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11. Instant karma gonna get you

O escritório de Bardian, que na verdade, se chamava Bhardian, obviamente ficava na cobertura do prédio mais alto de Brasília na época, o “Octavian”, e parecia um Playmobil de uma pirâmide egípcia. Um Playmobil hyper-high-tech. As cores dominantes eram o amarelo– ouro (e devia ter muita coisa ali que era de ouro mesmo) e o azul (verde?) água. Hieróglifos, caras com cara de cachorro e aquelas aves com patas bem compridas pra todo lado. Bem atrás da mesa dele, que era hipertriper mudernosa, tinha um olho imenso, aquele egípcio clássico cheio de voltinhas com uma sobrancelha estilizada bem grossa. O olhão, que ficava se movendo pra lá e pra cá, na verdade era uma câmera que ficava ligada 24 horas na sala da segurança. Ao lado da mesa, como não poderia deixar de ser, um sarcófago todo dourado. As cadeiras também eram douradas e tinham voltinhas que lembravam o olho estilizado. Tinham também alguns desenhos assinados por Oscar Niemeyer, provavelmente projetos originais dos prédios históricos do plano piloto. Fotos de pirâmides ao lado de fotos dos prédios históricos de Brasília. O conjunto todo era. Vamos dizer assim. Tétrico. A primeira coisa que ele disse foi: – Sim, meu caro. Sim. A história do rock está sendo escrita aqui nesta sala hoje. Como a minha cara de bunda provavelmente não se alterou ele mandou:

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– Você sabia que o John e a Yoko também tinham uma múmia egípcia em casa? Era coisa dela, eu disse. Ficava no escritório dela. – Hehehe. Você é bem informado, Juan. Senhor Bardian. Se for possível, eu gostaria que a gente pudesse ir direto ao que realmente nos interessa. – Ora, ora. Vamos com calma, amigo, vamos com calma. Que sagitariano mais afobado. Hehehe. Que sagitariano mais afobadinho. Hehehe. Daqui pra frente nós vamos passar muito tempo juntos, amigo. Agora já posso te chamar de amigo, né Juan? Hehehe. Vamos ter tempo pra nos conhecermos melhor. Hehehe. Vamos com calma, senhor sagitariano. Karaka. Que mierda. Aquele conversa. A mesma conversa. Ouvir aquilo era o pior de tudo. E você estava fazendo um sacrifício tão grande, não é? Senhor Bardian. Antes de qualquer coisa quero dizer que a decisão de vir aqui foi exclusivamente minha e que os outros integrantes da banda ainda não foram consultados e eu não posso tomar nenhuma decisão definitiva sem... Ele levantou-se rindo e me pediu para acompanhá-lo. Andamos alguns metros por um corredor escuro e ultrarrefrigerado, que mantinha o mesmo padrão “egípcio” da sala dele e chegamos à outra sala maior e mais sóbria, que tinha uma imensa mesa de reunião com uns trinta lugares mais ou menos. Eu nunca tinha estado em algum lugar com ar condicionado tão poderoso. Pelo menos até então. As poltronas eram vermelho-escuro, se não me falha a memória. Tinha aquela estrela de cabeça pra baixo dourada em tudo quanto é canto da sala. Aquela mesma do cartão que Bardian, ou melhor, Bhardian, me deu no dia do show. Na parede que ficava atrás da poltrona à cabeceira da mesa tinha uma daquelas estrelas viradas. Enorme.

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Tive que segurar o queixo. O BBC, o Daniel Loló, o Ratón-tón e a Melzinha estavam todos lá, bem sentadinhos, com MindStations e garrafinhas de água. Na frente do Loló, tinha uma garrafinha de uísque igual àquela que o Bardian levou ao nosso camarim naquela noite do show. Aquela carésima do veado. Tinha outras pessoas também, alguns asiáticos. Eram diretores da ManGodCorp internacional, como vim a saber depois. Os chinas não eram os rivais deles? Pozé. Deviam ser, né? Fiquei lá parado com cara de otário. Que mais eu podia fazer? Bardian, ou melhor, Bhardian, era a encarnação da felicidade. Os asiáticos também estavam rindo. Os caras da banda pareciam aquelas meninas estreantes do SenSoSex, meio putinhas, meio tímidas. Bardian, ou melhor, Bhardian, que estava com uma camiseta do Rubber Soul autografada com dedicatória do Paul, embaixo do casaco do terno, começou a falar: – Meus caríssimos. Finalmente. O destino deu as cartas. E ele sempre dá as cartas certas, não é mesmo? Hehehe. Ele tava rindo até de injeção na testa. Continuou: – Nesta sala, hoje, estamos dando um grande passo na história do rock’n’roll. O boiolão gostava mesmo das grandiosidades. Devia estar tendo um orgasmo SenSoMind. – O Universo conspirou e nós estamos aqui agora reunidos nesse momento importantíssimo assinando um contrato que vai mudar a história do show-business. O Ra-tón nem conseguia olhar na minha cara, o Loló já tava mais pra lá do que prá cá. A Melzinha parecia um balão inflado pronto pra decolar e o BBC estava com a mesma cara de nada de sempre. A Melzinha não tava brigada com a banda? Pozé. Tava. Mas. Voltou mais uma vez. Não sei quanto tempo se passou e quanto blá-blá-blá foi jogado fora. Eu já não estava mais ali. Como sempre, em situações tensas e difíceis, minha mente criava

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asas e me levava de volta para algum lugar do passado que eu sempre recriava. Nizinha. Era uma vizinha nossa. Tinha uns dezessete anos. Eu, uns doze. Ela ficava lá tomando conta de mim, às vezes. Ela tirava os tênis e me pedia pra fazer massagem nos pezinhos dela. Eles eram bem pequeninhos e branquinhos. Ela pintava as unhas de rosa-choque. Era lindo demais. Depois, ela me mandava cheirar os pezinhos dela. Eu me fazia de enojado, mas adorava cheirar aqueles pezinhos. A gente passava horas assim. Ela que me ensinou a gostar de pezinhos femininos. Era tão doce. Primeiro ela me deixava um tempão só cheirando os pezinhos dela, que eram tão suaves. Depois ela me mandava beijá-los. E eu adorava beijá-los. Depois ela fazia um suspense. Eu nunca sabia se ela ia me fazer gozar ou não. Às vezes ela fazia, às vezes não. E eu não podia pedir. Se eu pedisse ela se fazia de ofendida e colocava os pezinhos deliciosos de volta nos tênis e saía fora. Eu nunca contei nada disso pra ninguém, porque não queria que ela parasse de ir na minha casa. Se eu não pedisse e aguentasse calado, ela vinha descendo com os pezinhos pelo meu peito impúbere e esfregava-os no meu pinto, que ficava mais duro do que aço. Então ela abria o zíper da minha calça, colocava o meu pintinho duro pra fora e ficava esfregando os pezinhos nele até que eu não podia suportar mais aquela tortura deliciosa e explodia nos dedinhos do pezinho dela. Eu não podia ajudar com a mão, tinha que gozar sozinho, só com os pezinhos dela. Quando voltei pra realidade, os asiáticos ainda estavam rindo e as luzes se apagaram. Na parede do fundo da sala, que virou um telão, um vídeo começou a rolar. Era um vídeo fodástico também, lembrava aquele lá da Papuda. Hiperqualidade de som e imagem, aqueles trem todos. Curiosamente, o vídeo era sobre a minha pessoa. Só que melhorado. Supermelhorado. Na verdade, eu levei até um tempo para descobrir que era de mim que eles estavam falando. Começava

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com aquelas mesmas cenas manjadas, do assassinato do John. Uma trilha sonora com um pot-pourri dos Beatles. Depois entrava uma voz solene, tipo daqueles noticiários antigos dizendo algo do tipo: – DIA 8 DE DEZEMBRO DE 1980. NOVA YORK. 23 HORAS E QUARENTA E CINCO MINUTOS. NO HOSPITAL ST LUKES ROSEVELT, NO NÚMERO 1000 DA 10ª AVENIDA, JOHN LENNON, O MAIOR ÍDOLO DO ROCK DOS ANOS 60 E UM DOS MAIORES ÍCONES CULTURAIS DE TODOS OS TEMPOS FOI CONSIDERADO MORTO. FOI ASSASSINADO FRIAMENTE POR JAMAIS TER ABANDONADO OS SEUS IDEAIS LIBERTÁRIOS.

Huuummm? – NAQUELE MESMO HOSPITAL, NAQUELE MESMO DIA, NAQUELA MESMA HORA, UM MILAGRE ESTAVA ACONTECENDO. UM MENINO ESTAVA NASCENDO. SUA MÃE, UMA CANTORA DE BLUES BRASILEIRA ESTAVA VIVENDO E FAZENDO SUCESSO NOS BARES UNDERGROUND DO VILLAGE, EM NOVA YORK.

Cantora de blues? Fazendo sucesso? Agora a trilha era Janis Joplin. Karaka, como os caras podiam ter tanta grana e ter feito algo tão imbecil e óbvio? – SEU PAI ERA UM HERÓI EM SEU PAÍS. LUTOU CONTRA A TIRANIA ARGENTINA E TEVE QUE SE REFUGIAR NOS EUA.

Karaka, que mierda. Herói? Huahuahua. E eles tinham até aquela foto do meu pai, a única que a minha mãe guardou. Nós três, eu bem bebezinho, no Central Park, cheios de casacos e cachecóis. Na trilha rolava samba, tango, música folclórica latino-americana. Uma das coisas mais amadoras que eu já havia visto na vida até então. Era surpreendente a diferença entre a qualidade técnica, som,

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imagem, esses trem, e o conteúdo, que além de mentiroso e picareta, era de uma mediocridade revoltante. Os caras tavam cagando pro conteúdo mesmo. – UM MENINO QUE JÁ NASCEU ESCOLHIDO PARA MARCAR A HISTÓRIA DO ROCK. SEU NOME, INESQUECÍVEL, DADO PELO PAI: JUAN LENO MONTONERO KEMPES. OU COMO FICOU CONHECIDO: JUAN LMK.

Aqui a trilha mudou. Entrou Instant Karma, do John. Karaka. Naquele momento pensei que meu pai só tinha existido na minha vida pra me dar aquele nome imbecil. “Instant Karma gonna get you. Gonna knock you right on the head”… – JUAN LENO EM HOMENAGEM AO ÍDOLO QUE MORRIA. MONTONERO, EM HOMENAGEM AO GRUPO LIBERTÁRIO AO LADO DO QUAL ELE HAVIA LUTADO BRAVAMENTE CONTRA A OPRESSÃO POLÍTICA EM SEU PAÍS. E KEMPES EM HOMENAGEM AO JOGADOR MÁRIO KEMPES, ARTILHEIRO E HERÓI DA SELEÇÃO ARGENTINA NA COPA DE 1978. MAS OS VENTOS DO DESTINO SOPRARAM E OS PAIS DE JUAN NÃO PUDERAM PERMANECER JUNTOS APESAR DO GRANDE AMOR QUE SENTIAM UM PELO OUTRO.

Os caras tinham o talento pra escrever de um roteirista de novela mexicana viciado em necrofilia. – QUIS A VIDA QUE A MÃE DE JUAN VOLTASSE PARA BRASÍLIA, QUE NA ÉPOCA ERA O BERÇO DO MAIS IMPORTANTE MOVIMENTO MUSICAL ACONTECIDO NO BRASIL NO SÉCULO XX: O ROCK DE BRASÍLIA.

Karaka. Era um roteirista de novela mexicana viciado em necrofilia depois de um porre escatológico de Tequila.

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Entrou Geração Coca-Cola. Depois Psicopata. Essa até que era bem apropriada para a ocasião. “Sempre assisto a Rede Globo com uma arma na mão.” – JUAN CRESCEU ENTRE OS MÚSICOS GENIAIS DAQUELA GERAÇÃO. SEU DNA MUSICAL ESTÁ IMPREGNADO DO SOM DO LEGIÃO URBANA E DO CAPITAL INICIAL, AS MAIORES BANDAS DO ROCK BRASILEIRO DE TODOS OS TEMPOS.

Eu queria ser um homem bomba ou qualquer coisa assim, mas naquela altura do campeonato, eu já era um homem morto. Os chineses, que escutavam tudo em tradução simultânea nos seus i-magePhones, continuavam rindo. Dizer que o sorriso deles era amarelo seria perpetrar um paralelepípedo do óbvio imperdoável. Mas a verdade é que “amarelo” era a melhor definição para aquele sorriso triste, enfadonho, calculado. Do que aqueles comunas de mierda disfarçados de capitalistas de mierda estavam rindo? Só podia ser da minha cara de panaca. Ou então aquela era a única cara que eles tinham para ocasiões como aquela. Acho que eles não compravam os seus sorrisos no mesmo fornecedor que o Bhardian e o Dr. Oliver Leverkünd. Deviam comprá-los na feira do Paraguai. – JUAN CRESCEU ASSISTIDO DE PERTO PELA MÃE E A DISTÂNCIA PELO PAI, QUE APESAR DO SOFRIMENTO POR TER DE ABANDONAR A FAMÍLIA, TIVERA QUE RESPONDER AO CHAMADO E VOLTAR PARA O BOM COMBATE EM SUA PÁTRIA. DESDE MUITO JOVEM, JUAN TOCOU E FOI FUNDADOR DE DIVERSOS GRUPOS QUE SE DESTACARAM NO CENÁRIO MUSICAL EXTREMAMENTE COMPETITIVO DO ROCK DE BRASÍLIA.

Entrou Robôs &Remédios:

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Ele cansou de lutar contra o tédio. Se afogou no vidro do remédio.

Como eles conseguiriam transformar aquela sandice em algo “construtivo e positivo” pra vender na China? – EM 2001, JUNTAMENTE COM ALGUNS COLABORADORES, JUAN LMK FUNDOU OS “PARALELEPÍPEDOS DO ÓBVIO”, UM DOS GRUPOS MAIS IMPORTANTES DE SUA GERAÇÃO.

Foi em 2000. Colaboradores? Olhei pra cara dos caras da banda, mas eles estavam completamente absortos pelo videozinho sem vergonha. Parecia que era outra banda. Parecia que não estavam falando sobre a gente. Entrou a batera da introdução de Minotauro Miniatura. O som estava incrível, os caras remixaram a nossa gravação e fizeram uma nova masterização phoda. Dava vontade de levantar da cadeira e pogar imediatamente. Tutum tutátutum tutá tutátátum tu tá.

Tua mente explode Ninguém mais te atura O galope é violento Minotauro miniatura Teu país explode Ninguém mais atura Golpe no pensamento Violência pura Minotauro miniatura Minotauro miniatura.

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– COM ESTRONDOSOS SUCESSOS COMO: RESÓLVER, DE 2002; MORFINALMENTE, DE 2003; MINOTAURO MINIATURA, DE 2004; PIROMANIA PRECOCE, DE 2007 E PARANOIA AQUARIANA, DE 2010, OS PARALELEPÍPEDOS DO ÓBVIO DE JUAN LMK ESCREVERAM DEFINITIVAMENTE O SEU NOME NO GRANITO DO ROCK BRASILEIRO COMO UMA DAS MAIORES BANDAS DE TODOS OS TEMPOS. GRANITO. KARAKA.

De repente, algo muito estranho aconteceu: O locutor do vídeo apareceu falando ao meu lado, na sala. Que porra era aquela? Mais um truquezinho tecnológico? – HOJE JUAN LMK E OS MÚSICOS DE SUA BANDA ESTÃO AQUI NA SEDE DA MANGODCORP EM BRASÍLIA, NO BRASIL, ASSINANDO O CONTRATO QUE VAI FAZER JUSTIÇA E LEVAR O SEU INCRÍVEL TALENTO PARA TODO O MUNDO.

Um zilhão de holofotes se acendeu e flashes pipocaram por todos os lados. Sim, o locutor estava do meu lado mesmo. Nós estávamos on-line ao vivo e a cores nas principais redes e meios de comunicação do mundo inteiro. Todos levantaram imediatamente, a sala estava cheia de gente, repórteres, gente do vídeo, da internet, advogados. Os chineses continuavam rindo. Quando eu vi, já estava com uma caneta na mão, uma gostosa fodástica a tiracolo e o contrato na minha frente, Bardian, ou melhor, Bhardian de um lado, um chinês de outro, e aquele monte de holofotes. Cadê os caras da banda? Sumiram. Eu só via os chineses, que continuavam rindo. Todos olhavam pra mim, esperando o momento da assinatura pra iniciar o massacre de mídia que Bhardian havia prometido.

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