Sou nordestina, mineira, gaúcha, mato-grossense, sou do rio, da mata, da civilização ou sou uma fala recontada de um povo misturado e muito peculiar.
Em tom de conversa fiada, fofoca ou causo, explica-se aqui a origem tão misteriosa de algumas cantigas de roda. Mas será que cada tim-tim é verdade mesmo?
Aí já não sei, só sei, meio de pé junto, que foi assim...
Escrito e cantado por Fernanda de Oliveira
d e os daFê L iz comMú s i c sa
Aponte a câmera do seu celular para estas imagens ao longo do livro ou use um leitor de QR Code para acessar o vídeo com animação e cantiga de roda correspondente a cada história cantada e coreografada pela autora Fernanda de Oliveira.
íV
1_PEIXE VIVO .................................... 8 2_A JANELINHA ...............................12 3_MEU LIMÃO, MEU LIMOEIRO .........16 4_SE ESTA RUA FOSSE MINHA .........20 5_FUI AO MERCADO .........................26 SUMÁRIO 6_ROSA AMARELA ...........................30 7_A GATINHA PARDA .......................36 8_A PULGA E O PERCEVEJO ............40 9_FUI NO ITORORÓ ..........................46 10_MEU PINTINHO AMARELINHO .....50
1. PEIXE VIVO
Como pode um peixe vivo
viver fora d'água fria?
Como pode um peixe vivo
viver fora d'água fria?
Como poderei viver?
Como poderei viver?
Sem a tua, sem a tua, sem a tua companhia?
Vídeo com a música:
Xilogravuras
Pablo Borges
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PEIXE VIVO
Sabe-se que a pequena lagoa era muito povoada, e também que havia um peixe chamado Vívaro. Diz a lenda que, apesar de Vívaro viver em torno do que se pode chamar de melhor vizinhança ribeirinha (entre bons sapos, carpas, tartarugas, cobras e plantas aquáticas), ela não era suficiente para o inquieto Vívaro.
mais, atormentava-o a ideia de ser apenas uma parte daquela cadeia alimentar viciante e infinita por ali.
Comentando sobre essa ansiedade com sua amiga libélula, que por sinal era certeira em seus argumentos e em seus toques delicados na água em voos rasantes, Vívaro decidiu treinar saltos. Pelo visto, seria o único jeito de estar mais fora do que dentro. A libélula o havia aconselhado a mudar de ares, o que era arriscado e até irônico para um animal dependente de água, e ele levara o conselho ao pé da letra. Assim, passou a gastar seus dias pulando. Cada vez mais alto, mais forte, adestrando-se com técnicas de impulsos, quedas e planagens. E nesses pulos pas sou a vislumbrar outros horizontes (ou o
claustro-
O jovem peixe se sentia enclausurado naquele lugar, afinal de contas, morava numa lagoa, e tudo por ali eram águas passadas. O que poderia ser um pouco mais novo eram as boas-novas da chuva, mais nada. Em suas nadadas, Vívaro se deparava repetidamente com a mesma parede de terra. E quando decidia rodeá-la, era em vão. Nadava em círculos e se en contrava sem saída. É, realmente uma la goa não era o lugar mais propício para um peixe claustro fóbico. Ele desejava
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próprio, que era total novidade para o antes limitado peixe). A cada salto memorizava seu quadro visual, circundando o que poderia ter como limite de alcance. Não conseguia uma visão panorâmica, pois os saltos eram rápidos, mas, em sua mente, montava o quebra-cabeça do que seria o mundo lá fora, e sonhava com ele.
De tanto alvoroço, a lagoa, que antes tinha uma água sempre estacionária, passou a conviver com ondas geradas pelas acrobacias mil de Vívaro, e assim todo o ecossistema dela começou a mudar. Os pássaros já não conseguiam enxergar facilmente no fundo suas refeições: os grandes peixes. Isso causou uma superpopulação destes, o espaço foi diminuindo, comprimindo por sua vez as cobras e as carpas, que não achavam mais os cupins d’água e nem os protozoários nas profundezas... Virou aquele alvoroço! Por
isso, em comum acordo e para o bem de todos, já que se encontravam no caos e bem apertados, testaram uma proposta de Vívaro, que via chegar ali sua grande chance. Juntos, eles iriam nadar para um lado só, em círculos, o mais rápido que pudessem, e assim foi feito.
Um matuto que passava por ali jura de pé junto que viu o lago mudar de lugar como um furacão aquático e desengonçado, chegando a desaguar num rio. Mas, sem poder provar o fato, riram da sua cara, apostando na lógica de que um peixe vivo não poderia viver fora d’água, muito menos levando muito do lago consigo. Os mais incrédulos disseram que o lago secou com o verão quente daquele ano. Já eu acredito fielmente no bravo Vívaro, que promoveu aquela revolução. Definitivamente... só sei que foi assim.