O Processamento Cerâmico sem Mistério

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1 Introdução

2 Breve histórico

3 Cerâmicas tradicionais

5 Vidros e vitrocerâmicos

6 C

M

Y

CM

MY

Formulação cerâmica e diagramas de equilíbrio

7 Técnicas de caracterização

CY

8

CMY

Processamento

K

O advento da ciência dos materiais e o desenvolvimento de novas tecnologias permitiram que os produtos cerâmicos fossem inseridos nos mais diversos setores da indústria, além das já tradicionais aplicações domésticas (jarras, canecas, pratos etc.) e da construção civil (telhas, tijolos, manilhas, revestimentos, pias etc.). Porém, continuam a ser produzidos de acordo com os mesmos princípios dos produtos feitos há mais de 10.000 anos, sendo assim, considerada a mais antiga das indústrias. Desse modo, este livro foi elaborado com o objetivo de trazer os conceitos fundamentais envolvidos nas diversas etapas do processamento cerâmico de maneira que possa qualificar engenheiros químicos, engenheiros de materiais, químicos e ceramistas com informações claras e objetivas.

9 Processamento de vidros

10 Tratamento térmico

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O PROCESSAMENTO CERÂMICO SEM MISTÉRIO

4 Cerâmicas avançadas

O processamento cerâmico pode ser definido como o conjunto de operações pelas quais, a partir de um ou mais materiais de partida, se obtêm peças com forma e estrutura desejadas.

SETZ | DA SILVA

CONTEÚDO

LUIZ FERNANDO GRESPAN SETZ Doutor em Tecnologia Nuclear/Materiais pela Universidade de São Paulo (USP, 2009), com período de estágio no exterior realizado no Instituto de Cerámica y Vidrio (Espanha). Engenheiro de materiais formado pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (2001), com mestrado em Tecnologia Nuclear/Materiais pela USP (2005). Possui experiência na área de engenharia de materiais, atuando principalmente em síntese e processamento de materiais cerâmicos, química de superfície e de coloides e reologia. Atualmente, é professor do curso de graduação em Engenharia de Materiais da Universidade Federal do ABC (UFABC) e membro do conselho diretor da Associação Brasileira de Cerâmica (ABCeram).

ANTONIO CARLOS DA SILVA

O PROCESSAMENTO CERÂMICO SEM MISTÉRIO LUIZ FERNANDO GRESPAN SETZ ANTONIO CARLOS DA SILVA

Doutor em Tecnologia Nuclear/Materiais pela Universidade de São Paulo (USP, 2008), com período de estágio no exterior realizado no Instituto de Cerámica y Vidrio (Espanha). Engenheiro químico formado pela Faculdade Oswaldo Cruz (1992), com mestrado em Tecnologia Nuclear/Materiais pela USP (2004). Possui experiência na área de engenharia de materiais, atuando principalmente em estudos da estrutura de vidros, cinética de dissolução e fenômenos de transporte em vidros, incorporação de metais em materiais vítreos, biovidros, biocompósitos cerâmicos, processamento de biomateriais, vidros biocidas, processamento e inertização de resíduos industriais perigosos. É detentor de diversos prêmios pela qualidade de seu trabalho de pesquisa, e, atualmente, é pesquisador agregado do Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares, além de professor de Engenharia e Negócios e pesquisador e consultor da empresa Consulmat Produtos Técnicos Indústria e Comércio Ltda.


Luiz Fernando Grespan Setz Antonio Carlos da Silva

O PROCESSAMENTO CERÂMICO SEM MISTÉRIO

Reinaldo Azevedo Vargas Colaborador

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O processamento cerâmico sem mistério © 2019 Luiz Fernando Grespan Setz e Antonio Carlos da Silva Editora Edgard Blücher Ltda.

Imagem da capa: iStockphoto

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Angélica Ilacqua CRB-8/7057

Rua Pedroso Alvarenga, 1245, 4o andar 04531-934 – São Paulo – SP – Brasil Tel.: 55 11 3078-5366 contato@blucher.com.br

Setz, Luiz Fernando Grespan

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São Paulo : Blucher, 2019.

O processamento cerâmico sem mistério / Luiz Fernando Grespan Setz, Antonio Carlos da Silva; colaboração de Reinaldo Azevedo Vargas. – 256 p. : il.

Bibliografia Segundo o Novo Acordo Ortográfico, conforme 5. ed. do Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, Academia Brasileira de Letras, março de 2009.

ISBN 978-85-212-1447-2 (impresso) ISBN 978-85-212-1448-9 (e-book)

1. Cerâmica 2. Cerâmica – Indústria 3. Material cerâmico 4. Cerâmica (Tecnologia) I. Título. II. Antonio Carlos da Silva. III. Vargas, Reinaldo Azevedo. É proibida a reprodução total ou parcial por quaisquer meios sem autorização escrita da editora. Todos os direitos reservados pela Editora Edgard Blücher Ltda.

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CDD 666 Índice para catálogo sistemático:

1. Cerâmica

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CONTEÚDO

1. INTRODUÇÃO

15

2. BREVE HISTÓRICO

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Classificação

20

Referências

22

3. CERÂMICAS TRADICIONAIS

23

23

Matérias-primas naturais

Referências

29

4. CERÂMICAS AVANÇADAS

31

Matérias-primas sintéticas

31

Técnicas de síntese de materiais cerâmicos

36

Referências

41

5. VIDROS E VITROCERÂMICOS

43

Tipos de vidros

46

Formação e estrutura dos vidros silicatos

48

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O processamento cerâmico sem mistério

Obtenção de vidros silicatos

62

Vitrocerâmicos

76

81

Propriedades dos materiais vitrocerâmicos

Referências

82

6. FORMULAÇÃO CERÂMICA E DIAGRAMAS DE EQUILÍBRIO 85

Preparação da massa

85

Formulação de cerâmicas e vidros

86

Introdução aos diagramas de fases

86

Diagramas ternários e multicomponentes

103

Cálculo de composição para cerâmicas e vidros

121

Referências

129

7. TÉCNICAS DE CARACTERIZAÇÃO

131

Microscopia eletrônica de varredura (MEV)

131

Difração de raios X (DRX)

135

Área de superfície específica (BET)

136

Distribuição de tamanho de partículas

137

Análise térmica diferencial (ATD)

145

Análise calorimétrica exploratória diferencial (DSC)

147

Análise termogravimétrica (ATG)

148

Referências

149

8. PROCESSAMENTO

151

Preparação das matérias-primas (cominuição)

151

Processos de conformação

158

Referências

195

9. PROCESSAMENTO DE VIDROS

199

200

Técnicas de conformação

Referências

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225

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13

Conteúdo

10. TRATAMENTO TÉRMICO

227

227

Processos de pré-sinterização

Sinterização

231

Microestrutura

241

Referências

245

ANEXOS 246 SOBRE OS AUTORES

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CAPÍTULO 1 Introdução

O conjunto de atividades relacionadas com a obtenção de um produto cerâmico qualquer é denominado processamento cerâmico. Os componentes gerados desde os primórdios da civilização e ao longo dos séculos evoluíram, assim como as técnicas de produção, ainda que os princípios permaneçam os mesmos. O avanço tecnológico, bem como o desenvolvimento de novos materiais, tem possibilitado a inserção de componentes cerâmicos nos mais diversos setores da indústria; além de nos tradicionais materiais utilizados na construção civil (telhas, tijolos, manilhas, revestimentos etc.), também têm sido usados em componentes aeroespaciais, próteses ortopédicas, ferramentas de corte, aplicações eletrônicas, sensores, componentes para geração de energia (células a combustível), entre outros. O desenvolvimento de novas técnicas de conformação, assim como o conhecimento e o aperfeiçoamento das técnicas tradicionalmente utilizadas, é de suma importância para a obtenção de produtos íntegros. E, assim, este livro foi elaborado com o objetivo de destacar de maneira clara e objetiva os conceitos fundamentais envolvidos nas diversas etapas do processamento cerâmico.

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CAPÍTULO 2 Breve histórico

A palavra cerâmica tem origem na palavra grega keramos (κέραμος), e significa “sólido queimado”. A atividade cerâmica é bastante antiga, e as primeiras peças conformadas remontam ao final do Período Neolítico (de 26000 a.C.-5000 a.C.). No Japão foram encontradas peças com cerca de 8 mil anos. Desde então, a habilidade de manufaturar peças cerâmicas se espalhou pelo mundo [1]. À medida que as civilizações foram evoluindo, surgiu a necessidade de armazenar água e mantimentos; assim, tendo o barro à disposição, um material que com uma pequena quantidade de água adquire plasticidade e pode ser moldado nas mais variadas formas, ele começou a ser utilizado. A partir desse momento teve início o processamento dos materiais cerâmicos. Pode-se dizer que, no instante em que o homem passou a utilizar o fogo para endurecer as peças de barro conformadas, ainda que não se saiba exatamente a maneira como esse processo ocorreu, nasceu a indústria cerâmica. A despeito de todos os processos de fabricação serem artesanais, ela é considerada a mais antiga das indústrias [2]. Na China e no Egito há registros da utilização de cerâmica há mais de 5 mil anos. Em tumbas de faraós do antigo Egito, vários vasos de cerâmica eram usados para armazenar vinho, óleos e perfumes para fins religiosos (Figura 2.1). Porém um dos maiores exemplos na arte da manufatura cerâmica é representado pelo Exército de Terracota (Figura 2.2). Ele foi descoberto em 1974 perto de Xian (China), durante trabalhos em canais de irrigação, e consiste em mais de 7 mil estátuas de guerreiros, cavalos e até carruagens em tamanho natural. Quando foi descoberto, o exército, que fazia parte do mausoléu do imperador Qin Shi Huang (260 a.C.-210 a.C.), estava

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disposto em formação completa de batalha, e incluía a linha de infantaria, arqueiros ajoelhados e carroças com seus cavalos e condutores. Meticulosamente construídas, as estátuas possuem diferentes formas, expressões faciais e cortes de cabelo. O termo terracota é empregado para designar argilas modeladas e cozidas em forno [3].

Figura 2.1 Vasos egípcios. Fonte: Metropolitan Museum of Art, Wikimedia Commons.

Figura 2.2 Componentes do Exército de Terracota. Fonte: iStockphoto.

No Brasil, há vestígios de cerâmicas primitivas na região amazônica que datam de apro­ximadamente 1.600 a.C., assim como de cerâmicas na Ilha de Marajó (400-1.300 d.C.) (Figura 2.3). As cerâmicas marajoaras, entretanto, eram elaboradas, indicando uma especialização artesanal a partir de diversas técnicas, como raspagem e pintura. Mesmo desconhecendo o torno (que será explicado mais adiante) e operando com instrumentos rudimentares, as cerâmicas produzidas pelas civilizações marajoaras

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CAPÍTULO 3 Cerâmicas tradicionais

As cerâmicas tradicionais englobam os produtos utilizados no dia a dia que são produzidos de acordo com os mesmos princípios aplicados a produtos feitos há mais de 10 mil anos. Ainda que os processos de fabricação tenham sido aperfeiçoados, as peças continuam a ser produzidas com matérias-primas naturais, ou seja, extraídas da natureza, conformadas, queimadas (sinterizadas) e assim utilizadas. Algumas das matérias-primas empregadas nesses tipos de produtos são apresentadas a seguir.

MATÉRIAS-PRIMAS NATURAIS Agalmatólito: trata-se, geralmente, de uma rocha mole e inerte, de granulometria fina. É constituído principalmente por dois filossilicatos de alumínio, a pirofilita (Al2O3.4SiO2.H2O) e a moscovita (K 2O.3Al2O3.6SiO2.2H2O), em associação com minerais como: sericita, quartzo, cianita, andaluzita, diásporo e feldspato [1]. Os agalmatólitos contendo pirofilita, diásporo e cianita caracterizam os tipos mais refratários, e aqueles contendo sericita ou mica moscovita finamente dividida, os de ponto de fusão mais baixo. É utilizado na fabricação de fritas, esmaltes (vidrados), tintas serigráficas e na composição de algumas massas. Andaluzita, cianita, silimanita: os três silicatos de alumínio possuem a mesma fórmula química, Al2SiO5, tendo um teor teórico de 62,7% de óxido de alumínio e de 37,3% de sílica; diferenciam-se uns dos outros pela estrutura cristalina e pelo comportamento térmico. Suas aplicações envolvem a fabricação de refratários aluminosos e também a produção de alguns tipos de porcelana.

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Argila: material natural de textura terrosa e granulação fina constituída essencialmente de argilominerais. Pode conter outros minerais que não são argilominerais (quartzo, mica, pirita, hematita etc.), matéria orgânica e outras impurezas. Os argilominerais são os minerais característicos das argilas; quimicamente são silicatos de alumínio ou de magnésio hidratados, podendo conter também outros elementos, como ferro, potássio, lítio, entre outros [2]. Devido aos argilominerais, as argilas, na presença de água, desenvolvem propriedades como plasticidade, resistência mecânica à umidade, excelente compactação e tixotropia, o que explica a sua grande variedade de aplicações tecnológicas. Os principais grupos de argilominerais são os de caulinita, ilita e esmectita ou montmorillonita. O que diferencia esses argilominerais uns dos outros é basicamente o tipo de estrutura que possuem e as substituições que neles podem ocorrer. Principalmente as substituições do alumínio por magnésio ou ferro e do silício por alumínio ou ferro. Em consequência dessas substituições, pode haver um desequilíbrio de cargas na estrutura cuja neutralização irá ocorrer na presença de íons distintos, como sódio, cálcio e potássio. Isso implica diferenças nas características de interesse para as diversas aplicações tecnológicas [3]. As argilas constituídas essencialmente pelo argilomineral caulinita, em que praticamente não há substituição, são as mais refratárias, pois são formadas essencialmente por sílica (SiO2) e alumina (Al2O3), enquanto as outras, devido à presença de potássio e ferro, por exemplo, têm a refratariedade sensivelmente reduzida. A presença de outros minerais – muitas vezes considerados impurezas – pode afetar substancialmente as características de uma argila para uma dada aplicação, havendo, portanto, a necessidade de sua remoção por processos físicos, denominados beneficiamento [2-4]. Devido às possibilidades de utilização – influenciadas por gênese e composição mineralógica –, por vezes as argilas recebem designações como: caulins, bentonitas, argilas refratárias, flint-clays e ball clays. As argilas apresentam uma enorme gama de aplicações, tanto na área de cerâmica quanto em outras áreas tecnológicas. Pode-se dizer que, em quase todos os segmentos de cerâmica tradicional, a argila constitui total ou parcialmente a composição das massas. De modo geral, as argilas que são mais adequadas à fabricação dos produtos em cerâmica vermelha apresentam em sua composição os argilominerais ilita, de camadas mistas ilita-montmorillonita e clorita-montmorillonita, além da caulinita e de pequenos teores de montmorillonita e compostos de ferro. As argilas para materiais refratários são essencialmente cauliníticas, e devem apresentar baixos teores de compostos alcalinos, alcalinoterrosos e ferro; alguns tipos ainda podem conter gibbsita (Al2O3.3H2O) [4]. As argilas para cerâmica branca são semelhantes àquelas empregadas na indústria de refratários, sendo que, para algumas aplicações, a maior restrição é a presença de ferro devido a sua coloração. Para outras, dependendo do tipo de massa, além do ferro há uma restrição à gibbsita. No caso de materiais de revestimento, são empregadas argilas semelhantes àquelas utilizadas na produção de cerâmica vermelha ou às argilas empregadas na produção de cerâmica branca e materiais refratários [2-4].

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CAPÍTULO 4 Cerâmicas avançadas (Colaboração de Reinaldo Azevedo Vargas)

Este grupo cerâmico, também bastante amplo, engloba produtos que podem ser utilizados diretamente em produtos acabados ou podem ser parte fundamental de um conjunto. Bons exemplos de cerâmicas avançadas são: implantes médicos, aparelhos eletrônicos, sensores diversos, ferramentas de corte, velas de ignição, entre outros. As matérias-primas para as cerâmicas avançadas podem ser obtidas por meio de processos de transformação físicos ou químicos das matérias-primas naturais, ou então por rotas de síntese a partir de reagentes sintéticos. Algumas dessas matérias-primas são apresentadas a seguir.

MATÉRIAS-PRIMAS SINTÉTICAS Alumina: “alumina” é um termo químico específico para definir o óxido de alumínio (Al2O3). Na prática comercial, porém, existe uma grande variedade de tipos de alumina, como a calcinada, a baixa soda, a hidratada, a gama, a tabular, a eletrofundida, entre outras [1]. A base para a produção dessas aluminas é, principalmente, o processo Bayer, que consiste em: • tratamento da bauxita com hidróxido de sódio em tanques pressurizados e aquecidos a 145 °C (digestores), que resulta em uma solução de aluminato de sódio e uma lama vermelha insolúvel em que se concentram as impurezas; • decantação e filtração da lama vermelha;

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• nucleação e resfriamento da solução de aluminato de sódio com cristais de gibbsita, que gera a gibbsita (Al2O3.3H2O); • calcinação da gibbsita, em fornos rotativos, à temperatura de aproximadamente 1.000 °C para obtenção da alumina. Essa alumina é constituída de óxido de alumínio alfa, algumas fases de transição e um pouco de gibbsita; sua aplicação em cerâmica, porém, é restrita. Grande parte da alumina produzida pelo processo Bayer é destinada à produção de alumínio metálico. Alumina calcinada para cerâmica: para a produção de alumina para cerâmica é necessário fazer algumas modificações no processo Bayer e no tratamento térmico, visando principalmente reduzir o teor de Na2O e controlar o tamanho e a forma dos cristais que têm influência sobre as propriedades finais dos produtos cerâmicos. Desse modo, podem-se obter inúmeras variedades de Al2O3 com características e usos distintos. A alumina é empregada na fabricação de refratários, fibras cerâmicas e inúmeras cerâmicas técnicas, como: isoladores elétricos de porcelanas, placas para revestimento de moinhos e silos, elementos de moagem (esferas e cilindros), guia-fios para a indústria têxtil, camisas e pistões de bombas, bicos de pulverização agrícola, tubos de proteção de termopar, selos mecânicos, parte cerâmica da vela de ignição, substratos para microeletrônica, entre outros [1]. No caso de aplicações que exijam aluminas isentas de impurezas, granulometria extremamente fina e tamanho e forma de grãos rigorosamente controlados, utilizam-se outras aluminas, obtidas por processos químicos não convencionais. Alguns exemplos de aplicações são: tubos de alumina translúcida para lâmpada de vapor de sódio, peças para implantes etc. Alumina eletrofundida branca (óxido de alumínio eletrofundido branco): o processo de fabricação desta alumina assemelha-se ao de fabricação do óxido de alumínio eletrofundido a partir da bauxita; eles diferem apenas quanto às matérias-primas utilizadas e pelo fato de não haver redução do alumínio durante a eletrofusão. Neste caso, emprega-se como matéria-prima apenas a alumina. Em algumas situações são adicionados à alumina pequenos teores de óxido de cromo. É utilizada nas indústrias de abrasivos e de refratários e em algumas massas de porcelana em substituição ao quartzo [1]. Alumina eletrofundida marrom (óxido de alumínio eletrofundido marrom): a matéria-prima principal desta alumina é a bauxita calcinada, que, ao ser misturada ao coque de petróleo, à ilmenita e ao cavaco de ferro, sofre um processo de fusão em fornos elétricos especiais, formando blocos do produto desejado após o resfriamento. Durante o processo de eletrofusão, os óxidos metálicos contidos na carga, com exceção do óxido de alumínio, são reduzidos a metais elementares pelo carbono. Quando o ferro é adicionado à carga, há formação de ligas que, por serem mais densas que a alumina fundida, vão se depositando no fundo do forno. A principal liga formada é o ferrossilício.

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CAPÍTULO 5 Vidros e vitrocerâmicos

O vidro existe em sua forma natural desde que a crosta terrestre se consolidou como resultado principalmente do resfriamento do líquido magmático expelido por incontáveis vulcões. O homem pré-histórico soube tirar proveito desse material em sua forma natural para a produção de utensílios e adornos. O vidro, portanto, faz parte da história da civilização desde seus primórdios, estando entranhado tanto nas manifestações artísticas quanto nos mais diversos desenvolvimentos tecnológicos, das pontas de lanças pré-históricas até os dispositivos mais avançados e sofisticados que surgem a cada dia. A produção e o processamento de vidros provavelmente foram descobertos ao acaso, como descrevem inúmeras lendas acerca do tema. Segundo elas, o processo teria sido o resultado de fogueiras feitas em locais em que, por algum motivo, ocorreu a mistura de areias (silicatos de rochas) e minerais de metais alcalinos. Contudo, a despeito da possibilidade de obter vidros de forma tão rudimentar, somente civilizações que já dominavam tecnologias em cerâmica e/ou metalurgia lograram desenvolver a técnica para produzir vidros. O uso de fornos e de algum tipo incipiente de cadinho tornou possível fundir massas vítreas a temperaturas que podem ter atingido o patamar de 1.500 °C, ainda que tais vidros primitivos provavelmente tenham sido obtidos a temperaturas sensivelmente menores, de acordo com a composição utilizada (por exemplo, composições ricas em alcalinos). Foram os povos fenício e egípcio que primeiramente demonstraram possuir essa tecnologia para a produção e o processamento do vidro, como testemunham os achados de artefatos arqueológicos feitos desse material. Seja como for, atribui-se aos egípcios o desenvolvimento da técnica de sopro,

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ocorrido por volta de 1400 a.C. Nesse estágio, de forma geral, a tecnologia disponível ainda limitava o uso do vidro à produção de pequenos objetos artísticos e decorativos, situação que se alterou por volta de 100 a.C., com a melhoria do processo tecnológico pelos romanos. O resultado foi o aperfeiçoamento da técnica de sopro com o uso de moldes, o que permitiu algum grau de padronização e reprodução das características dos produtos obtidos, algo essencial aos processos industriais futuros e que passou a permitir a difusão do vidro na fabricação de artefatos de uso utilitário. Além de passarem a fabricar o vidro em quantidades maiores, os romanos também desenvolveram a tecnologia de fabricação de uma ampla gama de vidros coloridos. Como resultado, os artefatos de vidro adquiriram uma importância econômica tal que o imperador Constantino instituiu impostos e outras taxas sobre a fabricação destes. O surgimento do vidro plano, por volta de 500 a 600 d.C., ainda se embasava na técnica de sopro. Posteriormente, a massa vítrea fundida passou a ser submetida à rotação com controle de resfriamento, resultando na formação de discos de vidro plano mais ou menos uniformes que permitiam o corte em peças de pequenas dimensões (cerca de 10 cm a 20 cm comprimento). Somente com a introdução da técnica de laminação para a obtenção do vidro plano é que foi viabilizada a produção de peças de maiores dimensões. Mais tarde, com a mecanização das técnicas a partir do século XX, foi introduzido o processo de vidro estirado, e, finalmente, o processo de flutuação em estanho fundido (float), o que resultou em uma significativa melhora na qualidade das placas de vidro. A multiplicidade de processos de conformação de vidros disponíveis atualmente é impressionante. Contudo, em essência, praticamente todos eles derivam, de alguma forma, dos processos consolidados ao longo dos séculos e, por que não dizer, milênios. Muitos dos procedimentos em processamento de vidros permanecem essencialmente similares uns aos outros ao longo da história, sendo a eles acrescidas novas tecnologias para a melhoria de processo. Usualmente, o vidro é apresentado como um material que pode ser obtido a partir da fusão de uma mistura de areia (sílica), barrilha, calcário, dolomita, feldspato, sulfato de sódio e, não raro, caco de vidro reciclado. Essa é uma visão por demais simplista, pois, além do processo de fusão, o vidro também pode ser obtido por meio de um processo de sol-gel (o qual não abordaremos aqui) e a partir de uma infinidade de composições normalmente calculadas em óxidos (SiO2, Al2O3, CaO, Na2O etc.), cada qual com uma função específica no arranjo estrutural desse material, conforme trataremos adiante. Justamente por permitir grandes variações em sua composição química, o vidro é um material facilmente adaptável a uma infinidade de usos e de grande versatilidade. A definição do que consiste um vidro sob o enfoque da ciência e da engenharia de materiais é motivo de discussão antiga, que permanece, todavia, em aberto. A definição mais aceita é a de que o vidro é um material formado por um líquido submetido a um super-resfriamento e que se solidifica sem formar uma organização estrutural do tipo cristalina. Tal fenômeno se deveria, em grande parte, à alta viscosidade alcançada por esse líquido durante o resfriamento (na ordem de 1020 dPa⋅s). O vidro pode ser considerado um material amorfo, mas não é de fato um material completamente

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CAPÍTULO 6 Formulação cerâmica e diagramas de equilíbrio

PREPARAÇÃO DA MASSA Os materiais cerâmicos geralmente são fabricados a partir da composição de duas ou mais matérias-primas, além de aditivos e água, ou outro meio. Mesmo no caso da cerâmica vermelha, para a qual se utiliza apenas a argila como matéria-prima, dois ou mais tipos de argilas com características diferentes entram em sua composição. Raramente emprega-se apenas uma única matéria-prima. Dessa forma, uma das etapas fundamentais do processo de fabricação de produtos cerâmicos é a dosagem das matérias-primas e dos aditivos, que deve seguir com rigor as formulações previamente estabelecidas de massas. Os diferentes tipos de massas são preparados de acordo com a técnica a ser empregada para dar forma às peças. De modo geral, as massas podem ser classificadas em: • suspensões: também chamadas barbotinas, são usadas na obtenção de peças em moldes de gesso ou resinas porosas; • massas secas ou semissecas: usadas na forma granulada para a obtenção de peças por prensagem; • massas plásticas: usadas na obtenção de peças por extrusão seguida ou não de torneamento ou prensagem. A proporção das matérias-primas para a fabricação dos diversos componentes cerâmicos pode ser facilmente obtida e calculada por meio de diagramas de equilíbrios. Os conceitos básicos para uma adequada compreensão e para a formulação são apresentados neste capítulo.

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FORMULAÇÃO DE CERÂMICAS E VIDROS O ponto fundamental na produção de qualquer material cerâmico ou vítreo é a dosagem das matérias-primas. Mesmo o artesão que utiliza diretamente uma argila natural sabe onde buscá-la para que tenha a combinação de minerais propícia para que o produto final possua determinada propriedade. Ainda que nada mais se acrescente a ela, isso denota uma formulação instintiva. Contudo, em processos industriais, encontrar uma matéria-prima única capaz de fornecer todos os óxidos e fases minerais necessários e ainda nas proporções corretas torna-se algo digno de ser classificado como “graça divina”, com a qual não se pode contar. Combinar matérias-primas, mesmo com ajuda de cálculos complexos, é apenas parte da arte da formulação. Sabidamente, processos a altas temperaturas como aqueles em que os materiais cerâmicos são em geral obtidos resultam em transformações físicas, químicas e mineralógicas das matérias-primas; em essência, o próprio intento do processo é baseado nessas transformações. Embora por tradição sejam ainda amplamente utilizadas as formulações baseadas no uso de matérias-primas de determinada fonte, ajustadas ao processo pelo método empírico de tentativa e erro, não se pode projetar um corpo cerâmico sem o uso de diagramas de equilíbrio de fases, se o que se deseja é um mínimo de controle tecnológico sobre o produto final. Uma cerâmica ou um vidro, se formulados de maneira adequada, permitem o controle da qualidade percebida do produto final. O projeto da estrutura e as características de um bem proporcionados pelo conhecimento das matérias-primas permitem o ajuste do processo fabril independentemente de fornecedores, com ganhos diretos e indiretos no desempenho do produto, como custos de fabricação e percepção de valor pelo cliente. Inicialmente, abordaremos, de modo breve, os diagramas de equilíbrio de fase, para, a seguir, finalizar com a metodologia de cálculo de composição a partir de matérias-primas minerais.

INTRODUÇÃO AOS DIAGRAMAS DE FASES Por definição, um diagrama de equilíbrio de fases consiste na representação gráfica de fases e condições termodinâmicas de equilíbrio presentes em um dado sistema para determinadas condições de temperatura, pressão e composição química. Em outras palavras, é a ferramenta pela qual o ceramista ou o vidreiro poderá prever como os componentes das matérias-primas irão reagir e interagir durante o tratamento térmico e, mais tarde, como irão se organizar no material [1, 2]. Sumarizando, as informações que podem ser obtidas nos diagramas de equilíbrio de fases são: • seleção de matérias-primas e condições de síntese; • temperaturas de fusão de diferentes fases; • fases presentes em diferentes composições e temperaturas em condições de resfriamento lento (equilíbrio);

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CAPÍTULO 7 Técnicas de caracterização

A caracterização deve estar presente em todas as etapas do processamento. Seja para identificar a formação de uma determinada fase durante o processo de síntese, seja para identificar a distribuição dos tamanhos das partículas geradas após um processo de moagem, ela se faz necessária para garantir que o produto almejado possa ser obtido ao final do processo. Neste capítulo, serão apresentadas algumas técnicas e as informações que elas fornecem para que se tenha um adequado processamento cerâmico.

MICROSCOPIA ELETRÔNICA DE VARREDURA (MEV) O microscópio eletrônico de varredura é um equipamento versátil, capaz de produzir imagens de alta ampliação e que permite a obtenção de informações estruturais e químicas de amostras diversas. O princípio de funcionamento do MEV (Figura 7.1) consiste na emissão de feixes de elétrons por um filamento capilar, que pode ser de tungstênio ou hexaboreto de lantânio (LaB6) (eletrodo negativo), mediante a aplicação de uma diferença de potencial que pode variar de 0,5 kV a 30 kV. Essa variação de voltagem permite a variação da aceleração dos elétrons, e também provoca o aquecimento do filamento [1]. A parte positiva em relação ao filamento do microscópio (eletrodo positivo) atrai fortemente os elétrons gerados, resultando em uma aceleração em direção ao eletrodo positivo.

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Figura 7.1 Aspecto de um microscópio eletrônico de varredura acoplado a computador para aquisição de imagem.

A correção do percurso dos feixes é realizada pelas lentes condensadoras que alinham os feixes em direção à abertura da objetiva. A objetiva ajusta o foco dos feixes de elétrons (elétrons primários) antes de eles atingirem a amostra analisada. Ao atingir a superfície da amostra, o fino feixe de elétrons promove interações que podem ser [2]: • elétrons secundários (ES): são formados pela interação entre elétrons primários e os elétrons de valência (fracamente ligados) dos átomos da amostra. Seu espectro independe da energia dos elétrons incidentes (tensão de aceleração do feixe) e depende pouco do número atômico. Porém é fortemente dependente do ângulo entre o feixe incidente e a superfície da amostra devido ao fato de o volume excitado ser próximo da superfície; • elétrons retroespalhados (ER): são elétrons “refletidos” produzidos por eventos de espalhamento elástico que ocorrem em camadas superficiais. A imagem gerada por esses elétrons fornece informações sobre a topografia da amostra em função do contraste que apresentam e também imagem de composição pelo contraste dos números atômicos dos elementos presentes. Nos ER, quanto maior o número atômico do material, mais elétrons serão retroespalhados por átomos próximos da superfície com pouca perda de energia, sendo que o rendimento ou o espectro de energia e profundidade de escape dos ER está diretamente relacionado ao número atômico dos materiais; • elétrons transmitidos: sofrem espalhamento elástico (espalhamento de Rutherford), sendo, então, os responsáveis pela formação da imagem dos microscópios eletrônicos de transmissão (MET); • elétrons absorvidos: perdem toda a sua energia na amostra; portanto, geram uma corrente elétrica entre a amostra e o porta-amostra, que deverá ser aterrado para descarregá-la, garantindo a integridade da amostra e a qualidade das medidas;

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CAPÍTULO 8 Processamento

O processamento cerâmico define o conjunto de operações pelos quais se obtêm peças com forma e estrutura desejadas a partir de um ou mais materiais de partida. Em todas as etapas que possam existir no processamento – síntese, condicionamento, calcinação, conformação, secagem e sinterização – há a possibilidade de inserção de heterogeneidades no material, as quais, por sua vez, podem ser somadas às de cada uma das outras etapas até evoluírem para os defeitos e heterogeneidades microestruturais nos produtos finais, e inviabilizar a sua aplicação. É por isso que todas as etapas devem ser criteriosamente controladas [1]. De maneira bastante simplificada, e independentemente do produto fabricado, pode-se dizer que o processamento consiste basicamente em três etapas: preparação das matérias-primas (cominuição), conformação e tratamento térmico [2].

PREPARAÇÃO DAS MATÉRIAS-PRIMAS (COMINUIÇÃO) O termo cominuição é abrangente, e envolve toda e qualquer atividade que tenha como objetivo reduzir o tamanho final dos materiais. Isso pode ser feito por compressão, impacto ou abrasão. Mais especificamente, podemos dividir a cominuição em duas etapas: britagem e moagem. A diferença entre ambas é o tamanho final do material. Enquanto na britagem o tamanho máximo obtido é de aproximadamente 10,0 mm, o tamanho final máximo obtido na moagem é da ordem de 0,8 mm, conforme ilustra a Tabela 8.1. Os valores apresentados, entretanto, são somente ilustrativos, ou seja, dão apenas uma ideia da ordem de grandeza dos tamanhos finais obtidos,

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pois, havendo inúmeros tipos de moinhos e inúmeras variáveis envolvidas em cada um dos processos, é possível alcançar valores finais ainda menores, principalmente nas moagens terciária e quaternária. Tabela 8.1 Etapas da cominuição Tamanho máximo de alimentação (mm)

Tamanho máximo de saída (mm)

Primária

1.000,0

100,0

Secundária

100,0

10,0

Terciária

10,0

1,0

Quaternária

5,0

0,8

Etapas da cominuição

Britagem

Moagem

As atividades relacionadas à cominuição são empregadas em muitos processos industriais. São utilizadas por indústrias de matérias-primas, na exploração mineral (britagem) e por indústrias químicas, cerâmicas e farmacêuticas (moagem), nas quais o fator área de superfície específica, para pequenos tamanhos, se faz necessário. Neste trabalho serão citadas as características dos materiais obtidos (tamanhos médios) em cada etapa, bem como os respectivos equipamentos utilizados, mas seus funcionamentos não serão abordados.

BRITAGEM A primeira etapa do processo de cominuição é denominada britagem, definida como o conjunto de operações (unitárias) necessárias à fragmentação de grandes materiais, após a qual os materiais terão suas dimensões compatíveis com a utilização direta (britas de construção civil, por exemplo) ou posterior processamento. É aplicada a fragmentos de distintos tamanhos, desde rochas de 1.000 mm até aquelas com aproximadamente 10 mm, e pode ser dividida em britagem primária e secundária.

Britagem primária Nessa etapa do processo, os blocos ou torrões originais são quebrados em britadores ou trituradores até que tenham seus diâmetros médios reduzidos a cerca de 100 mm. Fazem parte desse grupo os britadores de mandíbulas e os giratórios. Os britadores de rolos, ainda que por vezes sejam utilizados em britagem primária, são mais empregados na britagem secundária.

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CAPÍTULO 9 Processamento de vidros

Para ser útil na prática, o vidro deve ser conformado, ou seja, deve ser processado de forma tal que, ao ser resfriado, adquira a forma de artefatos, como potes, garrafas, bulbos de lâmpadas, ou de materiais retrabalháveis para a aplicação final, como chapas e tubos, os quais em geral são cortados ou configurados por técnicas de usinagem ou moldagem térmica antes de serem usados como produto final. A etapa de conformação de vidros engloba uma ampla gama de processos, tanto artesanais (manuais) quanto mecanizados, que dependem das características das formas básicas e/ou da aplicação do produto. No grupo das formas básicas, os processos se dividem entre aqueles que objetivam a produção de vidro oco, vidro plano, tubos, fibras ou, ainda, de vidro em forma de fritas. No grupo de aplicações, consideram-se fatores como reprodutibilidade, demanda, custo e desempenho. Claramente, artefatos produzidos em massa diferem em seus requisitos dos produtos com apelo artístico ou de peças de engenharia ou para protótipos. Processos mecanizados são em geral interessantes para a produção de artefatos em massa, peças de engenharia podem fazer uso tanto de técnicas mecanizadas quanto artesanais, enquanto protótipos ou peças de cunho artístico, em geral, se beneficiam das técnicas artesanais [1]. No entanto sejam quais forem as técnicas utilizadas para atender aos requisitos desejados, todas derivam de cinco técnicas básicas e/ou de uma combinação destas. A saber: sopro, prensagem, laminação, estiramento e trefilação. A sobreposição dessas técnicas básicas dificulta a classificação dos principais processos, de forma que neste livro optou-se por apenas apresentá-las. A principal exceção é a obtenção dos vidros em grânulos (fritas), que usualmente constituem matéria-prima para outros insumos

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para aplicação em produtos cerâmicos, como vidrados e esmaltados. O processo de obtenção de fritas consiste tão somente em verter diretamente o líquido de vidro em líquido refrigerante (água); a troca de calor provoca o efeito na água, o que, para o observador, assemelha-se à fritura de alimentos em óleo. Daí esses vidros em grânulo serem denominados “fritas” no jargão vidreiro. O vidro resfriado dessa forma apresenta elevada tensão interna, e tende a se quebrar em pequenos fragmentos (grânulos). O processo de obtenção de fritas, ou “fritagem”, dada sua simplicidade elementar, não será tratado em maiores detalhes nesta obra [2]. Independentemente do processo que seja eleito, a conformação consiste na modelagem da massa vítrea viscosa, a qual deve apresentar uma textura intermediária entre aquela do líquido fundido e fluido em que apresenta uma viscosidade de 102 dPa.s e aquela em que já apresente resistência tal à deformação que dificulta o trabalho de moldagem, ou seja, viscosidades acima de 104 dPa.s (ver Capítulo 5). Essas faixas de vis­cosidade são fixas para qualquer tipo de vidro e obviamente são consequência do resfriamento do líquido e guardam proporcionalidade com tal resfriamento, sendo os pontos de temperatura correspondente, característicos de cada tipo de vidro (por exemplo, em um vidro sodocálcico, o resfriamento ocorre desde aproximadamente 1.500 °C para o intervalo entre 1.200 °C e 900 °C, no qual o vidro apresenta consistência adequada para a modelação). Portanto, essa textura de trabalho ocorre no intervalo entre 103 dPa.s e 104 dPa.s, conhecido como “ponto de trabalho” ou working point, que, para o leigo, é reconhecido visualmente pela consistência da massa vítrea semelhante àquela do mel, ainda que com uma coloração laranja-avermelhada incandescente [3].

TÉCNICAS DE CONFORMAÇÃO TÉCNICAS ARTESANAIS Sempre que se pensa em moldagem artesanal de vidro, pensa-se na figura de um mestre vidreiro soprando um longo canudo de metal com uma “bola” de vidro incandescente na ponta oposta. De certa forma, tal imagem não é excludente das demais técnicas de conformação manual, pois dela, ou de partes dela, derivam a maioria das técnicas para a obtenção artesanal de artefatos de vidro. O sopro, ou “soflagem”, consiste na arte ou na ação de moldar uma massa de vidro aquecida, inflando-a à guisa de um balão como resultado da insuflação de ar por meio de um tubo, sendo que o sopro, na técnica artesanal, depende da capacidade pulmonar do mestre vidreiro. Essa técnica está voltada para a produção do chamado “vidro oco” com paredes de pequena espessura. Em um forno com as devidas aberturas para acesso, o vidro é aquecido em cadinhos até chegar a uma temperatura igual ou superior à de fusão, ou seja, até que a viscosidade do líquido de vidro seja igual ou ligeiramente menor que 102 dPa.s. Nesse líquido fundido, o mestre vidreiro introduz a ponta do tubo (em geral, de aço), manejando-o em movimentos circulares e rotacionais para que parte da massa vítrea, como consequência do resfriamento provocado pelo próprio tubo, venha aderir à extremidade deste. Os movimentos do tubo controlam a quantidade de massa

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CAPÍTULO 10 Tratamento térmico

O processamento térmico é de fundamental importância para a obtenção de produtos cerâmicos, pois dele depende o desenvolvimento das propriedades finais desses produtos. Este tratamento compreende basicamente as etapas de pré-queima, ou pré-sinterização, e de queima, na qual a sinterização propriamente dita está incluída. Essas etapas serão descritas a seguir.

PROCESSOS DE PRÉ-SINTERIZAÇÃO O processo denominado de pré-sinterização engloba as etapas de secagem e vaporização de água combinada (desidratação); decomposição e termólise de materiais e aditivos orgânicos; mudanças no estado de oxidação de íons e de estruturas cristalinas e calcinação de carbonatos e sulfatos. A primeira etapa é executada após conformação, e pode ser feita ao ar livre, em estufas ou em muflas, enquanto as outras etapas acontecem durante aquecimento para alcançar a sinterização dos produtos conformados.

SECAGEM Grande parte dos processos de formação utiliza-se de água, e os processos para consolidação dos produtos necessitam de elevadas temperaturas, ou seja, a água tem de ser removida. Se não for removida, devido às altas temperaturas alcançadas (> 900 °C), ela se transforma em vapor a alta pressão, o que conduz à ruptura da peça conformada e à inutilização do produto final. A eliminação da água deve ser feita de forma lenta e gradual, a temperaturas que variem entre 50 °C e 150 °C.

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A secagem consiste na retirada da água utilizada para conformação. Essa retirada de água ocorre somente por evaporação na superfície da peça, e, para que a água do interior seja eliminada das peças, ela deve “migrar” para a superfície. Isso acontece por meio de poros interligados. Os processos de evaporação por migração por capilaridade são acelerados com o uso de aquecimento [1]. A retirada da água das peças conformadas por processos a úmido que formam películas extremamente finas de água entre as partículas isoladas que as compõem deixa vazios que são ocupados pelas partículas que se aproximam e provocam uma redução no volume da peça. Quanto maior a quantidade de água utilizada na conformação, maior a retração durante a secagem. Se a velocidade de evaporação da água da superfície é maior que a velocidade de migração capilar da água do interior para a superfície da peça, a superfície seca muito mais rápido que o resto da peça e se retrai muito, enquanto o interior da peça permanece inalterado, o que pode provocar o surgimento de trincas. Situação semelhante ocorre também em peças que apresentam regiões de seção muito finas ou regiões de seção espessas; as regiões de seção fina secam mais rapidamente que as seções espessas, o que pode gerar trincas ou fraturas devido à retração diferenciada [1]. Os problemas de secagem podem ser resolvidos aquecendo-se as peças em um ambiente confinado com altíssima umidade relativa. Quanto maior a umidade relativa que envolve as peças, menor a velocidade de evaporação da água da superfície. A associação de aquecimento com alta umidade relativa inibe a evaporação superficial e força a migração capilar da água para a superfície, permitindo que se alcance uma situação de equilíbrio entre os dois fenômenos e a secagem uniforme das peças. À medida que a secagem evolui, pode-se elevar a temperatura e diminuir a umidade relativa, de modo que tanto a velocidade de evaporação quanto a migração capilar permaneçam altas. O final da secagem é concluído em temperaturas superiores a 110 °C com umidades relativas próximas de zero, nas quais as peças encontram-se suficientemente secas e não apresentarão problemas de trincas devido à retração de secagem. O problema de trincas durante a secagem em peças com espessuras muito diferentes pode ser resolvido envolvendo as partes de menor espessura em panos úmidos, sendo a secagem feita em temperatura ambiente ou acima desta, caso a umidade relativa do ambiente seja elevada. Como nas temperaturas usuais de secagem o ar consegue absorver uma quantidade limitada de água antes de atingir a saturação (100% de umidade relativa), e como a evaporação ocorre somente quando o ar ambiente está abaixo do limite de saturação, ventiladores podem ser usados para movimentar o ar que envolve as peças que estão sendo secas. O aumento da velocidade da circulação do ar, mantendo-se iguais à umidade relativa e à temperatura, promove o aumento na velocidade de evaporação. Por isso, nas operações de secagem, os fatores que devem ser considerados são: temperatura do ar, umidade relativa e fluxo de ar. Outra consideração importante a fazer nos processos de secagem diz respeito ao ponto de orvalho. Em qualquer gás úmido, o ponto de orvalho é a temperatura na

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1 Introdução

2 Breve histórico

3 Cerâmicas tradicionais

5 Vidros e vitrocerâmicos

6 C

M

Y

CM

MY

Formulação cerâmica e diagramas de equilíbrio

7 Técnicas de caracterização

CY

8

CMY

Processamento

K

O advento da ciência dos materiais e o desenvolvimento de novas tecnologias permitiram que os produtos cerâmicos fossem inseridos nos mais diversos setores da indústria, além das já tradicionais aplicações domésticas (jarras, canecas, pratos etc.) e da construção civil (telhas, tijolos, manilhas, revestimentos, pias etc.). Porém, continuam a ser produzidos de acordo com os mesmos princípios dos produtos feitos há mais de 10.000 anos, sendo assim, considerada a mais antiga das indústrias. Desse modo, este livro foi elaborado com o objetivo de trazer os conceitos fundamentais envolvidos nas diversas etapas do processamento cerâmico de maneira que possa qualificar engenheiros químicos, engenheiros de materiais, químicos e ceramistas com informações claras e objetivas.

9 Processamento de vidros

10 Tratamento térmico

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O PROCESSAMENTO CERÂMICO SEM MISTÉRIO

4 Cerâmicas avançadas

O processamento cerâmico pode ser definido como o conjunto de operações pelas quais, a partir de um ou mais materiais de partida, se obtêm peças com forma e estrutura desejadas.

SETZ | DA SILVA

CONTEÚDO

LUIZ FERNANDO GRESPAN SETZ Doutor em Tecnologia Nuclear/Materiais pela Universidade de São Paulo (USP, 2009), com período de estágio no exterior realizado no Instituto de Cerámica y Vidrio (Espanha). Engenheiro de materiais formado pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (2001), com mestrado em Tecnologia Nuclear/Materiais pela USP (2005). Possui experiência na área de engenharia de materiais, atuando principalmente em síntese e processamento de materiais cerâmicos, química de superfície e de coloides e reologia. Atualmente, é professor do curso de graduação em Engenharia de Materiais da Universidade Federal do ABC (UFABC) e membro do conselho diretor da Associação Brasileira de Cerâmica (ABCeram).

ANTONIO CARLOS DA SILVA

O PROCESSAMENTO CERÂMICO SEM MISTÉRIO LUIZ FERNANDO GRESPAN SETZ ANTONIO CARLOS DA SILVA

Doutor em Tecnologia Nuclear/Materiais pela Universidade de São Paulo (USP, 2008), com período de estágio no exterior realizado no Instituto de Cerámica y Vidrio (Espanha). Engenheiro químico formado pela Faculdade Oswaldo Cruz (1992), com mestrado em Tecnologia Nuclear/Materiais pela USP (2004). Possui experiência na área de engenharia de materiais, atuando principalmente em estudos da estrutura de vidros, cinética de dissolução e fenômenos de transporte em vidros, incorporação de metais em materiais vítreos, biovidros, biocompósitos cerâmicos, processamento de biomateriais, vidros biocidas, processamento e inertização de resíduos industriais perigosos. É detentor de diversos prêmios pela qualidade de seu trabalho de pesquisa, e, atualmente, é pesquisador agregado do Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares, além de professor de Engenharia e Negócios e pesquisador e consultor da empresa Consulmat Produtos Técnicos Indústria e Comércio Ltda.



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