Escritos de Design

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Espero que este percurso narrativo possibilite maior conhecimento sobre essa fascinante atividade profissional, por meio da vida e obra de quem viu e viveu, a seu modo, o design. Dijon De Moraes PhD em Design

ISBN 978-65-5506-246-5

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Dijon De Moraes

Escritos de design Um percurso narrativo

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Blucher

Copyright © Dijon De Moraes, 2021 Editora Edgard Blücher Ltda.

Publisher Edgard Blücher

Rua Pedroso Alvarenga, 1.245, 4º andar 04531-012 – São Paulo – SP – Brasil

Editor

Tel.: 55 (11) 3078-5366

Eduardo Blücher

editora@blucher.com.br www.blucher.com.br

Produção editorial Bruna Marques

Segundo Novo Acordo Ortográfico, conforme 5. ed. do Vocabulário Ortográfico da Língua

Preparação dos textos

Portuguesa, Academia Brasileira de Letras,

Tássia Santana

março de 2009.

Revisão dos textos

É proibida a reprodução total ou parcial por

Ana Maria Fiorini

quaisquer meios, sem autorização escrita da Editora.

Projeto gráfico Silvia Fernandez

Todos os direitos para o português reservados

Leandro Cunha

pela Editora Edgard Blücher Ltda.

Dijon De Moraes Diagramação Negrito Produção Editorial

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Angélica Ilacqua CRB-8/7057

Moraes, Dijon De   Escritos de design: um percurso narrativo / Dijon de Moraes. – São Paulo: Blucher, 2021.   558 p.  Bibliografia  ISBN 978-65-5506-246-5   1. Desenho industrial.  2. Designers – Escritos.  3. Designers – Formação. 4. Designers – Carreira acadêmica.  I. Título. 21-1088 CDD 745.4

Índices para catálogo sistemático: 1. Desenho industrial

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Conteúdo

15 Parte I

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Capítulo 01 Formação espontânea e subjetiva No caminho das pedras Objetos, utensílios e artefatos Brinquedos e diversões naif Fabuloso mundo lúdico, mítico e bufo Escola formal e escola da vida Entre ritos e mitos Criatividade e estética popular Vivendo a idade média e os anos 1960 Muito além do cinema Ingenuidade política Início da consciência social Encontro com a metrópole

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Capítulo 02 A caminho da capital Vivendo uma nova cidade As novas amizades Desenho industrial Curso de desenho industrial na FUMA Consciência política Design de centro e periferia Tecnologia alternativa e apropriada Primeiras premiações em concursos nacionais Ativismo social e profissional

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Iniciando como desenhista industrial Desenho industrial versus design Contrato profissional de trabalho Além do trabalho e outras histórias Término da lei de informática e novas oportunidades Conhecendo o estado da arte Prêmio Design Museu da Casa Brasileira Núcleo de Desenvolvimento de Produtos Mercado de design em expansão

121 Capítulo 03 123 Inquietação pessoal e profissional 125 Abrindo-se para o mundo 127 Chicago, uma grata surpresa 129 American life style 130 Mestres americanos 132 Retorno ao Brasil e a caminho da Europa 133 Conhecendo de perto o design italiano 136 Um brainstorm pessoal 138 Seguindo pela Europa 142 Dijon Design Studio 144 Publicações nacionais e primeira Bienal de Design 147 Mudança de rota e outros caminhos 150 Casa no circuito moderno 151 Mudando o cenário, mudando o ensino 154 Maior venda de mobiliário corporativo do Brasil 155 Design e cultura mitteleuropeia 159 O design abre novos espaços e perspectivas 163 Parte II 165 Capítulo 04 167 Vivendo e estudando em Milão 169 Scuola Politecnica di Design di Milano 171 Cotidiano da escola 172 Isao Hosoe: um estrangeiro no design e na vida 178 Encontros, desencontros e despedidas 181 Caminhos de abismos e sem atalhos 183 Milão das oportunidades e amizades

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Achille Castiglioni: Encontro com o mito Roberto Sambonet e seu amor pelo Brasil Entre cursos, concursos, livros e revistas Referências hispânicas

199 Capítulo 05 201 Retornando ao Brasil 202 Consultoria à Madeirense Móveis para Escritórios 205 Projeto de uma estratégia vencedora 206 Impacto do Colonna System no mercado brasileiro 209 Redesenhando a vida 213 Associação de classe no design em Minas 216 Primeiras publicações sobre design no Brasil 217 Inovando no ensino de design 226 E La nave va em tranquilo mar 231 Capítulo 06 233 Livro Limites do Design 241 Simbologias de um candelabro 242 Centro de Comunicação, Design e Tecnologia Gráfica 246 Experiências acadêmicas no Sul do Brasil 248 Design brasileiro em mostra 250 Teoria e prática no design 255 O Conceito da Marca Brasil 256 Buscando parceiros internacionais 261 Design no trabalho e na vida 263 Riscos na vida e no design 269 Parte III 271 273 277 280 285 289 292

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Capítulo 07 Doutorado em Design no Politecnico di Milano Papel do orientador no doutorado Percurso formativo doutoral em design Dialéticas do design italiano Inserção na rede internacional de design Entre signos e significados

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Capítulo 08 Origens italianas Milão e seus canais chamados navigli Experiências extracurriculares na Itália Conclusão do PhD e desdobramentos Muito além do doutorado Atividades de pós-doc Cerâmicas Caleca Itália: uma experiência projetual

323 Capítulo 09 325 Retorno ao Brasil após o doutorado 328 Coleção Ubá Móveis de Minas 337 Planejamento Estratégico do APL de Ubá 343 Centro de estudos teoria, cultura e pesquisa em design 345 Coleção Cadernos de Estudos Avançados em Design 347 Palestras de difusão e promoção do design pelo Brasil 348 Para além da difusão do design 352 Projeto Compex 10x6 da Assintecal Brasil 355 Livro Análise do design brasileiro 362 Coleção Goiânia Design 366 Oficina de design: móveis do Oeste de Santa Catarina 371 Parte IV 373 375 377 381 384 387

Capítulo 10 A caminho da gestão universitária Início como vice-reitor Mudando o olhar sobre gestão Alargando as fronteiras acadêmicas internacionais Missão em Cuba

397 Capítulo 11 399 Primeira gestão como reitor 401 Uma nova experiência de planejamento estratégico 410 Novas linhas-guias do PDI, Estatuto e Regimento 412 Uma gestão rumo ao futuro 418 Inter-relação e internacionalização como qualidade acadêmica 431 Paraninfo no Politecnico di Milano 436 Livro Metaprojeto: o design do design

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443 447 452 459 470 479

Primeiro livro do Tomás Maldonado no Brasil Conquistas históricas para a universidade Ad Honorem Escola de Design na Praça da Liberdade Realização da IV Bienal Brasileira de Design UEMG triplica de tamanho em dois anos

483 485 499 506 510 516 528 530 533 539 545

Capítulo 12 Segunda gestão como reitor Acervo Alberto e Priscila Freire Primeiro curso de Medicina Missões da ABRUEM, um espaço de aprendizagem Doutorado em design Reformulação da editora e criação da TV UEMG Semana de Minas na EXPO15 Avanços marcantes em meio à recessão econômica Notas de um reitor-designer ou designer-reitor Ciclo que se conclui

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Referências

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CAPÍTULO 01

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Formação espontânea e subjetiva

Era uma tarde de setembro do ano de 1968, eu ainda não havia completado 8 anos de idade, o ambiente onde me encontrava era um pouco escuro, mesmo sendo dia. Eu observava a minha mãe, que conversava e sorria alto com suas amigas em volta de uma imensa e pesada mesa escura de madeira. Por cima da mesa se encontrava um grande número de utensílios de cozinha, como colheres em modelos distintos, grandes travessas e também outros objetos de metal. Havia, ainda, vários tabuleiros em diversos tamanhos e formas, grandes e pequenos bicos de metal para uso em confeitaria, que definiam a decoração final de bolos e biscoitos. Viam-se, ainda, peneiras de diferentes diâmetros, funis longos e curtos, pratos esmaltados, carretilhas de cortar massas, batedores manuais de ovos em formato espiral cônicos e outros que, às vezes, lembravam-me tentáculos de polvos. Também havia pincéis de pena de ganso e fôrmas de desenhos variados, recordo-me de uma delas em formato de pássaro e outra em formato de peixe. Além disso, tinha em mostra uma infinidade de objetos menores que não sei precisar ou recordar o seu uso. Eu, criança, percebia por detrás da minha mãe e de suas amigas uma série de janelas altas em formato de venezianas basculantes, de onde adentrava uma tímida luz clara que atravessava as pesadas e escuras máquinas de modelar pães. A luz que ali adentrava proporcionava ao ambiente uma tonalidade sépia com diferentes nuances entre claro e escuro, formando, assim, longos túneis, como se fossem de fumaça. Recordo-me de que o cheiro desse ambiente, de pouca aeração, era muito forte, devido à intensa mistura do aroma da farinha de trigo molhada, esta muito branca e sempre disposta sobre as escuras bancadas de madeira. Existiam os velhos maquinários destinados a misturar as grossas massas e máquinas menores para calandrar e delinear as mais finas. Havia também outros equipamentos que faziam a extrusão da massa crua em forma de longos cilindros maciços, que viriam posteriormente divididos em medidas iguais para se tornarem pães.

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As amigas da minha mãe eram jovens e bonitas, deviam ter no máximo 30 e poucos anos de idade. Lembro-me dos coques nos cabelos e dos recheios nos sutiãs para aumentar o tamanho e o volume dos seios, sei disso porque no padrão de moda que seguiam à época, elas exageravam no afunilamento dos sutiãs, que pareciam, muitas vezes, os funis de metais que se encontravam também dispostos sobre a velha e pesada mesa de madeira. Muitas delas usavam grandes e vistosos colares e brincos, mas sem o uso de anéis, pois, naquele dia, as mãos deveriam estar livres para a feitura dos bolos, quitandas e biscoitos. Lembro-me bem do Senhor Adão, o velho padeiro alto e magro, pele branca avermelhada, que, como um malabarista, esticava e jogava para o alto as amostras das massas ainda semicruas, procurando, assim como em um processo de alquimia, torná-las prontas para as etapas seguintes de preparo, corte e inserção ao forno. O Senhor Adão era um homem de poucas palavras, talvez por respeito às seis mulheres amigas que, uma vez por mês, sempre no período das tardes dos sábados, alugavam a única padaria existente na cidade de Pedra Azul, onde nasci, no nordeste de Minas Gerais, para fazer iguarias e quitandas para o consumo próprio das suas famílias. Para mim tudo era como em um momento de festa, pois, nessa época, por ser o caçula da família, a minha mãe sempre me levava com ela para a festa dos biscoitos com as amigas, que, na verdade, era também um momento especial de encontro somente delas. Eu gostava muito de ir nesses encontros das biscoiteiras amigas e não me lembro de haver outras crianças com esse privilégio. Possivelmente os filhos das colegas da minha mãe eram já maiores e se ocupavam de outros fazimentos mais estimulantes para a idade deles. Fato é que, para me ocupar por todo o dia preso nessa velha padaria escura, a minha mãe usava de uma estratégia bastante interessante: fazia uma massa muita fina e de fácil modelagem e a colocava em um desses sacos maleáveis de confeitar bolo para que eu pudesse me distrair. Entregava-me, de igual forma, um tabuleiro feito em chapa de metal escuro — provavelmente, quando novo tenha sido na cor alumínio, mas de tantas idas e vindas ao forno ficara mesmo muito escuro e queimado — que pertencia somente a mim, e onde eu poderia fazer meus próprios biscoitos quantas vezes e formatos quisesse. Recordo-me de que meus biscoitos eram sempre em formato de objetos e produtos como bola, revólver de espoleta, carro, alicate, tesoura, avião, trem de ferro, bicicleta, arco e flecha, radio, óculos, livro etc., que uma vez prontos e assados, vinham por minha mãe colocados em um saco de algodão branco muito alvejado, que eu trazia comigo pelas ruas da cidade até a nossa casa saboreando meus próprios produtos comestíveis pelo caminho. Os demais biscoitos também vinham ordenados em sacos de algodão branco repletos de iguarias de diversos sabores e formas. Na verdade, as centenas de biscoitos e quitandas vinham ao final

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CAPÍTULO 02

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A caminho da capital

Pedra Azul, a cada ano que se passava, tornava-se sem perspectivas para mim e para meus irmãos, pois, além de ter um mercado de trabalho muito diminuto e limitado, também não oferecia ensino superior para a continuidade dos nossos estudos. Percebia a angústia de meu pai, que não queria o destino de seus filhos posto pela realidade dos que optaram por ficar nas cidades do Vale do Jequitinhonha, isto é: viver com dignidade, mas com as limitações sociais e financeiras que a região impõe à maioria dos seus habitantes, como algo prescrito ou preestabelecido pelo destino. Recordo-me de que, certa vez, um irmão mais velho de um dos nossos amigos de infância foi fazer o curso de agronomia na Universidade de Viçosa e retornara de férias dizendo sobre um curso técnico agrícola existente na cidade de Florestal. Dizia que ali estudavam muitos adolescentes internos que mais adiante poderiam continuar seus estudos em engenharia agronômica em Viçosa. A falta de perspectivas de cursos superiores na cidade fazia com que dezenas de jovens migrassem todos os anos para outros locais do país para estudar e trabalhar. Com base na informação do irmão desse nosso amigo, alguém teve a ideia de juntar um grupo de adolescentes, entre 15 a 17 anos, para realizar os testes de acesso ao curso técnico de agronomia na cidade de Florestal. Doze adolescentes se interessaram pelo desafio e, como precisavam de um adulto para acompanhá-los na viagem para os exames, o meu pai se ofereceu e fomos todos de ônibus para Belo Horizonte para depois seguir para a cidade de Florestal. A viagem era muito longa, mas nada se comparava com a experiência de ir até São Paulo. Recordo-me de que em Belo Horizonte ficamos por poucos dias em uma pensão de parentes da minha mãe, localizada na Rua Timbiras, em frente ao edifício JK, projetado por Oscar Niemeyer em 1952. No dia da ida para os exames, pegamos o ônibus na moderna Rodoviária de Belo Horizonte rumo à cidade de Florestal, onde o meu pai nos deixou e voltou para nos buscar dois dias depois, após as difíceis provas ali realizadas.

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Lembro-me muito bem de que quando saímos da rodoviária e pegamos a Avenida Amazonas para ter acesso à BR 040, que nos levaria até Florestal, o ônibus parou em um sinal vermelho, foi quando eu abri a cortina da janela e li em grandes letras azuis pintadas em uma parede branca por cima de uma pequena platibanda: Fundação Universidade Mineira de Arte (FUMA): Tecnologia & Criatividade, achei muito curioso o slogan que tinha tanto me chamado a atenção e adormeci até Florestal, onde fui acordado pelo meu pai que pacientemente cuidava de doze ingênuos adolescentes. O resultado dos exames foi que ninguém tinha superado as provas e conseguido uma vaga na Escola Agrícola de Florestal. Mas isso não causou nenhum dissabor a qualquer um de nós, pois uma parte nem sabia mesmo porque se dispunha a fazer exame para ser técnico em agronomia, outra parte queria pela primeira vez viajar de ônibus e outra parte ainda queria mesmo era conhecer a capital, Belo Horizonte. Diante da realidade de cenário da nossa cidade, o meu pai requer transferência como fiscal de rendas para Belo Horizonte. Assim, em fevereiro de 1977, no terceiro dia de carnaval, seguimos toda a família de mudança com destino a Belo Horizonte. Naquela época, Pedra Azul não tinha rodoviária, mas somente um ponto de ônibus de onde partia a Viação Gontijo para poucos destinos de Minas, dentre eles Belo Horizonte, distante cerca de 11 horas de viagem. A minha mãe tinha ido semanas antes com o meu irmão mais velho para receber o nosso caminhão de mudanças e preparar o apartamento no qual iríamos morar. Durante o longo percurso da viagem até Belo Horizonte, a cada parada do ônibus nas cidades que compunham a nossa rota ficava cada vez mais para trás a minha peculiar história de vida junto aos meus amigos de infância e primeira adolescência. A viagem era um misto de insegurança, medo, expectativa e principalmente saudade, muita saudade. Eu não sabia exatamente o que encontraria pela frente, mas tinha certeza do que certamente não mais encontraria. Sabia, por exemplo, que ali não teria as grandes pedras de granitos escuros que contornavam a minha cidade nos dando um sentimento de proteção, mas certamente encontraria outros desenhos de montanhas com formas e silhuetas distintas. Sabia que não encontraria ali a riqueza dos nossos personagens de rua, mas outros protagonistas e coadjuvantes que ainda conheceria para continuar compondo as páginas da minha história. Sabia que ali também não encontraria um universo fantástico, fantasioso, lúdico e bufo das lendas e fábulas populares, mas outras expressões culturais que me alimentariam dali para frente. Esses pensamentos me acompanhavam por toda a noite, quando às 07h00 o ônibus da Gontijo estaciona na rodoviária de Belo Horizonte, que àquela hora já demostrava um grande movimento de pessoas apressadas. O nosso apartamento ficava na Rua Santa Catarina, entre o mercado central e a Avenida Bias Fortes. O edifício em estilo Art Déco foi construído durante a

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CAPÍTULO 03

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Inquietação pessoal e profissional

Tudo andava muito bem com o trabalho na P&B, com as minhas aulas na FUMA e, de igual forma, na vida pessoal. Mas dentro de mim algo ainda me inquietava, sentia que deveria percorrer desafios e experiências novas, abrir horizontes, ampliar os conhecimentos profissionais, conhecer novas linguagens e estéticas, bem como crescer como ser humano. Achei que seria muito importante uma vivência no exterior e nesse momento, para a escolha do local, a influência racional-funcionalista da minha formação pesou bastante, pois tinha muita admiração pelos conceitos da Escola Bauhaus como a economicidade construtiva e a pureza formal. Admirava os conceitos da Bauhaus, teorias e projetos desenvolvidos por protagonistas como Walter Gropius (1883-1969), Mies van der Rohe (1886-1969), Wassily Kandinsky (1886-1944), Johannes Itten (1888-1967), Marcel Breuer (19021981), Josef Albers (1888-1976), Moholy Nagy (1895-1946), Marianne Brandt (1893-1983), Oskar Schlemmer (1888-1943) e Paul Klee (1879-1940). Sabia da tentativa de revival da Bauhaus através do Instituto de Design do Illinois Institute of Technology (IIT) em Chicago, esta que ficou conhecida como a New Bauhaus. O mesmo local onde o colega Alonso Lamy tinha feito o seu mestrado, chegando à FUMA cheio de novidades e com olhos renovados. O ID-IIT foi fundado em 1937 por Moholy Nagy, que deixando a Alemanha nazista leva consigo vários professores de origem judia que se exilaram nos Estados Unidos. O próprio Campus do IIT foi projetado por Mies van der Rohe, que foi o último diretor da Bauhaus antes do encerramento das suas atividades em Berlim. Van de Rohe também tinha migrado para os Estados Unidos, vivendo em Chicago, onde dirigiu a Escola de Arquitetura do IIT até a sua morte em 1969. Como parte do processo de aceite ao IIT, o Alonso me apresentou por correspondência ao seu orientador Charles Owen (1933-2019), que à época era o diretor do instituto de design. Outra parte dos procedimentos necessários era a candidatura a uma bolsa de estudos pela CAPES ou CNPq e, por fim, o certificado de proficiência da língua como parte da documentação exigida. De tudo me faltava

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somente a pontuação do Toefl, que era o parâmetro exigido como proficiência da língua inglesa para estudar nos Estados Unidos. Nesse mesmo período, eu e a Ró nos casamos e me lembro bem que ainda na recepção o Alexandre Branco me fez uma provocação para que voltasse a trabalhar com eles na Madeirense. Ocorre que meus planos já eram outros e o que queria mesmo era ter uma experiência no exterior. Antes da minha ida para o exterior, realizamos uma exposição inédita de meus trabalhos, montada no Espaço Cultural do PIC Cidade, que é a sede social do Pampulha Iate Clube, em Belo Horizonte. A mostra, denominada “Dijon Design”, foi a primeira individual de design de produto realizada em Belo Horizonte, ocorrida entre os dias 23 a 30 de novembro de 1988. A exposição foi uma promoção do Centro de Extensão da FUMA, com apoio cultural do PIC-Cidade, P&B Comunicação & Promoção e da Associação dos Profissionais do Design de Minas (APDI/MG). O patrocínio da mostra foi das empresas Madeirense, Quartzil, CMBB/FORTMA, Audiolab e Trom do Brasil. As belas peças compostas por cartaz, folder e o convite da mostra foram idealizados pelo designer Marcos Carneiro de Mendonça, que era meu colega na P&B. Foram mais de trinta produtos apresentados que variavam entre frascos de perfumes a computadores, de carteira escolar a equipamentos eletrônicos, de mobiliários para escritórios aos mobiliários de lanchonetes e refeitórios, ainda estiveram em mostra embalagens para joias, brindes e pequenos utensílios domésticos, bem como demais objetos eletroeletrônicos que também compunham a sequência da exposição. No folder já se via presente a inquietação que trazia comigo sobre as questões referentes ao design, e isso se percebe nos escritos introdutórios sobre a mostra: Com o passar dos tempos venho obtendo respostas para questões que ainda são polêmicas entre os profissionais do Design. Por exemplo, se me perguntarem o que vem primeiro – a forma ou a função? Eu responderia com outra pergunta: em qual produto? Na escada portátil ou no frasco de perfume? No computador ou na embalagem de jóias? Quero mostrar com isso que o próprio produto é um condicionante para o projeto. Mesmo porque não vejo a necessidade de separá-los em ordem ou importância: um produto pode ser funcional e belo ou vice-versa. Outro texto que aparece na apresentação do catálogo da mostra é do Romeu Damaso, que à época era o coordenador do Centro de Extensão da ESAP/FUMA, que assim disserta:

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CAPÍTULO 04

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Vivendo e estudando em Milão

Chegamos em Milão em setembro de 1992, quando se tinha iniciado o movimento de independência dos países da ex-República Socialista da Iugoslávia. Naquele ano a Bósnia e Herzegovina buscavam seguir o mesmo caminho da Croácia e Eslovênia, que pouco antes tinham se tornados países independentes. Esse conflito armado da Bósnia, que durou até o ano de 1995, envolvendo também a Sérvia e o Kosovo, foi considerado como o mais duradouro da Europa após a Segunda Guerra Mundial. A guerra gerou mais de duzentas mil mortes nessa região que é bem próxima da Itália, sendo separadas apenas pela península balcânica no mar Adriático. A Eslovênia, por vez, faz fronteira terrestre com a região italiana do Friuli-Venezia-Giulia. O primeiro local que nos hospedamos em Milão foi um pequeno albergue de três estrelas, de nome Hotel Aspromonte, que fica localizado na praça de mesmo nome. Esse hotel, até hoje em funcionamento, é um antigo casarão em estilo eclético de dois andares com salientes balcões frontais que emolduram a sua entrada principal. O atendente do hotel, que se posicionava por detrás de um biombo na velha recepção, era um homem muito taciturno e de poucas palavras. Ele se limitava apenas a restritas informações, o que nos fez rapidamente perceber a frieza dos habitantes do norte da Itália. A Ró não demonstrava afeição ao local e logo fui à escola em busca de informações sobre apartamentos para alugar. Na secretaria da Scuola Politecnica di Design, me passaram o contato de um apartamento na própria Viale Monza, muito próximo da sede da escola. Assim alugamos esse apartamento, que era composto por quarto, sala e um corredor que dava acesso à cozinha e ao banheiro. O quarto, como era bastante grande, foi dividido para também servir como pequena sala. A Senhora Zoco, a proprietária do apartamento, curiosamente começou a sorrir quando lhe entreguei o valor correspondente a três meses de aluguel e mais três meses de caução, tudo isso em espécie na moeda lira, que prevalecia à época, isto é, pagamos seis meses antecipados de aluguel e por isso a senhora sorria sem disfarçar a alegria. Para nós

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era uma grande soma em dinheiro, pois devido ao câmbio, o valor representava cinco vezes mais em real. O nosso prédio era um edifício de nove andares construído no final da década de 1950, percebia-se que ele fizera parte do projeto de reconstrução da Itália após a destruição da Segunda Guerra Mundial. O edifício modernista de linhas retas apresentava uma pureza formal e elementos de economicidade sempre presentes nesse tipo de construção nas cidades europeias no pós-guerra. O edifício apresentava como detalhes apenas as marcantes estruturas verticais da sua fachada, que delimitavam as divisões entre as varandas dos apartamentos. O prédio tinha um pequeno jardim gramado ao seu entorno, que chegava até um gradil verde que delimitava o terreno. O casal de zeladores morava em um pequeno apartamento localizado na própria recepção, que se encontrava no nível da escada de poucos degraus, próximo à entrada. Curioso observar que a janela de atendimento da portaria, quando fechada, era a sala de estar da casa dos zeladores. Salvatore era um afável napolitano que aparentava ter pouco mais de 40 anos, e a sua mulher Laura nunca iniciava seu trabalho na portaria sem que antes estivesse bastante maquiada. Seus cabelos coloridos em mechas disformes estavam sempre em ordem e suportados por um cheiroso fixador que se sentia já ao subir os primeiros degraus da recepção. Salvatore sempre usava terno e gravata, pois além de zelador do nosso prédio, exercia também a função de condutor de ônibus urbano da cidade. Certo dia fui surpreendido pelo som da campainha que tocou de forma inesperada, pois ainda não conhecíamos ninguém no prédio. Era a vizinha do apartamento ao lado, que trazia em mãos um tabuleiro com um bolo apenas retirado do forno. Ela era uma mulher jovem e muito bonita, que se apresentou dizendo ser a moradora do lado e que, ao tomar conhecimento da nossa chegada no prédio, fez aquele bolo para vir se apresentar. Curioso foi que ela partiu o bolo na nossa frente em duas partes iguais, nos deixando uma metade e retornando para a sua casa com a outra parte do bolo. Mais tarde, o Salvatore me relatou que nossos vizinhos se tratavam de um casal de dirigentes do partido comunista italiano. Em outro momento, ao voltar da escola, o Salvatore me convida até a sua casa para mostrar os discos de vinil de música brasileira que ele possuía. Fiquei muito surpreso que entre os vários LP que ele tinha, ter ressaltado que o que mais gostava era um disco instrumental do percursionista Naná Vasconcelos (1944-2016). Salvatore também me fez uma pergunta que me colocou em visível embaraço, ao me indagar se era verdade que os recursos mandados da Europa para ajudar as crianças de rua no Brasil eram desviados, pois ele mesmo colaborava pagando um carnê mensal através da sua igreja. Disse a ele que sim, que isso poderia ocorrer, mas que não era na sua maioria. Disse ainda que o dinheiro vindo da Europa para as crianças do Brasil ajudava, em muito, a amenizar as suas necessidades e que

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CAPÍTULO 05

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Retornando ao Brasil

O meu retorno ao Brasil se deu no final de julho de 1994, com o diploma de Master em Industrial e Visual Design pela SPD, porém uma certeza eu tinha comigo, a qual levava como um verdadeiro segredo de Estado, eu voltaria para realizar o doutorado em design que naquela época já tinha iniciado a sua primeira turma no Politecnico di Milano. Vale ressaltar que o meu retorno ao Brasil era uma grande incógnita para mim em todos os sentidos, pois não estava retornando para a casa onde vivia e também não tinha certeza como seria a minha retomada profissional. A única certeza eram minhas aulas na FUMA, de onde tinha me licenciado para o período dos estudos em Milão. Voltei a morar na casa dos meus pais e no segundo andar do apartamento organizei as caixas de livros e demais pertences que trouxera da Itália, tudo isso era o que tinha comigo somado à pouca quantidade de dinheiro que me sobrara. Esta realidade me fez lembrar de uma cena do filme Tomates verdes fritos, do diretor Jon Avnet, de 1991, quando a protagonista do filme, ao se separar do marido, assim se exprime: “Todos que se separam deveriam voltar a viver um tempo na casa dos pais”. Para mim, que tinha saído da casa de meus pais aos 25 anos de idade para morar sozinho, não era muito fácil voltar a viver com os pais, mesmo sabendo que seria temporário e seria a melhor opção para o momento. A minha mãe estava muito contente com a minha chegada, pois éramos oito irmãos e a maioria já tinha se casado e o meu retorno trouxe novidade e vida para a rotina deles. Retomei também as atividades da minha empresa Dijon Design, mas não mais no formato de escritório de prestação de serviço como antes. Passei a atuar como empresa de consultoria por meio de contrato em que constavam as atividades e valores preestabelecidos entre as partes. Eu tinha percebido que em Milão muitos dos designers optaram por trabalhar no formato de consultoria ou mantinham escritório de estrutura bem enxuta, tendo poucas pessoas como assistentes ou associados, e muitos deles dividiam seus tempos entre a consul-

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toria e as atividades acadêmicas. Decidi, portanto, que seria assim o meu novo formato de trabalho, o que em muito me facilitou, pois eu já tinha a minha empresa constituída desde 1987. Um dia toca o telefone da casa da minha mãe, era o diretor industrial da Madeirense, Sérgio Branco, que ficou sabendo do meu retorno e me propôs uma reunião na empresa. Esta reunião ficou a cargo do diretor comercial Alexandre Branco, um exímio e reconhecido negociador, que me convidou para almoçar em um restaurante perto da fábrica. No almoço conversamos sobre a tendência internacional em mobiliário de escritório, sobre os lançamentos e destaques das empresas italianas nesse segmento, sobre o meu curso de mestrado, os encontros com os designers que tinha conhecido e, por fim, sobre o mercado brasileiro, empresas concorrentes da Madeirense, realidade econômica do país, mas nada de falarmos sobre proposta ou contrato de trabalho. O segundo almoço também se seguiu no mesmo formato, onde nenhum dos dois dava a senha para a retomada dos trabalhos. Cada um buscava a sua valorização, isto é, quem abrisse o jogo primeiro poderia fazer com que o outro pedisse mais ou oferecesse menos. Somente no terceiro almoço o Alexandre, com receio de que eu fosse prestar consultoria para alguma outra empresa, me desafia: “E então, vamos incomodar os concorrentes? O que você está pensando para que possamos voltar a trabalhar juntos?” A senha estava dada, pois eles sabiam que eu tinha muita novidade para ser colocada em prática e também tinha aberto muitas portas em Milão. Por outro lado, eles tinham as referências dos trabalhos precedentes e da bem-sucedida experiência anterior, assim tínhamos juntos grandes chances de sucesso.

Consultoria à Madeirense Móveis para Escritórios

Aceitei, então, o convite para reintegrar a empresa, mas em condições diferentes das anteriores. Para tanto, fiz um contrato de consultoria e de prestação de serviços, em que parte do pagamento seria fixo e parte em comissão sobre o faturamento mensal da empresa. Essa soma acordada seria mensalmente repassada por meio da emissão de nota fiscal em nome da minha empresa. Rezava também no contrato que o último valor recebido em dezembro de cada ano seria replicado em forma de décimo terceiro pagamento, e que o horário de trabalho se daria em formato de meio expediente na fábrica da empresa, em Belo Horizonte. Da parte da empresa, foi a mim solicitado que constasse no contrato que não poderia conceder nenhum tipo de consultoria ou prestação de serviços às empresas concorrentes, enquanto o contrato com a Madeirense estivesse em vigor. Constava também que deveria prestar suporte ao departamento comercial e aos representantes, por meio de palestras, prospecção de vendas, defesas conceituais e técnicas sobre os novos produtos desenvolvidos e os já existentes.

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CAPÍTULO 06

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Livro Limites do Design

Fiquei cerca de dois anos revisando os textos do meu primeiro livro Limites do Design e preparando toda a documentação para utilizar da isenção fiscal, por meio da Lei Rouanet do Ministério da Cultura, em busca de viabilizar a edição do livro. O nosso reitor da UEMG, professor Aluisio Pimenta (1923-2016), foi quem me apresentou a diretora de Educação e Cultura da Fiat Automóveis, Silvana Rizzioli, a quem entreguei um volume que tinha artesanalmente preparado para avaliação de apoio financeiro buscando a publicação do livro. Um outro volume também foi entregue à Carla Milano, para avaliação da editora Studio Nobel de São Paulo. A Carla me foi apresentada pela Maria Cecília Loschiavo, por ocasião do lançamento do seu livro que promovemos em Belo Horizonte. A Studio Nobel era uma editora com grande experiência em edições nas áreas humanas e artísticas, mas até então quase não havia publicações no âmbito do design, exceto a da própria Maria Cecília. O meu livro teve um orçamento bastante alto, inclusive para os padrões que se praticam nos dias atuais, isso devido a ter sido realizado em policromia com impressão em papel couché. Certo dia, recebi um telefonema da Fiat solicitando uma reunião com a Silvana Rizzioli para tratarmos do meu livro. Foi uma grande emoção ouvir da diretora de educação e cultura da Fiat que a empresa arcaria com 60% dos custos da minha publicação, o que na época equivalia a um carro Fiat Uno 0 km. Os outros 40% foram divididos, também por meio da Lei Rouanet, entre a Madeirense Móveis para Escritórios e a Itatiaia Móveis, uma empresa com sede na cidade mineira de Ubá, sendo a maior fabricante de cozinhas planejadas em metal da América Latina. Certa vez, estava em um restaurante em Belo Horizonte, quando vi em uma outra mesa o Lincoln Costa (1944–2005), fundador e presidente da Itatiaia Móveis, ocasião em que fui até a mesa para agradecê-lo por ter colaborado com a minha publicação. Elegantemente ele me disse que eu não tinha nada que agradecer e me disse que quando alguém se propõe a divulgar o produto brasileiro e nossas empresas, merecia da parte dele esse apoio.

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A primeira edição de dois mil livros de Limites do Design foi distribuída nas livrarias do Brasil, no segundo semestre de 1997, e foi rapidamente esgotada. Nessa época já tínhamos um maior número de escolas de design no país, sejam públicas ou privadas, distribuídas praticamente em todas as capitais dos estados brasileiros, fato que me fez constantemente viajar debatendo e divulgando o livro com estudantes e professores, bem como demais interessados pelo tema design. O livro teve seu lançamento em Belo Horizonte, em abril de 1998, com noite de autógrafos e coquetel no Ponteio Lar Shopping. O lançamento foi seguido por uma palestra dentro do projeto “Sempre um Papo”, no auditório da FIEMG, também em Belo Horizonte. Ambos os eventos foram bastante prestigiados, sendo necessária a adição de cadeiras tanto no espaço do Ponteio quanto no auditório da FIEMG. Vale ressaltar que nos meados dos anos 1990, uma publicação de design ainda era tida como novidade no Brasil, por isso mesmo, ciente da falta de publicações no gênero no nosso país, convidei vários colegas que atuavam na primeira linha do design brasileiro e da Itália para emitirem suas opiniões sobre o livro. Assim, esse livro conta com o testemunho de Gustavo Amarante Bonfim, Ivens Fontoura, Adélia Borges e Maria Cecília Loschiavo por parte dos brasileiros, e de Achille Castiglioni, Hanz Waibl e Nino di Salvatore por parte dos italianos. O prefácio do livro, a meu convite, ficou a cargo do então reitor da UEMG, professor Aluísio Pimenta. A mídia nacional também dedicou grande espaço para essa publicação, seja ao cobrir os eventos de lançamento do livro ou com resenhas que foram publicadas em diferentes revistas e jornais brasileiros. Por ocasião do lançamento em Belo Horizonte, seguiram-se várias matérias, dentre essas a resenha do jornalista Carlos Herculano Lopes, publicada no Caderno Cultura do jornal Estado de Minas, em janeiro de 1998. Considerado o primeiro livro sobre design publicado por um profissional mineiro, e figurando entre os cinco primeiros já lançados por profissionais brasileiros, limites do design..., que sai com uma tiragem inicial de dois mil exemplares, está com lançamento previsto para o mês de abril em Belo Horizonte. Sobre ele o Reitor da Universidade do Estado de Minas Gerais e ex-Ministro da Cultura Aluísio Pimenta disse, no prefácio, que o livro proporciona ainda uma rica contribuição à cultura material junto às empresas produtoras e aos formadores de opinião dentro do intelecto ativo e fascinante mundo design. E Maria Cecília Loschiavo dos Santos, pesquisadora da cultura material brasileira completa: Dijon De Moraes integra uma geração de designers mineiros intuitivamente criativos, sempre estimulados a repensar teoricamente sua experiência.

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CAPÍTULO 07

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Doutorado em Design no Politecnico di Milano

Em junho de 1999 formalizei o meu pedido de licença junto à Escola de Design da UEMG e segui para o percurso de doutorado na Itália. O nosso apartamento em Milão ficava na Via Belgirate, onde tínhamos um confortável e espaçoso quarto de casal contendo armários embutidos piso-teto, uma antessala na entrada, que usávamos como escritório, uma cozinha cuja janela dava para os jardins do prédio e uma sala bastante grande com jogos de sofás e estantes. No final dessa sala havia um balcão que dava para outro jardim lateral, nesse terraço colocamos uma poltrona que encontramos na calçada do nosso prédio, possivelmente descartada por algum morador. O nosso prédio tinha um jardim principal que emendava com o do prédio vizinho, que, por sua vez, tinha o mesmo desenho e formato que o nosso. Apesar de terem entradas separadas, os prédios condividiam o mesmo jardim e, assim, ampliava o espaço ao nosso entorno. O apartamento se localizava no primeiro vão chamado de piano rialsato e, para chegar à nossa casa, subia-se uma escada localizada em frente ao jardim. Bem diante da janela da nossa cozinha havia uma grande e frondosa árvore, que era a nossa companheira em todas as estações, pois a víamos verde no verão, florida na primavera, amarela e ocre no outono e completamente branca pela neve do inverno. A nossa bonita árvore nos anunciava, melhor que qualquer outro meio, que o tempo e a vida passavam. Certo dia, a campainha toca e uma moça se apresenta em português, dizendo ser moradora do quarto andar e que tinha ficado sabendo do casal de brasileiros que tinha se mudado para o prédio. A Daniela Carosio tinha vivido em São Paulo quando adolescente por causa do seu pai, um executivo da Phillips que havia trabalhado no Brasil. A Clarice e eu ficamos ainda mais próximos da Daniela quando descobrimos que o Doutor Carosio, tinha sido meu professor de marketing por ocasião do Master na Scuola Politécnica di Design. Da nossa casa eu apanhava um ônibus que comodamente me deixava no Campus Bovisa, onde ocorriam as atividades do doutorado.

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O reconhecimento do Politecnico di Milano como uma das maiores e mais conceituadas instituições universitárias da Europa se agrupa à sua história como o mais antigo ateneu milanês. Uma grande universidade de caráter científico e tecnológico, mas também de grande relevância intelectual, considerada como o templo maior da cultura do projeto italiano, justamente por abrigar as áreas de engenharia, arquitetura e design sob um mesmo teto. A instituição, que teve origem em 1608, é hoje uma grande referência como centro de excelência entre as instituições públicas da Itália. Mas é oportuno registrar que o Politecnico di Milano, na estrutura hoje existente, teve esse formato estabelecido em 1863 por um grupo de estudiosos, intelectuais e empresários milaneses que assim o definiram e o conceberam, nesse sentido, por meio dos seus dezesseis departamentos e seis campi presentes em Milão, Como, Cremona, Lecco, Mantova e Piacenza, que compõem a rede acadêmica do Polimi. Pela instituição passaram eminentes personalidades da matemática, química e engenharia, como: Francesco Brioschi (1824–1897), Luigi Cremona (1830–1903), Giulio Castelli (1920–2006) e Giulio Natta (1903–1979), este último agraciado com o “Prêmio Nobel de Química de 1963”, em pesquisa realizada no laboratório de química do Campus Leonardo da Vinci, em Milão. Dentre os protagonistas da cultura material e do ambiente construído por meio da arquitetura e do design que estudaram ou lecionaram no politécnico se destacam: Gio Ponti (1891–1979), Giuseppe Terragni (1904–1943), Franco Albini (1905–1977), Marco Zanuzo (1916–2001), Achille Castiglioni (1918–2002), Anna Castelli Ferrieri (1918–2006), Vico Magistretti (1920–2006), Alberto Rosseli (1921–1976), Angelo Mangiarotti (1921–2012), Tomás Maldonado (1922–2018), Gae Aulenti (1927–2012), Vittorio Gregotti (1927–2020), Joe Colombo (1930–1971), Aldo Rossi (1931–1997), Alessandro Mendini (1931–2019), Umberto Eco (1932– 2016), Isao Hosoe (1942–2015), Francesco Trabucco (1944-2021), Pierluigi Cerri, Cini Boeri, Mario Bellini, Renzo Piano, Alberto Meda, Antonio Citterio, Ítalo Lupi, Ugo La Pietra, Franco Raggi, Michelle De Lucchi, Piero Lissoni, Giovanni Anceschi, Andrea Branzi e Ezio Manzini. Os designers Ettore Sottsass (1917–2007), Enzo Mari (1932-2020) e Bob Noorda (1927–2010), os estilistas Giorgio Armani e Gianfranco Ferré (1944–2007), os executivos Sergio Pininfarina e Luca Di Montezemolo (Ferrari) e o teórico e historiador Gillo Dorfles (1910–2018) estão entre os que foram agraciados com o título doutor honoris causa em design concedido pelo Politecnico di Milano. O curso e o departamento de design foram os últimos a serem instituídos na universidade, curiosamente o programa de PhD em Design foi ativado no ano de 1990 dentro do departamento de arquitetura, e somente a partir de 1994 com departamento próprio, ano esse do primeiro curso de design em uma universidade pública italiana, que foi no Polimi. O curso PhD em Design do Politécnico

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CAPÍTULO 08

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Origens italianas

Um dia, ao voltar do Politecnico, encontrei a Clarice muito eufórica e logo me surpreendendo: “Sabe o que fiz hoje?” Como não tive resposta, foi logo dizendo: “Eu liguei para a minha família aqui da Itália, na cidade de Gussola, no distrito de Cremona”, disse ela, continuando: “Busquei nas páginas amarelas pelo sobrenome Frigeri e o primeiro nome que constava na lista foi quem me atendeu”, completou. A familiar inicialmente ficou bastante desconfiada, dizendo que retornaria a ligação no dia seguinte, pois averiguaria se tratava-se da mesma Paulina Frigeri (1884–1974) que era a bisavó da Clarice e poderia ser sua tia-avó. A pessoa também conversaria com os demais familiares que possuíam fotos e documentos como registro de família. Consta que ela foi até mesmo ao cemitério para confirmar os nomes e as datas de morte dos antepassados indicados pela Clarice. “Sim”, disse ela ao retornar a ligação, “você é mesmo a nossa prima, bisneta da tia Paulina, que foi para o Brasil em 1889”. Os antepassados italianos da Clarice tinham ido para o Brasil em busca de melhoria de vida, devido à forte crise por que passava a Itália no final do século XIX e início do século XX. Esses imigrantes viajaram em precárias embarcações independentes e, no caso da “vó Paulina”, ela seguiu junto com seus pais e mais outros cinco irmãos, levando vários meses de travessia até a chegada ao Brasil, no porto de Santos, para depois seguir para Minas Gerais, que era o destino final da família. Após comprovados os laços familiares, foi marcado um encontro para que pudéssemos ir até Gussola encontrar e conhecer os membros da família, dentre eles os mais velhos, que ainda conviveram com a “vó Paulina”, bem como os novos descendentes, que sabiam da saga da migração dos seus antepassados para o Brasil, história essa sempre contada pelos seus avós. Assim, Clarice e eu seguimos para a cidade de Cremona para o encontro que foi marcado para um domingo às 09h00, em frente ao Duomo da cidade. À noite a Clarice mal conseguia dormir, acordando muito antes das 06h00 já bastante ansiosa pelo encontro. Após o café

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da manhã, seguimos em direção à igreja, mas devido ao estágio de ansiedade a Clarice escorrega, acabando por ralar o joelho no chão em nítido sinal de apreensão. Quando chegamos à Praça da Matriz, que àquela hora se encontrava completamente vazia, vimos uma senhora e um rapaz em pé na porta da igreja, e eles, quando nos viram, também intuíram se tratar dos parentes brasileiros. Eles vieram caminhando em nossa direção já com o sorriso aberto e assim elas se abraçaram com muita estima e carinho, eram muito parecidas, como cor de pele, cabelos e olhos verdes. Essa cena do encontro da Clarice com os primeiros membros da sua família italiana permanece ainda nítida na minha memória, como se tivesse recentemente ocorrido. Seguimos de carro para Gussola, que fica a menos de trinta minutos de Cremona, por uma estrada retilínea que corta uma extensa planície cuja rodovia é ladeada por pequenas propriedades que produzem vinhedos e oliveiras. Essas terras são banhadas pelo imenso Rio Pó, um dos ícones naturais que cortam a região da Lombardia. Em Gussola fomos direto para o restaurante da pequena cidade onde 27 pessoas da família Frigeri, entre idosos, adultos, jovens e crianças, nos aguardavam para um almoço com direito a muito vinho, várias sequências de pratos e, como gran finale, uma grande torta com os dizeres Benvenuti, Cugini (Bem-vindos, primos). Em Gussola vimos fotografias antigas da vó Paulina no Brasil, inclusive fotos das obras do Oscar Niemeyer na Pampulha, ainda em construção, com andaimes de madeira e terraplanagens de contenção da grande lagoa que foi ampliada. Vimos, de igual forma, fotos da Avenida Afonso Pena e da Praça da Liberdade ainda com vegetação original do início do século XX. O marido da vó Paulina foi um dos construtores da capital mineira, e com a construção civil fizeram a vida no Brasil. Por isso mesmo ela era tratada pelos parentes da Itália como a Zia della America (tia da América), em uma alusão às pessoas que migraram e se fizeram na América, isto é, deram-se bem financeiramente no novo mundo. A família Frigeri também nos levou para conhecer a pequena propriedade rural nos arredores da cidade, onde os seus antepassados trabalhavam até que seguissem em busca de um futuro melhor no Brasil. Na velha casa da fattoria delle sabie (fazenda das areias) se via ainda intacto o quarto da vó Paulina, cujas paredes ostentavam desenhos com motivos florais pintados à mão. Disseram-nos que ela tinha mandado recursos do Brasil para construir o seu quarto, ajudar na manutenção da pequena propriedade e auxiliar os familiares que tinham ficado na Itália. Ela visitou várias vezes a família na Itália nos meados do século XX e ganhou de presente da companhia marítima um certificado de coroamento por ter cruzado 25 vezes a linha do equador pelo oceano Atlântico. Por causa desse gesto da Clarice uma história de desencontro familiar tinha sido restabelecida em forma de grande encontro, inclusive para a geração dos

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CAPÍTULO 09

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Retorno ao Brasil após o doutorado

O dia do nosso retorno ao Brasil, em dezembro de 2003, foi marcado por alguns incidentes que ocorreram no translado para o aeroporto. Tínhamos acertado com uma empresa de táxi a reserva de dois carros bastante grandes, pois estávamos retornando com a nossa mudança, contendo muitos volumes. No dia da nossa partida chovia e fazia muito frio e, apesar de ser 17h00, parecia já ser noite devido ao avançar da escuridão. Durante o trajeto de Milão para o aeroporto de Malpensa, os dois taxistas se comunicavam em busca de não se perderem, vez que as bagagens deveriam ser descarregadas na mesma plataforma onde se localizava a empresa TAM Linhas Aéreas. O motorista que nos guiava me pergunta por que deixávamos a Itália, foi quando lhe expliquei que tínhamos vindo por um período de quatro anos para cursar o doutorado e que retornávamos após a conclusão do curso. Ele me parecia muito desiludido com a condição de vida na Itália, pois me lembro de ele ter dito que fazíamos muito bem em retornar para o Brasil. Segundo ele, a Itália estava em crise e como exemplo nos relatou que ele tinha recebido uma casa do pai, mas que hoje não seria capaz de deixar o mesmo para o filho. Ao desembarcarmos no aeroporto de Malpensa, apanhei uma série de carrinhos para colocar as nossas bagagens. Fato é que logo quando tinha organizado os nossos pertences, percebi a falta da minha bolsa que tinha ficado dentro do táxi que já tinha partido. Além do certificado de batismo aéreo do João Pedro e da caderneta do viajante imaginário da experiência com a Caleca Itália, dentro da bolsa se encontravam também o registro de nascimento e de batismo originais do João Pedro, o meu histórico escolar do doutorado autenticado na Comune de Milano e reconhecido pelo Consulado Brasileiro, bem como três outras cadernetas Moleskine contendo vários desenhos de produtos que havia concebido durante os quatro anos de estadia em Milão e, por fim, o valor de três mil euros em espécie. Seguimos para a polícia do aeroporto, que fez várias tentativas de chamar o motorista pela central do táxi em que havíamos feito a reserva, mas ele não

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atendia e o celular dava sinais como fora de área de serviço. Algo estranho para quem voltava com o táxi vazio para Milão; e assim concluiu o policial: “Vergonha, foi mesmo o taxista que ficou com a sua bolsa, infelizmente isso acontece.” Por sorte os passaportes tinham ficado na bolsa da Clarice e assim pudemos embarcar. Irônico foi que me lembrei, já dentro do avião, que na bolsa também estava um DVD original do filme A vida é bela (1997) do Roberto Benigni, que tinha adquirido como lembrança da estadia na Itália. Apesar desse desencontro, Belo Horizonte foi uma festa, amigos e familiares estavam curiosos para conhecer o novo membro da família que havia chegado. A escolha da data de retorno não foi por acaso, vez que passamos o Natal e a festa de Ano Novo em família, que naquele ano foi mais animado que os anteriores. Quanto à minha bolsa, documentos e dinheiro, ficaram mesmo como perdidos e não restou outra alternativa a não ser recorrer aos amigos para providenciar as segundas vias dos documentos. A retomada das atividades no Brasil Iniciei o ano de 2004 com bastantes atividades profissionais. Primeiro retomei a disciplina Prática Projetual na Escola de Design da UEMG. E, como professor, retomei os temas de conteúdos amplos e genéricos para as propostas dos nossos projetos, mas ampliei o desafio da inserção da cultura brasileira nos produtos e artefatos por meio da decodificação da ambiência territorial, identidade cultural, arquitetura e festividades locais como possíveis atributos a eles intrínsecos. Nesse sentido, o primeiro tema por mim proposto após o meu retorno teve como título “Moda e acessórios com ênfase na cultura brasileira”. Recordo-me de que, dentre os resultados desse tema, surgiram interessantes propostas, como uma coleção de calçados femininos, tendo como referência o uso das pedras preciosas brasileiras como adornos; um conjunto de acessórios de moda a partir da estética e das festividades nordestinas; e uma linha de roupas tendo como referência a arquitetura modernista de Oscar Niemeyer. Tornei-me membro do colegiado da Redemat, um consórcio entre a Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), Fundação Centro Tecnológico de Minas Gerais (Cetec) e a UEMG, que conjuntamente ofertam um programa de mestrado e doutorado em Engenharia de Materiais. Nesse consórcio passei a ministrar a disciplina “Metaprojeto”, que trouxera como novidade da minha experiência na Itália. Foi surpreendente ver o interesse dos estudantes por essa disciplina, cujas vagas disponíveis se exauriam em poucos dias após a abertura das matrículas, deixando a sala de aula sempre repleta de olhares atentos. O Metaprojeto se apresenta como um pack of tools que considera os métodos dialéticos e dedutivos, bem como diferentes hipóteses para a concepção e/ou correção dos artefatos destinados à produção industrial. É objetivo do metaprojeto

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CAPÍTULO 10

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A caminho da gestão universitária

Em 2006, recebi convite para acompanhar o reitor e a pró-reitora de Planejamento e Gestão da UEMG, que tinham no mês de abril uma viagem a trabalho à Itália. A finalidade dessa missão era conhecer o programa de Parceria Público Privado (PPP) adotado em órgãos públicos e universidades italianas. Outra finalidade da viagem era também abrir uma frente de interlocução com o Politecnico di Torino (Polito), no sentido de atender às diretrizes do governo de Minas, que apontava para que órgãos e autarquias do estado buscassem parcerias com instituições da região do Piemonte, considerando, dentre outros, a forte presença de cerca de 75 empresas italianas em Minas, dentre elas a Fiat Automóveis na cidade de Betim. A primeira etapa da viagem foi em Milão, onde fomos recebidos pelo pró-reitor de Planejamento do Politecnico di Milano, professor Giuseppe Catalano, que nos explicou sobre o modelo PPP, que foi aplicado no novo campus da universidade na região de Bovisa, o mesmo campus que tinha frequentado por ocasião do meu percurso de doutorado, e também por isso essa missão tinha um sabor especial para mim. É interessante que sempre me chamou a atenção a quantidade de prédios novos que se construía no campus de Bovisa, antes uma zona industrial degradada que foi adquirida para ampliar a infraestrutura do Politécnico. Tampouco soubera que o modelo implementado de construção do novo campus tinha sido por meio do formato de PPP, em que vários galpões industriais foram adaptados e tanto outros prédios construídos para salas de aula, laboratórios e oficinas. No final das apresentações sobre o modelo de PPP aplicado no Politécnico, o pró-reitor me deu de presente um livro de sua autoria com o instigante título Valutare le attività amministrative delle università: aspetti metodologici e buone pratiche (Avaliar as atividades administrativas das universidades: aspectos metodológicos e boas práticas). De Milão seguimos para Turim, onde, no Politecnico di Torino, tivemos reuniões com o reitor professor Francesco Profumo; a responsável pelo Escritório de Relações Internacionais da instituição, Elisa Armando; e os professores da Faculdade de Design Luigi Bistagnino e Claudio Germak. Da parte da UEMG, participaram o reitor José Antônio dos Reis, a pró-reitora Maria Celeste Pires,

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além de mim, que intermediei as tratativas de parceria, o que resultou em uma carta de intenções assinada entre o Polito e a UEMG. Recordo que no inicio do encontro o reitor Profumo pergunta em inglês qual língua seria falada na reunião: inglês ou italiano? Respondi que poderia ser qualquer uma das duas, mas como estávamos na Itália e tinha vivido por seis anos em Milão a reunião poderia ser em italiano mesmo e, assim ocorreu. De Turim seguimos para Roma, onde averiguamos, de igual forma, as aplicações das PPP em demais órgãos públicos, como prédios administrativos e hospitais. Nessa ocasião fomos recebidos por Alberto Germani, especialista do governo italiano em PPP. Esse modelo parecia ter dado muito certo na Itália, vez que, por onde passamos, tivemos bons relatos e uma boa impressão sobre a qualidade das obras executadas, bem como informações técnicas sobre a celeridade no cumprimento dos prazos das edificações, que, em se tratando de obras públicas, são sempre demoradas. O retorno da missão ao Brasil coincidiu com o período em que se iniciava o processo de sucessão na reitoria da universidade, ocasião em que fui estimulado por várias colegas da Escola de Design para compor chapa como vice-reitor. Esse convite, a princípio, não me atraiu muito, pois não fazia parte de meus planos profissionais. O que me interessava mesmo era a teoria e prática do design em todos os seus âmbitos de atuação. Alguns fatores, porém, foram determinantes para que eu mudasse de ideia e “entrasse em campo”, como se diz na Itália. O primeiro fator foi uma conversa que tive com o saudoso professor Aluísio Pimenta, o primeiro reitor da universidade e também seu grande mentor intelectual, função esta que exerceu por oito anos após ter deixado o Ministério da Cultura no primeiro governo civil após a ditadura militar no Brasil. O professor Aluísio Pimenta, na oportunidade de lançamento do meu livro, Análise do design brasileiro: entre mimese e mestiçagem, me fez a seguinte observação: “A UEMG precisa de novas energias e de jovens lideranças, você deveria considerar essa missão como uma contribuição à nossa também jovem instituição.” Outro motivo que me levou a aceitar o desafio de compor chapa para a reitoria da UEMG, foi o fato de a universidade ser, naquela época, mais voltada para áreas sociais aplicadas, artísticas e humanas, com destaque para o design, artes plásticas, música e educação. O último e decisivo motivador para mim foi o fato de, durante a pesquisa de doutorado na Itália, ter percebido que o percurso da história se faz a partir das decisões que são tomadas por quem ocupa os cargos de gestão e de liderança. E que isso pode levar a uma ou outra realidade distinta dos fatos, conforme o caminho tomado pelas lideranças, como ocorrido com o percurso do design no Brasil, isto é, as decisões a serem tomadas dependem das pessoas que se encontram no momento ocupando os cargos. O problema passa a ser, então, quem são essas pessoas.

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CAPÍTULO 11

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Primeira gestão como reitor

Ao retornar da missão de Cuba, estavam abertas as inscrições para a eleição da nova gestão da UEMG para o período 2010–2014 e me encontrava como candidato natural por já estar como vice-reitor. Havia também adquirido experiência sobre a gestão de uma universidade nesses últimos quatro anos. A função de vice é um grande aprendizado, pois você não tem as prerrogativas do titular, ficando em função do que estatutariamente lhe compete e o que lhe for delegado a realizar pelo reitor. Ser vice também é um grande exercício de humildade, pois não existem dois reitores ou dois mandatários em uma mesma instituição e, muitas vezes, essa linha é tênue e cabe sempre ao vice perceber a sua função e o seu papel na gestão. No período da gestão que participei como vice-reitor, presenciei a UEMG expandir seus campi por mais três cidades de Minas Gerais, que foram João Monlevade, Frutal e Ubá, sendo que nesta última havia um curso fora de sede em Design de Produto dentre os demais ofertados. Isso devido à grande quantidade de indústrias moveleiras presentes naquela região. Interessante notar que esse crescimento da UEMG se deu antes das seis fundações associadas que esperavam há tempos na fila para serem estadualizadas. Ao me colocar como candidato a reitor em 2010, faltava ainda a escolha do vice para compor a chapa que disputaria a eleição. Nesse ínterim, fui surpreendido com uma proposta de um grupo de professores da Faculdade de Educação (FAE), que, ao me convidar para um café, me propuseram unir as duas chapas que já tinham se colocado para concorrer às eleições. A outra tinha a professora Santuza Abras como cabeça de chapa, mas também com o vice ainda por definir. Perguntei ao grupo se a professora Santuza já estava de acordo com essa proposta que faziam quando me responderam: “Queremos saber primeiro se você aceita a união das chapas, nós faremos as negociações internas, pois a chapa é da Faculdade de Educação.” Assim, com esse acordo lançamos a chapa “Aliança pela UEMG”, ficando na composição eu como candidato a reitor e a professora Santuza como

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vice-reitora e, assim, vencemos as eleições com 64% dos votos, concorrendo com mais outra chapa. A nomeação se deu com a assinatura do ato pelo governador no Palácio das Mangabeiras, somente com a nossa presença, a do governador e do secretário da Sectes, órgão ao qual a UEMG era, à época, legalmente vinculada na estrutura do Estado. O ato de posse foi realizado na sala dos conselhos superiores da universidade, em julho de 2010. A transmissão de cargo contou com a presença de várias autoridades públicas, secretários de Estado, presidentes de estatais e de grande parte da minha família e da Clarice, além de amigos e colegas professores, servidores e estudantes da UEMG que também prestigiaram o evento de posse. Para a minha surpresa, o professor Itiro Iida veio de Brasília sem me avisar e fiquei muito grato com a presença dele nessa cerimônia. Impossibilitada de comparecer ao ato de transmissão do cargo por problemas de saúde, a reitora Janete Barreto Paiva foi representada pelo conselheiro decano da universidade, professor José Nunes Filho, que coincidentemente era meu colega de departamento na Escola de Design. Como ocorre em todas as gestões que se iniciam, as mudanças nos quadros de colaboradores são devidas, naturais e necessárias até mesmo para mostrar que se trata de nova gestão. Assim, montamos uma equipe de trabalho na qual confiamos ao professor Eduardo Santa Cecília a chefia de gabinete, pois ele era um grande conhecedor da universidade, vez que tinha estreitamente colaborado na gestão pioneira do prof. Aluísio Pimenta logo no início da instituição da UEMG. A professora Terezinha Abreu Gontijo se manteve como assessora de gabinete, pois vinha conduzindo um brilhante trabalho no processo de recadastramento da Universidade junto ao Conselho Estadual de Educação de Minas Gerais (CEE). Outra assessora de muito reconhecimento era a Ana Adelina Lins, que tinha formatado todos os procedimentos e as normas da Universidade e detinha, como poucos, precisas informações sobre o histórico da UEMG, desde a sua instituição até os dias atuais. Buscando uma maior representatividade das unidades na gestão superior, a professora Renata Nunes Vasconcelos da Faculdade de Educação assumiu a pró-reitoria de ensino e extensão, a professora Luzia Gontijo da Escola Guignard a pró-reitoria de pesquisa e pós-graduação, o professor Antonio Dianese a pró-reitoria de planejamento, gestão e finanças, sendo o professor Rogério Bianchi, diretor da Escola de Música, a Diretoria Geral do Campus de Belo Horizonte. Com esse quadro se percebe que procuramos envolver no destino da universidade várias das unidades que compunham a UEMG naquele momento. Voltamo-nos para a elaboração de um plano de gestão, no qual foram definidas as prioridades e o acompanhamento das suas aplicações. A coordenação geral desse plano foi confiada ao professor Itiro Iida, a quem tinha convidado para compor a nossa equipe na condição de assessor especial de gabinete. Para a elaboração

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CAPÍTULO 12

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Segunda gestão como reitor

Um primeiro mandato de tantos avanços e conquistas para a universidade, nos levou, após vencer uma eleição com 84% dos votos ponderados, a um segundo mandato para o período de 2014–2018, dessa vez tendo como vice-reitor o professor José Eustáquio de Brito, brilhante educador da nossa Faculdade de Educação. O professor Eustáquio é graduado em Filosofia pela UFMG, com ênfase em teoria das organizações e gestão de recursos humanos. Especialista em economia do trabalho e sindicalismo, pelo Centro de Estudos Sindicais e Economia do Trabalho da Unicamp. Mestre e Doutor em Educação pela UFMG, tendo feito doutorado sanduíche, no Institute d’Ergologie de l’Université de Provence, na França. Observa-se que a UEMG não era mais a mesma universidade de antes, pois houve a estadualização da Fundação Educacional de Divinópolis (Funed), a última das associadas a ser absorvida no início do nosso segundo mandato e que trouxera para a UEMG, por consequência, suas duas outras unidades acadêmicas presentes nas cidades de Claudio e Abaeté. Assim, a universidade completou o seu exponencial crescimento passando o corpo discente de 6.700 para 23.000 estudantes, os docentes de 830 para 1.647 professores e de 32 para 117 cursos superiores de graduação. A UEMG, fruto da absorção dessas fundações, passou também a oferecer cursos em áreas que antes não atuava, como ciências agrárias, ciências da saúde e ciências administrativas e econômicas, ampliando a oferta de 1.975 para 6.185 vagas por meio de processo seletivo pelo vestibular e pelo SISU. Ao transformarmos o curso fora de sede em pedagogia da cidade de Poços de Caldas em uma unidade independente, a UEMG passa a ser composta por 21 unidades acadêmicas presentes em 17 cidades mineiras, sendo 5 unidades na capital e 16 em diferentes municípios do interior do estado, se fazendo presente do Pontal do Triângulo mineiro, por meio de Ituiutaba e Frutal, à porta de entrada do Vale do Jequitinhonha por meio de Abaeté e Diamantina. Se for considerado que instituímos no primeiro mandato 11 polos que ofertam cursos de Ensino a Distância (EaD), esses números saltam para a presença da UEMG em 28 cidades

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do estado, elevando, assim, a patamares incontestes e até então inalcançáveis o acesso do cidadão mineiro ao ensino superior público e gratuito. Esse crescimento é reconhecido por todos como um divisor de águas na instituição, pois a UEMG se tornou a terceira maior universidade pública de Minas Gerais em número de estudantes e em oferta de cursos de graduação. Tudo isso considerando dezenove instituições públicas de ensino superior, federais e estaduais, presentes no nosso estado, ficando atrás, nesses quesitos, somente da UFMG e da Universidade Federal de Uberlândia (UFU). Assim, revemos e reformulamos o plano de gestão anterior, avaliamos seus avanços e conquistas e inserimos novos desafios que agora se faziam necessários. Dentre as diretrizes que propusemos no plano de trabalho durante a campanha eleitoral, destacava-se: “A consolidação da UEMG e melhoria da qualidade do ensino, pesquisa e extensão”. Interessante que o nosso folder, que continha as propostas para a nova gestão, se concluía com a seguinte frase em destaque: “Se muito vale o já feito, mais vale o que será… E o que foi feito é preciso conhecer para melhor prosseguir…”, frase que é parte da música de Milton Nascimento e Fernando Brant oportunamente intitulada “O que foi feito”. Utilizamos também, como linha-guia de trabalho, o mesmo modelo do PES que havíamos adotado na primeira gestão. Tínhamos, ainda, muitos desafios a cumprir, vide a dimensão que a universidade tinha tomado em tão pouco período de tempo e tudo o que isso representava em expectativa por parte de professores, estudantes e servidores que agora estavam todos sob um mesmo manto chamado UEMG. A questão dos estudantes era bastante complexa, pois eles não tinham ainda representação como classe nem representatividade junto aos nossos conselhos superiores, apesar de previsto no estatuto. Os estudantes mantinham somente alguns diretórios acadêmicos de abrangência dispersa nas suas diferentes unidades de origem. De igual forma, faltava consolidar a assistência estudantil, ainda bastante incipiente na instituição, e reforçar as políticas de ações afirmativas e de relações étnico-raciais que contemplavam a questão do negro, indígena, deficientes físicos e demais minorias menos assistidas, cujas ações já tinham anteriormente sido iniciadas. Ainda na gestão do reitor Aluísio Pimenta, em 1992, foi instituído o Núcleo de Estudos Afro-brasileiro (NEAB) na UEMG. Na realidade, deveríamos agora enfrentar essas questões de forma mais abrangente, devido à grande expansão havida na universidade. Outra questão muito desafiadora para a gestão era da identidade da universidade, que caminhava para a construção de uma coesão identitária ainda não alcançada. Pelo seu perfil diplomático e conciliador, além da origem nos movimentos estudantis e sociais de base, o professor Eustáquio era o parceiro certo para ajudar a conduzir esse grande desafio que se tornou a nova universidade.

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Espero que este percurso narrativo possibilite maior conhecimento sobre essa fascinante atividade profissional, por meio da vida e obra de quem viu e viveu, a seu modo, o design. Dijon De Moraes PhD em Design

ISBN 978-65-5506-246-5

9 786555 062465

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