Videntes e Outros Pitacos no Cotidiano

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A coleção Crônicas

Contemporâneas apresenta coletâneas representativas do gênero literário mais popular e mais lido no Brasil.

TÍTULOS:

O Matador de Aluguel

e Outras Figuras

Luís Pimentel/Luiz Antonio Aguiar (Org.)

Videntes

e Outros Pitacos no Cotidiano

Leo Cunha/Luiz Antonio Aguiar (Org.)

COLEÇÃOCRÔNICAS CONTEMPORÂNEAS

Acabo de ler as crônicas do Leo Cunha. Que delícia! Simplicidade aliada a inteligência, sensibilidade, humor e charme. E como são bem escritas! Com temas atuais e a fluência e o frescor de um talento genuíno. A gente merecia ler crônicas como estas nos jornais cariocas, em vez de ter que evitar as espantosas mediocridades e grosserias de alguns famosos. Li com grande prazer. E a alegria de uma descoberta.

nocotidiano pitacoseoutros VIDENTES

“Tem gente que lê o futuro nos astros, nas cartas, nos dados, no fogo, na água, na areia, nos búzios, nos peixes, nas mechas de cabelo, na palma das mãos, nas manchas da parede, na borra de café, nas bolas de cristal, nas guimbas de cigarro, nas entranhas de animais.”

É daí que parte Leo Cunha para nos conduzir num passeio não só pelas diversas modalidades de vidência, mas também pelas alterações que a internet produziu em nossa existência, pelos episódios ternos e engraçados do cotidiano familiar, por sua Belo Horizonte e por algumas estranhezas do mundo.

Escritor muitas vezes premiado, poeta, professor universitário e palestrante, presente há muito na mídia com seu humor e a sagacidade de seus artigos, Leo Cunha se apresenta agora na coleção Crônicas Contemporâneas. Você vai rir, vai se comover, vai remexer suas ideias e se divertir com esta boa coletânea, que consegue ser ao mesmo tempo mineiríssima, brasileira, planetária e humana.

ORGANIZAÇÃO:VEIOLIBRI/ LUIZANTONIOAGUIAR

Videntes e Outros Pitacos no Cotidiano é um desses textos que encantam a vida!

Luiz Antonio Aguiar

COLEÇÃOCRÔNICAS CONTEMPORÂNEAS
Alcione Araújo (escritor e dramaturgo)
LEOCUNHA
VIDENTES E OUTROS PITACOS NO COTIDIANO LEO CUNHA

nocotidiano pitacoseoutros VIDENTES

ORGANIZAÇÃO:VEIOLIBRI/ LUIZANTONIOAGUIAR

LEOCUNHA

Apresentação: Leo Cunha, humor e ceticismo

Crônicas Videntes O ódio comunitário Escolado A piscina de livros Twitter: Bashô ou não baixou? Massa a Chussets Madame Flovary Sonho 100% Respire fundo Bilhete premiado PC O triste fim da Monstros S.A. Os ingleses e o casamento Presente Dedicatórias e marcadores De escritores, advogados e cambistas Teto de zinco Best-seller Salvo pelos titãs Alguma poesia no mundo da internet Comentário sobre o volume: A arte de meter o nariz no cotidiano Suplemento para discussões, pesquisa e aprofundamento 5 7 11 13 15 17 19 21 25 27 29 31 33 35 37 41 43 45 47 49 53 57 61
Sumário

Apresentação:LeoCunha, humoreceticismo

Videntes e Outros Pitacos no Cotidiano é um justo segundo volume da coleção Crônicas Contemporâneas. Aqui reunidas, vinte crônicas desse mineiríssimo – e ao mesmo tempo brasileiro e universal – autor, Leo Cunha.

Leo combina como ninguém humor e ceticismo, o olhar que se intromete em brechas, ao texto que, seja pela sua textura naturalmente poética, seja pela agudeza da observação de que parte, desvenda (a pitacos) o cotidiano.

Leo Cunha formou-se em Jornalismo em 1991, data em que também estreou na literatura. Já foi cronista dos jornais

O Tempo e Hoje em Dia, além de ter muitas crônicas publicadas em periódicos mineiros. É professor de Jornalismo

Cultural do Centro Universitário de Belo Horizonte (Uni-BH) desde 1997. Já publicou quatro antologias de crônicas: Nas Páginas do Tempo (Nova Fronteira, 1997), Manual de Desculpas Esfarrapadas (FTD, 2004), Tela Plana – Crônicas de um país telemaníaco (Planeta, 2007) e Ninguém Me Entende nessa Casa! (FTD, 2011).

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Videntes

Tem gente que lê o futuro nos astros, nas cartas, nos dados, no fogo, na água, na areia, nos búzios, nos peixes, nas mechas de cabelo, na palma das mãos, nas manchas da parede, na borra de café, nas bolas de cristal, nas guimbas de cigarro, nas entranhas de animais.

E, só pra impressionar, cada uma dessas variantes tem um nome mais pomposo que o outro, sempre terminado em “mancia”. Por exemplo: a pegomancia lê o futuro no movimento das águas das fontes. A enomancia lê na consistência e coloração dos vinhos, de preferência tintos. A nefelomancia adivinha o futuro com base na aparência das nuvens. A molibdomancia encontra as pistas no chumbo derretido. A alfitomancia prefere as farinhas e massas em geral.

O leitor deve estar pensando: “É muita adivinhação pra um futuro só!”. Mas outro dia eu li uma notícia que me deixou estatelado: uma madame colombiana que garante ler o futuro nos ovos. É isso mesmo. Sua especialidade é chamada oomancia (não faço ideia onde foi parar a letra “V” do ovo). Segundo a matéria, um oomante deve quebrar o ovo e em seguida se debruçar sobre o desenho formado pela clara, que permite uma leitura tão cristalina quanto uma

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bola de cristal. Já as gemas ficam pra fazer doce mesmo, que ninguém é de ferro.

Notícias assim me deixaram fascinado pelo universo das adivinhações. É um mundo tão desconhecido (pelo menos para mim) que passei um dia inteiro viajando na internet, ou melhor, viajando na maionese, visitando uma infinidade de sites e descobrindo dezenas de definições.

Não sei se é porque sou escritor, mas confesso que a “mancia” que eu mais gostei de descobrir foi a rapsodomancia. Segundo o dicionário, ela significa a arte de adivinhar o futuro por meio de trechos ao acaso das obras de um poeta. Adorei essa ideia!

Logo percebi que a rapsodomancia tem pelo menos duas grandes vantagens sobre todas as suas primas e irmãs. A primeira é que ela é uma adivinhação mais lírica, mais artística. Qualquer motivo é um bom motivo pra ler poesia, não é?

A segunda e maior vantagem é que a rapsodomancia dispensa o vidente, já que cada um pode fazer sua própria adivinhação. Você não precisa ligar para nenhuma Madame Fulana ou pro Grande Mestre Beltrano. Basta catar na prateleira um livro do seu poeta favorito e ler o futuro em versos escolhidos ao acaso. Vamos testar?

Peguei o livro O Aprendiz de Feiticeiro, do meu querido poeta gaúcho Mário Quintana. O título pareceu muitíssimo adequado à minha aventura divinatória. Perguntei ao livro: “Como será a minha morte?”, e o Quintana respondeu:

“Vendendo súbitos espanadores de todas as cores!”.

Uau! Belo começo. Empolgado, perguntei ao poeta como será o futuro do meu filho André, que tem hoje dois anos de idade. Resposta do livro: “Como pequenina moeda de prata perdida para sempre na floresta noturna”. Lindo, lindo! E um pouco arrepiante também. Mas o mais legal é que essa previsão poética pode significar tanta coisa – só o André mesmo é quem vai ser capaz de decifrar, no futuro. Não posso me esquecer de contar isso pra ele, daqui a alguns anos.

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Videntes e outros pitacos no cotidiano

Pra terminar, fiz uma pergunta mais frívola e mesquinha: “O meu time vai ser campeão?”. E o Aprendiz de Feiticeiro decretou: “Cantam os violoncelos... A noite sobe como um balão”. Hã? Como é que é, Quintana? Violoncelos? Balão? Como assim? Por acaso você entende alguma coisa de futebol? Vou te dar mais uma chance, poeta. Preste bem atenção na pergunta: “O meu time vai ser campeão?”. Dessa vez, a resposta veio enfezada: “E eis que naquele dia a folhinha marcava uma data em caracteres desconhecidos”. Ai, ai, ai, acho que posso desistir desse campeonato!

9 Leo Cunha

Oódiocomunitário

Sabe a moça paulista que defendeu o afogamento de nordestinos? Uma que era estudante de Direito? Aquela que ficou tão indignada com o resultado de uma eleição que entrou no Twitter pra defender o assassinato dos moradores da parte mais ensolarada do país?

Pois então? Eu fiquei tão impressionado com o que ela escreveu que resolvi procurar sua página no Orkut. E veja só o susto que eu levei: não é que a moça fazia parte de uma comunidade chamada “Morte a quem maltrata animais”?

Vamos ver se eu entendi a lógica dela (desculpem, “lógica dela” é um cacófato horroroso): maltratar animais não pode, mas afogar nordestinos tá liberado. Fiquei com vontade de perguntar pra moça: E se o animal for nordestino, o que ela sugere? Devo maltratar ou não?

Quem sabe eu levo o bichinho pro Nordeste e só então pratico o afogamento?

Fuça daqui, fuça dali, essa história me levou a descobrir no Orkut milhares de comunidades ditadas pelo ódio: algumas são até engraçadas, como “Eu odeio ficar no vácuo” (456 mil membros, quando eu consultei), “Eu odeio que mexam no meu boné” (46 mil participantes) ou “Eu odeio bater o dedinho do pé” (94 mil membros, e inchando).

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Outras chamam de ódio questões que, no fundo, são apenas preferências pessoais ou estéticas: “Eu odeio pagode” (380 mil membros), “Eu odeio filme dublado” (374 mil membros), “Eu odeio o Vasco” (124 mil membros), “Eu odeio o Flamengo” (90 mil membros) etc. Dizem que existia uma comunidade com mais de 6 milhões de participantes chamada “Eu odeio acordar cedo”, mas parece que ela foi dormir.

O mais assustador é encontrar comunidades que pregam o ódio racial, sexual, social ou religioso, do tipo “Eu odeio pobre”, “Eu odeio ateus”, “Eu odeio homossexuais”. Muitas delas, felizmente, acabam banidas pela Justiça ou pelo próprio Orkut e não estão mais ali quando a gente pesquisa pra escrever uma crônica. Eu odeio isso.

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Videntes e outros pitacos no cotidiano

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