A Festa do Dragão Morto

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Odragão estava morto. Todos na vila respiraram aliviados e a vida ficou mais bela, colorida, alegre e livre! Mas as comemorações não tinham sentido sem que soubessem o nome do herói que matara o dragão. O povo queria honrá-lo. E assim, foram procurá-lo. Souberam que ele morava na floresta e foram até lá conversar com ele. E a surpresa foi muito grande!

Santiago Nazarian

A Festa Dragão Morto do

Considero que cada livro ilustrado é um mergulho profundo e para ilustrar A Festa do Dragão Morto mergulhei na obra dos mestres pintores Hieronymus Bosch e Pieter Bruegel. Tentei trazer um pouco da linguagem desses grandes pintores que souberam ler e criticar a sociedade do seu tempo; isso está presente nas feições e nas mudanças de atitude dos personagens que desenhei, que vão da serenidade e a gratidão para a insensatez e a raiva.

Rogério Coelho

ilustrações de Rogério Coelho

Santiago Nazarian

A Festa Dragão Morto do

ilustrações de Rogério Coelho

Para Valentina Nazarian Sanchez
Mataram o Dragão.

Orio de lava voltou a fluir, fresco. A floresta de carvão refloresceu em cores e frutos. O céu cinza abriu-se em azul e todos na Vila saíram de suas casas respirando um novo ar. O Dragão estava morto.

O povo, aliviado, logo explodiu em comemoração. Era preciso festejar. Comer e beber tudo o que poderia ser colhido. Dançar a noite inteira sem poupar energias. E podiam cantar alto, podiam rir forte, porque a fera não mais os poderia ouvir. Aquilo sim era motivo para uma festa! Desde o começo da tarde, sentia-se em toda a Vila o cheiro de torta assada. Conversas animadas por trás das portas, janelas escancaradas. Na clareira, mulheres resgatavam as maçãs do rosto coradas, homens faziam a barba, crianças voltavam a sorrir. Uvas eram esmagadas em vinho, vizinhos se cumprimentavam, iam e voltavam, carregavam sacos de farinha, tábuas de madeira, um palco era montado. A poeira foi soprada para fora das flautas. Violas e violinos foram afinados. Os jovens poderiam sonhar novamente com os prazeres da vida, pois era possível dormir e sonhar.

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Mas, naquela noite, ninguém dormiria. Noite de festa – música alta e cantoria. As crianças corriam ao redor da fogueira. Os homens se comportavam como crianças. Mulheres dançavam como mulheres e velhos bebiam demais. Aquilo era comemorar, e faltava a todos a prática. Mas aprenderiam... aprenderiam que aquela seria a primeira noite de uma eterna vida.

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Então, os homens em roda comemoravam – e comemoravam – comemoravam o quê? Então, as mulheres sentadas riam – e comemoravam – comemoravam o quê? As crianças e os velhos, os músicos tocando, o discurso de comemoração – o que comemoravam? Ah, o Dragão estava morto! E ergueram mais um brinde, porque o Dragão nada mais beberia.

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Mas... quem matou o Dragão?

A floresta voltou a dar frutos e o rio, a correr líquido, e ninguém se perguntou: mas, quem matou o Dragão? O fogo deixou de descer a montanha e nunca mais se ouviu seus rugidos, e ninguém se perguntou: mas, quem matou o Dragão? O Dragão estava morto – os pássaros criavam novos ninhos – mas ninguém levou a fama, os louros, o ouro. E ninguém sabia ao certo: Quem matou o Dragão?

E os homens, em roda, se perguntaram: quem matou o Dragão? E as mulheres, sentadas, se perguntaram. E os velhos e as crianças, os jovens solteiros e as mães com a barra da saia puxada pelos filhos: “Quem matou o Dragão?”. Todos se perguntaram. Estavam todos comemorando, mas, afinal, quem era o homenageado?

E os valentões da Vila abaixaram os olhos, envergonhados. As mulheres, orgulhosas de seus maridos, os encararam, decepcionadas. Os velhos que tudo sabiam, e as crianças que achavam tudo possível, todos trocaram olhares confirmando: “não fui eu”.

“Ele mora no final da floresta, depois do lago, aos pés da montanha”, ouviram de um homem de bem. Aparentemente, alguém sabia o endereço do matador do Dragão. No final da floresta, depois do rio, aos pés da montanha, ele morava. O palpite ecoava como certeza, espalhava-se

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de boca em boca, e logo todos comemoravam com certeza. Mataram o Dragão. E eu sei quem foi.

E entre as rodas de homens se comentava: “O sujeito no final da floresta? Conheço, grande figura”. E as mulheres, sentadas, diziam: “Ahhh, que herói, tão lindo, tão sozinho, lá aos pés da montanha”. E os velhos, as crianças, os jovens solteiros e mães com a barra da saia puxada, todos comentavam o feito do herói sem nome.

Mas... onde está esse herói que não sobe ao palco para ser homenageado?

O s homens, nas rodas, concordavam que era tarde, que a Vila ficava longe. Um matador de dragões já deveria estar dormindo, cansado, casado, não era pessoa de farrear. E as mulheres, sentadas, pensavam “ele sim” –olhando seus homens que se embebedavam –, “ele sim, o matador de dragão, devia ser homem a sempre dormir cedo, moço a acordar sempre cedo para trabalhar”.

E os velhos, as crianças, todos na Vila seguiram com a festa, sabendo que o Salvador dormia tranquilo. Não seriam eles que o acordariam. Apesar da música alta, risadas, cantoria...

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