A Formação da Cristandade

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Coleção Abertura Cultural

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Impresso no Brasil, setembro de 2014. Título original: The Formation of Christendom Copyright © Julian Philip Scott, Literary Executor of the State of Christopher Dawson, 2010 Os direitos desta edição pertencem a É Realizações Editora, Livraria e Distribuidora Ltda. Caixa Postal 45321 – CEP 04010-970 – São Paulo, SP, Brasil Telefax: (5511) 5572-5363 e@erealizacoes.com.br · www.erealizacoes.com.br Editor Edson Manoel de Oliveira Filho Gerente editorial Sonnini Ruiz Produção editorial William C. Cruz e Liliana Cruz Tradução Márcia Xavier de Brito Revisão técnica, preparação de texto e elaboração do índice remissivo Alex Catharino Revisão Cecília Madarás Projeto gráfico Mauricio Nisi Gonçalves / Estúdio É Capa e diagramação André Cavalcante Gimenez / Estúdio É Pré-impressão e impressão Gráfica Vida & Consciência Reservados todos os direitos desta obra. Proibida toda e qualquer reprodução desta edição por qualquer meio ou forma, seja eletrônica ou mecânica fotocópia, gravação ou qualquer outro meio de reprodução sem permissão expressa do editor.

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A Formação da Cristandade Das Origens na Tradição Judaico-Cristã à Ascensão e Queda da Unidade Medieval

Christopher Dawson Tradução de Márcia Xavier de Brito Apresentação à edição brasileira de Manuel Rolph Cabeceiras Prefácio à edição brasileira de Bradley j. Birzer Introdução à edição brasileira de Dermot Quinn Posfácio à edição brasileira de Alex Catharino

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Sum ár io

Apresentação à Edição Brasileira: Christopher Dawson, Historiografia, Cristianismo e os Desafios de Nosso Tempo Manuel Rolph Cabeceiras......................................................................7 Prefácio à Edição Brasileira: A Cristandade de Christopher Dawson Bradley J. Birzer...................................................................................31 Introdução à Edição Brasileira: Christopher Dawson e a Ideia Católica de História Dermot Quinn.....................................................................................43 Nota sobre a Tradução Márcia Xavier de Brito........................................................................75 Nota do Autor ..........................................................................................81 PARTE I - Apresentação Capítulo 1 | Introdução ao Presente Estudo..............................................85 Capítulo 2 | O Cristianismo e a História da Cultura..............................101 Capítulo 3 | A Natureza da Cultura.......................................................115 Capítulo 4 | O Crescimento e a Difusão da Cultura...............................135 PARTE II - Os Primórdios da Cultura Cristã Capítulo 5 | As Ideias Cristã e Judaica de Revelação..............................153 Capítulo 6 | A Vinda do Reino de Deus..................................................171

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Capítulo 7 | O Cristianismo e o Mundo Grego.......................................191 Capítulo 8 | O Império Cristão...............................................................207 Capítulo 9 | A Influência da Liturgia e da Teologia no Desenvolvimento da Cultura Bizantina...........................................................229 Capítulo 10 | A Igreja e a Conversão dos Bárbaros...............................249 PARTE III - A Formação da Cristandade Medieval: Ascensão e Declínio Capítulo 11 | A Fundação da Europa: Os Monges do Ocidente............261 Capítulo 12 | A Era Carolíngia..............................................................277 Capítulo 13 | A Europa Feudal e a Era da Anarquia..............................291 Capítulo 14 | O Papado e a Europa Medieval.......................................303 Capítulo 15 | A Unidade da Cristandade Ocidental...............................317 Capítulo 16 | Os Feitos do Pensamento Medieval.................................335 Capítulo 17 | Oriente e Ocidente na Idade Média.................................359 Capítulo 18 | O Declínio da Unidade Medieval.....................................375 Epílogo Capítulo 19 | A Ideia Católica de Sociedade Espiritual Universal..........393 Posfácio à Edição Brasileira: Teologia e História na Reconstrução da Unidade Cristã Alex Catharino..................................................................................411 Índice Remissivo.....................................................................................427

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A p resent aç ão à Ediç ão Br asileir a Chri sto ph e r D awson, Historiogr afia, Cri stia nismo e os Desafios de Nosso Tem po Manuel Rolph Cabeceiras

Natural do País de Gales, Christopher Henry Dawson nasceu em 12 de outubro de 1889, na pequena cidade de Hay-on-Wye (em galês “Y Gelli Gandryll”), também chamada simplesmente de “Hay”. À época pertencia a Brecknockshire (condado administrativo de ­Brecknock, extinto em 1974), exatamente na fronteira entre este e Herfordshire, no lado inglês. Pacata, transformou-se a partir dos anos 1980, por conta das lojas de publicações usadas, na “Meca dos biblió­filos”, sendo muitas vezes descrita como “a cidade dos livros”. Embora tenha mudado algumas vezes de residência, a infância de Dawson sempre se passou nesse ambiente rural vitoriano (e ele próprio virá a destacar a importância deste fato em sua formação), sendo educado exclusivamente por tutores, em casa, até os dez anos, quando passa a frequentar a escola preparatória. Em 1908, ingressou no Trinity College da University of Oxford, onde estudou História com o grande helenista Ernest Barker (1874-1960). Em 1909, acompanhado de seu melhor amigo, Edward I. Watkin (1888-1981), viajou para Roma e lá, nos degraus do Capitólio, no lugar mais sagrado das sete colinas da antiga Roma, para onde levam todas as ruas, sob o impacto da Cidade Eterna, sente-se desafiado a escrever a história da cultura; inspiração que seguirá pelo resto da vida. No mesmo ano, já de volta a Oxford, conheceu a futura esposa, Valery Mills, a caçula de três filhas de uma viúva, com quem, em 1916, se casou e foi a companheira de toda a vida, sobrevivendo-lhe por mais quatro anos.

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Ao mesmo tempo, por volta dessa época, Dawson trilhava um itinerário espiritual que veio a culminar na sua conversão de um anglicanismo praticante a um catolicismo não menos engajado. Para a tomada de decisão, em 1913, não faltou o apoio do melhor amigo e da namorada, ambos católicos. No dia 5 de janeiro de 1914, ­Christopher Henry Dawson foi batizado na igreja, em Oxford. Iniciada a Primeira Guerra, tentou ingressar no serviço militar, mas é rejeitado em razão da saúde (sempre debilitada). Em breve, as suas pesquisas começaram a dar frutos e sucederam as publicações: The Nature and Destiny of Man e The Passing of Industrialism (1920), Cycle of Civilizations (1922), The Age of Gods (1928), Progress and Religion (1929), Christianity and the New Age (1931), The Making of Europe e The Modern Dilemma (1932), The Spirit of the Oxford Movement e Enquiries into Religion and Culture (1933), Medieval Religion and Other Essays (1934), Religion and the Modern State (1935), Beyond Politics (1939), Judgment of the ­Nations (1942), Religion and Culture (1948), Religion and the Rise of Western Culture (1950), Medieval Essays (1954), ­Dynamics of World History (1956), The Movement of World Revolution (1959), The ­ Historic Reality of Christian Culture (1960), The Crisis of Western Education (1961), The Dividing of Christendom (1965), The Formation of Christendom (1967) e, postumamente, The Gods of Revolution (1972) e Religion and World History (1975). Para um público como o brasileiro, ao qual Dawson foi apresentado apenas recentemente, a relação visa a dar alguma ideia sobre os temas por ele investigados e o ritmo de produção, sem qualquer pretensão de esgotarmos a totalidade de sua obra. Entre tais títulos, alguns foram aclamados, desde o lançamento, como marcos fundamentais, o que enalteceu a amplitude do conhecimento e a lucidez de estilo do autor. A repercussão dos trabalhos dawsonianos pode ser medida pela eleição do autor, em 1943, para membro da British Academy. Apesar de atuar mais fora do ambiente

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universitário, chegou a ocupar algumas vezes a cátedra no University College em Exeter (1930-1936), na Universidade de Liverpool (1934) e na Universidade de Edimburgo (1947 e 1948) no Reino Unido, bem como na Universidade de Harvard (1958-1962) nos Estados Unidos. No ambiente protestante da Universidade de Harvard, em ­Cambridge, Massachusetts, ministrou, como primeiro titular, um curso chamado ­Roman Catholic Studies [Estudos Católico-Romanos], criado por iniciativa e a convite do benemérito católico, também convertido, Chauncey ­Devereux Stillman (1907-1989). Após a estada norte-americana, retornou para a sua residência em Budleigh Salterton, Devon, na Inglaterra, cidade às margens do Canal da Mancha, onde passou os últimos anos, vindo a falecer em 25 de maio de 1970. Seus restos mortais foram depositados em Burnsall, Yorkshire, no norte da Inglaterra, próximos aos dos pais, no local em que passou parte da infância. São partes do curso ministrado por Dawson na temporada estadunidense as palestras transformadas em três livros, então entregues aos cuidados de Watkin, amigo de toda a vida, companheiro da viagem a Roma, e agora seu agente e editor literário. Diferente das outras obras anteriores, a publicação das referidas palestras repercutiu muito pouco. Era o ocaso de um gênio e de um modo de fazer História. Dos três, o terceiro e último volume The Return to Christian Unity [O Retorno da Unidade Cristã] permanece ainda inédito mesmo em língua inglesa. Quanto aos dois primeiros, os já citados The ­Formation of Christendom [A Formação da Cristandade] e The ­Dividing of Christendom [A Divisão da Cristandade], foram publicados respectivamente em 1967 e 1965, assim mesmo, nessa ordem (para a qual, mais adiante, propomos uma leitura interpretativa dos motivos). O público de língua portuguesa1 é agora, em 2014, agraciado no A presente publicação – A Formação da Cristandade – e A Divisão da Cristandade se somam aos outros livros do autor já traduzidos para o português e também publicados pela editora É Realizações: Dinâmicas da História do Mundo (2010) e Progresso e Religião (2012).

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Brasil com um lançamento simultâneo dessas duas obras, justamente no ano do centenário da conversão de Dawson ao catolicismo, ocasião em que assistimos a um renovado interesse pelo seu pensamento em meio aos impasses vividos na atualidade. Impasses historiográficos e civilizacionais, impasses sobre a presença cristã e, mais particularmente, católica, em tais contextos. Fiel à inspiração inicial, temos nesse percurso uma vida dedicada ao estudo das culturas históricas, ao papel desempenhado pela religião, nesse caso visto como central, e, em particular, o exame do cristianismo histórico e da cristandade. Eis um historiador da cultura britânico; mas, o que significa ser um historiador da cultura? Voltando ao público brasileiro, eis uma pergunta pertinente e resta aqui um importante esclarecimento. Para quem, como nós, está habituado a combinar o binômio “História” e “Cultura”, nessa ordem, sob a etiqueta de “história cultural”, o termo “história da cultura” soa como algo estranho, completamente exótico. A história cultural no Brasil, no recorte teórico-metodológico, é suscetível às modas intelectuais. Estas vêm fundamentalmente dos franceses que, com Roger Chartier (1945-), ao tratar da chamada “nova história cultural”2 sentiu necessidade de fazer dois movimentos para demarcar o terreno: um interno, no bojo da Nouvelle Histoire [História Nova], cujo objetivo era distingui-la da “história das mentalidades”, sem deixar de apresentar-se como seu herdeiro; e outro externo, ao identificar uma “história das ideias” e/ou “intelectual” (vez por outra esses termos se sobrepõem ou são pensados como campos distintos), assinalando-a como pertencente a um universo bastante diverso da sua proposta de pesquisa. Todavia, do outro lado do Canal da Mancha, apesar dessa história das ideias, independente do nome dado, se fazer hegemônica e usufruir

Roger Chartier, A História Cultural entre Práticas e Representações. Trad. Maria Manuela Galhardo. Rio de Janeiro, Bertrand Brasil, 1990. 2

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de grande fortuna, o quadro guardava uma complexidade maior. Foi preciso esperar por outro prócer da “nova história cultural”, o inglês Peter Burke (1937-), cuja carreira teve início como professor de ­Intellectual History [História das Ideias] na Universidade de Sussex, em 1962, e veio a assumir, em 1979, a cadeira de História Cultural na Universidade de Cambridge, onde hoje é professor emérito. Pois bem, como parte do desafio do qual se desincumbe no livro O Que É História Cultural?,3 Peter Burke faz de seu eixo de argumentação um esquema apresentado com o intuito de distinguir essa “nova história cultural” (NHC ou, em inglês, NCH), da “história cultural” que seria praticada nas “fases” anteriores. E, entre elas, a primeira seria, justamente, mais amiúde chamada de “história da cultura”, apresentada mais como uma “história de obras-primas” estudadas como expressão de determinada cultura seja nas artes, nas letras ou nas ciências, predominando em suas análises o tom filosófico, estetizante e elitista. Burke, ao identificá-la como a primeira fase da história da história cultural, denomina-a de “clássica” e marca o seu início na Alemanha dos anos 1780, notando-a vigorosa até 1950, quando seria suplantada pelo movimento da “história social da arte”. Este último, vindo de 1930, seria representado, entre outros, por Arnold ­Hauser (1892-1978) e Ernst Gombrich (1909-2001), enquanto da fase clássica, anterior, são destacadas as obras do suíço Jacob Burckhardt (1818-1897) e do neerlandês Johan Huizinga (1872-1945) como as maiores e mais emblemáticas. Segundo Peter Burke, a história da história cultural ainda teria mais duas fases: a terceira, caracterizada pela “descoberta da cultura popular” nos anos 1960 e a quarta, justamente a da “nova história cultural”, na qual se insere. Entre os primeiros relaciona E. P. Thompson (19241993), Eric Hobsbawm (1917-2012) e Christopher Hill (1912-2003).

Peter Burke, O Que É História Cultural?. Trad. Sérgio Goes de Paula. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, 2005. 3

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Já, para a fase presente, iniciada nos anos 1980, aponta o G-4 das referências teóricas do movimento nas obras de Mikhail Bakhtin (18951975), Norbert Elias (1897-1990), Michel Foucault (1926-1984) e Pierre Bourdieu (1930-2002), distinguindo Chartier como um dos principais líderes. Completar-se-ia, então, o que Burke considera, numa visão panorâmica, o alargamento do escopo da história cultural, de restrita em sua fase clássica à alta cultura até a inclusão da cultura cotidiana, abrangendo os costumes, valores e modos de vida, convergindo com a maneira de ver a cultura dos antropólogos. Há sérios problemas nessa classificação, que pelo prestígio de seu autor vem se transformando em cânone, ao menos nas terras brasílicas, tantas são as reduplicações e citações feitas sem qualquer crítica. Não sendo aqui o lugar para exercê-la sistematicamente, pontuaremos apenas aquilo que diz respeito ao nosso autor. Peter Burke observa existir na anglofonia um importante contraste, nesse terreno, entre os Estados Unidos, marcado por uma tradição de interesse nos estudos culturais, e a resistência a tal estudo, no lado britânico do Atlântico, mais afeito ao estudo das ideias. As principais e raras exceções listadas são o Christopher Dawson de The Making of Europe (1932), os doze volumes de A Study of History (1934-1961) escritos por Arnold Toynbee (1889-1975) e, o que mais impressiona a Burke, o projeto concebido e planejado, nos anos 1930, pelo bioquímico Joseph Needham (1900-1995), cujo resultado foi a publicação, iniciada por ele à frente de um grupo de colaboradores, de Science and Civilisation in China (1954-2008). Ora, no afã de demarcar terrenos, guiados por afeições intelectuais, muitas vezes a retórica passa a predominar, simplificando posições e, por consequência, aspectos importantes deixam de ser contemplados. Assim, por exemplo, a vitória obtida pelas duas primeiras gerações dos Annales, revista em torno da qual se desenvolveu a História Nova, com proposições de enorme relevância para a historiografia contemporânea, deu-se acompanhada pelo desprezo

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e abandono, por um bom tempo, de setores temáticos como o da política e o da guerra, denunciados no combate pela renovação teórico-metodológica como típicos de uma história acontecimental (événementielle), de uma história do tempo breve. No entanto, desde então, quando o tempo acentuou a relevância de tais domínios, surgiram diferentes iniciativas cujo objeto era a recuperação e renovação dos referidos temas. À semelhança do ocorrido acima, por mais que Peter Burke tenha a delicadeza de afirmar o valor de todas as chamadas quatro fases da história da história cultural e o permanente interesse pelas principais obras de cada tradição (cada fase seria a expressão de uma determinada tradição nos estudos históricos da cultura), o resultado também aqui é a valorização daquilo que se revela próximo de suas afinidades intelectuais. Isso se revela na breve menção feita à obra de Christopher Dawson, reduzindo-a a um único título significativo e, apesar de positiva, vem acompanhada de um comentário que resume as investigações de Dawson nesse campo aos seis anos de atuação como conferencista de história da cultura em Exeter, ocasião em que teria produzido aquela mencionada obra. Tudo isso somente revela quão imenso é o desconhecimento de Burke a respeito da obra e do pensamento dawsoniano. O preço pago por tal lacuna mostra ser elevado quando passamos a observar, nas citações e resenhas da revisão historiográfica empreendida por Peter Burke, a tendência de transformar as simplificações presentes em seu texto, em algo caricatural. Enfatizando o exercício retórico promovido vemos, entre outras considerações, a “história da cultura” ser chamada de “história das belas artes”. E bastaria trazer à memória nomes como os de Oswald Spengler (1880-1936) e do já citado Arnold Toynbee, autores que o leitor brasileiro de história tem certa familiaridade, e que, apesar da distância, tiveram várias obras traduzidas para o português (o que permite, pois, que sejam consultados nas boas bibliotecas)

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para perceber que esse não é o caso. Aliás, em ambos, Spengler e ­Toynbee, o nosso leitor pode vir a obter uma imagem pouco mais aproximada do tipo de trabalho empreendido por Christopher ­Dawson. No entanto, ainda assim, são obras bem distintas, seja em muitos dos procedimentos, seja mais ainda nas interpretações e conclusões. O próprio Dawson, ao dialogar com elas, mesmo em face da obra de Toynbee, de quem foi colega de classe, não deixa de criticá-las firmemente, e de indicar os pontos que as considerava deficientes ou contraditórias. Se voltarmos para a fonte das citações e resenhas – o próprio texto de Peter Burke –, um olhar atento torna possível localizar a razão do desconhecimento e da pouca afeição pela obra de ­Christopher Dawson. A perspectiva de Burke ao abordar a cultura é a do viés econômico-social, num horizonte nitidamente marxista. Não há momento em que a dimensão religiosa é tratada com a atenção devida nas considerações e abordagem a respeito da cultura. É como se não houvesse lugar para esse campo de pesquisa. E de fato não há. Por não existir, Dawson permanece deslocado. Esse não deveria ser um problema para Burke, visto que intenta contemplar diferentes pontos de vista. Em época como a atual, em que os fenômenos religiosos ganham cada vez maior destaque, torna-se irrecusável a percepção de sua magnitude na realidade social, e um autor como Dawson, que concede primazia a esse plano na dinâmica das culturas históricas, merece, ao menos, ser lido com um pouco mais de atenção. Isso sem contar que, ao continuarmos afastados de tal retórica de combate, entre a “história cultural” e a “história da cultura”, as propostas teórico-metodológicas subjazem variadas, guardando, cada uma, as suas virtudes. E Burke está certo; frequentar as diferentes tradições intelectuais no campo da história cultural areja essa esfera de conhecimento e contribui para o desenvolvimento das investigações, refinando-nos o instrumental. E, entre os grandes expoentes, Dawson é um gigante.

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Um tema, por exemplo, da “história da cultura”, não contemplado pela “história cultural”, é o das civilizações, que, pelo caráter compendioso, já foi objeto de estudo de dois dos nomes mais icônicos da História Nova, Fernand Braudel (1902-1985) e Jacques Le Goff (1924-2014). Hoje, contudo, tornou-se marginal, em virtude daquilo que foi denominado de “história em migalhas”,4 uma tendência que se mantém em razão da imensa e nebulosa pluralidade de novos problemas, novas abordagens e novos objetos que, desde os anos 1970, quando foi inventariada, já era impactante.5 Essa perspectiva não para de crescer, fazendo-nos descrer da capacidade de uma só inteligência abarcar todo esse universo com um só golpe de vista. Entre civilização e cultura, é costume aproveitar, em relação à primeira noção, a rota inicialmente traçada pelos franceses e, em relação à segunda, a dada pelos alemães, demonstrando que ambas são oriundas de tradições distintas. A partir de tal operação, muitos se sentem autorizados a descolar da noção de cultura o aspecto de grande síntese, o qual também lhe era e é próprio, tanto que, para muitos autores e circunstâncias, os vocábulos são intercambiáveis. Assim, deixam de lado a magistral lição de Fernand Braudel que, aproveitando a existência dos dois termos, fazia coincidir a ideia de civilização com um tipo específico de cultura, a urbana (Grammaire des civilisations,6 de 1987, ao retomar o núcleo de outra obra de sua autoria, datada de 1963). Não obstante, tal visão larga, abrangente, dotada de altos voos, característica dessa “história da cultura”, já tinha sofrido um grande François Dosse, A História em Migalhas. Trad. Dulce A. Silva Ramos. São Paulo/Campinas, Ensaio/Editora Universidade Estadual de Campinas, 1992.

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Jacques Le Goff e Pierre Nora (dir.), História: Novos Problemas. 4. ed. Trad. Theo Santiago. Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1995; Idem, História: Novos Objetos. Trad. Teresinha Marinho. 4. ed. Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1995; Idem, História: Novas Abordagens. 4. ed. Trad. Henrique Mesquita. Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1995.

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Fernand Braudel, Gramática das Civilizações. 3. ed. Trad. Antônio de Pádua Danesi. São Paulo, Martins Fontes, 2004.

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estrago, resultado do combate da História Nova em torno das interpretações filosóficas do processo histórico ou, mais precisamente, da energia despendida pelos historiadores em adequar os estudos à determinada filosofia da história. A isto, e assim designa o próprio Dawson, chamamos de meta-história. A ideia dos “novos historiadores” era, em troca, apostar no contato com as demais ciências sociais (a interdisciplinaridade); na prática da pesquisa problematizada; no desenvolvimento de técnicas mais rigorosas e controladas, no intuito de evitar interpretações impressionistas dos fenômenos históricos. Essa necessidade ingente de inculcar no historiador um refinamento teórico e metodológico testado na pesquisa sistemática das fontes levava à necessidade de ostracizar a filosofia e, mais particularmente, a filosofia da história da cidadela de Clio, relegando a meta-história a assunto de filósofos. Ora, os resultados pretendidos foram alcançados. Já são quatro as gerações desde os Annales, a revista em torno da qual, desde 1929, se desenvolveu a Nova História. As críticas dirigidas ao movimento nos anos 1980 e 1990 evidenciaram os limites da proposta e a necessidade de revisão crítica. Cada vez mais a revisão crítica se faz necessária, pois as questões seguem em aberto, a retomada de certos temas e autores esquecidos no fragor do combate, e é preciso dar-lhes nova dimensão. Christopher Dawson é um dos autores, como pode ser antevisto, que muito tem a dizer para aqueles que pertencem aos domínios da História. Estamos a falar de um dos pioneiros no diálogo com as Ciências Sociais, particularmente, com a Antropologia e a Sociologia, muitas décadas antes da História Nova. A virada, por exemplo, que Peter Burke identifica, entre os anos 1960 a 1990, da história cultural em direção à Antropologia, em decorrência dos problemas de definição daquilo que viria a ser cultura, encontra em Dawson um experiente precursor, pois, na década de 1920, inaugurara esse diálogo. De sua meta-história não estão ausentes tais diálogos; evita as excessivas

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simplificações que ele mesmo denuncia em Oswald Spengler e Arnold Toynbee, mas também em Karl Marx (1818-1883). Aliás, um dos embates da meta-história dawsoniana é contra as excessivas generalizações e o empenho em fixar leis da história, algo por ele descartado justamente graças à enraizada visão cristã e à profunda atenção para com as particularidades sociais. Muitas vezes somos levados a pensar que a meta-história está ausente da prática historiográfica vigente. O sucesso das lutas annalesistas nos distrai do fato que as teorias sociais de dois dos autores teóricos mais frequentados por quem pratica História no Brasil, o já citado Karl Marx e Max Weber (1864-1920), têm subjacente às suas propostas interpretativas também uma meta-história. Aliás, à medida que se constata ser crescente o renovado interesse pelas obras de Dawson mundo afora (há um revival dawsoniano), Weber tem sido reiteradamente comparado a Dawson, e com razão, não quanto à meta-história, mas no diálogo entre a história e outras ciências humanas, bem como no interesse do papel da religião na cultura ocidental. Retornar à ambição pela síntese, tê-la em mente no horizonte investigativo: é preciso reatar essa conexão que se manteve presente até a terceira geração dos Annales, com Jacques Le Goff, por exemplo, como tivemos ocasião de citar. É preciso recordar às raízes dos Annales, recordar Henri Berr (1863-1954), para quem, sem tergiversações, a síntese ocupava papel central. Daí a sua Revue de S­ ynthèse Historique (1900, após 1930, simplesmente, Revue de Synthèse) e o Centre International de Synthèse (1925), ambos frequentados por Marc Bloch (1886-1944) e Lucien Febvre (1878-1956). A evocação aqui, porém, é a da exigência, esgotado o caminho, de resultar na “História em migalhas”. E aqui também Dawson fornece inestimável contribuição. O que sustenta a meta-história de Dawson e qualquer meta-história e qualquer análise relevante dos fenômenos sociais e históricos é a imaginação criativa. O caminho da síntese é o da “imaginação

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criativa”, de visões inspiradoras que nos lançam para frente e nos permite contemplar grandes horizontes. Quem a estudou suficientemente bem no campo das ciências sociais foi Charles Wright Mills (1916-1962), chamando-a de “imaginação sociológica”.7 A “imaginação sociológica” é um ato que permite a quem a pratica partir do horizonte imediato, no qual se acham as vivências e constatações pessoais, até as grandes questões públicas, inserindo-se compreensivamente no contexto maior da própria sociedade. Por ser uma prática criativa, Mills fala de uma qualidade de espírito que permite ao sujeito usar a informação de que dispõe e desenvolver a própria razão de modo a obter maior clareza acerca do que ocorre no mundo e consigo mesmo. Analogamente, em cada campo, podemos encontrar uma feição dessa “imaginação criativa”. Toda grande obra intelectual, científica ou artística é alimentada e sustentada por tal visão. Principia, dentre os procedimentos de conhecimento, muitas vezes em um insight, uma intuição, favorecida por um ambiente, pelo contato com os clássicos, o exercício da fantasia e do jogo, na projeção refletida e vivenciada de nossas ações em um quadro informado por determinada ideologia ou religião. Experiências de construção de sentido. Há, outrossim, uma “imaginação histórica”. Falamos em ideologia e religião como fontes da imaginação criativa. Entretanto, não só é fundamental esclarecer o papel desses elementos em tal processo, como também é crucial ilustrá-lo na obra historiográfica ou em qualquer interpretação a respeito da realidade. No empenho de apresentar Dawson ao público brasileiro e conceder-lhe o devido e inestimável valor, é preciso que nos acautelemos diante da leitura fácil e tentadora que pretende encerrá-lo, atendendo a uma perspectiva apologética, em determinado nicho: o do historiador

C. Wright Mills, A Imaginação Sociológica. 6. ed. Trad. Waltensir Dutra. Rio de Janeiro, Zahar Editores, 1982. 7

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conservador e partidariamente católico, como pretendem alguns daqueles que o têm resgatado recentemente. A apologética possui função e valor, mas, para ela, a História interessa apenas de maneira instrumental, pragmática, quando está a serviço de determinada causa ou interesse. Não lhe interessa a História na qualidade de um campo de investigação próprio. Assim o é quando muito abrangida pelo que convencionalmente designamos, hoje, de “história pública”, ou seja, o uso social das investigações históricas. Uma vez restritos a tal gênero de história pública, não devemos confundir os campos: a história profissional/acadêmica e tal uso instrumental da tarefa do historiador na defesa de determinada fé, seja ideológica ou religiosa. A despeito dos historiadores adotarem ideologias e estas inspirarem as suas pesquisas, interpretações e análises, as investigações não são, ou ao menos não deveriam ser, direcionadas por esse mesmo ideário particular. Um trabalho profissional de qualidade ultrapassa as ideologias, seguindo regras próprias do ofício. Inspirar significa sugerir o que está na raiz dos dilemas e dos questionamentos do historiador, manifestando o quanto estamos imersos e comprometidos na própria época. Significa dizer, igualmente, que as ideologias estão mediadas por nossas teorias sociais, estão no cerne das hipóteses ou das respostas dadas aos dilemas e questionamentos anteriormente propostos. A ideologia tem relação clara com a percepção da política, no modo como são justificadas e projetadas as ações nesse campo. Já a religião, quando é mais que uma palavra na boca do fiel, extravasa o campo da política e passa a ter um caráter mais existencial, abarcando a vida em todas as suas dimensões, fornecendo-lhe respostas de maior amplitude, capazes de adequadamente conferir sentindo ao seu viver. Cumpre observar que apenas uma ou outra possui tal condição – não estamos aqui sectarizando. É da própria vida, da reflexão que fazemos a seu respeito que procedem as questões e hipóteses acerca dessas dimensões. O fundamental

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aqui é que sejam construídas e testadas conforme os procedimentos de cada disciplina. Ideologias e religiões, cada uma a seu modo, podem alimentar a imaginação criativa do pesquisador do fenômeno humano, o qual, por natureza, é social e histórico. Se Wright Mills nos fala em imaginação sociológica e igualmente constatamos que não estão desprovidas de imaginação as grandes obras no campo historiográfico, insistimos que uma e outra são formas da imaginação criativa que alicerçam qualquer investimento sério e sistemático em determinado ramo de pesquisa ou saber. Ora, em toda forma de saber, há regras e procedimentos que devem ser seguidos, a despeito das ideologias e das religiões, e a imaginação criativa expressada nas teorias e hipóteses é constantemente posta à prova. Desse modo, apenas resultam, sobrevivem e se tornam clássicas as teorias e hipóteses que se coadunam em escala significativa com os dados disponíveis. Se a imaginação sociológica é um exercício de construção de sentido social, por via da imaginação histórica opera-se a construção de sentido ao longo do tempo, unindo-nos não só às pessoas, às sociedades e às culturas nas quais vivemos na dimensão temporal mais estrita, como também a outras épocas em perspectivas mais longas. Assim, é empobrecedor reduzir Christopher Dawson, ou qualquer grande autor, ao campo ideológico. Uma boa obra se faz clássica por ultrapassar tal bairrismo sectário, por iluminar desassombradamente aspectos fundamentais da realidade humana. O mesmo se pode dizer da religião. Se Dawson é um historiador católico e esta identidade se constitui em chave de sua obra, não o é por atender interesses apologéticos, mas pelo fato de ter tal vivência como ponto de partida das inspirações, dos questionamentos e das hipóteses de um modo que falta, em tempos pós-iluministas, aos intelectuais cristãos em geral, salvo honrosas exceções. Uma delas é a vida, a carreira e a obra de Christopher Dawson que nos trazem riquíssimas lições!

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Como vimos, o livro que ora temos em mãos, A Formação da Cristandade (1967), foi originalmente lançado após, não antes, o volume A Divisão da Cristandade (1965), que aborda os acontecimentos que lhe são posteriores. A narrativa deste último inicia com um olhar de conjunto sobre a época contemplada no volume, examinando, no Ocidente, os impactos culturais da quebra da unidade cristã. A seguir, descreve as manifestações dolorosas de declínio dessa unidade em pleno século XIV até a consumação da Cristandade dividida, passando pela Renascença, pelo Barroco e pelo Iluminismo. O Cisma Protestante, a Reforma e as monarquias nacionais são examinados detalhadamente em seus desdobramentos culturais em um e outro lado do Atlântico. Já n’A Formação da Cristandade, especial importância adquirem os prolegômenos, de cunho nitidamente teórico, que podem ser divididos em duas partes: uma primeira, histórico-cultural, sobre o cristianismo e a história da cultura, as culturas históricas e sua dinâmica; e outro segmento, teológico, sobre Revelação e o Reino de Deus. A seguir, a narrativa acompanha a Cristandade Medieval em seus primórdios, a ascensão e o declínio, examinando os elementos de integração e de dissolução e as manifestações culturais no Ocidente e no Oriente. Ao fim, após apresentar as primeiras fissuras (séculos XIII e XIV), expõe uma análise acerca da ideia católica de sociedade espiritual universal (epílogo). Enfim, The Return to Christian Unity [O Retorno à Unidade Cristã], ainda inédito e no aguardo de publicação, completa o percurso ao abranger o final do século XVIII e os séculos XIX e XX. No título, indica mais um desejo, um empenho e um projeto que uma efetiva realização, ao mesmo tempo aponta, também, ao encaminhar às duas obras anteriores, tratar-se de um conjunto único, centrado na ação da unidade cristã: na necessidade de retomada e de iniciativas nessa direção, o que o remete a analisar o modo como se deu tal perda e seus desdobramentos, bem como recorda sua constituição primeva e a manifestação da força dessa unidade.

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Um único argumento, uma única ação a costurar os três volumes, os quais, portanto, fazem parte de um único canto. Assim como a I­ lía­da narra a ira de Aquiles e a Odisseia, a volta de Odisseu (Ulisses) a Ítaca, ou seja, ao lar, temos também uma única ação, como nos ensina a poética clássica, a presidir a grande epopeia que Dawson nos lega, como a nos deixar um testamento: a grande série de acontecimentos grandiosos da unidade cristã no Ocidente, a Cristandade Europeia. As palestras ministradas entre 1958 e 1962, e publicadas em 1965 e 1967, ocorrem no contexto do Concílio Vaticano II: eleito pontífice romano o cardeal Angelo Roncalli (1881-1963) em fins de 1958 (em 28 de outubro, e assumindo o pontificado em 4 de novembro) com o nome de João XXIII, o novo papa convoca, com a bula papal ­Humanae Salutis, o Concílio em 25 de dezembro de 1961, cujas sessões ocorrem de 11 de outubro de 1962 a 8 de dezembro de 1965, encerrando já no pontificado de Paulo VI (1897-1978). O ecumenismo que sempre estivera no foco das ações de Dawson, e fora promovido por intermédio das mais diversas iniciativas, encontrava em João XXIII largos e decisivos gestos, como a criação, em 1960, do Secretariado para a Promoção da Unidade dos Cristãos. As palestras em Harvard, portanto, mostravam-se bem oportunas. À decisão de lançar A Divisão da Cristandade antes de A Formação da Cristandade, provavelmente tomada por Watkin, não deve ter faltado certo senso de dramaticidade, pois visava a introduzir o leitor in media res, no meio dos eventos que acabaram por cindir a cristandade e, por tabela, favorecer culturalmente a cristandade, ganhando espaço para uma modernidade que dela estava ausente, apesar do vigor cultural que ainda demonstrava. Essa publicação foi seguida d’A Formação da Cristandade, como digressão retrospectiva que pretendia exibir o remédio ao mal, cuja visão da unidade perdida deveria contribuir para o retorno. A fria recepção na ocasião do lançamento dos dois primeiros volumes, e um Dawson cada vez mais doente, somou-se ao acentuado pessimismo de Watkin em face dos

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novos tempos: tais ingredientes compuseram o quadro que conduziu à decisão pela não publicação do terceiro volume, deixando-nos órfãos da obra completa. Até que venha o terceiro livro temos naquilo que foi publicado um tesouro inestimável, em dois volumes que se justificam por si sós e podem ser lidos independentemente ou na sequência, se o leitor assim desejar. Quanto ao ecumenismo, este continua a ser um desafio para os cristãos. Além da urgência da unidade, dado o avanço do secularismo que alcança no Ocidente uma capilaridade nunca antes vista, a fragmentação da unidade da Igreja revela-se como um espinho à medida que o amor-caridade entre os irmãos não se mostra capaz, dados os limites humanos, de demonstrar, no tempo, sinais mais patentes da unidade. A ruptura da união desejada pelo Cristo para a Sua Igreja veio a se constituir num doloroso óbice à atividade missionária e à obra de construção do Reino de Deus. Um escândalo. Como coadunar unidade e diversidade quando as manifestações culturais e as culturas históricas são plurais? Nas pesquisas, Dawson demonstra como os fatores de ordem cultural tiveram forte atuação nos desentendimentos entre cristãos. Logo, compreender as culturas, as dinâmicas e as histórias passa a ser um empreendimento decisivo e central. Isso não significa fazer dos cristãos, historiadores; mas, o cristianismo nunca deixou de ter uma dimensão efetivamente histórica. Eis a compreensão que ­Dawson pretende proporcionar, não só aos católicos, mas também aos protestantes, pois não podemos esquecer o ambiente no qual as palestras foram originalmente ministradas. Há no historiador galês um empenho em construir pontes, visando ao entendimento mútuo entre os irmãos em Cristo. A memória sempre foi uma característica decisiva na experiência cristã: Evangelhos, Atos dos Apóstolos, Atas dos Mártires, História Eclesiástica… A própria celebração litúrgica é memorial. Distintas em sua dinâmica, memória e história coletivas também se cruzam e tecem

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relações entre si, nutrindo-se mutuamente. Isso está presente desde o primeiro momento da caminhada do povo cristão. Em diferentes sentidos, o cristianismo é uma religião histórica, e isso pode ser dito de modo mais preciso ao dizer que a todos cabe ter, desta história, algum conhecimento. Na obra de Christopher Dawson, ao falar de História, podemos entendê-la de três modos diferentes. 1º) No plano da Fé cristã, a história pode ser vista como uma perspectiva interna à comunidade de crentes, hermenêutica da memória, na qual, apesar de distinta da memória, não deixa de atuar subsidiariamente, forjando o que podemos chamar de uma “história sagrada”, ou seja, de uma História como alimento da Fé. Neste sistema, estuda como se dá a intervenção divina na história. É a crônica de um povo e de sua Fé, sem dúvida, mas não apenas isso. Interessa-se, todavia, por constatar a intervenção de Deus na história. Em A Formação da Cristandade, há a nota particular da busca de uma base comum. Aí, Dawson relembra o ensinamento de Santo Tomás de Aquino (1225-1274), em que é essencial, ao entabular um diálogo com aqueles de quem guardamos diferenças, principiar retomando o patrimônio comum, além disso, mostra ser igualmente necessário identificar a ação de sal da Terra. Por outro lado, e aqui se faz também presente algo do interesse de quem não pertence à comunidade cristã: tomar Cristo como “caminho, verdade e vida”, critério para a ação, alfa e ômega, senhor da História, significa que essa Fé se encarna e se assume como manifestação cultural, informando e conformando a cultura. Não só tal fé transforma por dentro como cria o novo. Para o cristão isso ocorre em virtude do Criador fazer dele o Seu instrumento. A justificativa dada, porém, não importa: o fato é que mudanças históricas e culturais têm registro. Isso é o que melhor nos permite compreender o papel da religião nos fenômenos histórico-culturais e, ao mesmo tempo, torna patente ao próprio cristão tais desdobramentos da experiência

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cristã. Então, a história cultural passa, também, a revelar um valor sagrado, ressaltando o sentido pouco aprofundado, mas importante, de testemunho de uma fé. 2º) Há o plano do fazer historiográfico, a dimensão prática. Já o vimos exaustivamente, todavia, vale retomar alguns pontos. Ao historiador católico ou protestante, ao pesquisador cristão em geral, é exigida a feitura de uma “boa” história, rigorosa, como é exigido de qualquer historiador que queira ter o trabalho validado, o que engloba o modo como opera suas generalizações. Conceitos, modelos e problemas, tudo é o resultado de generalizações sistemáticas e conscientes, as quais são aplicadas a estudos particulares e bem delimitados. Se assim não fosse, a História não passaria de crônica. As análises e interpretações, por seu turno, bem como, por sua vez, as sínteses, são interdependentes e uma não subsiste adequadamente sem a outra. É fundamental recuperar tal exercício que também faz parte da prática historiográfica. Voltando a Santo Tomás de Aquino, ou à Razão, aquele s­ abendo-a limitada, faz com que siga autônoma em relação à Fé; caso contrário, não haveria sentido em dela sermos dotados. Assim, da mesma maneira como a filosofia e a teologia possuem suas autonomias, seguindo cada uma procedimentos próprios, o mesmo também é válido para a História. Claro que não é suficiente para um historiador católico ser um bom historiador no sentido de aplicar correta e rigorosamente os métodos e técnicas próprios desse campo do saber. No entanto, tal condição é necessária e imprescindível. Igualmente aqui, o agostianismo de Dawson é exemplar ao empregar não só os instrumentos proporcionados pela historiografia do período, como ao atuar pioneiramente numa perspectiva interdisciplinar. 3º) Há ainda o plano propriamente da razão histórica como procedimento interpretativo, vista como um sério empenho de compreensão do processos históricos conforme as regras próprias e autonomias desse tipo de investigação. Acima, no plano do fazer historiográfico

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foram mais considerados os meios; neste campo particular é levado em conta o conteúdo a ser examinado e os resultados obtidos, o conhecimento alcançado, as teorias formuladas e as propostas interpretativas. Sem desdizer a importância de qualquer um desses planos, é deste quesito que mais carecemos. E é aqui que a leitura de Dawson, talvez, mais possa nos ajudar. A respeito da razão histórica, o católico e o protestante, o cristão em geral carece de uma reassunção de áreas do pensamento em que parece ter abdicado do exercício da cidadania. É preciso uma retomada efetiva. Abrimos mão da formulação de teorias sociais e de hipóteses interpretativas próprias com a marca de uma reflexão genuinamente cristã. Não se assume seriamente o desafio do Cristo, alfa e ômega, do Cristo critério de apreensão da realidade. Quando dizemos apreensão da realidade não é somente no julgar, mas também no ver, no modo de entendê-la e interpretá-la. Cedemos terreno diante dos ataques da modernidade iluminista. Sem deixar de reconhecer, na atualidade, o empenho dialogal estabelecido entre a cristandade e a presente modernidade, não podemos esquecer a virulência dos ataques passados movidos contra a cristandade. E, não obstante a identificação de elementos profundamente humanos em tal perspectiva de modernidade, a esta também são próprios os fatores que, mesmo hoje, a mantém em rota de colisão com a cristandade. A vitalidade demonstrada, por exemplo, na modernidade barroca parece ter se assustado diante do desencadeamento, a partir de 1789, dos ventos revolucionários e do furor das guerras que lhes acompanhavam. A resposta do romantismo em sua vertente católica é tímida e acanhada, está mais preocupada em justificar-se e em lutar pela própria defesa e sobrevivência. De certo modo, mesmo não tendo faltado santos e profetas, a cristandade encastelou-se. O campo das ciências humanas, salvo raríssimas exceções, foi de tal modo preterido no exercício intelectual criativo que os pressupostos e leituras secularistas, materialistas e ateus parecem fazer mais

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sentido e parecem mostrar ser os mais adequados. Uma vez que na vertente protestante, para ficarmos em um exemplo, os abusos subjetivistas da teologia liberal resultaram na reação do fundamentalismo; no meio católico, a resposta mais emblemática veio, em 1864, com o Syllabus Errorum Modernorum [Sílabo dos Erros de Nossa Época], uma enumeração sumária dos erros modernos apensada à encíclica Quanta Cura, promulgada pelo papa Pio IX (1792-1878) em 8 de dezembro de 1864. Essas reações costumam ser vilipendiadas ou enaltecidas, num confronto ideológico que nada acrescenta à cristandade, mas é preciso compreendê-las em seu contexto. Restringindo-nos ao caso da encíclica e do respectivo anexo, havia tamanha indigência intelectual entre os católicos, que o papa, como diz a linha inicial do documento pontifício, “movido por grande solicitude e zelo pastoral”, não podia omitir-se, oferecendo a orientação possível no momento (D-2890).8 Era e é preciso sair do castelo. Uma tentativa que se alastrou rapidamente foi a iniciativa do sacerdote belga Josef Cardijn (18821967), coadjutor em sua paróquia, que começou, em 1912, a desenvolver um trabalho pastoral entre os jovens operários que acabou por ser o embrião da Ação Católica, fundada por ele em 1920. Em pouco tempo outros núcleos se disseminaram, chegando ao Brasil em 1935. Uma das razões de seu sucesso foi o método de análise da realidade incutido em seu seio: o ver-julgar-agir. Este método, apesar de desempenhar um relevante papel na recomposição do diálogo com as ciências humanas, em si traz um vício de origem, revelador da mesma indigência no meio intelectual católico demonstrada pela encíclica Quanta Cura e o seu Sílabo. Na maneira como o método é aplicado, o ver se remete aos instrumentos de leitura das ciências, ao passo que atribui à Bíblia o julgar. Ou seja, a Bíblia nada teria a dizer em relação Pio IX, Encíclica Quanta Cura de 8 de dezembro de 1864. In: Heinrich ­Denzinger, Compêndio dos Símbolos, Definições e Declarações de Fé e Moral. São Paulo, Paulinas/Loyola, 2007. 8

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ao ver, deixando o terreno aberto, nesse particular, para a semeadura de teorias que em muitas situações não guardam nenhuma relação com a experiência cristã, a exemplo das teorias forjadas no horizonte materialista e ateu. É um equívoco imaginar tais respostas como permanentes ou ­ideais. Em ambos os casos, elas tiveram os seus momentos nos respectivos anos de 1864 e 1912 (os anos aqui são apenas simbólicos), e devem ser superadas. Ser católico, como o cristão, em geral, é consequência do seguimento a Cristo e n’Ele nos orientamos, tomando o Evangelho como inspiração ao elaborarmos as nossas teorias e interpretações. Christopher Dawson, como dissemos, é um exemplo de exercício vigoroso nesse aspecto. O encontro com a sua obra nos oferece modelos, interpretações e hipóteses, toda uma problemática orgânica e genuinamente cristã, que usufrui de uma tradição de pensar que procede de um período muito anterior. Há temas próprios introduzidos na reflexão historiográfica e há frutos da experiência cristã. O mestre Étienne Gilson (1884-1978), com extraordinário sucesso, demonstrou algo análogo para a Filosofia: a existência, com foros legítimos, de uma filosofia caracteristicamente cristã, iluminada por tal experiência. São várias as obras do eminente filósofo nas quais podemos encontrar uma sistematização a esse respeito, mas em particular cito O Espírito da Filosofia Medieval,9 obra toda dedicada ao tema da natureza da filosofia cristã e de suas características; vemos isso, igualmente, na obra História da Filosofia Cristã, escrita juntamente com Philotheus Boehner (1901-1955).10 Como aqui não é o lugar para um tratado de maior fôlego, cabem apenas rápidas e modestas anotações de quais seriam alguns Étienne Gilson, O Espírito da Filosofia Medieval. Trad. Eduardo Brandão. São Paulo, Martins Fontes, 2006.

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Philotheus Boehner e Étienne Gilson, História da Filosofia Cristã: Desde as Origens até Nicolau de Cusa. 8. ed. Trad. Raimundo Vier. Petrópolis, Vozes, 2003. 10

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dos temas trazidos pela experiência cristã à escrita da História e que, portanto, podem ser encontrados em Dawson: o humanismo ou a dignidade própria do aspecto cultural e a autonomia do religioso; a exigência de síntese ou de perspectiva integral (holística) da realidade; a relação entre espírito e matéria, ou como atuam as condicionantes (fatores) materiais e imateriais – como desdobramento desses temas; a relevância e a efetiva dimensão da liberdade humana na ação histórica; o caráter dramático da síntese apresentada como a luta entre forças de integração e de dissolução. Nesses contributos, fundamentalmente enraizados numa antropologia filosófica coerentemente evangélica, pode-se afirmar, indubitavelmente, haver uma História com uma propriedade dita cristã a irradiar-se para outras historiografias. Não é, pois, menor dizer que, independente da crença (ou mesmo na ausência desta), quem quer que se interesse tanto pela história do cristianismo, bem como pela história da cristandade – esta vista como expressão cultural daquele –, sairá beneficiado pela leitura d’A Formação da Cristandade: uma obra única, construída em atenção às exigências íntimas de uma humanidade que anseia por realização plena, que não abre mão de compreender o seu lugar e se sente chamada à ação. A História de Dawson fala-nos ainda hoje, mais que nunca, não só ao cristão, mas ao homem de boa vontade, afirmando-se como uma obra clássica e de referência para quem quer que se interesse pela dinâmica das culturas históricas – aqui também independente das diferentes filiações teórico-metodológicas que possamos vir a ter nesse campo de estudo. Como se vê, o pensamento e a obra Dawson seguem palpitando de vibrante atualidade. Uma palavra final de agradecimento e louvor ao empenho de Alex Catharino e de Márcia Xavier de Brito, bem como da É Realizações Editora, na figura de seu editor Edson Manoel de Oliveira Filho, ao trazer para o Brasil uma obra que não só enriquecerá o leitor como também a nossa cultura, pelo contato mais extenso e intenso com o

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pensamento dawsoniano, em uma edição tão bem cuidada quanto a presente e que o caro leitor, agora, tem o privilégio de ter em mãos. Rio de Janeiro, RJ, Brasil Na festa dos Santos Mártires Marcelino e Pedro Manuel Rolph Cabeceiras Cursou o bacharelado e a licenciatura em História e o mestrado em História Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), com a dissertação As Metamorphoses de Ovídio e as Lutas de Representação na Roma Antiga, e o doutorado em História pela Universidade Federal Fluminense (UFF), com a tese Urbi et Orbi, Nós e os Outros: Romanidade(s), Fronteira Étnica e a História como escrita dos dilemas pátrios. Professor, entre outras instituições, da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB, 1986-1997) e da UFF (desde 1997), onde fundou, com outros docentes, estudantes e pesquisadores, o Centro de Estudos Interdisciplinares da Antiguidade (CEIA-UFF). Atua na área de História da Antiguidade Greco-romana e da Alta Idade Média, com ênfase nos seguintes temas: Mediterrâneo, História Cultural, Discurso e História, Etnicidade, Mitologias, Tradições Clássicas, História Militar, História das Religiões e Paleocristianismo. Sócio-fundador da Sociedade Brasileira de Estudos Clássicos (SBEC) e membro da Associação Nacional de História (ANPUH) e da Associação Brasileira de Pesquisa Bíblica (ABIB). Sócio emérito do Instituto de Geografia e História Militar do Brasil (IGHMB), ocupando a cadeira 89, cujo patrono é Olavo Bilac. Editor assistente e membro do Conselho Editorial da edição brasileira de COMMUNIO: Revista Internacional de Teologia e Cultura.

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P refác io à Ediç ão Br asileir a A Cri sta ndade de Chri sto ph er D aw son – por Bradley J. Birzer

Como verificamos, a trilogia da cristandade foi a última grande obra do historiador anglo-galês e literato Christopher Dawson (1889-1970). Mais ou menos. A trilogia surgiu, originalmente, das palestras que Dawson ministrara enquanto lecionou na Universidade de Harvard, entre 1958 e 1962. Desejava que fizessem parte da trilogia da cristandade o presente livro, The Formation of Christendom [A Formação da Cristandade], lançado originalmente em 1967; The Dividing of Christendom [A Divisão da Cristandade], publicado em 19651, e The Return to Christian Unity [O Retorno à Unidade Cristã]. No geral, cada volume representava um dos grandes períodos do mundo cristão: o vínculo entre os períodos antigo e medieval; a Reforma Protestante e a Contrarreforma Católica; e a Igreja na era da democracia, dos nacionalismos e das ideologias. Embora A Formação da Cristandade seja, tecnicamente, o primeiro volume da série, a obra surgiu dois anos após o lançamento do segundo volume, A Divisão da Cristandade. A ideia de publicar as conferências como trilogia ocorreu a Dawson em 1963. Seu editor, Frank Sheed (1897-1981), prontamente concordou. A única questão era se os publicariam separadamente, como três obras Os dois livros foram relançados em inglês nas respectivas edições: Christopher Dawson, The Formation of Christendom. San Francisco, Ignatius Press, 2008; Idem, The Dividing of Christendom. Pref. James Hitchcock; intr. David Knowles. San Francisco, Ignatius Press, 2008.

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distintas, ou logo como uma trilogia.2 Sheed gostaria de publicá-las o quanto antes, pois esperava que os livros pudessem servir de base para os debates do Concílio Vaticano II, realizado entre 1962 e 1965. Não sem razão, Sheed acreditava que Dawson – juntamente com uma série de outros humanistas cristãos como Jacques ­Maritain (1882-1973) e Étienne Gilson (1884-1978) – pudesse servir como pedra angular e manancial para as importantes deliberações e reformas do Concílio. Afinal, figuras importantes, como Romano Guardini (1885-1968), clamavam por reformas litúrgicas desde a década de 1920.3 Nada, como de fato aconteceu, poderia estar mais distante da verdade. Como acreditava a maioria dos teólogos e das editoras católicas nos anos 1960, o Espírito Santo abolira muito do passado recente, e poucos, afora um pequeno número de fiéis, ainda pensavam que Dawson tinha muito a contribuir para o futuro do catolicismo. O próprio sucesso que obtivera como pensador católico de 1928 a 1962, nesse momento, contava negativamente, e muitos o viam como uma relíquia da geração passada e um símbolo daquilo que acabara de ser superado. Como posteriormente explicou o teólogo neoconservador Michael Novak: “É como se todos aqueles escritos potentes de Dawson, Maritain, Guardini e de tantos outros nunca tivessem realmente criado raízes”.4 Além disso, Frank Sheed se aposentou em 1963, saindo quase totalmente do caminho de seus sucessores. Sem Sheed na editora Sheed and Ward, não restava ninguém no mundo editorial que promovesse,

Carta de Frank Sheed para Christopher Dawson, de 16 de dezembro de 1963. In: Box 1, Folder 13, Sheed and Ward Family Papers, Archives of the University of Notre Dame, Notre Dame, Indiana.

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Carta de Sheed para Dawson, 10 de dezembro de 1963. In: Box 1, Folder 13, Sheed and Ward Family Papers, Notre Dame.

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Michael Novak, “The Political Identity of Catholics”. Commonweal 97, 16 de fevereiro de 1973, p. 441.

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ativa e significativamente, as obras de Dawson. Quando incitado a responder por que a editora Sheed and Ward fez tão pouco para promover A Formação da Cristandade, o sucessor de Sheed ­desculpou-se: “Há, como sabem, uma falta de interesse nesta obra que acho extremamente lamentável. Ao mesmo tempo, só posso sugerir que, em geral, parece existir uma total falta de interesse na História da Igreja”, escreveu numa carta privada o editor-chefe Philip Scharper (19191985). Quase ninguém prestou atenção n’A Divisão da Cristandade, observou, e, provavelmente, um número muito menor de pessoas se importariam com A Formação da Cristandade.5 Infelizmente, fosse ou não autorrealizável a profecia de Scharper, muito poucos se deram conta dessa obra quando foi lançada. A imprensa mainstream norte-americana, como o New York ­Times e o Wall Street Journal, ignorou-a completamente. Somente duas revistas acadêmicas, a Sociological Analysis e a Catholic ­Historical Review escreveram resenhas a respeito do livro de 1967.6 Os resenhistas apresentaram pontos de vista opostos aos de Dawson. Werner Stark (1909-1985), da universidade jesuíta Fordham em Nova York, nitidamente queria gostar do livro, ao chamar o autor de “distinto” e ao saudar a intenção de escrever uma história a partir da perspectiva católica como algo admirável e louvável. “A questão é, certamente, quão bem tal programa foi implementado e, a esse respeito, infelizmente, não posso negar certo desapontamento”, afirmou Stark. As próprias visões datadas de Dawson de uma “teoria da história de grandes homens” já estavam morrendo, lamentou o resenhista. O maior problema de Dawson, contudo, vinha de sua incapacidade de explicar o catolicismo e sua profundidade aos protestantes. “A discussão sobre o monaquismo, por exemplo, Carta de Philip Scharper para John Mulloy, de 29 de novembro de 1967. In: Box 113, Folder 44, Sheed and Ward Business Collection, Notre Dame.

5

Ver: Werner Stark, Sociological Analysis 28, Outono, 1967, p. 172-73; ­Martin R. P. McGuire, Catholic Historical Review 56, Abril, 1970, p. 219-20.

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deixa de transmitir o que era seu significado mais profundo”, escreveu Stark. “O professor Dawson não disse aos alunos que os pioneiros do monaquismo queriam provar para Deus e para os homens que, na verdade, homens podiam ser divinos e, mesmo decaídos, podiam ser como Adão fora antes do Pecado Original”.7 O professor da Catholic University of America (CUA), Martin McGuire (1897-1969), no entanto, não encontrou erros na obra A Formação da Cristandade. Representava o historiador galês “em sua melhor forma”, oferecendo “profundos insights e grande poder de síntese”. O leitor, McGuire entusiasma, “é arrebatado não só pela profundidade das reflexões, mas pela concretude dos exemplos”. Comparável à originalidade do pensamento de Dawson, conclui, está o estilo de escrita “cativante” do autor.8 Devemos notar que, apesar de Sheed ter-se aposentado da editora Sheed and Ward, nunca perdeu a fé em Dawson. Desde o primeiro encontro, os dois iniciaram uma amizade rápida e, por vezes, frustrante. Sheed não só encorajou Dawson profissionalmente, ao editar significativa parcela da obra do amigo, mas também ajudou a dar alguma estabilidade ao maníaco-depressivo Dawson. Se existiu um “renascimento literário católico” no mundo de língua inglesa após a Primeira Guerra Mundial, Sheed o creditou a seis homens: Hilaire Belloc (1870-1953), G. K. Chesterton (1874-1936), C. C. Martindale (1879-1963), Ronald Knox (1888-1957), Christopher Dawson e ao inspirador de todos, o maior teólogo de todos os tempos, Santo Agostinho de Hipona (354-430).9 Sheed, no entanto, tinha perdido a fé no renascimento pleno do catolicismo já em 1958. A mentalidade católica provara, repetidas vezes, a própria genialidade em autores como Dawson, mas nunca se estendeu além das letras para os domínios

7

Werner Stark, Sociological Analysis, p. 172-73.

8

Martin McGuire, Catholic Historical Review, p. 220.

9

Frank Sheed, The Church and I. Garden City, Doubleday, 1974, p. 107-29.

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da arte e da arquitetura, lamentava. Tal limitação levaria, por fim, à implosão do movimento.10 Igualmente prejudicial a Dawson foi a indicação de seu melhor amigo, E. I. Watkin (1888-1981), como seu agente e editor literário. Dawson sofrera uma série de derrames devastadores ao longo da década de 1960, perdendo, por fim, a capacidade de escrever e falar. Certamente precisava indicar alguém para terminar a obra. Watkin, entretanto, permitiu que suas paixões roubassem o que tinha de melhor a oferecer. O Concílio Vaticano II o enfureceu. Rotulou o concílio e suas conclusões de “deformação”. A nova Igreja, preocupava-se Watkin, tinha retornado ao barbarismo e nunca entenderia as nuances de um pensador tão profundo quanto ­Dawson.11 Desencorajado, Watkin editou as últimas duas obras de Dawson, mas com pouco entusiasmo. Em 1969, um ano antes da morte de Dawson, seu melhor amigo escreveu a respeito dele e das últimas obras. O Vaticano II nunca poderia refutar Dawson, mesmo se tentasse fazê-lo: “Não pode, pois suas interpretações estão seguramente ancoradas no fato histórico. Ele é, simplesmente, descartado”.12 Apesar de Dawson também crer que o Vaticano II estava repleto de erros, aceitara o concílio e seus ensinamentos por questão de autoridade. Watkin nunca o aceitou.13 Idem, “I am a Catholic Publisher”. Westminster Cathedral Chronicle, set./ out., 1959, p. 137. 10

11 Carta de E. I. Watkin para Bernard Wall, de 28 de fevereiro de 1969. In: Box 1, Folder 24, Bernard Wall Papers, Archives of Georgetown University, Georgetown, Washington, D.C. 12

E. I. Watkin, “Tribute to Christopher Dawson”, The Tablet, 1969, p. 974.

Watkin é uma figura fascinante por si mesma. Escreveu inúmeras obras críticas sobre arte e cultura na mesma época em que Dawson escrevera suas obras. Frequentaram a mesma escola quando crianças e mantiveram uma amizade muito próxima por toda a vida. Watkin, certa vez, descrevera o relacionamento deles em termos clássicos. Ele era grego e Dawson, romano. Watkin, no entanto, sempre fora um tanto heterodoxo. Manteve um estrito pacifismo e viveu de modo quase bígamo durante a maior parte da vida adulta. A seu respeito só existe uma biografia, escrita pela própria filha. Ver: Magdalen Goffin, The Watkin Path: An Approach to Belief. Eastbourne, Sussex Academic Press, 2006. 13

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Não é de espantar que Watkin também nunca tenha editado o terceiro volume, O Retorno à Unidade Cristã. Inédito, o único manuscrito da conclusão da trilogia – que necessita urgentemente de revisão, edição e organização – repousa na Harvard Theological Library. Fragmentos apareceram como artigos em vários periódicos acadêmicos da década de 1960, mas apenas pequenos trechos. Algum dia, quem sabe, um editor possa comprar os direitos autorais e, apropriadamente, lançá-lo. Até que isso aconteça, devemos nos contentar com o que Dawson nos legou. Decerto, deixou-nos uma herança riquíssima! Dawson, ou, mais provavelmente, Watkin organizou A Formação da Cristandade em quatro partes: Apresentação, Os Primórdios da Cultura Cristã, A Formação da Cristandade Medieval e um Epílogo. Ainda que a história de Dawson seja, é claro, excelente e suas conferências bela e cuidadosamente preparadas, a verdadeira importância de A Formação da Cristandade não está em narrar novamente a história da civilização ocidental, mas na teoria que apresenta a respeito da natureza e filosofia da história, o papel fundamental da Igreja em reconciliar o pensamento clássico com o cristianismo e, em especial, no primado da cultura. De fato, muito daquilo que Dawson escreve ao detalhar a história da civilização ocidental pode ser facilmente encontrado em suas obras anteriores, desde meados da Primeira Guerra Mundial. Em vez disso, o que torna A Formação da Cristandade tão fundamental, não somente como uma parte do corpus dawsoniano, mas também como uma das grandes obras de todo o século XX, é a longa seção introdutória. O professor McGuire estava correto. Isso é Christopher Dawson em sua melhor forma em termos de lógica e retórica. A seção introdutória reflete toda a vida de reflexão de uma das maiores mentes de sua época, uma mente católica cheia de vida, no auge da capacidade. “A cultura”, Dawson explicou com falaz simplicidade n’A Formação da Cristandade, “é o modo de vida humano comunicado por uma língua, de modo que a palavra do homem tanto é criadora como

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transmissora de cultura”.14 Não interessa quão fáceis possam parecer tais palavras, a profundidade paira em cada fragmento dessa afirmação de Dawson. Ao mesmo tempo que Dawson ministrava essas famosas conferências em Harvard, também tentava fomentar suas interpretações pessoais por vários empreendimentos educacionais. A cultura, afirmava juntamente com o grande estadista irlandês Edmund Burke (17291797) e com o filósofo francês Alexis de Tocqueville (1805-1859): é um produto artificial. É como uma cidade laboriosamente construída pela obra de sucessivas gerações, não uma floresta que cresceu espontaneamente pela pressão cega de forças naturais. A essência da cultura que é comunicada e adquirida e, ainda que seja legada de uma geração para outra, é uma herança social e não biológica, uma tradição de aprendizado, um capital de conhecimento acumulado e uma comunidade de “costumes” em que o indivíduo tem de ser iniciado. Por isso, é evidente que a cultura é inseparável da educação.15

Como Dawson sempre afirmou, a cultura encontra suas expressões mais significativas nas coisas mais humanas, em gestos e, especialmente, na liturgia religiosa. Desde o primeiro livro, The Age of the Gods16 [A Era dos Deuses], publicado em 1928, Dawson promoveu, incessantemente, uma análise da cultura como o fundamento mais importante de compreen­ são da sociedade, da família e da pessoa. Nisso, Dawson contrariou a obsessão do século XX com ideologias fanáticas e política. De fato, Dawson acreditava que o desejo de dar primazia à política e ao pensamento político levou, inevitavelmente, na pessoa individual, à perda

14 Ver na presente obra o capítulo V (As Ideias Cristã e Judaica de Revelação), p. 153.

Christopher Dawson, The Crisis of Western Education. Steubenville, ­Franciscan University Press, 1989, p. 3. 15

Idem, The Age of the Gods: A Study in the Origins of C ­ ulture in P ­ rehistoric Europe and Ancient Egypt. Intr. Dermot Quinn. ­ Washington, D.C., The ­Catholic University of America Press, 2012. 16

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da imaginação e, nas sociedades humanas, ao empobrecimento do raciocínio superior. Sem nuance e sempre, e em todos os lugares, tendo algo de imperial, a política tenta expandir a própria esfera de influência em todos os aspectos da vida. Em última análise, porém, a política só pode ser bem-sucedida ao neutralizar a pessoa, rotulando-a como algo inferior do que fora pretendido por Deus ou pela natureza. “Temos de encarar o fato de que houve um declínio nas ideias”, confidenciou a um amigo íntimo, Bernard Wall (1894-1976), “há não só uma falta positiva de novas ideias, mas, também, uma perda subjetiva de interesse nas ideias como tal”.17 Por certo, Marte e Demos apressaram o crescimento do Leviatã, temia Dawson. “Ainda vivemos à sombra da guerra e na incerteza do futuro da Europa ser favorável à obra criativa”,18 afligia-se. As limitações ideológicas e a propaganda política rapidamente se infiltraram no pensamento, nas artes e na música de várias igrejas cristãs, católicas e protestantes, afirmava Dawson. “Os teólogos modernos, ao deixarem de ser poetas, também deixaram de ser filósofos.”19 Embora Dawson tenha gasto um tempo considerável analisando a política e a ideologia, especialmente entre os anos de 1931 e 1942, ele sempre se ressentiu desse aspecto de seus escritos, acreditando que eram necessários somente para combater os erros do século XX. De modo algum, temeu e lamentou; argumentos políticos pró ou contra fizeram progredir a causa de Deus, a cristandade ou a pessoa. A política serviu somente como uma distração neste mundo de sofrimentos, mas uma distração mortal como provaram ser os campos de concentração e os gulags. Ainda assim, a análise política deve ser feita, mas sempre no sentido de explicar sua insignificância se comparada à cultura. Na última de suas obras declaradamente políticas,

17

Carta de Dawson para Bernard Wall de 26 de agosto de 1946.

18

Carta de Dawson para Bernard Wall de 9 de setembro de 1946.

19

Carta de Dawson para Bernard Wall de 28 de julho de 1946.

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The Judgment of the Nations20 [O Julgamento das Nações], de 1942, Dawson, de modo surpreendente, dedica a obra “a todos os que não perderam a esperança na república, na comunidade dos povos cristãos, nesses tempos sombrios”. Apesar do projeto dawsoniano de reforma do mundo ocidental nunca ter tido êxito, sem dúvida, ajudou a preservar a melhor parte da civilização ocidental. Certamente seria muito difícil exagerar a importância de Dawson ao inspirar vários dos melhores pensadores do século passado. Dentre eles, temos poetas, romancistas, críticos culturais e artistas como T. S. Eliot (1888-1965), David Jones (1895-1974), C. S. Lewis (1898-1963), J. R. R. Tolkien (1892-1973), Thomas Merton (1915-1968) e Russell Kirk (1918-1994), e todos, durante suas vidas, adotaram abertamente a posição de Dawson a respeito de cultura. Bastam dois exemplos. No poema Four Quartets [Quatro Quartetos] de T. S. Eliot, indiscutivelmente, a maior obra de arte do século XX, quase ao final do quarto poema, “Little Gidding”, publicado em 1942, escreveu Eliot: E cada frase Ou sentença de rigor (onde cada palavra se familiariza, Assumindo seu posto para suportar as demais, A palavra sem pompa ou timidez, Um natural intercâmbio do antigo e do novo A palavra corrente, correta, digna, A palavra essencial e exata, mas sem pedanteria, O íntegro consórcio de um bailado unívoco)21

Christopher Dawson, The Judgment of the Nations. Intr. Michael J. Keating. Washington, D.C., The Catholic University of America Press, 2011. 20

No original: And every phrase / And sentence that is right (where every word is at home, / Taking its place to support the others / The word neither diffident nor ostentatious / An easy commerce of the old and the new / The common word exact without vulgarity / The formal word precise but not ­pedantic / The complete consort dancing together). (T. S. Eliot, “Little Gidding”. 21

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De maneira menos poética, mas com palavras igualmente profundas, o crítico cultural e historiador norte-americano Russell Kirk escreveu em seu livro sobre liberdade acadêmica de 1955: O principal sustentáculo da liberdade acadêmica, no mundo antigo, no mundo medieval e na tradição educacional norte-americana foi a convicção, entre estudiosos e professores, de que eram os Portadores da Palavra – homens consagrados, cuja primeira obrigação é com a Verdade, e que a Verdade deriva da apreensão de uma ordem superior à natural ou à material.22

Tanto Eliot quanto Kirk refletiram diretamente um sentimento muito joanino e a argumentação de Dawson. Como escreveu no início do capítulo II d’A Formação da Cristandade: A história do cristianismo é a história de uma intervenção divina na história, e não podemos estudá-la à parte da história da cultura no sentido mais amplo do termo. A palavra de Deus foi primeiramente revelada ao povo de Israel e se incorporou na lei e na sociedade. Depois, o Verbo de Deus se encarnou em uma determinada pessoa, em um determinado momento da história, e, posteriormente, esse processo da redenção humana perdurou na vida da Igreja, a nova Israel, a comunidade universal portadora da Revelação divina, e foi o meio pelo qual o homem participou da nova vida do Verbo Encarnado.23

Dawson via cada um como um pequeno verbo, que traz dentro de si um ícone, uma imagem perfeita daquilo que estamos destinados a ser, segundo Aquele que criou o mundo e o redimiu. Como nos assegura São João, o lógos é “a verdadeira luz que, vindo ao mundo Four Quartets, seção V, versos 234-41). Utilizamos aqui a versão em português da seguinte edição brasileira: T. S. Eliot, Quatro Quartetos. In: T. S. Eliot: Obra Completa – Volume I: Poesia. Trad., intr. e notas Ivan Junqueira. São Paulo, Arx, 2004, p. 385. (N. T.) Russell Kirk, Academic Freedom: An Essay in Definition. Chicago, Regnery, 1955, p. 29. 22

Ver na presente obra o capítulo II (O Cristianismo e a História da Cultura), p. 101.

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ilumina todo homem” (João 1,9). Todo aspecto da imaginação e da razão superior nos é dado por algo exterior a nós mesmos. Ironicamente, aquilo que é menos humano em nós é o que nos torna mais humanos. Dawson acreditava que essa verdade era a mais importante que podemos conhecer em nossa peregrinação por este mundo, ao nos prepararmos para a cidadania celeste. A Formação da Cristandade figura como uma alma que se ergue no mundo para testemunhar o brilhantismo de Christopher Dawson, bem como para encorajar, de modo profundo, nossas vidas a continuarem intelectual e sobrenaturalmente vivas, ou seja, a permanecerem católicas. Bradley J. Birzer Professor titular de História da cátedra “Russell Amos Kirk em Estudos ­Norte-americanos” do Hillsdale College, em Michigan, nos EUA. Cursou o B.A. na ­University of Notre Dame, o M.A. em História na Utah State University e o PhD em História na Indiana University. É autor dos livros J. R. R. Tolkien’s Sanctifying Myth: Understanding Middle-earth (ISI Books, 2003), Sanctifying the World: The Augustinian Life and Mind of Christopher Dawson (Christendom Press, 2007), ­ American Cicero: The Life of Charles Carroll (ISI Books, 2010), The Humane Republic: The Imagination of Russell Kirk (University Press of Kentucky, 2014), coautor, com Larry Schweikart, do livro The American West (Wiley, 2002) e coeditor, com John Willson, da coletânea de escritos de James Fenimore Cooper The American Democrat and Other Political Writings (Gateway, 2001).

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