Uma nuvem de chuva regando flores dentro da casa da menina, um barco que flutua com remos de colher. Acredito que crie alguns níveis de leitura. Virar a página e se ater aos detalhes, além do que está escrito, faz com que a criança leia (ou os pais) duas, três vezes, e encontre novidades a cada nova experiência. Acho que a importância é criar um olhar mais atento ao detalhe além do texto. Imagino que crie histórias dentro da história e mexa criativamente com o olhar do leitor”.
Ao longo dos anos, tive o privilégio de ir acompanhando Alexandre Rampazo sonhando mundos em outros livros incríveis, ganhando prêmios com eles, sendo uma referência importantíssima para muitas infâncias e um grande companheiro para centenas de educadores. Talvez seja ele, Rampazo, um pouco desta menina-sonhadora que, como o grande poeta Fernando Pessoa, assume ter em si “todos os sonhos do mundo” e segue com eles para si e para todos nós.
Esta é a história de uma garota sonhadora, tão sonhadora que coleciona os sonhos abandonados pela cidade e os tece, formando o mais lindo vestido.
Faltavam nele, porém, botões especiais: de amora!
Agora teria de descobrir se alguém já havia sonhado botões de amora para que ela pudesse tecer.
Até onde os sonhos podem levar? Essa é pergunta que nos fazemos e que a menina também se faz ao desafiar a todos em busca de seu sonho.
Sonhos e o de
“Tudo o que se pudesse sonhar estava ali, costurado no vestido.” É assim que começa este convite à leitura feito por Alexandre Rampazo e que li pela primeira vez em 2009, quando do lançamento original. Na obra, uma menina, um vestido cheio de texturas, sonhos e amoras, muitas amoras. Entre um clima onírico e uma certa surrealidade, o autor narra a saga de uma menina moradora de uma pequena cidade e que tem um passatempo especial: recolher sonhos “que ninguém usa mais”. Como quem tem vontade de aumentar mundos possíveis, ela cria um tecido cheio de diferenças e subjetividades. Até que um dia, uma vontade da menina se evidencia mais e ela parte para uma busca muito inusitada: botões de amora para completar sua missão. E, então, ela se pergunta: será que alguém já sonhou isso?
Leitura compartilhada: a partir dos 5 anos Leitura independente: a partir dos 8 anos
Jornalista e educadora, colunista da Revista Crescer sobre livros para a infância e coordenadora do curso de pós-graduação O Livro Para a Infância: processos contemporâneos de criação, circulação e mediação, n’ A Casa Tombada.
ISBN 978-65-5539-441-2
ISBN 978-65-5539-441-2
Nesse momento de virada da narrativa, perguntamo-nos onde cada uma ou cada um de nós está: no lugar de quem sonha ou no lugar de quem se (pre)ocupa em cultivar os sonhos dos outros? Podemos estar em ambos? Que diferença faz em nossa complexa sociedade? No lançamento da primeira edição eu entrevistei Rampazo para a Revista Crescer. Fiz a clássica pergunta aos autores de literatura para a infância: você acha que as crianças captam as brincadeiras e as metáforas criadas?
E ele me respondeu: “Quis criar um mundo onírico. Cheio de absurdos, da mesma forma como os sonhos são feitos.
Cristiane Rogerio
ALEXANDRE RAMPAZO
Texto e Ilustrações
o
Alexandre Rampazo Sonhos e
de
Tudo o que se podia sonhar estava ali, costurado no vestido. A menina tinha um peixe dourado que voava sem asas, um coelho branco com orelhas pequenas que corria atrás do próprio rabo e, ainda, uma porção de desejos, pensamentos e ideias, tudo em seu vestido cheio de sonhos.
Além dessas coisas todas, havia também outros sonhos em seu vestido – os que viviam abandonados pelos cantos da cidade. Isso porque a tal menina adorava passar o dia inteirinho pegando esses sonhos que ninguém usava para, assim, poder montar seu lindo vestido.
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Às vezes, esses sonhos chegavam à menina com o vento, ou abraçados a uma pétala de rosa. Outras vezes, batiam à sua porta; ou ficavam ali, simplesmente perdidos nas ruas. E, mesmo ela, assim como todos da cidade, de vez em quando também jogava fora seus sonhos. Talvez por pensar que não tivessem tanta importância, por serem muitas vezes grandiosos ou pequeninos, talvez tolos, excêntricos e até brilhantes demais também.
Eram tantos sonhos abandonados que nem cabiam mais em caixas, sacos ou latas de lixo. As pessoas dali simplesmente não sabiam o que fazer com eles e os descartavam. E a menina, com toda a sua esperteza, ficava então assim: ia pegando um sonho aqui, outro lá, juntando um no outro e montando o mais belo vestido que alguém pudesse imaginar.
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