Estruturas Algébricas para Licenciatura - Vol. 3

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Capa_Caldeira_vol3_P3.pdf 1 27/07/2020 12:36:55

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Jhone Caldeira Silva

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Olimpio Ribeiro Gomes

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É bacharel, mestre e doutor em Matemática pela Universidade de Brasília (UnB). Como professor, atua profissionalmente desde 1999, tendo ministrado aulas em escolas de Ensino Fundamental e Médio, em preparatórios para vestibulares e concursos e em cursos de graduação e pós-graduação. Atua também como auditor federal de finanças e controle do quadro de pessoal da Controladoria-Geral da União desde 2008, quando foi selecionado para a área de Auditoria e Fiscalização/ Estatística e Cálculos Atuariais.

O ensino de estruturas algébricas na Licenciatura em Matemática é essencial Estruturas Algébricas para Licenciatura é um conjunto de obras que visa auxiliar professores e alunos no processo de ensino e aprendizagem de fundamentos básicos de Matemática, da teoria de conjuntos e das principais estruturas algébricas. Buscamos sanar dificuldades relacionadas à linguagem e ao conteúdo, oferecendo textos dialogados e ricos em detalhes. As demonstrações são desenvolvidas com clareza; exemplos e exercícios são apresentados com o intuito de facilitar o entendimento e a aplicação dos resultados. Ao final de cada livro, apresentamos respostas de alguns exercícios propostos. Neste volume, Elementos de Álgebra Moderna, abordamos o estudo das estruturas algébricas básicas: grupos, anéis e corpos, partindo do estudo detalhado das operações binárias, passando pelos principais tópicos da Álgebra Moderna, até os anéis de polinômios.

Elementos de Álgebra Moderna

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CONTEÚDO

Olimpio Ribeiro Gomes Silva | Gomes

C

É bacharel e licenciado em Matemática pela Universidade Federal de Viçosa (UFV), mestre e doutor em Matemática pela Universidade de Brasília (UnB), com doutorado sanduíche na Universidad Autónoma de Madrid. Desde 2004, atua como professor de cursos de graduação e pós-graduação com experiência na UnB e em instituições de ensino superior no Distrito Federal e em Goiás. Desde 2009, é professor do Instituto de Matemática e Estatística da Universidade Federal de Goiás (IME-UFG).

Jhone Caldeira Silva

Apresentação

Estruturas Algébricas para Licenciatura Elementos de Álgebra Moderna

Agradecimentos Prefácio 1. Tópicos preliminares 2. Operações binárias 3. Propriedades das operações binárias 4. Elementos da teoria de grupos – parte I 5. Elementos da teoria de grupos – parte II 6. Elementos da teoria de anéis 7. Anéis de polinômios Respostas de alguns exercícios

vol.

3

Referências bibliográficas


Jhone Caldeira Silva Olimpio Ribeiro Gomes

ESTRUTURAS ALGÉBRICAS PARA LICENCIATURA VOLUME 3

ELEMENTOS DE ÁLGEBRA MODERNA


Estruturas algébricas para licenciatura: volume 3 – Elementos de Álgebra Moderna © 2020 Jhone Caldeira Silva, Olimpio Ribeiro Gomes Editora Edgard Blücher Ltda.

Arte da capa: Éric Flávio de Araújo, Ana Paula Chaves, Selma Alves Costa e Jhone Caldeira Silva

FiCHA CATALOGRÁFICA Rua Pedroso Alvarenga, 1245, 4o andar 04531-934 – São Paulo – SP – Brasil Tel.: 55 11 3078-5366 contato@blucher.com.br www.blucher.com.br

Segundo Novo Acordo Ortográfico, conforme 5. ed. do Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, Academia Brasileira de Letras, março de 2009.

Silva, Jhone Caldeira Estruturas algébricas para licenciatura : volume 3 : Elementos de Álgebra Moderna / Jhone Caldeira Silva, Olimpio Ribeiro Gomes. — São Paulo : Blucher, 2020. 510 p. : il.

Bibliografia ISBN 978-85-212-1853-1 (impresso) ISBN 978-85-212-1854-8 (e-book)

1. Álgebra 2. Matemática – Estudo e ensino I. Título. II. Gomes, Olimpio Ribeiro.

É proibida a reprodução total ou parcial por quaisquer meios sem autorização escrita da editora.

19-1596

Todos os direitos reservados pela Editora Edgard Blücher Ltda.

1. Álgebra

CDD 512 Índice para catálogo sistemático:


CONTEÚDO

CAPÍTULO 1 – TÓPICOS PRELIMINARES................................................. 19 1.1

Conjuntos, subconjuntos e seus elementos.................................................... 19 Subconjuntos e conjunto das partes de um conjunto..................................... 19 Alguns conjuntos numéricos conhecidos........................................................ 21

1.2

Operações de união, interseção e complementar em conjuntos.................... 22 União de conjuntos......................................................................................... 22 Interseção de conjuntos.................................................................................. 22 Complementar de conjuntos........................................................................... 23 Propriedades................................................................................................... 23

1.3

Produtos cartesianos e relações em conjuntos............................................... 24 Produtos cartesianos....................................................................................... 24 Relações.......................................................................................................... 25 Domínio e imagem de uma relação................................................................ 26

1.4

Relações de equivalência................................................................................ 27 Partição de um conjunto................................................................................. 30

1.5

A Relação de congruência módulo m.............................................................. 31

1.6

Equações de congruências lineares................................................................. 37

1.7

O conceito de função...................................................................................... 40 Domínio e contradomínio de uma função...................................................... 41


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Estruturas algébricas para licenciatura: volume 3 – Elementos de Álgebra Moderna

Imagem de uma função.................................................................................. 41 Igualdade de funções...................................................................................... 42 1.8

Funções injetoras, sobrejetoras e bijetoras.................................................... 44

1.9

Composição de funções e inversa de uma função.......................................... 47 Composição de funções.................................................................................. 47 Função identidade e a inversa de uma função................................................ 51

Exercícios propostos.................................................................................................. 53

CAPÍTULO 2 – OPERAÇÕES BINÁRIAS.................................................... 63 2.1 Introdução....................................................................................................... 63 2.2

Definição e exemplos...................................................................................... 66

2.3

Operações módulo m e conjunto dos inteiros módulo m............................... 72 O conjunto dos inteiros módulo m.................................................................. 73 Operações módulo m...................................................................................... 75

Apêndice: Parte fechada para uma operação........................................................... 80 Apêndice: Tábua de uma operação........................................................................... 82 Construindo a tábua de uma operação .......................................................... 82 Exemplos......................................................................................................... 83 Exercícios propostos.................................................................................................. 86

CAPÍTULO 3 – PROPRIEDADES DAS OPERAÇÕES BINÁRIAS.................. 93 3.1

Propriedades básicas...................................................................................... 94 Comutatividade............................................................................................... 94 Associatividade............................................................................................... 97 Distributividade............................................................................................. 100 Elemento neutro........................................................................................... 104 Elementos simetrizáveis................................................................................ 108 Elementos regulares...................................................................................... 116

3.2

Propriedades das operações módulo m........................................................ 120

Apêndice: Verificando propriedades por meio da tábua de uma operação............ 128 Comutatividade............................................................................................. 129


Conteúdo

15

Associatividade............................................................................................. 129 Elemento neutro........................................................................................... 130 Elementos simetrizáveis................................................................................ 131 Elementos regulares...................................................................................... 132 Exercícios propostos................................................................................................ 133

CAPÍTULO 4 – ELEMENTOS DA TEORIA DE GRUPOS – PARTE I.............143 4.1

O conceito de grupo e propriedades fundamentais..................................... 143 Introdução..................................................................................................... 143 O conceito de grupo...................................................................................... 144 Propriedades imediatas................................................................................ 146

4.2

Exemplos de grupos, ordens e potências...................................................... 150 Potências em um grupo................................................................................ 159 Ordem de um elemento em um grupo......................................................... 186

Exercícios propostos................................................................................................ 190

CAPÍTULO 5 – ELEMENTOS DA TEORIA DE GRUPOS – PARTE II............203 5.1

Subgrupos..................................................................................................... 203 Alguns subgrupos especiais da Teoria de Grupos......................................... 211

5.2

Classes laterais e o Teorema de Lagrange..................................................... 217 Classes laterais.............................................................................................. 217 O número de elementos de uma classe lateral e o índice de um subgrupo em um grupo..................................................... 227 O Teorema de Lagrange................................................................................ 231

5.3

Subgrupos normais e grupos quocientes...................................................... 237 Subgrupos normais....................................................................................... 237 Grupos quocientes........................................................................................ 244 Potências e ordens de elementos em grupos quocientes............................. 249

5.4

Homomorfismos e isomorfismos de grupos................................................. 250 O conceito de homomorfismo de grupos..................................................... 250 O núcleo de um homomorfismo................................................................... 255


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Estruturas algébricas para licenciatura: volume 3 – Elementos de Álgebra Moderna

Caracterização dos grupos cíclicos................................................................ 258 O Primeiro Teorema do Isomorfismo............................................................ 261 Automorfismos e automorfismos internos de grupos.................................. 263 Apêndice: Alguns teoremas clássicos da Teoria de Grupos e recíprocas parciais para o Teorema de Lagrange...................................................................... 266 O Teorema de Cayley..................................................................................... 266 A Equação das Classes e os p-grupos............................................................ 268 O número de elementos de produtos de subgrupos finitos......................... 273 O Teorema de Cauchy e os Teoremas de Sylow............................................ 274 Exercícios propostos................................................................................................ 280

CAPÍTULO 6 – ELEMENTOS DA TEORIA DE ANÉIS.................................305 6.1

O conceito de anel e exemplos..................................................................... 305 Introdução..................................................................................................... 305 Os conceitos de anel, anel comutativo e anel com unidade......................... 306 Exemplos de anéis......................................................................................... 309

6.2

Propriedades fundamentais em um anel...................................................... 316 Propriedades imediatas................................................................................ 316 Subtração em um anel.................................................................................. 319 Potências e múltiplos em um anel................................................................ 322

6.3

Subanéis e ideais........................................................................................... 324 Subanéis........................................................................................................ 324 Ideais .......................................................................................................... 331

6.4

Anéis de integridade e corpos....................................................................... 335 Anéis de integridade..................................................................................... 335 Corpos .......................................................................................................... 340 Quocientes e frações em um corpo.............................................................. 346

6.5

Anéis quocientes........................................................................................... 348 Corpos e ideais maximais.............................................................................. 354

6.6

Homomorfismos e isomorfismos de anéis.................................................... 356 O núcleo de um homomorfismo................................................................... 362 O Primeiro Teorema do Isomorfismo para anéis........................................... 365


Conteúdo

6.7

17

O corpo de frações de um anel de integridade............................................. 367

Apêndice: Corpos finitos......................................................................................... 374 Exercícios propostos................................................................................................ 377

CAPÍTULO 7 – ANÉIS DE POLINÔMIOS..................................................399 7.1

Conceitos e propriedades fundamentais...................................................... 399 Definindo polinômios.................................................................................... 400 Adição e multiplicação de polinômios.......................................................... 401

7.2

Grau de um polinômio.................................................................................. 405

7.3

Algoritmo da Divisão..................................................................................... 408

7.4

Raízes de polinômios..................................................................................... 411

7.5

Métodos de divisão de polinômios............................................................... 416 O Método da Chave...................................................................................... 417 O Algoritmo de Briot-Ruffini.......................................................................... 419

7.6

Irredutibilidade e fatoração de polinômios................................................... 421 Critérios de irredutibilidade.......................................................................... 424

Apêndice: Raízes de polinômios e solubilidade por radicais................................... 428 Raízes racionais de um polinômio em ⊂ [x]................................................... 428 Raízes complexas de um polinômio em [x]................................................ 429 Um pouco de História................................................................................... 430 Apêndice: Apanhado sobre anéis euclidianos......................................................... 433 Exercícios propostos................................................................................................ 442

RESPOSTAS DE ALGUNS EXERCÍCIOS....................................................453 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS............................................................509


CAPÍTULO 1 TÓPICOS PRELIMINARES

Neste primeiro capítulo apresentamos as principais ferramentas que serão utiliza­ das ao longo do livro. A abordagem aqui será bastante sucinta – apenas o suficiente para fixar a notação e relembrar o leitor das técnicas subjacentes a tais ferramentas. Caso o leitor deseje ou sinta necessidade de uma leitura mais profunda, encontrará uma exposição bem mais detalhada em [13] e [14].

1.1 CONJUNTOS, SUBCONJUNTOS E SEUS ELEMENTOS Consideraremos como conceitos primitivos e, portanto, não definiremos formal­ mente as noções de conjunto, elemento, relação de pertinência, relação de igualdade, par ordenado e número de elementos de um conjunto. Para representar que x é um elemento do conjunto X, usaremos a notação x ∈ X , que é lida assim: “x pertence a X”. A negação dessa proposição é representada por x ∉ X , que se lê como “x não pertence a X”.

SUBCONJUNTOS E CONJUNTO DAS PARTES DE UM CONJUNTO Definição 1.1.1 Dizemos que o conjunto X é um subconjunto (ou uma parte) do conjunto Y se todo elemento de X é também elemento de Y. • Notação: Escrevemos X ⊂ Y quando o conjunto X é um subconjunto do con­ junto Y.


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Estruturas algébricas para licenciatura: volume 3 – Elementos de Álgebra Moderna

• O conjunto vazio. Usamos a notação Ø para indicar um conjunto que não pos­ sui nenhum elemento. Ele é chamado de conjunto vazio e tem a propriedade de ser um subconjunto de qualquer conjunto. De fato, se houvesse algum conjunto X do qual Ø não fosse subconjunto, então o conjunto Ø deveria ter algum ele­ mento que não pertencesse a X, o que é impossível, por Ø não possuir nenhum elemento. É importante que o leitor relembre a diferença entre ser elemento e ser subconjunto. Veja o exemplo:

Exemplo 1.1.2 Considere A o conjunto das vogais da palavra paralelepípedo e o conjunto B a, e, {i, o} . (a) O conjunto a, e é um subconjunto dos conjuntos A e B, pois a ∈ A e e ∈ A, a ∈ B e e ∈ B . Escrevemos a, e A e a, e B . (b) O conjunto i, o é um subconjunto de A, pois i ∈ A e o ∈ A, mas não é um subconjunto de B, pois i ∉ B (também o ∉ B , porém basta ver que um elemento de i, o não é elemento de B). Escrevemos i, o A e i, o B . Apesar disso,

i, o é um elemento de B. (c) O conjunto a, o é um subconjunto de A, pois a ∈ A

e o ∈ A, mas não é um

subconjunto de B, pois, como já observamos, o ∉ B. Escrevemos a, o A e a, o B.

A lista de todos os subconjuntos de B é a, e,{i, o} , a, e , a,{i, o} , e,{i, o} , a , e , {i, o} e ∅. A lista de todos os subconjuntos de um dado conjunto recebe um nome especial, como veremos a seguir.

Definição 1.1.3 O conjunto das partes de X, indicado por X , é o conjunto de todos os subcon­ juntos de X. Em outros termos, os elementos do conjunto X são partes do conjunto X. As­ sim, afirmar que A X é equivalente a dizer que A ⊂ X . Em palavras, A é um elemento de X se, e somente se, A é um subconjunto de X. É importante notar que X e Ø sempre são elementos de X . Por exemplo, para o conjunto B a, e, {i, o} , temos ℘( B ) =

{{a, e,{i, o}} , {a, e} , {a,{i, o}} , {e,{i, o}} , {a} , {e} , {{i, o}} , ∅}.


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TĂłpicos preliminares

ALGUNS CONJUNTOS NUMÉRICOS CONHECIDOS Indicando o conjunto de todos os números naturais1 por 0, 1, 2, 3, 4, 5, 6,‌ e o conjunto dos números inteiros por ‌ , 3, 2, 1, 0, 1, 2, 3, 4,‌ , vemos que ⊂ . E mais, se a b

a, b e b 0

denota o conjunto de todos os nĂşmeros racionais, ď‚Ą o conjunto dos reais e

a bi | a, b e i 1

o conjunto dos nĂşmeros complexos, temos a seguinte cadeia de inclusĂľes: ⊂ ⊂ ⊂ ⊂ . • Notação: No caso em que o nĂşmero zero ĂŠ elemento do conjunto X, representamos por X* o conjunto formado por todos os elementos de X excluin* do-se o zero. Assim, para os conjuntos numĂŠricos bem conhecidos, ⊂ , * , ∗∗∗* ∗∗*∗ * ,,,, eeee denotam, respectivamente, os conjuntos dos nĂşmeros naturais nĂŁo nulos, inteiros nĂŁo nulos, racionais nĂŁo nulos, reais nĂŁo nulos e complexos nĂŁo nulos.

Definição 1.1.4 Consideremos dois conjuntos X e Y. Dizemos que X Ê igual a Y se todo elemento de Y Ê tambÊm elemento de X e se todo elemento de X Ê tambÊm elemento de Y. 1

Historicamente falando, o número zero surgiu bem depois dos outros naturais. Entretanto, atualmente, considerå-lo ou não como um número natural Ê uma questão de conveniência. Nesta coleção, optamos por incluir o zero como um número natural por simplicidade e padronização de notação. Acerca desse assunto, fornece-se uma explicação plausível em [9].


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Estruturas algébricas para licenciatura: volume 3 – Elementos de Álgebra Moderna

• Notação: Escrevemos X = Y quando os conjuntos X e Y são iguais. A notação introduzida logo após a Definição 1.1.1 fornece um critério para demonstrar a igualdade de conjuntos: dois conjuntos X e Y são iguais se, e somente se, X ⊂ Y e Y ⊂ X . Em símbolos: X = Y ⇔ X ⊂Y e Y ⊂ X .

1.2 OPERAÇÕES DE UNIÃO, INTERSEÇÃO E COMPLEMENTAR EM CONJUNTOS UNIÃO DE CONJUNTOS Definição 1.2.1 Sejam X e Y partes de um conjunto U. A união dos conjuntos X e Y, indicada por X ∪ Y , é o conjunto x U | x X ou x Y .

Exemplo 1.2.2 Sejam A o conjunto das vogais da palavra paralelepípedo e B o conjunto B a, e, {i, o} . A união A ∪ B é o conjunto A ∪ B = a, e, i, o, {i, o} . [Vale lembrar que o conectivo ou que aparece na Definição 1.2.1 não é exclusivo, ou seja, nada impede que um elemento que esteja simultaneamente em certos conjuntos X e Y pertença à união X ∪ Y , como é o caso dos elementos a e e, pertencentes a ambos os conjuntos A e B dados.] • Observação: segue diretamente da Definição 1.2.1 que, dada uma parte X de U, tem-se X X Y , para qualquer parte Y de U (convidamos o leitor a escrever uma justificativa para esse fato).

INTERSEÇÃO DE CONJUNTOS Definição 1.2.3 Sejam X e Y partes de um conjunto U. A interseção dos conjuntos X e Y, indicada por X ∩ Y , é o conjunto x U | x X e x Y .

Exemplo 1.2.4 Voltando aos conjuntos A e B do Exemplo 1.2.2, vemos que A ∩ B é o conjunto A B a, e .


CAPÍTULO 2 OPERAÇÕES BINÁRIAS

2.1 INTRODUÇÃO Estamos interessados em estudar certas estruturas definidas por funções utilizando um conjunto não vazio S de tal modo que, ao relacionarmos elementos pertencentes a S, teremos por resultado um elemento também pertencente a S. Ou seja, queremos es­ tudar estruturas que possuem a propriedade de “fechamento” em certo sentido. Além disso, desejamos discutir as propriedades que tais estruturas podem ou não assumir. Neste capítulo nos dedicaremos à definição e à apresentação de exemplos dessas es­ truturas e deixaremos a verificação das propriedades fundamentais para o Capítulo 3. A noção de relação será central em nossas discussões. Lembramos no Capítulo 1 que, dados conjuntos X e Y, uma relação de X em Y é todo subconjunto f de X × Y (o produto cartesiano de X por Y). Impondo que uma relação f X Y satisfaça que: (i) para cada elemento x ∈ X dado, existe um elemento y ∈ Y tal que (x , y ) ∈ f ; (ii) se x ∈ X e y , z ∈ Y são elementos tais que (x , y ) ∈ f e (x , z ) ∈ f , então y = z ; dizemos que a relação f é uma função de X em Y. Nossas considerações aqui abordam um tipo especial de função, denominada operação binária. A ideia central é estudar uma função que associa a cada par de elementos de um conjunto não vazio S outro elemento de S. Uma função assim definida é também conhecida como lei de composição interna. Esse tipo de função nos permitirá estudar a estrutura do conjunto S, uma vez que podemos analisar a maneira como “age” sobre S. Vale observar que estamos considerando uma função especial do tipo f : S S S.


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Estruturas algÊbricas para licenciatura: volume 3 – Elementos de à lgebra Moderna

Desde o Ensino Fundamental estamos familiarizados com funçþes desse tipo. Dedicamo-nos com afinco Ă compreensĂŁo das quatro operaçþes bĂĄsicas: adição, sub­ tração, multiplicação e divisĂŁo. Na verdade, esses sĂŁo casos particulares de estruturas mais gerais e representam situaçþes em que as propriedades assumidas nos permitem facilidades de manuseio, o que veremos que nem sempre ocorre. Nosso objetivo aqui ĂŠ apresentar formalmente o significado de se realizarem operaçþes em conjuntos no contexto matemĂĄtico. Por exemplo, sabemos bem como somar dois nĂşmeros naturais, nĂŁo ĂŠ verdade? Convidamos o leitor a olhar de forma mais “tĂŠcnicaâ€? para essa operação tĂŁo bĂĄsica: definamos a função f : ď‚Ľ ď‚Ľ ď‚Ľ, que associa a cada par de elementos (x , y ) ď‚Ľ ď‚Ľ o elemento x y ď‚Ľ. Esse talvez seja o exemplo mais simples de operação que jĂĄ nos foi apresentado durante a formação bĂĄsica. Observemos que a ação de f estĂĄ to­ talmente relacionada com o conjunto dos nĂşmeros naturais, no sentido de que toma dois de seus elementos e associa a soma entre eles, que ainda ĂŠ um elemento em ď‚Ľ. Essa operação ĂŠ conhecida por adição sobre ď‚Ľ. É tambĂŠm bastante conhecido que essa operação de adição ĂŠ associativa, comutativa e tem o nĂşmero zero por elemento neutro, propriedades que discutiremos em detalhes no CapĂ­tulo 3. Com o objetivo de entender o quĂŁo familiarizados estamos com a noção de opera­ ção e levar o leitor a analisar algo jĂĄ conhecido sob uma nova perspectiva, apresenta­ mos o exemplo a seguir.

Exemplo 2.1.1 (a) Consideremos a função f : ď š ď š ď š tal que f (x , y ) x y , que associa a cada par de elementos inteiros o elemento x y ď š . Essa ĂŠ a multiplicação sobre ď š . (b) Consideremos a função f : ď‚Ą ď‚Ą ď‚Ą tal que f (x , y ) x y que associa a cada par (x , y ) de nĂşmeros reais o elemento x y ď‚Ą . Essa ĂŠ a subtração sobre ď‚Ą . Observamos que as operaçþes do exemplo podem ser definidas tambĂŠm em outros conjuntos. TambĂŠm vale observar que a subtração nĂŁo ĂŠ uma operação bem definida sobre ď‚Ľ, pois hĂĄ pares de nĂşmeros naturais para os quais a diferença estĂĄ fora desse conjunto. JĂĄ mencionamos no CapĂ­tulo 1 os principais conjuntos numĂŠricos considerados bem conhecidos. Admitiremos para os conjuntos numĂŠricos dos naturais ( ď‚Ľ ), dos inteiros () e dos reais (ď‚Ą) tambĂŠm bem conhecidas as propriedades elementares envolvendo adição, subtração, multiplicação e divisĂŁo de seus elementos (para uma exposição detalhada sobre essas operaçþes em ď‚Ľ e em  , veja [14]). A respeito do a conjunto dos nĂşmeros racionais, a, b e b 0 , dados dois nĂşmeros ra­ b cionais x , y ∈  , escritos da forma x=

a c e y = , onde a, c ∈  e b, d âˆˆď‚˘âˆ—, b d


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Operaçþes binårias

entenderemos a soma, a diferença e o produto de x por y, respectivamente, como: x y

a c a d b c , b d b d

x y

a c a d b c b d b d

e x y

a c a c . b d b d

E, no caso em que y ≠0, ou seja, c ≠0, entenderemos o quociente de x por y como: x a d a d . y b c b c

Note que a definição das operaçþes de adição, subtração, multiplicação e divisĂŁo entre nĂşmeros racionais pressupĂľe que tais operaçþes jĂĄ sejam conhecidas sobre os inteiros. Dissemos tudo isso para ilustrar a propriedade de “fechamentoâ€? do conjunto  em relação Ă adição, Ă subtração e Ă multiplicação, bem como do conjunto * em relação Ă divisĂŁo. A respeito do conjunto dos nĂşmeros complexos,

a bi | a, b e i 1 , dados dois nĂşmeros complexos x , y ∈ ď‚Ł, escritos da forma x a bi e y c di, onde a, b, c, d ∈ ď‚Ą, entenderemos a soma, a diferença e o produto de x por y, respectivamente, como: x y a c (b d )i, x y a c (b d )i, e x y ac bd (ad bc)i .


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Estruturas algébricas para licenciatura: volume 3 – Elementos de Álgebra Moderna

E, no caso em que y ≠ 0, ou seja, c ≠ 0 ou d ≠ 0, entenderemos o quociente de x por y como: x a bi a bi c di ac bd bc ad 2 2 i. y c di c di c di c d2 c d2

Note que a definição das operações de adição, subtração, multiplicação e divisão entre números complexos pressupõe que tais operações já sejam conhecidas sobre os reais. Dissemos tudo isso para ilustrar a propriedade de “fechamento” do conjunto  em relação à adição, à subtração e à multiplicação, bem como do conjunto ∗ em relação à divisão.

2.2 DEFINIÇÃO E EXEMPLOS Definição 2.2.1 Seja S um conjunto não vazio. Uma operação binária definida sobre S (ou em S) é uma função f : S S S . Muitas vezes, uma operação sobre S é também chamada de lei de composição interna sobre S. Sempre que não houver risco de confusão, usaremos simplesmente o termo operação para indicar uma operação binária. Observemos que o contradomínio da função que aparece na Definição 2.2.1 é o mesmo conjunto usado para compor o produto cartesiano que constitui seu domínio, ou seja, para se definir uma operação, é necessário apenas um conjunto não vazio munido de uma “regra” ou “lei” de combinação de elementos que resulte em outro elemento desse mesmo conjunto. Uma pergunta que cabe é se essa tarefa de definir uma operação é simples. Listamos alguns dos casos mais comuns em que a resposta é afirmativa.

Exemplo 2.2.2 (a) A função f :    tal que f ( x , y ) x y é a adição em . Do mesmo modo, definimos a operação de adição sobre ,  e . (b) Analogamente ao que fizemos no Exemplo 2.1.1(b), definimos a operação de subtração sobre ,  e . (c) Analogamente ao que fizemos no Exemplo 2.1.1(a), definimos a operação de multiplicação sobre ,  ,  e .


CAPÍTULO 3 PROPRIEDADES DAS OPERAÇÕES BINÁRIAS

No capítulo anterior vimos que uma operação binária nos fornece uma maneira de manipular pares de elementos de um dado conjunto S obtendo um terceiro elemento desse mesmo conjunto. Agora, desejamos discutir as propriedades que tais estruturas podem satisfazer e, assim, entender como muitos dos conhecimentos que já possuímos fazem parte de uma teoria matemática forte e bem construída. Veremos que isso nos permitirá estudar a estrutura do conjunto S sobre o qual a operação está definida, uma vez que podemos analisar a maneira como “age” sobre S. Abordaremos, ainda, situações envolvendo mais de uma operação “agindo” sobre o mesmo conjunto. Desde o Ensino Fundamental lidamos com operações binárias e nos dedicamos à compreensão das quatro operações básicas: adição, subtração, multiplicação e divisão, conforme já comentamos no Capítulo 2. Veremos logo adiante que as propriedades que sabemos serem satisfeitas por tais operações são, na verdade, casos particulares de estruturas mais gerais. Sabemos que essas propriedades acabam por facilitar o manuseio em expressões onde estão presentes as operações básicas. No entanto, há situações em que isso não ocorre. Podemos dizer que discutir a generalidade dessa questão aguçará nosso raciocínio, nos levando a descobertas que possivelmente serão surpreendentes e permitindo uma compreensão mais profunda de estruturas que julgamos conhecer bem, mas que muitas vezes tratamos mecanicamente. A metodologia adotada neste livro apresenta, inicialmente, o estudo das operações binárias e de suas propriedades mais importantes. Combinando conjuntos, operações e algumas das propriedades, apresentamos as principais estruturas algébricas que acreditamos compor os currículos dos cursos de Licenciatura em Matemática: os grupos, os anéis e os corpos, nessa ordem. A depender do planejamento adotado para o estudo dessas estruturas, pode-se fazer uma opção de leitura em uma ordem diferente da sequência que apresentamos. Algumas sugestões:


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Estruturas algÊbricas para licenciatura: volume 3 – Elementos de à lgebra Moderna

• seguir a sequĂŞncia que apresentamos, explorando com profundidade as operaçþes binĂĄrias e suas principais propriedades. A partir daĂ­, introduzir as estruturas algĂŠbricas, retomando, em cada caso, as propriedades necessĂĄrias Ă quela situação particular; • introduzir uma a uma as estruturas algĂŠbricas, fazendo, em cada caso, o estudo em profundidade das operaçþes que lhe sĂŁo pertinentes. Para essa opção, por exemplo, ao estudar as propriedades apresentadas na Seção 3.1, poderia se passar da associatividade ao estudo dos elementos neutros, deixando a distributividade para ser explorada futuramente, ao iniciar o estudo do CapĂ­tulo 6, que trata da Teoria de AnĂŠis.

3.1 PROPRIEDADES Bà SICAS Passamos agora a estudar as principais propriedades de uma operação binåria, pois Ê de grande importância entender com profundidade o comportamento de uma operação sobre determinado conjunto. Em toda esta seção, consideramos * uma operação binåria definida sobre um conjunto não vazio S.

COMUTATIVIDADE Definição 3.1.1 Seja : S S S uma operação definida sobre o conjunto nĂŁo vazio S. Dizemos que * satisfaz a propriedade comutativa se x y y x, para todos x , y ∈ S .

Exemplo 3.1.2 (a) As operaçþes usuais de adição e multiplicação definidas sobre qualquer um dos conjuntos , , , ou sĂŁo comutativas. Ou seja, se S ĂŠ , , , ou , temos que, para todos x , y ∈ S , vale x y y x e x y y x. (b) A adição de matrizes discutida no Exemplo 2.2.3 ĂŠ comutativa. (c) A operação de interseção discutida no Exemplo 2.2.5 ĂŠ comutativa – veja o Teorema 1.2.7(3). Salientamos que nĂŁo nos preocuparemos em demonstrar aqui os fatos comentados no exemplo anterior, pois estamos considerando que o leitor jĂĄ esteja convencido de que sĂŁo vĂĄlidos. Na verdade, trata-se de conjuntos e estruturas bĂĄsicos Ă s quais nos referiremos admitindo que o leitor jĂĄ esteja de alguma maneira familiarizado com


95

Propriedades das operaçþes binårias

eles. Consideramos esses fatos um suporte teĂłrico sobre o qual apoiaremos parte de nossas discussĂľes e o qual utilizaremos como rica fonte para nossos exemplos e contraexemplos. Para a comutatividade da adição e da multiplicação usuais em ď‚Ľ e , sugerimos a leitura dos CapĂ­tulos 1 e 2 de [14]. JĂĄ a demonstração da comutatividade dessas operaçþes em  e ď‚Ł pode ser feita diretamente pelo leitor, admitindo que tais propriedades valem em  e ď‚Ą, respectivamente (veja o modo como as operaçþes de adição e multiplicação sĂŁo definidas em  e ď‚Ł logo apĂłs o Exemplo 2.1.1).

Exemplo 3.1.3 (a) A operação : ď‚Ą ď‚Ą ď‚Ą dada por x y x y 16 ĂŠ comutativa. De fato, x y x y 16 y x 16 y x, para todos x , y ∈ ď‚Ą. Logo, * ĂŠ comutativa, uma vez que sabemos que a adição usual de nĂşmeros reais ĂŠ comutativa. (b) Definamos sobre ď‚Ľ a seguinte adição: ˘ : ď‚Ľ ď‚Ľ ď‚Ľ dada por x ˘ y x y 5. Essa adição ĂŠ comutativa sobre ď‚Ľ, pois para x , y ∈ ď‚Ľ, utilizando a comutatividade da adição usual em ď‚Ľ, temos: x ˘ y x y 5 y x 5 y ˘ x . (c) Definamos sobre IM2 2  a multiplicação : IM2 2 IM2 2 IM2 2 dada por a1 a3

a2 b1  a4 b3

b2 a1 b1 = b4 a3 b3

a2 b2 , a4 b4

onde â‹… denota a multiplicação usual em  . Como sabemos ser â‹… comutativa, a2 b2 a1 b1 verificamos que × tambĂŠm ĂŠ, pois, dados A e B em a3 a4 b3 b4 IM2 2  , temos a1 b1 A × B = a3 b3

a2 b2 b1 a1 = a4 b4 b3 a3

b2 a2 = B × A. b4 a4


96

Estruturas algÊbricas para licenciatura: volume 3 – Elementos de à lgebra Moderna

Exemplo 3.1.4 (a) A operação de potenciação em ď‚Ľ* nĂŁo ĂŠ comutativa. Por exemplo, 43 64 34 81. (b) A operação de subtração usual em , , ou nĂŁo ĂŠ comutativa. Notemos, por exemplo, que 15 – 1 = 14 ≠1 – 15 = –14. (c) A operação de divisĂŁo usual em * nĂŁo ĂŠ comutativa, pois, por exemplo, 70 20

7 2 20 70 . 2 7

Observamos que o mesmo vale para a divisĂŁo em ď‚Ą* e ď‚Ł*. (d) A multiplicação usual de matrizes nĂŁo ĂŠ comutativa. Consideremos, por 1 1 2 4 exemplo, as matrizes A e B vistas como elementos de 0 3 1 3 IM2Ă—2 (). Elas nĂŁo comutam entre si, pois 1 A B 6

1 14 e B A 12 10

2 . 1

(e) A composição de funçþes reais nĂŁo ĂŠ comutativa. Por exemplo, consideremos as funçþes f : ď‚Ą → ď‚Ą dada por f (x ) 3x 1 e g : ď‚Ą → ď‚Ą dada por g (x ) = x 2. Elas nĂŁo comutam entre si, pois

f ď Ż g ( x ) f g ( x ) f ( x 2 ) 3x 2 1 e

g ď Ż f (x ) g f (x ) g (3x 1) 3x 1 . 2


CAPÍTULO 4 ELEMENTOS DA TEORIA DE GRUPOS – PARTE I

4.1 O CONCEITO DE GRUPO E PROPRIEDADES FUNDAMENTAIS INTRODUÇÃO Os grupos têm papel fundamental no avanço da Matemática e constituem ferramenta essencial para o desenvolvimento do que conhecemos por Álgebra Abstrata ou Álgebra Moderna. Como já comentamos, é de grande interesse estudar estruturas matemáticas formadas por conjuntos e operações binárias definidas sobre esses conjuntos. No caso particular dos grupos, consideramos certo conjunto munido de apenas uma operação e assumimos que essa operação “algébrica” esteja sujeita a certas regras, formando, assim, a “estrutura algébrica” que desejamos estudar. Em meados do século XVIII e início do século XIX, exemplos dessas estruturas foram aparecendo e apresentando certas “coincidências”, e, mesmo já sendo conhecidos vários objetos abstratos com a mesma estrutura, levou-se algum tempo para que a definição formal de grupo abstrato fosse introduzida. Os primeiros estudos sobre a Teoria de Grupos surgiram em um contexto em que a problemática era resolver equações algébricas expressando suas raízes em termos de seus coeficientes usando apenas adições, subtrações, multiplicações, divisões, potenciações e radiciações. Em torno de 1770, o franco-italiano Joseph-Louis Lagrange (1736-1813), um dos mais notáveis matemáticos do século XVIII, estudou as três raízes de uma equação cúbica e as seis possíveis permutações entre elas. Acredita-se que ele foi o primeiro a perceber uma maneira de abordar o problema por meio da teoria das permutações. O termo permutação é usado na Teoria de Grupos para designar uma bijeção de um conjunto nele mesmo.


144

Estruturas algébricas para licenciatura: volume 3 – Elementos de Álgebra Moderna

O desenvolvimento da Teoria de Grupos teve forte influência dos trabalhos do matemático francês Évariste Galois (1811-1832) sobre a solubilidade por radicais de equações polinomiais. Para isso, Galois estudou e desenvolveu teorias sobre permutações de raízes dessas equações. A história da Teoria de Grupos, desde sua origem, passa por muitos matemáticos (com trabalhos na teoria das equações algébricas, na Teoria de Números, na Geometria e no estudo de simetrias) que contribuíram para a descoberta e a formulação do conceito de grupo e podem ter influenciado Galois. Dentre eles, destacamos o suíço Leonhard Paul Euler (1707-1783), o italiano Paolo Ruffini (1765-1822), o alemão Johann Carl Friedrich Gauss (1777-1855), o francês Augustin-Louis Cauchy (1789-1857) e o norueguês Niels Henrik Abel (1802-1829). Mas deve-se ao britânico Arthur Cayley (1821-1895) o conceito moderno de grupo, como hoje o conhecemos. Cayley também foi o primeiro a utilizar as tábuas das operações binárias para representar grupos finitos, especialmente descrevendo grupos de permutações.

O CONCEITO DE GRUPO Como dissemos, o ponto de partida da Teoria de Grupos foi o estudo dos grupos de permutações. O princípio por trás dessa teoria é bastante simples e nos basearemos nessa ideia para motivar a definição de grupo. Consideremos um conjunto não vazio S e denotemos por A(S) o conjunto formado por todas as funções bijetoras de S em S (em outras palavras, o conjunto de todas as permutações dos elementos de S). Estudando o conjunto A(S), observamos que: • dadas f , g ∈ A(S), temos f  g ∈ A(S) (veja o Teorema 1.9.3(c)); • em A(S), vale a lei da associatividade em relação à composição de funções, isto é, para todas f , g , h ∈ A(S), é válido que f  g  h f  g  h (veja o Teorema 1.9.3(d)); • a função identidade em S, I S : S → S , dada por I S (x ) = x , para todo x ∈ S , é claramente bijetora e, para toda f ∈ A(S) , é válido que f  I S = f e I S  f = f (veja o Teorema 1.9.3(e)); • dada f ∈ A(S) , existe uma função g ∈ A(S) tal que f  g = I S e g  f = I S (veja o Teorema 1.9.3(f)). Em resumo, de acordo com as propriedades estudadas no Capítulo 3, observa-se que: • o conjunto A(S) é fechado em relação à composição de funções; • a composição de funções é uma operação associativa; • a composição de funções admite elemento neutro em A(S), que é a sua função identidade I S ; • todo elemento em A(S) admite simétrico, sendo que o simétrico de uma função em A(S) é a sua função inversa.


145

Elementos da Teoria de Grupos – Parte I

Uma pergunta: já conseguimos identificar, entre aquelas estruturas matemáticas que conhecemos, outra com propriedades semelhantes àquelas que listamos para A(S)? O leitor pode utilizar os exemplos e os exercícios apresentados no Capítulo 3 em busca de respostas. A discussão a seguir ajudará ainda mais. • Em relação ao conjunto  dos inteiros com a operação de adição: sabemos que da adição de dois inteiros resulta um inteiro, que essa operação é associativa e admite elemento neutro (zero), e que todo x em  admite simétrico aditivo (que é –x). • Agora,  com a operação de multiplicação não configura a mesma estrutura. Por exemplo, o elemento 8 ∈  não admite simétrico multiplicativo (uma vez 1 que ∉  ). 8

Definição 4.1.1 Seja G um conjunto não vazio munido de uma operação binária : G G G . (x , y )  x y Dizemos que a operação ∗ determina uma estrutura de grupo sobre G quando as seguintes propriedades são satisfeitas: (i) a operação ∗ é associativa; (ii) a operação ∗ admite elemento neutro; (iii) todo elemento x ∈ G é simetrizável em relação à operação ∗ . • Notação: Diremos simplesmente “o grupo G, ” sempre que quisermos mencionar um grupo constituído do conjunto G munido da operação ∗ .

Definição 4.1.2

Dizemos que o grupo G, é abeliano quando a operação ∗ é comutativa. • Observações

(i) Na definição de grupo, não mencionamos explicitamente a propriedade de fechamento do conjunto G em relação à operação ∗, mas isso está implícito na definição de operação binária que estamos utilizando ao longo deste livro, que já indica que, para todos x , y ∈ G o elemento x ∗ y pertence a G (isso porque G é o contradomínio da função : G G G – veja a Definição 2.2.1).


146

Estruturas algébricas para licenciatura: volume 3 – Elementos de Álgebra Moderna

(ii) Chamamos a atenção para a propriedade comutativa: ela não é exigida na definição de grupo. Existem grupos definidos a partir de uma operação que satisfaz a comutatividade e grupos definidos a partir de uma operação que não a satisfaz. Por exemplo, a operação que define o grupo A(S), citado em nossa motivação não é comutativa (por quê?). Em verdade, aqueles grupos cuja operação é comutativa são especiais na Teoria de Grupos, e até recebem por isso um nome especial: grupos abelianos – em homenagem ao matemático norueguês Niels Henrik Abel.

(iii) Há textos na literatura em que encontramos os seguintes conceitos:

• a estrutura G, formada por um conjunto G e uma operação ∗ sobre G, sem exigências de satisfazer qualquer propriedade, é chamada grupoide (ou seja, grupoide é simplesmente um conjunto munido de uma lei de composição interna); • a estrutura G, é um semigrupo quando ∗ é associativa;

• a estrutura G, é um monoide quando ∗ é associativa e admite elemento neutro. Assim, grupo, monoide e semigrupo são todos grupoides; monoide é um semigrupo que admite elemento neutro e grupo é um monoide onde todo elemento possui simétrico. Notemos que todo monoide é um semigrupo e todo grupo é ao mesmo tempo semigrupo e monoide. Veja a hierarquia entre todas essas estruturas algébricas:

Grupoides – fechamento Semigrupos – fechamento/associativa Monoides – fechamento/associativa/ elemento neutro Grupos – fechamento/associativa/ elemento neutro/simétricos

(iv) Em um grupo, quando a operação considerada é a adição, dizemos que o grupo é aditivo. No caso da multiplicação, dizemos que é multiplicativo.

PROPRIEDADES IMEDIATAS Algumas propriedades dos grupos aparecem de forma muito natural. Muitos dos


CAPÍTULO 5 ELEMENTOS DA TEORIA DE GRUPOS – PARTE II

Neste capítulo, desejamos aprofundar um pouco mais nossa abordagem em relação aos grupos, de modo a melhor conhecer e compreender os fundamentos da estrutura algébrica neles presente. Nossa atenção será dedicada ao estudo de: • certos subconjuntos especiais de um grupo; • certas funções especiais que podem ser definidas de um grupo em outro ou de um grupo em si mesmo.

5.1 SUBGRUPOS Primeiramente, estamos interessados em conhecer subconjuntos de um grupo que possuem propriedades especiais, no sentido de que a estrutura algébrica presente no grupo seja herdada também pelo subconjunto. Mais especificamente, desejamos estudar subconjuntos de um grupo que também sejam grupos. Veja que essa é uma questão natural:

• Sabemos que  é um subconjunto de  e tanto , como , são grupos. Olhando para  como uma parte de  , podemos admitir que esses dois grupos estão definidos para uma mesma operação, no caso a adição de números racionais. • Olhando para ∗ como uma parte de ∗, podemos admitir que estes dois grupos, ∗ , ⋅ e ∗ , ⋅ , estão definidos para uma mesma operação, a multiplicação de números reais.

(

) (

)

• Fazendo os seguintes recortes das tábuas dos grupos S3 e D8 (definidos na Seção 4.2), respectivamente.


204

Estruturas algébricas para licenciatura: volume 3 – Elementos de Álgebra Moderna

i

f4

f5

i

i

f4

f5

f4

f4

f5

i

f5

f5

i

f4

ri

r90

r180

r270

ri

ri

r90

r180

r270

r90

r90

r180

r270

ri

r180

r180

r270

ri

r90

r270

r270

ri

r90

r180

vemos que o subconjunto i, f 4 , f 5 de S3 e o subconjunto ri , r90 , r180 , r270 de D8 são também grupos em relação à composição. A pergunta a ser respondida é: escolhendo arbitrariamente um subconjunto de um grupo, é correto afirmar que este será também um grupo? Com ela, nos vêm outras: uma vez que o elemento neutro de um grupo é único, seria possível que ele pertencesse a todos os subconjuntos desse grupo que sejam também grupos? Ainda, dados G, um grupo, H um subconjunto de G, e fixados dois elementos x, y ∈ H , será que necessariamente o elemento composto x ∗ y pertencerá a H? E o simétrico de x (que é único) pertencerá a H? A respeito do composto x ∗ y , já fizemos uma discussão quando apresentamos o estudo sobre partes fechadas para uma operação (primeiro Apêndice do Capítulo 2). Veja que, analisando o composto x ∗ y e o simétrico x ’ em alguns casos particulares, podemos observar diferentes situações:

em  , );

• x y H e x ’∈ H (por exemplo, H  em  , ); • x y H e x ’∉ H (por exemplo, H 

• x y H e x ’∈ H (por exemplo, H = x | x é ímpar em , );

• x y H e x ’∉ H (por exemplo, H = x | x é primo em , – lembre-se de que entendemos por primo um inteiro positivo que admite exatamente quatro divisores inteiros). Salientamos um ponto importante dessas discussões: somente faz sentido investigar subconjuntos de um grupo que também sejam grupos analisando-os mediante a mesma operação definida sobre o grupo considerado. Por exemplo, não faz sentido perguntar se , é um subgrupo de  , . Passemos à formalização.

Definição 5.1.1

Seja G, um grupo. Um subconjunto não vazio H de G é chamado de subgrupo de G quando H, é também um grupo.


205

Elementos da Teoria de Grupos – Parte II

Exemplo 5.1.2

(a)  Ê subgrupo de , ,  Ê subgrupo de , ,  Ê subgrupo de , e  Ê subgrupo de , .

(b) ď‚¤âˆ— ĂŠ subgrupo de ď‚Ą , e ď‚Ąâˆ— ĂŠ subgrupo de ď‚Ł , .

(c) Vimos no inĂ­cio da Seção 4.2 que G 1,1 , ĂŠ um grupo (finito de ordem 2). Logo, G ĂŠ um subgrupo de cada um dos grupos:  , , ď‚Ą , e ď‚Ł , .

(d) A tĂĄbua a seguir nos mostra que o subconjunto H 1, 1, i, i de ď‚Ł ĂŠ um grupo em relação Ă multiplicação de complexos.

â‹…

1

−1

i

−i

1

1

−1

i

−i

−1

−1

1

−i

i

i

i

−i

−1

1

−i

−i

i

1

−1

Com isso, temos que H Ê um subgrupo de  , . (e) IMn×m () Ê subgrupo de IMn m (), .

IMn m (),

e IMn×m () Ê subgrupo de

(f ) GLn () Ê subgrupo de GLn (), e GLn () Ê subgrupo de GLn (), .

(g) O conjunto i, f 4 , f 5 ĂŠ um subgrupo de S3.

(h) O conjunto ri , r90 , r180 , r270 ĂŠ um subgrupo de D8 .

(i) ď‚˘âˆ— nĂŁo ĂŠ subgrupo de ď‚Ą , .

(j) IMnĂ—m () nĂŁo ĂŠ subgrupo de GLn (ď‚Ą), • Observaçþes

(i) Todo grupo G, admite pelo menos dois subgrupos, a saber, G e e (o conjunto formado apenas pelo elemento neutro). Estes sĂŁo chamados de subgrupos triviais. Subgrupos diferentes desses dois sĂŁo ditos prĂłprios. Por exemplo, para o grupo , , os subgrupos triviais sĂŁo  e 0 ; para ď‚Ł , , os subgrupos triviais sĂŁo ď‚Łâˆ— e 1 e ď‚Ąâˆ— ĂŠ um subgrupo prĂłprio.

(ii) Quando H Ê um subgrupo de G, conforme o grau de ênfase que queiramos dar à operação considerada, podemos escrever:

H ĂŠ subgrupo de G, ou H, ĂŠ subgrupo de G, .

(iii) Veja esta situação: sabemos que  3 , e  6 , , com as operaçþes de adição mĂłdulo 3 e 6, respectivamente, sĂŁo grupos. No entanto, ainda que


206

Estruturas algébricas para licenciatura: volume 3 – Elementos de Álgebra Moderna

expressemos os elementos de  3 como 0 , 1 e 2 e os elementos de  6 como 0 , 1 , 2 , 3 , 4 e 5, não faz sentido perguntar se  3 , é subgrupo de  6 , . Isso porque  3 0 , 1 , 2 não é um subconjunto de  6, apesar de  6 possuir um subconjunto que se escreve exatamente da mesma forma ( 0 , 1 , 2 ). Com efeito, em  3 , 1 é um conjunto formado por todos os inteiros que deixam resto 1 na divisão por 3, isto é, 1  , 5, 2,1, 4, 7, , enquanto em  6 o símbolo 1 indica o conjunto dos inteiros que deixam resto 1 na divisão por 6, ou seja, 1  , 11, 5,1, 7,13, . Mais ainda, na verdade, apesar de estarmos usando o mesmo símbolo ⊕ para indicar as operações de  3 e de  6 , não se trata da mesma operação. Temos, aqui, dois grandes abusos de notação aos quais o leitor deve ficar atento para evitar confusões. • Notação: Utilizamos a notação H ≤ G para dizer que H é um subgrupo de G. No caso em que H não é um subgrupo de G, escreveremos H G . Pela Definição 5.1.1, para verificarmos se H é um subgrupo de G, , devemos mostrar que H é uma parte fechada de G em relação a ∗ e as três propriedades da Definição 4.1.1 devem ser satisfeitas por ∗ em H. A próxima proposição nos dará um critério que simplifica essa tarefa, mas, antes, demonstraremos o lema a seguir.

Lema 5.1.3 Sejam G, um grupo e H ≤ G . Então, o elemento neutro de H é exatamente o elemento neutro de G e o simétrico de um elemento h ∈ H em H é exatamente o simétrico de h em G.

Demonstração Denotemos por eH e eG os elementos neutros dos grupos H, e G, , respectivamente. Como eH é o elemento neutro de H, , temos eH eH eH e, sendo eG o elemento neutro de G, , temos eH eG eH . Disso, eH eH eH eG . Como todo elemento em um grupo é regular, segue eH = eG . Agora, sejam h ’∈ H e h ’’∈ H os elementos simétricos do elemento h ∈ H nos grupos H, e G, , respectivamente. Assim, temos: h ’ h eH = eG = h ’’ h . Novamente, pela regularidade, segue h ’ = h ’’. ■ Passemos à proposição.


CAPÍTULO 6 ELEMENTOS DA TEORIA DE ANÉIS

6.1 O CONCEITO DE ANEL E EXEMPLOS INTRODUÇÃO Nos Capítulos 4 e 5 estudamos a estrutura determinada sobre um conjunto por uma única operação binária. Como vimos, a motivação para tal estudo deve-se àquela estrutura que uma operação de composição de funções determina sobre um conjunto de bijeções, o que acabou por dar origem à Teoria de Grupos. No presente capítulo estamos interessados em estudar a influência que duas operações exercem sobre a estrutura de um dado conjunto. A motivação para esse estudo provém de uma fonte bastante familiar ao leitor: o conjunto dos números inteiros munido com as operações de adição e multiplicação. Apresentaremos o conceito da estrutura algébrica chamada anel e exploraremos esse “novo ambiente” matemático. O conhecimento de tal estrutura foi fundamental para a axiomatização da álgebra e a sua formalização surgiu como consequência da sistematização dos conjuntos numéricos segundo o comportamento de suas operações e das propriedades por elas satisfeitas. O ponto de partida é o conjunto dos números inteiros e a definição de anel surge da necessidade de saber em quais conjuntos podemos estabelecer operações com propriedades cujo comportamento aritmético seja similar àquele em . A origem da Teoria de Anéis moderna se encontra no século XIX, em duas frentes distintas: uma com os estudos do matemático alemão Julius Wilhelm Richard Dedekind (1831-1916), introduzindo em 1871 a noção de ideal (buscando generalizar o Teorema Fundamental da Aritmética sobre a fatoração em produto único de primos para contextos mais abstratos); outra com os alemães David Hilbert (1862-1943) e Emanuel Lasker (1868-1941) e o inglês Francis Sowerby Macaulay (1862-1937), por


306

Estruturas algébricas para licenciatura: volume 3 – Elementos de Álgebra Moderna

meio de estudos de anéis de polinômios. A definição formal de anel foi elaborada pelo alemão Adolf Abraham Halevi Fraenkel (1891-1965), em 1914, que apresentou a primeira caracterização axiomática do conceito de anel (embora não seja a utilizada hoje em dia). Acredita-se que o matemático que mais contribuiu para o avanço do ponto de vista abstrato na Teoria de Anéis foi o alemão Amalie Emmy Noether (1882-1935). Um de seus trabalhos, de 1921, é considerado o marco da origem da Teoria Abstrata de Anéis. O seu tratamento axiomático e elegante constituiu uma novidade e seus estudos estenderam o trabalho de Hilbert, Lasker e Macaulay dos anéis de polinômios a anéis mais gerais, além de estender a um anel abstrato os estudos de Dedekind sobre anéis de números algébricos. O tratamento abstrato dos anéis e seus ideais foi elemento-chave para o desenvolvimento da área que hoje conhecemos por Álgebra Comutativa.

OS CONCEITOS DE ANEL, ANEL COMUTATIVO E ANEL COM UNIDADE Como dissemos, o ponto de partida da Teoria de Anéis está no conjunto dos números inteiros munido com as operações de adição e multiplicação. Relembremos algumas propriedades que caracterizam essas operações: I. Propriedade associativa da adição: para quaisquer a, b, c ∈  é válida a igualdade a (b c) (a b) c .

II. Neutralidade aditiva do número zero: para qualquer a ∈  valem as igualdades a 0 a e 0 a a. III. Existência de opostos: para qualquer a ∈ , é possível encontrar x ∈  com a propriedade a x 0 e x a 0. IV. Propriedade comutativa da adição: para quaisquer a, b ∈  é válida a igualdade a b b a. V. Propriedade associativa da multiplicação: para quaisquer a, b, c ∈  é válida a igualdade a (b c) (a b) c.

VI. Neutralidade multiplicativa do número 1: para qualquer a ∈  valem as igualdades a 1 a e 1 a a.


307

Elementos da Teoria de Anéis

VII. Propriedade comutativa da multiplicação: para quaisquer a, b ∈  é válida a igualdade a b b a. VIII. Propriedade distributiva da multiplicação em relação à adição: para quaisquer a, b, c ∈  são válidas as igualdades a (b c) a b a c e (a b) c a c b c .

IX. Ausência de divisores próprios de zero: se a, b ∈  e a b 0, então a = 0 ou b = 0. Essas são também as propriedades que nortearão nosso estudo sobre a Teoria de Anéis que passamos a descrever. Nossa postura será a de impor que um dado conjunto esteja munido com duas operações binárias que satisfaçam algumas das propriedades listadas e analisaremos a estrutura que essas operações determinam sobre aquele conjunto. A partir deste ponto, assumimos que A seja um conjunto munido com duas operações binárias que serão indicadas por + e ⋅, chamadas, respectivamente, adição e multiplicação. Entretanto, apesar da semelhança de notação e nomenclatura, não estamos propriamente nos referindo às operações de adição e multiplicação com as quais o leitor está familiarizado desde a escola primária, e sim a operações abstratas que, em princípio, podem vir a ser quaisquer operações, desde que satisfaçam as propriedades listadas na definição a seguir.

Definição 6.1.1 Seja A um conjunto não vazio munido de duas operações binárias : A A A : A A A e  . (a , b)  a b (a , b)  a b   Dizemos que as operações + e ⋅ determinam uma estrutura de anel sobre o conjunto A quando as seguintes propriedades são satisfeitas: (i) Associativa da adição: a (b c) (a b) c, para quaisquer a, b, c ∈ A. (ii) Existência de elemento neutro da adição: existe um elemento 0 A ∈ A tal que a 0 A a e 0 A a a , para qualquer a ∈ A. (iii) Existência de opostos: para qualquer a ∈ A, existe x ∈ A satisfazendo a x 0 A e x a 0 A. (iv) Comutativa da adição: a b b a, para quaisquer a, b ∈ A .


308

Estruturas algébricas para licenciatura: volume 3 – Elementos de Álgebra Moderna

(v) Associativa da multiplicação: a (b c) (a b) c , para quaisquer a, b, c ∈ A. (vi) Distributiva da multiplicação em relação à adição: a (b c) a b a c e (a b) c a c b c, para quaisquer a, b, c ∈ A. • Notação: Resumiremos a expressão “as operações + e ⋅ determinam uma estrutura de anel sobre o conjunto A” dizendo simplesmente que “ A, , é um anel”. Quando não há risco de confusão para o desenvolvimento das argumentações, é comum escrevermos apenas que “A é um anel”. • Observações

(i) As propriedades (i) a (iv) da Definição 6.1.1 se referem à operação de adição e exigem que A, seja um grupo abeliano (ou seja, todo anel é um grupo aditivo abeliano); já a propriedade (v) diz respeito à operação de multiplicação, enquanto a propriedade (vi) relaciona as duas operações. Vale destacar: quando A, , é um anel, temos que A, é um grupo abeliano.

(ii) O elemento neutro da operação de adição, 0 A ∈ A , será chamado, novamente por abuso de linguagem, de zero do anel.

(iii) Note que para definirmos um anel não exigimos que a operação de multiplicação seja comutativa nem que admita elemento neutro. Veremos que podem ocorrer diferentes situações: anéis satisfazendo essas duas propriedades, anéis satisfazendo uma delas e não a outra, anéis não satisfazendo nenhuma.

(iv) Ao definirmos elemento neutro aditivo, escrevemos a 0 A a e 0 A a a, para qualquer a ∈ A. Isso porque fomos demasiado formais, seguindo a definição de elemento neutro de uma operação binária qualquer (Definição 3.1.11). Como em um anel necessariamente devemos ter a comutatividade da adição, caso verifiquemos primeiramente essa propriedade, basta encontrarmos 0 A ∈ A tal que a 0 A a, para qualquer a ∈ A, para concluir que 0 A é o elemento neutro procurado. O mesmo vale para a investigação da existência de opostos: verificada a comutatividade, basta encontrar para qualquer a ∈ A um elemento x ∈ A satisfazendo a x 0 A .

(v) O elemento x a que se refere a propriedade (iii) da Definição 6.1.1 será chamado de “oposto de a” e representado por –a. Ele é o simétrico aditivo de a. Assim, escrevemos: a ( a) 0 A e ( a) a 0 A. [Atenção: por ora –a é apenas uma notação. Não formalizamos ainda aquilo que seria equivalente a “elementos negativos”.]

(vi) Alguns autores definem uma estrutura algébrica como um anel desconsiderando a propriedade associativa da multiplicação. Para eles, quando tal


CAPÍTULO 7 ANÉIS DE POLINÔMIOS

No capítulo anterior estudamos a Teoria Geral de Anéis, que são estruturas determinadas sobre um conjunto por duas operações binárias. Neste capítulo estudaremos as propriedades dos polinômios com coeficientes em um anel dado. Veremos que é possível definir operações binárias sobre o conjunto de tais polinômios de modo a dotá-lo de uma estrutura de anel e que, sob certas circunstâncias, esse anel de polinômios pode até vir a ter propriedades semelhantes àquelas que conhecemos para os números inteiros: Algoritmo da Divisão, elementos “primos”, fatoração única etc.

7.1 CONCEITOS E PROPRIEDADES FUNDAMENTAIS Ao longo deste capítulo, mantemos a postura adotada no capítulo anterior de denotar as operações abstratas do anel por + e ⋅ e, a menos que digamos explicitamente o contrário, a notação A, , indicará um anel. Seja a0 , a1 , a2 , , ak , uma sequência de elementos de A que satisfaz a seguinte propriedade: Existe n∈  tal que ak = 0 A, para todo k > n. Sequências que satisfazem tal propriedade são conhecidas como sequências quase nulas pelo fato de, a partir de um certo termo, todos os elementos serem nulos. É importante notar que pode ocorrer de alguns termos ak , para k ≤ n, serem também nulos. Na verdade, a despeito do nome, na definição de sequência quase nula não há qualquer impedimento para que até mesmo todos os termos sejam nulos, ou seja, a sequência nula é uma sequência quase nula. O que se exige aqui é que, a partir de um certo termo, esteja garantido que todos os elementos são nulos.


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Estruturas algébricas para licenciatura: volume 3 – Elementos de Álgebra Moderna

DEFININDO POLINÔMIOS Dada uma sequência quase nula a0 , a1 , a2 , , ak , , definimos um polinômio na indeterminada x com coeficientes em A pela notação a0 + a1 x + a2 x 2 +  + ak x k +  Os elementos a0 , a1 , a2 , , ak ,∈ A são chamados de coeficientes do polinômio. Conforme sua posição no polinômio, cada coeficiente recebe uma denominação especial, sendo a0 chamado de termo independente, a1 de termo de 1º grau (ou linear), a2 é o termo de 2º grau (ou quadrático), a3 é o termo de 3º grau (ou cúbico), e assim por diante. Os sinais + e as potências de x na expressão do polinômio são apenas uma notação, apresentando-se mera e exclusivamente para indicar a posição dos coeficientes no polinômio e separá-los, não indicando que esteja havendo adição de elementos ou cálculo de potências. Por conveniência, às vezes fazemos a identificação a0 ≡ a0 x 0 e a1 x ≡ a1 x1 e, usando a notação de somatório, representamos o polinômio a0 + a1 x + a2 x 2 +  + ak x k +  por

a x k 0 k

k

ou ainda, quando não houver perigo de confusão, por

∑a x . k

k

• Notação: Denotamos por A[ x] o conjunto de todos os polinômios na indeterminada x com coeficientes no anel A. O princípio a seguir fornece o critério utilizado para garantirmos a igualdade de polinômios em A[ x] quando necessário.

Princípio de Identidade de Polinômios Sejam A, , um anel, a(x ) ak x k e b(x ) bk x k dois polinômios em A[ x]. Então, os polinômios são idênticos (o que escrevemos a(x ) = b(x )) quando ak = bk , para todo k.

Exemplo 7.1.1

(a) A seguir, apresentamos um polinômio com coeficientes no anel , , dos números inteiros: a(x ) 5 ( 7)x 0 x 2 1x 3 15x 4 0 x 5 0 x 6  0 x k  Note, leitor, que a partir do quinto termo todos os coeficientes são nulos. Quando lidamos com um polinômio, não costumamos escrever os coeficientes nulos, de modo a simplificar a notação. Também com essa finalidade, damos especial


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Anéis de polinômios

tratamento quando o coeficiente é o elemento neutro da multiplicação do anel (o número 1 neste exemplo) e aos coeficientes negativos, de modo que reescrevemos: a(x ) 5 7 x x 3 15x 4 . (b) Considerando um polinômio com coeficientes no anel , , dos números reais, escrevemos simplesmente 5 b(x ) 4 x x 3 x 7 , 8 para o polinômio 5 b(x ) 4 1x 0 x 2 x 3 0 x 4 0 x 5 0 x 6 x 7 0 x 8  0 x k  8

ADIÇÃO E MULTIPLICAÇÃO DE POLINÔMIOS Usando as operações de adição e multiplicação do anel A, passamos a definir operações binárias em A[ x] de modo a garantir-lhe uma estrutura de anel. Sejam a(x ) ak x k e b(x ) bk x k polinômios em A[ x]. Definimos as operações de adição e multiplicação de polinômios por meio das fórmulas a(x ) + b(x ) = ∑ (ak + bk ) x k

= (a0 + b0 ) + (a1 + b1 ) x + (a2 + b2 ) x 2 + (a3 + b3 ) x 3 + 

(1)

e  k  a(x ) ⋅ b(x ) = ∑  ∑ a j ⋅ bk − j  x k  j =0 

(2)

= a0 ⋅ b0 + (a0 ⋅ b1 + a1 ⋅ b0 ) x + (a0 ⋅ b2 + a1 ⋅ b1 + a2 ⋅ b0 ) x +  , 2

ou seja, a soma e o produto de a(x ) por b(x ) são, respectivamente, os polinômios s(x ) sk x k e p(x ) pk x k , cujos coeficientes são definidos por: sk ak bk e k

pk a j bk j . (P) j 0


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Estruturas algébricas para licenciatura: volume 3 – Elementos de Álgebra Moderna

Importa-nos informar que estamos cometendo, nas fórmulas (1) e (2), um abuso de notação, que é usar um mesmo símbolo, o sinal +, com três significados distintos:

(i) para representar a operação de adição do anel A, quando escrevemos as somas dos coeficientes ak + bk no anel A;

(ii) para separar os monômios do polinômio, por exemplo, quando escrevemos s0 + s1 x + s2 x 2 ; (iii) para representar a operação de adição do anel A[ x], quando escrevemos a(x ) + b(x ). Abuso semelhante ocorre com o símbolo usado para a multiplicação de elementos do anel A e de polinômios: em a j bk j temos produtos de elementos do anel A e em a(x ) ⋅ b(x ) o produto de dois polinômios. Isso, no entanto, não deve causar confusões e, em verdade, como se verificará mais adiante, a notação escolhida é bastante conveniente. •

Exemplo 7.1.2 (a) A soma dos polinômios a(x ) 5 7 x x 3 15x 4 e b(x ) 8 10 x 5x 2 3x 3 em [ x] é o polinômio s(x ) = (5 + 8) + (7 − 10)x + (0 + 5)x 2 + (1 + 3)x 3 + (15 + 0)x 4 + (0 + 0)x 5 + = 13 − 3x + 5x 2 + 4 x 3 + 15x 4 . (b) O produto dos polinômios a(x ) 5 7 x x 3 15x 4 e b(x ) 8 10 x 6 x 2 3x 3 em [ x] é o polinômio p(x ) 5 8 [5 10 ( 7) 8]x [5 6 ( 7) 10 0 8]x 2 [5 3 ( 7) 6 0 10 1 8]x 3 [5 0 ( 7) 3 0 6 1 10 15 8]x 4 [5 0 ( 7) 0 0 3 1 6 15 10 0 8]x 5 [5 0 ( 7) 0 0 0 1 3 15 6 0 10 0 8]x 6 [5 0 ( 7) 0 0 0 1 0 15 3 0 6 0 10 0 8]x 7 [5 0 ( 7) 0 0 0 1 0 15 0 0 3 0 6 0 10 0 8]x 8 40 6 x 40 x 2 19 x 3 109 x 4 156 x 5 93x 6 45x 7 .


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Jhone Caldeira Silva

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Olimpio Ribeiro Gomes

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É bacharel, mestre e doutor em Matemática pela Universidade de Brasília (UnB). Como professor, atua profissionalmente desde 1999, tendo ministrado aulas em escolas de Ensino Fundamental e Médio, em preparatórios para vestibulares e concursos e em cursos de graduação e pós-graduação. Atua também como auditor federal de finanças e controle do quadro de pessoal da Controladoria-Geral da União desde 2008, quando foi selecionado para a área de Auditoria e Fiscalização/ Estatística e Cálculos Atuariais.

O ensino de estruturas algébricas na Licenciatura em Matemática é essencial Estruturas Algébricas para Licenciatura é um conjunto de obras que visa auxiliar professores e alunos no processo de ensino e aprendizagem de fundamentos básicos de Matemática, da teoria de conjuntos e das principais estruturas algébricas. Buscamos sanar dificuldades relacionadas à linguagem e ao conteúdo, oferecendo textos dialogados e ricos em detalhes. As demonstrações são desenvolvidas com clareza; exemplos e exercícios são apresentados com o intuito de facilitar o entendimento e a aplicação dos resultados. Ao final de cada livro, apresentamos respostas de alguns exercícios propostos. Neste volume, Elementos de Álgebra Moderna, abordamos o estudo das estruturas algébricas básicas: grupos, anéis e corpos, partindo do estudo detalhado das operações binárias, passando pelos principais tópicos da Álgebra Moderna, até os anéis de polinômios.

Elementos de Álgebra Moderna

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CONTEÚDO

Olimpio Ribeiro Gomes Silva | Gomes

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É bacharel e licenciado em Matemática pela Universidade Federal de Viçosa (UFV), mestre e doutor em Matemática pela Universidade de Brasília (UnB), com doutorado sanduíche na Universidad Autónoma de Madrid. Desde 2004, atua como professor de cursos de graduação e pós-graduação com experiência na UnB e em instituições de ensino superior no Distrito Federal e em Goiás. Desde 2009, é professor do Instituto de Matemática e Estatística da Universidade Federal de Goiás (IME-UFG).

Jhone Caldeira Silva

Apresentação

Estruturas Algébricas para Licenciatura Elementos de Álgebra Moderna

Agradecimentos Prefácio 1. Tópicos preliminares 2. Operações binárias 3. Propriedades das operações binárias 4. Elementos da teoria de grupos – parte I 5. Elementos da teoria de grupos – parte II 6. Elementos da teoria de anéis 7. Anéis de polinômios Respostas de alguns exercícios

vol.

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Referências bibliográficas



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