Capa_Bion_quatro conversas_P1.pdf 1 24/01/2020 06:53:32
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PSICANÁLISE
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Realizadas por Wilfred R. Bion com um pequeno grupo de psiquiatras e psicoterapeutas em Los Angeles, em 1976, estas quatro discussões foram editadas por Francesca Bion e publicadas pela primeira vez em 1978 pela Clunie Press. Concisa e ao mesmo tempo abrangente, expressa de maneira acessível as principais características da contribuição de Bion sobre o trabalho do psicanalista. Fornece, portanto, uma relevante introdução para o seu pensamento enquanto a vitalidade espontânea durante a criação e a operação de um autêntico “grupo de trabalho” – tanto no grupo de psiquiatras e psicoterapeutas lá reunido como, e principalmente, no “grupo de trabalho” formado por um paciente e um analista.
Quatro conversas com W. R. Bion
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Obteve formação médica como cirurgião na University College London e abandonou a prática cirúrgica para se tornar psicanalista, recebendo treinamento em análise supervisionada de Melanie Klein. Também atuou como psiquiatra militar no Hospital de Reabilitação em Northfield, onde praticamente fundou a técnica de psicoterapia de grupo em 1943. A partir de 1950, a psicanálise tornou-se sua atividade clínica única. Exerceu-a durante os cinquenta anos seguintes, doze dos quais vividos em Los Angeles. Foi diretor da London Clinic of Psychoanalysis (1956-1962) e presidente da British Psychoanalytical Society (1962-1965). Seu treinamento com Melanie Klein contribuiu para que se tornasse um autor original e muito respeitado mundialmente, sendo um dos primeiros a adentrar a análise de psicóticos.
“ O problema fundamental é:
Bion
Wilfred R. Bion
Wilfred R. Bion
Quatro conversas com W. R. Bion
quando os seres humanos se reconciliam consigo mesmos para o fato de que a verdade importa? Podemos acreditar em qualquer coisa que nos agrada, mas isso não significa que o universo vá se adaptar às nossas crenças ou capacidades particulares. Somos nós que temos de fazer algo a respeito disso; nós temos de chegar a um ponto em que possamos compreender o universo no qual vivemos. O problema é supor que, ao alcançar esse ponto, nossos sentimentos de medo ou terror são tão grandes que não conseguimos suportá-los. Então, a procura da verdade pode ser limitada tanto por nossa falta de inteligência ou sabedoria como por nossa herança emocional. O medo de conhecer a verdade pode ser tão poderoso que as doses de verdade são letais.
”
QUATRO CONVERSAS COM W. R. BION Wilfred R. Bion
Editado por Francesca Bion Versão brasileira Paulo Cesar Sandler
Título original: Four Discussions with W. R. Bion (The Complete Works of W. R. Bion, vol. X) Quatro conversas com W. R. Bion © 2014 The Estate of W. R. Bion © 2020 Editora Edgard Blücher Ltda. Publicado originalmente por Karnac Books mediante acordo com Paterson Marsh Ltd e Francesca Bion.
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Angélica Ilacqua CRB-8/7057 Rua Pedroso Alvarenga, 1245, 4º andar 04531-934 – São Paulo – SP – Brasil Tel.: 55 11 3078-5366 contato@blucher.com.br www.blucher.com.br
Bion, Wilfred R. (Wilfred Ruprecht), 1897-1979 Quatro conversas com W. R. Bion / Wilfred R. Bion ; tradução de Paulo Cesar Sandler ; edição de Francesca Bion. – São Paulo : Blucher, 2020. 86 p.
Segundo o Novo Acordo Ortográfico, conforme 5. ed. do Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, Academia Brasileira de Letras, março de 2009.
Bibliografia ISBN 978-85-212-1915-6 (impresso) ISBN 978-85-212-1916-3 (eletrônico)
É proibida a reprodução total ou parcial por quaisquer meios sem autorização escrita da editora
1. Psicanálise. I. Título. II. Sandler, Paulo Cesar. III. Bion, Francesca 20-0263
Todos os direitos reservados pela Editora Edgard Blücher Ltda.
1.
CDD 150.195 Índice para catálogo sistemático: Psicanálise
Conteúdo
Nota da edição brasileira
7
Nota do tradutor
9
Introdução
17
Primeira conversa
19
Segunda conversa
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Terceira conversa
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Quarta conversa
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Primeira conversa
QUESTÃO. O senhor poderia falar algo sobre a teoria da identificação projetiva? BION. Penso que não há muito que se possa falar, além da versão de Melanie Klein – aquilo que ela denominou como phantasia onipotente que alguém pode cindir sentimentos, pensamentos e ideias, para si indesejáveis, e evacuá-las em outra pessoa, mais particularmente na mãe e, mais particularmente ainda, em um estágio primitivo da existência, no seio. É claro que a criança não faz coisa alguma, nada acontece. Mas a criança sente que pode fazer isso e sente que se torna livre de características das quais não gosta; acaba ficando preocupada que a mesma característica pode ser dirigida a si mesma, retornando da outra pessoa – originalmente a mãe ou o seio no qual a criança projetou. A teoria não tinha o intuito de substituir teorias psicanalíticas já existentes, mas ser um acréscimo delas.
20
PRIMEIRA CONVERSA
Q. O senhor utilizou o termo “fragmentos bizarros” para descrever um aspecto da identificação projetiva. Poderia se alongar um pouco neste assunto? B. Minha intenção não era criar termos técnicos. No entanto, discutindo-o com Melanie Klein, sugeri que tais fragmentos, que, supõe-se, sejam projetados, ou seja, partes de si mesmo que não se aprecia, tornam-se fragmentos que ficam sendo sentidos como existentes, fora da pessoa. Talvez a compreensão seja melhor se descrever alguns tipos de comportamentos. Costumamos falar de “retornos” à infância ou aos tempos em que éramos bebês. Penso que são expressões úteis, porém destituídas de significado. Será que qualquer um de nós “retorna” à infância? Ou mesmo “retorna” do amanhã? É claro que não. Por que nos preocupamos em falar a respeito desse tipo de assunto cuja origem, supostamente, ocorreu muito precocemente na vida de uma pessoa? Qual é a importância de termos desenvolvido um caráter na infância? Ou na época em que fomos bebês? Qual a importância disso? Qual seria a necessidade de uma abordagem psicanalítica disso, seja lá de que tipo tenha sido? A resposta parece ser de que vale a pena trazer à luz alguns desses alegados desenvolvimentos precoces, mas, parece, constitui outro assunto o quão justificável é. Poderíamos dizer que essas características, supostamente clivadas, ou das quais, de alguma forma, nos livramos, são esquecidas. Afinal, continuamos a nos comportar como crianças; aparentemente a pessoa livrou-se mesmo dessas coisas. Você se recorda de quando estava mamando? Não; isso foi esquecido ou você se livrou disso. Entretanto, ocorre que, mesmo sendo esquecidas, essas coisas persistem de algum modo arcaico na mente da pessoa, de tal forma que continuam operantes, continuam a se fazer sentir. Não estamos conscientes delas, mesmo que outras pessoas possam estar. No entanto, operam deste modo arcaico: continuam afetando nosso
Segunda conversa
QUESTÃO. Fiquei tentando saber por que é tão importante para mim fazer uma anamnese durante uma entrevista. Penso poder desistir disso no momento. BION. A primeira coisa que todos precisamos levar em consideração é nossa própria pessoa e nosso modo de trabalhar. Se, para uma pessoa, é conveniente iniciar de algum modo em particular, então ela deve fazer isso. Sempre poderemos fazer algum ajuste, no caso de encontrarmos uma situação em que determinada forma nos pareça inadequada. Os pacientes frequentemente estão acostumados com a rotina de fornecer uma história. Poderemos deixá-los se sentirem em casa, permitindo-lhes fazer exatamente isso – qualquer outra forma seria um bocado estranha para eles. Se começamos dizendo “Bom, o que o senhor quer?” ou “O que posso fazer pelo senhor?”, o paciente pode responder: “É por causa disso que eu vim procurá-lo”. E não vai se mover desse local. Estamos exatamente no meio de uma história, mas nada sabemos a respeito do começo dela. É essencial
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SEGUNDA CONVERSA
fornecer aos pacientes toda ajuda possível nesse caminho; são pessoas que não sabem onde estão nem quem são. Será uma boa ideia seguir o tipo de rotina à qual essas pessoas estão acostumadas, caso isso facilite a situação. Q. Gostaria de ter uma ideia concreta de como o senhor, pessoalmente, trabalha com pacientes. Até que ponto o senhor guia o caminho da introspecção e fala de um paciente, o oposto de permitir ao paciente falar sobre aquilo que deseja. B. Prefiro ser capaz de dizer que guio os pacientes. No entanto, na realidade, isso não é verdade. É um grande erro um analista imaginar que não faz isso. Teoricamente, deixamos que nossos pacientes tenham espaço suficiente para dizer qualquer coisa que queiram. Na realidade, nossa mera presença distorce todo o quadro. Eles nos dão uma olhada e resolvem se estão preparados para falar conosco ou se não vão fazer isso de modo algum. A relação entre duas pessoas é de duas vias e, à medida que estamos interessados em demonstrar essa relação, não é mais uma questão de falar sobre analista e analisando, mas de algo entre os dois. Q. A maioria das pessoas fala sobre a personalidade ou mente como se ambas fossem localizadas em uma pessoa. Parece-me que o único modo sensível de se pensar a personalidade é falar sobre um relacionamento funcional. B. Aquilo que acabei de falar a respeito de pacientes também se aplica a analistas; a presença física de outra pessoa, na sala, domina as ideias de um analista. Podemos ver a pessoa e ouvi-la; estamos, portanto, fortemente estimulados por nossos sentidos. Acreditamos que existe um caráter, ou personalidade, que tem um tipo de fronteira idêntica à de um corpo físico, que pode ser visto e ouvido. Qual seria o motivo ao supor a existência de algum tipo de fenômeno mental? Podemos ouvir qualquer grupo de pessoas – por exemplo,
Terceira conversa
QUESTÃO. O senhor trabalha com grupos ou ainda está interessado em trabalhar com grupos? BION. Ainda me interesso, mas tenho poucas oportunidades, pelo fato de receber uma intensa pressão para análise individual, que descobri ser extremamente recompensadora e interessante. Alguém por aqui trabalha com grupos? Q. Sim, mas duvido que o método de relações grupais possa ser aplicado ao trabalho com pacientes. Do que vi da condução de um pequeno grupo de pessoas hospitalizadas, não penso que esses métodos funcionem muito bem. B. O senhor não acha que seja útil em grupos de família? Q. Ainda não me sinto preparado para utilizar esse método com famílias. Consigo ter um sentido de se formarem subgrupos, de que grupos entram em pressupostos básicos… Penso que a vida em
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TERCEIRA CONVERSA
família é, em certo sentido, um pressuposto básico estabelecido: o grupo de emparelhamento. 1 No momento, para mim, tem sido difícil lidar com a complexidade das ações interiores em minha própria vida. B. Uma coisa que me impressiona ao lidar com o indivíduo é quão pouca consideração parece ser dada à questão do que é básico, fundamental. Existe algum modo para definir quais são os fundamentos em medicina física? Um médico se preocupa com o quê? O que podemos chamar de fundamental, no sentido de desejar que nossa observação e nosso tempo não se dispersem? Q. Muitas vezes, desejei que houvesse na psiquiatria algo tão fundamental quanto os sinais vitais – pressão sanguínea, pulso. Suponho que seria possível considerar sinais vitais em medicina psicossomática e também em psiquiatria, mas, quando se trabalha com grupos ou indivíduos, é muito mais difícil ter algo como uma linha mestra de “normalidade” que ficasse rapidamente disponível, como pressão arterial, pulso, frequência respiratória e temperatura. Não tenho certeza de que seja a isso que o senhor se refere ao falar de “fundamentos”. B. Penso que sim. Q. Suponho que ocorre algo ainda mais fundamental, quando uma pessoa se apresenta a um médico dizendo “Dói aqui”; se é possível observar o local, podemos encontrar algo naquela vizinhança; o paciente é capaz de cooperar, de participar, ajudando-nos na identificação de, pelo menos, alguns parâmetros, algumas áreas onde procuramos aquilo que dói. Entretanto, na arena mental, pode-se procurar em um lugar enquanto o problema está em outro. A
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Bion, W. R. Experiences in groups. Londres: Tavistock Publications, 1961. [N.T.]
Quarta conversa
BION. Ver pacientes muitas vezes, como geralmente fazemos, torna difícil a aquisição de um grau de ingenuidade, em que podemos vêlos, a cada vez, como se jamais os tivéssemos visto. É fácil pensar: “Pronto, outra vez; começamos esse negócio outra vez – ontem, anteontem, por semanas, meses e anos”. Não pode ser assim na realidade, pois o paciente que vimos ontem, na semana passada ou no mês passado pode não ser a mesma pessoa que vamos ver amanhã. Precisamos nos aproximar ao máximo de sentir que é a primeira vez que vemos aquele paciente. É difícil, porque sempre sentimos que devemos conhecer sua história e assim por diante – um refluxo do nosso treinamento médico. Esse tipo de história pregressa é útil por duas ou três sessões, mas, depois disso, não são importantes as informações obtidas através do “ouvir dizer”. A partir desse momento, podemos ser lançados em uma essência diversa – não a essência da história do paciente.
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QUARTA CONVERSA
QUESTÃO. O senhor está dizendo que, na verdade, não toma notas. Cada vez que a pessoa vem, é uma nova pessoa. Só importa que está presente naquele momento. B. Sim. Como disse, Platão assinalou que a linguagem é extremamente enganadora – aparenta ser precisa, exata, mas de fato não é mais exata do que pintura ou desenho. Uma pintura não conta coisa alguma – ela tem de ser interpretada. Charcot, alguém que impressionou muito Freud, disse que teríamos de prosseguir na observação de um paciente, até que um padrão começasse a se impor. Na medicina física, os sentidos de um médico, ou seja, toque, olfato e assim por diante, devem ser tão agudos, que um médico não lê isso nos livros, mas nas pessoas. O que podemos dizer em relação a sintomas mentais? Neuróticos? Psicóticos? Isso não nos diz nada. A diferença entre as pessoas aparece como algo tão incrível, parecendo demandar uma descrição; em consequência, lançamos mão de divisões grosseiras. Temos de fazer um pressuposto: o da existência de uma coisa que seria a mente. Não sei que evidência existe para isso – pode estar completamente errado. Nos tempos homéricos, pensava-se que a mente estava localizada nos phrenós 1 – o diafragma. Parece uma ideia boa, bastante científica. É óbvio que, se começamos a respirar fundo, o diafragma vai trabalhando para cima e para baixo, fazendo com que respiremos para dentro e para fora. Se vemos alguém mais fazendo isso, pensamos: “Para que isso? Será que está vindo para me botar para fora? Qual é a dele? O que vem a ser todo esse suspirar?”. Então, apareceu Demócrito de Abdera, que sugeriu que a mente tem algo a ver com aquela massa Do grego, phrén, phrenós: os antigos gregos acreditavam que o comportamento humano se localizava na região do diafragma, coração, pulmões e timo, que abrigariam e impulsionariam o que depois se denominou pensamento, inteligência e alma. Hoje, acreditamos que se localiza no cérebro. O termo transformou-se em radical usado para termos técnicos em medicina: esquizofrenia, frenoplegia e frenologia. [N.T.]
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Capa_Bion_quatro conversas_P2.pdf 1 12/02/2020 23:14:09
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Realizadas por Wilfred R. Bion com um pequeno grupo de psiquiatras e psicoterapeutas em Los Angeles, em 1976, estas quatro conversas foram editadas por Francesca Bion e publicadas pela primeira vez em 1978 pela Clunie Press. Concisa e ao mesmo tempo abrangente, a obra expressa de maneira acessível as principais características da contribuição de Bion sobre o trabalho do psicanalista. Fornece, portanto, uma relevante introdução para o seu pensamento e revela a vitalidade espontânea durante a criação e a operação de um autêntico “grupo de trabalho” – tanto no grupo de psiquiatras e psicoterapeutas lá reunido como, e principalmente, no “grupo de trabalho” formado por um paciente e um analista.
Quatro conversas com W. R. Bion
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Obteve formação médica como cirurgião na University College London e abandonou a prática cirúrgica para se tornar psicanalista, recebendo treinamento em análise supervisionada de Melanie Klein. Também atuou como psiquiatra militar no Hospital de Reabilitação em Northfield, onde praticamente fundou a técnica de psicoterapia de grupo em 1943. A partir de 1950, a psicanálise tornou-se sua atividade clínica única. Exerceu-a durante os cinquenta anos seguintes, doze dos quais vividos em Los Angeles. Foi diretor da London Clinic of Psychoanalysis (1956-1962) e presidente da British Psychoanalytical Society (1962-1965). Seu treinamento com Melanie Klein contribuiu para que se tornasse um autor original e muito respeitado mundialmente, sendo um dos primeiros a adentrar a análise de psicóticos.
“ O problema fundamental é:
Bion
Wilfred R. Bion
Wilfred R. Bion
Quatro conversas com W. R. Bion
quando os seres humanos se reconciliam consigo mesmos para o fato de que a verdade importa? Podemos acreditar em qualquer coisa que nos agrada, mas isso não significa que o universo vá se adaptar às nossas crenças ou capacidades particulares. Somos nós que temos de fazer algo a respeito disso; nós temos de chegar a um ponto em que possamos compreender o universo no qual vivemos. O problema é supor que, ao alcançar esse ponto, nossos sentimentos de medo ou terror são tão grandes que não conseguimos suportá-los. Então, a procura da verdade pode ser limitada tanto por nossa falta de inteligência ou sabedoria como por nossa herança emocional. O medo de conhecer a verdade pode ser tão poderoso que as doses de verdade são letais.
”