CONVERSA DE COMEÇO DE LIVRO
Todo ilustrador de livro infantil tem o desejo ardente de, um dia, ilustrar Alice no País das Maravilhas. Mais do que isso. Se ele é um ilustrador convicto – mas convicto mesmo –, tem o dever de ilustrar Alice no País das Maravilhas. Confesso que sempre pensei nisso, mas eu não ia ser um autor infantil.
Obra conforme o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa
Texto: Ziraldo Alves Pinto
Ilustrações: Ziraldo, com cores de Renato Aroeira
© Ziraldo Alves Pinto
Direitos de publicação:
© 2016 Editora Melhoramentos Ltda. Todos os direitos reservados.
1a edição, 2 impressão, outubro de 2016
ISBN: 978-85-06-08058-0
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Na minha mais antiga lembrança me vejo desenhando. E assim passei meus dias, até hoje. Os meus amigos de infância eram Flash Gordon, Brick Bradford, Tarzan, Super-Homem, Batman, Capitão América, Fantasma, Spirit e Cesar, o capitão sem medo. Vocês veem, éramos uma gangue. E tem mais: Will Eisner, Alex Raymond e Burne Hogarth, os criadores, meus heróis de verdade, de carne e osso. Por tudo isso, acreditei, por longo tempo, que, a esta altura da vida, estaria desenhando histórias em quadrinhos de aventuras ou graphic novels. De repente, porém, coube a mim ser autor de livros para crianças. Virou minha atividade principal. Como um flautista de Hamelin ao contrário, tenho andado por aí, pelo Brasil inteiro, indo atrás da meninada, mais batendo papo do que tocando flauta. E muito tenho conversado com crianças e professores sobre tudo o que acontece, aconteceu e acontecerá no mundo. Em um desses encontros, uma menina muito atenta me perguntou qual a razão de eu só escrever livros sobre meninos e nunca sobre meninas. Só pude dizer
a ela que, para mim, escrever para meninos era mais fácil porque de menino eu entendia muito mais. Por um novo brilho que surgiu em seus olhos e pelo jeito que ela sorriu percebi, logo, que ela não gostou muito da minha resposta. Mesmo assim, ela me pediu que escrevesse o meu primeiro livro sobre meninas. Coisa de menina, vá entender...
Resolvi que ia “cumprir suas ordens” e tratei de ler o que pudesse encontrar sobre meninas. E publiquei um livro chamado Menina das Estrelas, na tentativa de me explicar para a menina.
Neste livro de agora a intenção é outra: sou eu tentando explicar a menina. Uma das minhas netas tem, na estante, mais de cem exemplares diferentes de Alice no País das Maravilhas, do Lewis Carroll, nas mais diferentes línguas das que se fala na Terra. (Foi uma boa solução para dar-lhe presentes: minha neta se chama Alice.)
Passei a ler atentamente todos os livros de sua coleção. Naturalmente, os publicados nas quatro línguas em que sei ler, sendo que a língua que falo melhor é o inglês que fala o Tarzan.
Andei conferindo as traduções e vendo tantas ilustrações que creio ter descoberto um Lewis Carroll que ainda não havia percebido em tudo o que li dele e sobre ele.
Carroll amava uma menina pequenina chamada Alice e, em seu louvor, escreveu um dos mais belos e famosos
livros da literatura universal. Há quem o considere uma narrativa onírica feita de sonhos fantásticos. Pode ser que seja, mas, certamente, não é. É muito, muito mais do que isso (e aí não há nenhuma descoberta). Nas páginas escritas por Lewis Carroll há diferentes leituras, e foi uma boa leitura, creio, que me levou a destinar este livro às crianças, que este é o meu ofício. Tudo já foi dito sobre a menina, esse pequeno ser de tão curta permanência em nossas vidas que, ao final do seu tempo, se divide em duas e, juntas, seguem em frente para desmentir quem afirma que dois corpos não podem ocupar o mesmo espaço ao mesmo tempo. Ao levantar essa lebre – não a Lebre de Maio (deste mês cheio de flores) – o autor deste livro achou que era bom e logo correu atrás do fraterno Renato Aroeira, cujo apodo é Aroeira, para ele alcatifar de cores as páginas do seu livro. Fez-lhe, então, o convite: “Vamos fazer um livro juntos?”
O Aroeira, topando, relembrou o velho mote do Millôr: “Eu lavo, você enxuga”. Ao que lhe disse, feliz, o autor: “Eu desenho, você colore”.
E aí está o livro que faltava ao autor. Ele pode dizer que fez, pelo menos em parte, o livro da Alice que todo o ilustrador convicto – mesmo que não seja da lista dos bons – tem obrigação de fazer.
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O mundo pertence aos meninos.
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Mas não são eles que mandam no mundo.
Era uma vez...
do que o tamanho que tem; é igual e diferente de qualquer outra menina que existe neste mundo.
Pra começar a entender seu mistério, seus segredos – pra conhecê-la de perto –há que saber que é preciso mergulhar no mar inquieto dos seus sonhos de menina. Ainda que esse mar seja um laguinho sereno, onde um barco pequenino singra, leve, suas águas sob a batida dos remos de um marinheiro maluco.
Um marinheiro que sabe diminuir e somar, imaginar jogos raros, desenredar seus problemas e que, estando no lago, sonha que está no mar. Ele segue, bem tranquilo, no comando de sua nave, com a calma de quem conhece o mar que navega. Também é um professor, que, matemagicamente, sabe todas as sentenças, proposições, locuções que existem no que ele fala. E, também, escreve livros. Leva na proa do barco, cantando uma canção, com sua voz pequenina, a menina.
É assim que começam as histórias com final feliz.
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enina é maior
is a menina. Esta.
Ela é a flor que se cheira, ela é a dona da festa. É nela que se encerra a profusão de meninas que habita essa Terra. Ser una é a sua sina e esta sina se repete em cada outra menina. Como afirma Carrolennon, um duplo escritor inglês, pra se falar sobre ela é preciso inventar novas palavras.
Menina é o despoder mais proderoso do mundo, que rirrima – só para ela –com a palavra profundo.
O que lhe assenta muito bem: para entender a menina esta é a rima perfeita, a rima que lhe convém.
Menina é sempre maisela mas faz papel da humilde no elalenco da novela.
Sematenção para tudo, na vida é prestatenção (e não sabe se é de Libra ou se é de Escorpião).
Menina em seu lebririnto não está nunca perdida; tudo não passa de um trailer do filme da sua vida. 14 15