BRUTO

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© 2016 Thedy Corrêa Editor Gustavo Guertler Coordenação editorial Fernanda Fedrizzi Revisão Germano Weirich Capa e projeto gráfico Celso Orlandin Jr.

Dados Internacionais de Catalogação na Fonte (CIP) Biblioteca Pública Municipal Dr. Demetrio Niederauer Caxias do Sul, RS

C817 Corrêa, Thedy Bruto / Thedy Corrêa. _Caxias do Sul, Belas Letras, 2016. 152p.; 20 cm.

ISBN: 978-85-8174-330-1 1. Poesias brasileiras. I. Título.

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CDU 869.0(81)-1

Catalogação elaborada por Cássio Felipe Immig, CRB-10/1852

Grafia atualizada segundo o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, que entrou em vigor no Brasil em 2009.

IMPRESSO NO BRASIL

[2016] Todos os direitos desta edição reservados à EDITORA BELAS LETRAS LTDA. Rua Coronel Camisão, 167 Cep: 95020-420 – Caxias do Sul – RS Fone: (54) 3025.3888 – www.belasletras.com.br



falsos sábios solidão em 100 anos em qualquer tempo humor nonsense uma louca fusão nos manuscritos de melquíades a língua dos ciganos os crematórios não são trágicos nem a morte irreversível os buendías são os mágicos nesse mantra indizível tantos sábios, tantos falsos vendendo suas almas contrariando os deuses gregos troco dogmas em cartões que transpiram minha calma caio e morro em cadafalso frágil em transe acidental oh, loucura! sou insano! a solidão é meu ópio meu ódio condenado eis meu castigo conter amores traduzir guerras despertar en las mañanas perdido en la biblioteca cai o pano

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distância que distância nos separa? quantos caminhos vamos percorrer até a tua boca a minha boca encontrar? que distância separa nossas mãos e lágrimas? quantos caminhos ainda vamos percorrer até a tua boca a minha boca encontrar? que distância separa nossas vidas e nossas manhãs? quantos amargos desencontros? quanto tempo isso ainda vai durar? qual a distância entre a lua e o sol? e a lua e nós dois? tudo parecia tão certo quando estávamos tão perto quando você saiu de casa e buscou o meu abrigo procurou por um amigo eu decerto estava lá quando choveu a noite inteira no deserto tudo parecia tão certo e eu ainda estava lá perto 5


aos 13 dias do mês de março sua voz ancorou em meu coração aos 21 anos de sua vida toda sua boca beijou minha alma seca

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lâmina lâmina eu quero que você me ame não espero que você me corte não quero minha carne exposta não desejo que minha alma se derrame lâmina não me faça em pedaços quero que você me chame que precise de mim inteiro sem desespero ou medo de se separar lâmina é insana esta sua mania de me fatiar sem piedade virando a cara quando passa por mim nas ruas da cidade lâmina única bélica mulher que eu amo até me despedaçar

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foi amor de nada adianta chorar até o amanhecer colocar o seu melhor vestido de sofrer andar em círculos até se perder ninguém merece tanto sacrifício por que parece tão difícil de você entender? não é amor pode ser que tenha começado assim não considere como se fosse também esse o seu fim pense nisso como o fim de uma coisa que um dia foi amor

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a noite caía pesada o fogo, fogueira no chão no céu subia a fumaça escrevendo na escuridão uma espiral, um aviso uma profecia, uma maldição que o vento moldava preciso como se fosse escrito com a mão

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perguntas todos os dias trazia presentes presentes com cheiro de sangue as amigas diziam que ele talvez fosse um assassino um perdido que trazia todos os dias presentes sangue tem cheiro? elas diziam isso não era normal ele era amigo do perigo e isso não fazia sentido amigas sentadas à mesa de jantar a mãe servia pratos temperados demais as línguas sentiam o amargo das palavras quem suporta as pessoas? hoje ele traz flores amanhã beijos e armas? quem controla as pessoas? o fato é que um dia ele não veio não veio mais sem presentes sem perigo sem respostas sem sentido 10


bar através dos tempos os amigos sentavam em um bar através dos tempos isso era um hábito e nada mais tão fáceis as palavras ditas sem valor assim como é fácil se perder de alguém culpar o destino e guardar rancor

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dor cravei meus dentes na carne macia de minha própria mão apertei até sentir dor até minha boca se ocupar de um grito

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inocência nas asas da América descobri minha ambição um chão estrelado palavras sagradas nos braços da juventude descansei a razão a esperança guardada e um aviso gentil nos dentes da justiça lancei o sangue inocente tão feroz como um cão de guarda e obediência meu coração se curva dentro do templo escuro de onde a noite sai e a inocência cala

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um rapaz como outro qualquer caminhava só pela rua deserta madrugada sua vida aberta um cinema em 3D do pó para o pó rota suicida oratória de ligeira pretensão um rapaz como outro qualquer igual a você diferente de mim entre o vinho barato e os livros em francês noites quentes de prazer louca escuridão sem fim longa distração de quem não paga pra ver rapaz e quem ainda usa esse termo? um rapaz como outro qualquer carrega dentro de si a paz

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verão ela lê seus livros com os lábios entreabertos levemente livre lentamente triste não importa quanto calor faça no verão quantas roupas suadas vai ter que trocar em apenas um dia no verão os idiotas cheiram à preguiça as paredes choram suando calor nada é mais importante nada atormenta tanto o calor do verão o frio dos seus olhos

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jornais quantos filhos esperaram a chegada de seus pais tantos deles não vieram não chegaram nunca a calçada não é casa, não é lar não é nada nada mais do que um caminho que se passa tão estranho pra quem fica... pra quem fica as palavras no asfalto, nessa vida são tão duras o carinho não consola mas apenas alivia a calçada não é cama não é berço não é nada nada mais nos faz humanos sem afeto e o medo é um abraço tão distante de quem fica onde vai? nós estamos de passagem onde vai? onde a rua nos abriga onde vai? estamos sempre de partida onde vai? onde a rua nos abriga desse frio as pessoas que se enrolam nos jornais não são mais notícia elas não esperam de um papel de duas cores mais que um pouco de calor a calçada não é pai não é mãe não é nada nada mais do que um abrigo, um refúgio tão estranho pra quem passa... pra quem passa

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Em 1992 o Nenhum de Nós estava no Rio de Janeiro para a gravação de seu quarto disco. O estúdio em que trabalhávamos ficava a poucas quadras de nosso hotel, no coração de Copacabana. Toneleros esquina Siqueira Campos até Nossa Senhora de Copacabana, em frente a uma praça. Percorríamos esse caminho a pé, quase sempre no início da tarde. O trabalho era intenso e acabávamos voltando ao hotel já na madrugada. Um dia acabei por ir sozinho para o estúdio ainda pela manhã. Os passos lentos naquelas poucas quadras me fizeram divagar. Mesmo com o clima tropical da cidade, havia nas ruas pessoas envoltas em cobertores ou jornais, entregues ao pesado sono dos que vivem/dormem nas calçadas. Famílias inteiras. Comunidades. Tribos. Gente. Nada de novo para quem mora em qualquer grande cidade. Nesse curto caminho, versos inteiros surgiram rapidamente em minha cabeça. Ao chegar ao estúdio tratei de anotá-los, com medo de perder algum elo da corrente que se formou para mim. A canção nasceu, foi arranjada e gravada naquele mesmo dia sob os protestos do diretor artístico da gravadora, que questionava a crueza do discurso. Na opinião dele faltava amor naquilo tudo. Isso era um fato. Expressar essa ausência de amor em uma canção era um risco. A opção era virar as costas para o trabalho feito e condená-lo a um arquivo. Decidimos correr o risco.

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amigo não há razão para que eu lhe diga o que você fez de errado não existe um bom motivo para que eu lhe siga seus passos são seus passos você quem deve dar e deixar que eles levem onde devem levar

até pouco tempo atrás mãos vazias passado sei que isso não muda nada talvez alguma coisa no fundo do olhar o que antes era branco hoje será bronze o que brilha mais?

o bom amigo nem sempre diz sim para tudo o que você pensa e faz é doce a dúvida discutível a posse da razão cada um tem seus dedos seus medos suas mãos e nesse espaço entre o início e o fim de seus longos dedos agora brilham milhares de anéis

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demônios hoje me senti livre da estupidez que me cercava conspirei contra mim mesmo comprimi meu cérebro mordi minha língua caminhei a esmo fui até o futuro e me perdi na volta me desencontrei mas ainda assim não desisti os sentimentos mais puros são as verdadeiras vítimas na conspiração que transfigura sou traído por temores que ganham vida e se revoltam me acusam de ser o que eu jamais quis ser transbordam os meus dias de demônios os temores entopem minha vida de paralisia mas hoje eu me senti livre da hipocrisia que me cercava quando fiquei lúcido esmoreci quando fui feliz envelheci andei a esmo e me perdi meu endereço eu deixo nos pesadelos resguardados que tenho quando estou acordado 19


justo ela corria pelo campo verde braços abertos pronta e atenta para o próximo passo como quem respira e prepara seu futuro ele vinha logo atrás passos largos devagar mão no bolso seu ambiente não era aquele e sim os bares enfumaçados escuros dois tão diferentes juntos por isso pela ordem natural das coisas o amor por ela sempre vai fazer sentido

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chuva na janela as janelas gêmeas gemem com o vento o céu se inventa escuro tempestade os vidros vibrando janelas à espera de pedras os vidros tremendo de medo a casa cabendo em si mesma telhado as costas se protegendo a chuva bebeu agora tropeça e quase cai seu hálito úmido envolve embaça os vidros um suspiro e as lágrimas a chuva enfim começa a chorar seus olhos são as janelas gêmeas que não enxergam o céu mas sabem refletir sua intensa escuridão

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viagem não me arrependo de ter guardado mágoas jamais pensei que fosse bom para mim mas a razão não é soberana e agora é angústia sem fim alguém cai de joelhos sobre o meu peito uma dor que esmaga meu coração o rancor, a dúvida a melancolia escorrendo como areia fria entre os dedos nenhum ser humano deveria sofrer para provar virtudes se eu soubesse dominar meus mais baixos impulsos saberia talvez contornar minha raiva inútil mas isso não passa de reflexão pensamentos de passagem e outros passos da viagem

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batom escreveu com batom no espelho que me amou agora não mais pensei no sentido das partidas naquela despedida triste cogitei violência no pensamento mais violento que pude pensar e foi o bastante apenas o pensamento onde a violência poderia passar olhei para o espelho vi em minha boca o batom

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noites as noites são feitas de bares sujos e duelos violentos entre as luzes tudo é penumbra nos bares e o balcão abraça os copos os notívagos abraçam garrafas despencam a cabeça sobre o maldito balcão sangram mancham de vermelho o chão dos bares que são escuros de sujeira sujos porque as luzes dizem não luzes que são filhas abandonadas que o dia insensível deixou para trás filhas deixadas para trás sozinhas sentem pavor da noite e da escuridão que contaminam e embriagam amedrontam quem tem a obrigação de iluminar ele volta para casa depois de trabalhar passos rápidos dentro da noite querendo estar logo dentro de sua casa como se aquelas paredes 24


e somente elas fossem capazes de proteger da escuridão casa sempre ela abrigo estúpido onde tudo pode brilhar mas tudo está cinza quando se pode ver o que não se pode enxergar vem o mistério aterrissa o medo ele nunca aprendeu a gritar talvez se tentar possa morrer assim mesmo ele tenta a boca vomita os dentes e espera ansiosa a morte da ingrata língua as veias são pontes a ponto de ruir chorar não basta é preciso gritar a garganta a voz um obstáculo uma barreira tremores nas mãos nos pés nas pernas a terra treme é impossível fixar o olhar 25


uma agulha um furo um homem escorrendo pelo chão uma bolsa d’água que se esvazia uma carcaça plástica que agoniza pele e por dentro nada nada além de nada algo que força de vontade alguma conseguiu manter coeso unido ele declarava temor a deus usava sapatos baratos carregava um livro de orações com sinais de haver passado por muitas mãos

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noites II distante vem através da janela ausente presente na voz da cidade os motores passando movimento na noite gritos metálicos quando já é muito tarde quase todos dormem quase muitos se escondem e o escuro não cala a voz da cidade o que ela diz? talvez peça desculpas pelas luzes acesas a voz que se ouve da garganta do asfalto talvez agradeça o vazio das ruas

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paz e amor chame a família avise o tio e o avô hoje todos vão saber que a sua garotinha se casou proibida escondida muito jovem pra escolher sua mãe quase desmaia seu pai diz que quer morrer eu já fui seu namorado por isso ela me chamou para que eu fosse testemunha dessa história que seja linda como um dia foi a nossa flores na cabeça nossos pés descalços nossa vida toda de paz e amor avise a vizinha mande chamar o seu irmão eles têm que conhecer a sua mais nova paixão um estudante dependente da mesada de seu pai um garoto com os braços tatuados e por você perdidamente apaixonado

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Essa letra foi feita, inicialmente, com o título de “Escândalo”. Isso porque a ideia sempre foi brincar com a inusitada situação do casamento feito às escondidas. Ela teve um primeiro estágio onde não existia narrador e o casamento transcorria quase sem nenhum escândalo. Pena Schmidt, produtor do disco “Mundo Diablo”, leu a letra e achou que faltava uma aproximação, um calor humano. Faltava o “eu”. Daí surgiu a figura do antigo namorado, o narrador, a testemunha dessa história. Sem ciúmes, agora na condição de um bom amigo. Entreguei ao Carlos, guitarrista do Nenhum de Nós, a tarefa de fazer a música para a letra que eu considerava finalizada. Estávamos fazendo a pré-produção de nosso novo disco, ainda sem nome. Tempos depois, quando ele mostrou o que já havia feito com ela, percebemos que faltava ainda um refrão. Tocávamos repetidas vezes as partes que já tínhamos, sentados no chão do Estúdio B da Tec Audio, e a inspiração apresentou o desfecho que parecia perfeito: os pais escandalizados seriam ex-hippies. Aqueles mesmos que fizeram do amor livre sua bandeira nos anos 70 e que agora seriam vítimas da suprema caretice dos filhos que decidiram fugir e casar. Uma doce vingança em nome de um amor verdadeiro. Por isso as flores na cabeça e os pés descalços. Nada é mais hippie do que isso, só faltava a vida toda de paz e amor.

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verdade falava claro como um cão corria veloz como uma árvore era sincero no parlamento cantava com a voz pura das pedras piedoso como uma bomba eterno como todas as verdades verdadeiro como todas as boas intenções dizia não precisar de oxigênio de respirar como todos nós como toda estrada é reta como toda a alma humana é clara e perfeita como todos os homens e mulheres e os que vierem imensa como uma única gota intensa como a luz da lua a luz que só ilumina você quem sempre lutou de mãos vazias hoje tem muito a dizer

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