O Professor de Português Enlouqueceu de Vez

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“A Eliana Martins é uma fulana que escreve livros e tem mania de colocar neles desenhos toscos que ela mesma faz.”

Isso foi o que o Alighieri disse para os colegas. Mas ela já fez outras coisas, viu? Escreveu roteiros para televisão, peças de teatro infantil, publicou perto de 90 livros, inclusive A Vizinha Antipática que Sabia Matemática também pela Editora Melhoramentos. Ganhou alguns prêmios, foi finalista de outros e visitou uma infinidade de escolas. Fora tudo isso, é mãe de 4 filhos, avó de 9 netos humanos e de 3 cachorros e 1 gato.

Que ela faz desenhos toscos, isso faz, mas cursa, atualmente, a faculdade de Artes Visuais para aprender mais sobre arte.

Abelardo de Matos Quela viraria o HULK!?

Oprofessor de português e literatura chegou com cara de pouquíssimos amigos na sala de aula. Estava com as provas nas mãos, parecia mesmo estar tendo um treco, com os olhos vermelhos, o pescoço esverdeando...

Matos Quela pegou cinco dos papéis e formou um leque: “Esses alunos aqui, nem copiar da internet sabem!”. Os Necasdepitibiribas, a turma do fundão, já sabiam que se tratavam das suas provas, e o Miguel Lamana, o Dante, a Sô, a Carminha e o Inácio, que todos chamavam de Nacho, esperavam tudo, menos a próxima fala do professor:

–Não fui eu que errei. Mesmo assim, em vez de punir os cinco detestáveis, abomináveis, deploráveis, execráveis e insuportáveis alunos, vou lhes dar um presente.

Presente que levaria os Necasdepitibiribas a viver uma grande aventura pelo mundo da Literatura.

Com seu humor e irreverência, Eliana Martins conta uma aventura desafiante onde cinco amigos vão ter que escapar da sala Caia Fora se Puder buscando solucionar os enigmas por meio da literatura. E, ao se unir para encontrar a saída, eles vão descobrir que os livros estão muito mais conectados às suas vidas do que imaginavam.

O

de

enlouqueceu

de (Abelardo de Matos Quela)

Oprofessor de português, Abelardo de Matos Quela, fazia de tudo para que seus alunos entendessem como era importante ler.

Alguns deles, compreendiam. Mas havia cinco alunos que, além de não gostarem de ler, atrapalhavam as aulas: os Necasdepitibiribas, como eles mesmos haviam se apelidado.

E foi então que o professor teve uma ideia que tinha tudo para dar certo: levar aqueles cinco alunos para conhecerem um jogo muito apreciado pelos jovens, o Caia Fora se Puder. Um jogo com três salas cheias de enigmas.

Se quiser saber mais sobre ela, visite o site: www.elianahmartins.wix.com/elianamartins

Ou siga a Eliana no Instagram: @elianamartins_escriba

ISBN 978-65-5539-477-1

ISBN 978-65-5539-477-1

Ilustrações de Weberson Santiago

Eliana Martins

E, para passarem de uma sala para a outra, os alunos precisavam desvendar essas pistas. Os Necasdepitibiribas acharam que seria muito fácil e que, rapidinho, iriam descobrir tudo e sair do jogo vitoriosos.

O que não sabiam é que todas as pistas eram sobre livros e leitura. Como eles, que odiavam ler e não entendiam nada de literatura, poderiam desvendar as pistas daquele misterioso jogo?

Talvez, você possa ajudá-los!

©
Raoni Carneiro Eliana Martins

Para todos aqueles que ainda não sabem que a leitura é sempre uma grande aventura!

Eliana Martins

(Abelardo de Matos Quela)

Ilustrações de Weberson Santiago

“Leitura, antes de mais nada, é estímulo, é exemplo.”
Ruth Rocha

UM Amor de Família (Ziraldo)

O Matos Quela entrou pisando duro. Cara de poucos amigos. De péssimos amigos! Colocou sua papelada sobre a mesa e olhou feio para a classe.

A turma dos CDF, que todo mundo tá careca de saber de quem falo – aqueles que sabem tudo, que se sentam nas primeiras fileiras, que só faltam se pendurar nas barras das calças ou nas saias dos professores de tanto que amam estudar –, ficou de cabelo em pé.

A aula do Matos Quela era de português e literatura. Xa-xe-xi-xarope total! Ele até que era boa gente, coitado! Mas naquela manhã devia ter comido pão amanhecido e tomado leite azedo no café.

Junto da papelada que colocou na mesa, estavam as provas corrigidas. Teve gente que suou frio. Não foi o meu caso nem dos parceiros da turma do fundão, os Necasdepitibiribas, como nós mesmos nos apelidamos.

∙ 7 ∙

Nesse grupo estavam: o Miguel Lamana, o Dante (Alighieri), a Soraia (Sô), a Carminha e eu: Inácio Flores ou Nacho, como todo mundo me chamava.

Sem mais enrolação, o profe Abelardo, que tinha o sobrenome patético de “Matos Quela”, pegou o bolo de provas, encostou a cintura na mesa e olhou pra gente, feito cachorro observando um frango de máquina.

E quando todo mundo pensou que ele ia entregar as provas, elogiar uns e escrachar outros, o profe danou a falar coisas que ninguém esperava:

– Eu sou um fracassado! – foi a primeira coisa que ele disse.

Com isso, a classe toda silenciou de vez. Inclusive nós, os “Necas”, que até então não estávamos nem aí para as notas das provas, muito menos para a aula literoxaropista.

E o profe continuou:

– Estudei a minha vida toda feito um louco. Trabalhava de dia e estudava à noite. Entrei na melhor faculdade de Letras do país. Passei quatro anos da minha vida encantado com tudo o que aprendia na universidade. Terminei o curso, fiz mestrado, doutorado... e acabei aqui, feito um condenado!

A Lívia Lamana , irmã do Miguel, mas que não era nada parecida com ele e uma das melhores alunas, foi às lágrimas.

– Professor Abelardo... snif... o senhor não merece!

E ninguém entendeu o comentário. Nem ela. O que, afinal, o profe não merecia? E ele pareceu ler nossos pensamentos.

∙ 8 ∙

– Eu amo esta escola! Amo dar minhas aulas! Mas não posso dizer que amo todos os meus alunos. Estudar não é só vir para a escola e repetir, feito papagaios, o que se fala em aula. Estudar é absorver as coisas da vida, aqui dentro e lá fora. Ter curiosidade e ler, ler muito para entender essas coisas.

As meninas já estavam quase indo às lágrimas, como a Lívia . E o Matos Quela continuou:

Só lendo, vocês serão livres, cultos e educados. Terão ideias próprias. Eu poderia ter ensinado tanta coisa se tivessem mostrado um pouco, só um pouquinho, de interesse pela leitura! Mas não consegui fazer vocês entenderem que ler, além de tudo, é divertido. Ah! Como é lúdico o jogo das palavras!

– Que que é lúdico? – o Alighieri cochichou no meu ouvido, mas eu não respondi. Até porque eu também não sabia.

Então pudemos ouvir o profe terminar sua fala com um:

– ... por isso me considero um fracassado; esse é o termo.

A classe toda muda. Então, ele se ateve, efetivamente, às provas.

Alguns alunos desta classe fizeram provas medíocres. Mas estes... – Abriu cinco provas, feito um leque, como se fosse se abanar com elas. – Estes aqui nem copiar da internet sabem! Copiaram o texto com o mesmo erro do site que consultaram. Vê-se que um copiou e passou para os outros.

Os olhos do profe pareciam saltar das órbitas. Bolas vermelhas começaram a surgir no pescoço dele.

– Vai ter um treco! – o Alighieri cochichou, de novo, com seu eterno bafo matinal.

Não me lembro se fazia calor, mas o fato é que o Matos Quela passou mesmo a se abanar com as cinco provas que ele ainda não tinha dito de quem eram, mas nós, Necasdepitibiribas, desconfiávamos.

A Sô (raia) tinha encontrado um site justamente com o resumo do livro que o profe mandara ler. Copiou, é claro! Depois passou pra gente. Foi por isso que o erro dela foi de todos nós.

E os olhos do profe, de vermelhos, ficaram roxos, e as bolas do pescoço foram esverdeando.

Vai virar o Hulk! – o bafo de onça voltou a falar.

∙ 10 ∙

Mas não virou. Pelo contrário; foi se acalmando e, com a voz plácida, disse uma coisa que espantou a todos:

– Nunca, jamais, em tempo algum, devemos bater no rosto de quem bateu no nosso. Não fui eu que errei. Sendo assim, em vez de punir os cinco detestáveis, abomináveis, deploráveis, execráveis e insuportáveis alunos, vou lhes dar um presente.

Classe em surdina total.

– Senhores: Inácio Flores, Miguel Lamana, Dante Azevedo e senhoritas: Soraia Geraldini e Carmem Lúcia Novaes, por favor, peguem suas mochilas e me acompanhem.

E o Matos Quela se dirigiu para a porta da classe.

Pra ser sincero, nós cinco só tínhamos uma coisa em comum: odiávamos ler. Não sabíamos nada uns dos outros, mas nos considerávamos um amor de família.

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*

DOIS Anos de Férias (Júlio Verne)

Pensamos que o Matos Quela fosse levar a gente pra sala da dona Zélia, nossa diretora. Mas não. Seguimos direto, em fila indiana, para o pátio.

Ele pediu, na maior tranquilidade, que a gente se sentasse nos bancos onde costumávamos tomar lanche.

Então disse:

– Acredito que vocês todos gostem de jogos, não?

A gente não sabia se era pra responder. Pelo sim, pelo não, me atrevi.

– É claro, né, ô!

O profe não gostou do meu jeito de falar. Disse que era falta de respeito com a hierarquia.

Pedi desculpas.

Daí a Sô, com aquele jeitinho polido de boa aluna, que ela não era, e sua americanice, completou:

– Sim, professor Abelardo, não conheço jovem que não goste de games.

∙ 13 ∙

Era o que o Matos Quela queria ouvir.

– Conhecem o Caia Fora se Puder? – Me pareceu ver o profe dar um risinho irônico.

– Escape Room – a poliglota da Sô interrompeu.

– Sim. Mas estamos no Brasil, senhorita Soraia, e o nosso jogo é o Caia Fora se Puder – o Matos Quela se irritou.

Todo mundo conhecia. Era o jogo da moda. Eu mesmo já tinha ido a um e deixado toda a minha mesada na compra do ingresso.

– Tô fora, profe! É legal, mas já detonei minha mesada.

O risinho sardônico do Matos Quela se transformou num sorriso. Não devíamos, de forma alguma, nos preocupar com gastos. Era um convite dele. Havia comprado cinco ingressos para o Caia Fora, aonde iríamos na manhã seguinte.

As meninas perguntaram se precisávamos pedir autorização dos nossos pais. Mas o profe disse que já havia falado com eles. Que estava de posse dos “estou ciente” e dos “de acordo” dos nossos pais.

– Mas, profe Abelarrrrdo, não estou entendendo nada!

– a Carminha se manifestou, com seus erres prolongados de menina do interior. – A gente tirou as piores notas da classe, e justamente nós vamos ter uma manhã no Caia Fora se Puder enquanto os outros alunos ficarão enfurnados na classe?

E, sem perder a calma, o Matos Quela disse:

Para você ver, senhorita Carmem Lúcia. – Então deu até amanhã e foi embora.

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Nem havia tocado o sinal de término das aulas nem nada, mas nós cinco já podíamos ir embora também.

Em outro momento teríamos achado o máximo poder sair antes dos outros. Não naquele dia. Era tudo muito estranho! E mais estranho ainda ficou quando as mães da Sô, da Carminha e do Alighieri chegaram, antes da hora, para buscá-los.

O Miguel e eu, que íamos embora de ônibus, ficamos esperando a Lívia para podermos sair.

– Aí tem! – o Miguel resmungou.

– Tem o quê, nanico?

– Sei lá! Mas tem.

Tomamos nós três o ônibus pra casa.

A Lívia era um ano mais nova que o Miguel, mas, como ele havia repetido de ano, os dois irmãos acabaram na mesma classe: a minha.

La mana do Miguel quis saber por que ele e eu estávamos com aquelas caras estranhas. Contamos a novidade. E ela nem se espantou. Não era à toa que o sobrenome do professor de português era Matos Quela. No entanto, era um excelente professor e, certamente, devia saber o que estava fazendo.

O fato é que cheguei na minha casa e, com a maior cara de pau, mostrei a prova de português, que tinha uma coleção de X, de respostas erradas e péssima interpretação de texto.

Meus pais olharam, balançaram a cabeça tipo “que lástima!” e continuaram almoçando. Como o profe

∙ 15 ∙

Abelardo tinha dito, eles já sabiam do passeio ao Caia

Fora se Puder e haviam, mesmo, concordado.

Passei a tarde pensando em tudo aquilo. “Ser ou não ser, eis a questão.” Quem tinha dito isso, mesmo? Não lembrei. Mas era fato: na manhã seguinte, nós, os cinco piores alunos de português, iríamos, sem despesa alguma, passar uma hora nos divertindo.

No outro dia, sete e trinta, em ponto, estávamos no portão do colégio. Um milagre tinha se derramado sobre nós: nenhum havia tido sono além da conta nem se atrasado para chegar.

Vimos nossos colegas entrarem para as aulas do dia. A Sô, de sapato novo e uniforme impecável, como se fosse a uma festa, resmungou na orelha da Carminha:

– Poor! Coitados!

O Matos Quela esperou a van da escola descarregar os alunos da manhã e então nos convidou a entrar nela.

Antes de mais nada, quero fazer umas recomendações: Dante, por favor, não entre mascando chiclete no recinto do jogo. Nada contra a guloseima, mas porque o senhor costuma grudar o chiclete em qualquer lugar quando ele perde o gosto. Inácio, controle seu eterno mau humor e não berre dentro do recinto. Miguel, não se deixe influenciar pelo Inácio nem cale a boca quando ele mandar. Soraia e Carmem Lúcia, sei que nunca se deram, mas não é dentro do jogo que vão brigar, entenderam?

Dadas as recomendações, o motorista da van foi liberado para nos levar.

Uma porta basculante pintada de vermelho e parecida com a de uma garagem abria-se para aquele mundo enigmático do CAIA FORA SE PUDER.

Ao chegarmos, o Guga, dono do local, veio nos receber. Abraçou o profe e deu um bom-dia animado pra gente.

Fique tranquilo, professor Abelardo. Garanto que seus alunos vão curtir horrores lá dentro!

Vimos o profe ir embora. Quando o jogo terminasse, ele viria nos buscar.

Eu já conhecia. Era sensacional! Uma hora ali dentro era como dois anos de férias!

∙ 17 ∙
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