 2021.
●Conde-Silva, Alessandra F.; Pacheco, Abílio; Gama, Libna Keite. Myriam Scotti. [Locução de]: Libna Keite Gama [S.I]: Podcast A gente não quer só chibé, 27 jul 2021. Disponível em: https://open.spotify.com/ episode/0TNGo1a2RiHs1SlLbrbN0A. Acesso em: 30 out 2021.
●Conde-Silva, Alessandra F.; Pacheco, Abílio; Gama, Libna Keite. Ilko Minev. [Locução de]: Libna Keite Gama [S.I]: Podcast A gente não quer só chibé, 29 out 2021. Disponível em: https://open.spotify.com/ episode/3ybXQvKFwDvE5x2pqWpYz1. Acesso em: 30 out 2021.
Por Elias Salgado
Ojudaísmo acredita na eternidade da alma. A alma é perene, possuí essência espiritual. Portanto, quando ela se afasta do corpo, ela não desaparece, ela não se desintegra. Continua presente e mais presente do que nunca, porque agora ela não sofre as limitações do corpo. O destino final de todas as almas, segundo a religião judaica, é o Gan Eden (Paraíso). Porém, como tal processo está numa instância elevada da espiritualidade, as possibilidades da alma em sua elevação são imensas. E assim surge, no judaísmo, o costume de L’ilui Nishmat, que permite aos entes queridos da pessoa falecida, atuar positivamente, em prol da grandeza espiritual da elevação de sua alma. O costume consiste em realizar, ao longo do primeiro ano de falecimento, boas ações pelo mérito daquela pessoa. É este nobre costume judaico a razão maior do livro recém lançado pela querida chaverá Raquelita Athias, liderança atuante na comunidade judaica de Belém há várias décadas, intitulado Fé e Alegria: Um olhar sobre Rabi Nachman de Breslev e seus ensinamentos. A seguir, Raquelita nos conta sobre sua experiência na escrita do seu livro.
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“FÉ E ALEGRIA: Um olhar sobre Rabi Nachman de Breslev e seus ensinamentos” por Raquelita Athias (Ed. Paka – Tatu, 2021)
“L’iLui nisHmat” – “Para a elevação da alma”
AJ - Amazônia Judaica RA - Raquelita Athias ”Mitzvah gdolah Lihiot be Simcha Tamid, viver com alegria, eis o dever de um verdadeiro judeu”.
AJ – Ferazmal, Raquelita, o que a levou a escrever Fé e Alegria?
RA – Decidi escrever esse texto L’ilui Nishmat de nosso filho, Miguel (z”l), que perdemos fisicamente, no dia 16 de dezembro de 2020. Precisava canalizar a energia da dor e da saudade para algo positivo. De acordo com os ensinamentos da Torah e de nossos sábios, tudo vem dos desígnios do Criador e assim, entendendo que tivemos um tesouro em nossas mãos por 48 anos e o privilégio de educá-lo e amá-lo, a forma de agradecer a D’us era a de oferecer algo em troca desse presente, que foi o nosso filho.
AJ – E como se deu a escolha do tema?
RA – Somos uma família amante de livros e fui naturalmente levada a pensar que nada seria melhor para honrar sua memória do que um texto escrito. Um pequeno livro, para ser distribuído entre familiares e amigos e que trouxesse uma mensagem de paz e esperança ligada à nossa tradição. E, por uma feliz coincidência, ao ler sobre Rabi Nachman, constatei que ele considerava a imprensa como uma das faces da Redenção, permitindo levar a muitos os seus ensinamentos. Foi assim que cheguei ao tema desse livro: os ensinamentos de Rabi Nachman de Breslev.
AJ – Fale um pouco do seu processo de aproximação à filosofia de Rabi Nachman de Breslev.
RA – Foram duas as mizmarot de sete dias pelo falecimento do Miguel (z”l): uma em Belém, seguindo os ritos e tradições da comunidade, e outra, em Israel, realizada pelos queridos amigos David e Simone Salgado com a maciça presença de nossos amigos que já fizeram sua alyah. Foi nessa casa amiga e acolhedora que nosso filho Marcos Fortunato pode dizer o Kadish pelo irmão. E foi nessa ocasião que David encontrou o melhor caminho para homenagear a memória do Miguel, realçar sua alegria de viver, seu amor pela vida. Lembrou, em suas palavras de homenagem, Mitzvah gdolah Lihiot be Simcha Tamid, viver sempre com alegria, eis o dever de um verdadeiro judeu.
Após algumas conversas com o David, foi lentamente tomando corpo em minha mente a ideia de aprofundar meu conhecimento sobre a obra e os ensinamentos de Rabi Nachman e assim poder compartilhar ideias tão enriquecedoras e tão valiosas para nos ajudar a viver da melhor forma possível e de enfrentar nossos desafios com mais coragem e tranquilidade. Era um caminho perfeito para honrar a memória de nosso filho.
Meus momentos de pesquisa e estudo foram o alicerce de minha vida neste período e me proporcionaram a força que precisava para seguir em frente, entendendo a riqueza da família e dos amigos que me cercam!
AJ – Conte-nos um pouco sobre Rabi Nachman de Breslev e sua obra.
RA – Rabi Nachman foi um sábio de grande erudição que trabalhou com base na teologia judaica, abraçando o segmento da Chassidut. Tinha em mente o público judeu, mas tornou-se patrimônio da Humanidade. Faz parte de um seleto grupo de homens, ao longo da história, que foram tão grandes em sua missão, tão especiais em sua mensagem, que conseguiram atingir a todos, independentemente de seu credo, de seu tempo e de sua experiência pessoal, pela sua capacidade de acolhêlos e de aproximá-los do Bem e de D’us. São suas as palavras seguintes, em trecho adaptado: “Eu tenho o poder de fazer todo mundo retornar ao Bem, não somente as pessoas mais simples, mas mesmo os Justos (Tzadikim) ... pois também os justos precisam retornar ao Bem. E não somente o povo sagrado de Israel, mas todos os povos do mundo: eu posso trazê-los de volta para o abençoado Senhor.”
Ainda que seus seguidores e estudiosos afirmem que sua verdadeira grandeza e santidade estejam acima de nossa compreensão, as palavras de Rabi Nachman são belas, claras, cheias de pureza e santidade, podendo ser compreendidas por todos, desde as pessoas mais simples às mais cultivadas, desde os bons de coração até os afastados dos valores do bom caminho. Todos aqueles que se detiverem em seus ensinamentos se sentirão atraídos e inspirados por eles, porque sua mensagem é de fé, esperança, arrependimento e retorno a uma vida boa, prazerosa e significativa.
AJ – Muito obrigado, Raquelita. Essa homenagem a seu filho ilumina nossos corações e nos ensina muito. A orientação do Rabi Nachman, como contida no seu livro, ajudará a todos os leitores, esteja certa disto.
RA – Obrigada. Que assim seja.
Rabi Nachman de Breslev