PROXIMIDADE HABITÁVEL
Ideias para a cidade que cuida
PROXIMIDADE HABITÁVEL
Ideias para a cidade que cuida
Ezio ManziniTradução
Gabriel Patrocinio
Título original: Abitare la prossimità: Idee per la città dei 15 minuti
Proximidade habitável: ideias para a cidade que cuida
Todos os direitos reservados. Tradução autorizada da edição de língua italiana publicada pela editora EGEA
© 2021 EGEA
© 2024 Ezio Manzini
Editora Edgard Blücher Ltda.
Publisher Edgard Blücher
Editores Eduardo Blücher e Jonatas Eliakim
Coordenação editorial Andressa Lira
Produção editorial Thaís Pereira
Preparação de texto Helena Miranda
Diagramação Guilherme Salvador
Revisão de texto Mariana Naime
Capa Laércio Flenic
Imagem da capa Interpretação contemporânea do afresco Efeitos do Bom Governo na Cidade (1339), de Ambrogio Lorenzetti (c.1290-1348), por Matteo Manzini
Rua Pedroso Alvarenga, 1245, 4o andar 04531-934 – São Paulo – SP – Brasil
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Segundo o Novo Acordo Ortográfico, conforme 6. ed. do Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, Academia Brasileira de Letras, julho de 2021.
É proibida a reprodução total ou parcial por quaisquer meios sem autorização escrita da editora.
Todos os direitos reservados pela Editora Edgard Blücher Ltda.
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Angélica Ilacqua CRB-8/7057
Manzini, Ezio
Proximidade habitável : ideias para a cidade que cuida / Ezio Manzini ; tradução de Gabriel Patrocinio. –São Paulo : Blucher, 2024.
176 p.
Bibliografia
ISBN 978-85-212-2072-5
Título original: Abitare la prossimità. Idee per la città dei 15 minuti
1. Planejamento urbano 2. Cidades e vilas – Cuidados I. Título II. Patrocinio, Gabriel 23-6354
CDD 711.13
Índice para catálogo sistemático: 1. Planejamento urbano
INTRODUÇÃO
1.
Este livro é uma contribuição para a conversação social sobre as cidades e seu futuro.
O livro revive uma ideia que circula há algum tempo e que nos últimos anos tem recebido maior atenção: a de uma cidade de proximidade, em que tudo o que as pessoas precisam para o dia a dia está a poucos minutos a pé de onde elas vivem. Essa é também uma cidade em que a proximidade funcional corresponde à proximidade relacional, graças à qual as pessoas têm mais oportunidades de se verem, se apoiarem, cuidarem umas das outras e do meio ambiente e colaborarem para alcançar objetivos em conjunto. Em última análise, é uma cidade construída a partir da vida dos seus cidadãos e sobre uma ideia de proximidade habitável, em que as pessoas podem encontrar tudo o que precisam para viver, e fazê-lo em conjunto com os outros.
Esta cidade de proximidade, ou a “cidade dos 15 minutos” – como agora se costuma dizer –, propõe uma visão clara e simples do rumo a seguir, dando força à ideia. Mas a concretização dessa visão requer uma profunda mudança cultural e uma forte vontade política: é preciso romper definitivamente com uma concepção de cidade dividida em partes
especializadas e, como consequência, proceder a uma reorganização radical das infraestruturas e formas de governação existentes. Acima de tudo, exige o combate às desigualdades que caracterizam a sociedade e, portanto, também as cidades contemporâneas. A vantagem da proximidade não pode ser apenas uma prerrogativa de alguns bairros privilegiados, e sim estender-se a toda a cidade. Deve ser um direito de todos os cidadãos. A questão subjacente colocada pelo livro é esta: podemos construir a cidade contemporânea a partir de uma nova ideia de proximidade? A resposta que o livro dá é sim, pode ser feito. E, acrescento, as inovações sociais dos últimos vinte anos nos dão uma indicação concreta de como fazê-lo – ou, pelo menos, por onde começar.
A história recente mostra-nos que, de várias formas e sobre vários temas, essas inovações podem gerar formas de comunidade e de proximidade que vão no sentido aqui indicado: comunidades ligadas a coisas para fazer juntos e lugares nos quais fazê-las; sistemas de proximidade abertos e dinâmicos em que se situam essas iniciativas, que, ao mesmo tempo, também colaboram para a regeneração das comunidades; proximidades híbridas, cuja existência depende em grande parte dos instrumentos digitais à sua disposição.
Por outro lado, se essas iniciativas concretizam a proposta da cidade de proximidade, a relação entre inovação social e proximidade também pode ser lida no sentido inverso: a cidade de proximidade pode tornar-se o horizonte comum para as mais diversas tipologias de experimentação que ocorreram nos últimos anos. Assim, poderia dar às cidades mais força e mais possibilidades de expansão.
2.
O tema das cidades de proximidade, na sua essência, não é novo: verifica-se que há cidades, ou, mais frequentemente, partes de cidades, que já se aproximam dessa condição (com a existência de bairros herdados do passado pré-moderno em que os limites dos transportes públicos significavam a demanda da proximidade de toda a vida quotidiana). Além disso, esse tema voltou a circular com diferentes nomes, e, atraídas por motivações ambientais (redução do trânsito e, portanto, da poluição) e sociais (luta
1TRAJETÓRIAS DE PROXIMIDADE
A proximidade de que falaremos aqui é a condição de estar fisicamente próximo no espaço. Mas é também o sentimento decorrente da consciência de compartilhar algo com alguém.
Esse conceito, com ambos os significados, parece-nos particularmente importante. Por muito tempo, a questão em pauta foi: como fazer as coisas funcionarem mesmo estando longe, cada vez mais longe. Agora, temos que colocar o problema oposto: como fazer as coisas funcionarem estando próximo, o mais próximo possível; como fazer as coisas funcionarem em proximidade.
Existem boas razões para fazer isso. De fato, descobrimos que não é possível enfrentar problemas de maior escala sem partir daquilo que nos rodeia, do sistema de proximidade de que fazemos parte. Crises ambientais, sociais e econômicas são certamente o resultado de longas cadeias de interações, que também podem se estender por um longo caminho. Mas quando começam a tocar nossa experiência e nossa ação, fazem-no em um sistema de proximidade; ou seja, no espaço físico no qual estamos inseridos, e no qual cada um de nós constrói as suas próprias ideias.
O conceito de proximidade é certamente ambíguo. Se dissermos que proximidade é a qualidade de um sistema cujos elementos podem facilmente entrar em contato direto, o que exatamente queremos dizer
com essa expressão? O que queremos dizer com “fisicamente próximo”?
Não há uma resposta precisa: cada pessoa, ou talvez cada grupo social, pode dar uma resposta em termos de distância a percorrer ou tempo de chegada. Apesar disso, a qualquer momento, para cada grupo social, existe uma ideia de proximidade, e há atividades que são consideradas como práticas de proximidade. Além disso, desde que o termo foi reconhecido como importante em várias disciplinas, foram encontradas as mais diversas palavras para discuti-lo, debatê-lo e, com isso, construir práticas comuns.
1.1 O QUE É PROXIMIDADE?
Se a proximidade de que falamos é a condição de estar fisicamente próximo no espaço, quem e quais são as entidades cuja proximidade queremos discutir? E então: em que sentido essa proximidade deve ser considerada?
Ou seja, o que significa estar próximo?
Proximidade é uma qualidade referente a um sistema cujos nós são entidades que interagem enquanto estão fisicamente próximas, que chamaremos de sistema de proximidade. Por sua vez, este é um subsistema de um sistema mais amplo que se estende muito além do que está próximo de nós, que faz parte de uma rede de interações que inclui não apenas os seres humanos e os produtos das atividades humanas, mas também tudo o que é vivo e não vivo à nossa volta. Para falar disso, porém, devemos decidir o ponto de vista a adotar e ter as palavras certas para fazê-lo.
De fato, existem muitas maneiras de falar de proximidade. O termo comumente usado foi adotado e definido por muitas disciplinas: da psicologia social à geografia econômica e ao estudo das organizações, passando pela economia e pela teoria da Gestalt. Cada um deles dá uma interpretação diferente para o conceito e identifica características diferentes relativas a ele. Obviamente, todos consideram a proximidade no espaço físico, mas todos a discutem do seu ponto de vista e, a partir dos seus interesses, indicam o que consideram ser os outros aspectos que distinguem esse conceito.
Aqui, faremos isso com a intenção de discutir o que podemos – e o que não podemos – fazer na proximidade, e como podemos fazer, ponto a partir do qual o “o que” podemos fazer tem evidentes implicações operacionais e funcionais, de tal maneira que o “como” também tem implicações
A CIDADE DA PROXIMIDADE
Na grande série de afrescos Alegoria e efeitos do bom e do mau governo, que Ambrogio Lorenzetti pintou em Siena em 1338, encontramos na parede, representando o Bom Governo, o que se pensava ser uma cidade bem governada na época: uma cidade que era compacta, cheia de lugares públicos e privados nos quais vários grupos de pessoas estavam engajados em uma variedade de atividades produtivas e reprodutivas; uma cidade complexa que borbulhava de vida, rodeada por uma paisagem rural por sua vez rica e diversificada.
A cidade bem governada que Lorenzetti nos mostra apresenta, assim, características que em muitos aspectos a aproximam daquilo que hoje poderíamos definir como cidade de proximidade: uma cidade à escala humana, densa e diversificada nas suas funções, caracterizada por espaços públicos e um misto de atividades residenciais e produtivas; uma cidade em que o valor da proximidade é evidente nas suas dimensões funcional e relacional; uma cidade habitável porque, como na representação de Lorenzetti, a proximidade ali encontrada é bastante diversificada, pois tudo o que se pode querer, e querer fazer, está por perto.
Depois de reconhecer essa semelhança entre o que o afresco nos mostra e o que poderíamos indicar como a cidade de proximidade e seu bom governo, podemos observar também as diferenças entre elas.
2.1 A CIDADE DOS BENS COMUNS
Entre o bom governo de quase setecentos anos atrás e o que gostaríamos de propor hoje, existem de fato semelhanças, mas também diferenças profundas. A primeira diferença tem a ver com a natureza e as modalidades de evolução do conjunto de normas, convenções e visões compartilhadas que constituem o terreno no qual podem ocorrer todas as atividades cívicas que representam o bom governo – e que, no seu conjunto, contribuem para a formação dos bens sociais comuns sobre os quais e com os quais se faz uma cidade.
Na época de Lorenzetti, e até o século passado, esses bens comuns eram construídos lentamente, ao longo do tempo; tão lentamente a ponto de parecer, para as pessoas envolvidas, uma ocorrência quase natural, cuja existência não exigia um projeto explícito e consciente. E o bom governo poderia, portanto, ser considerado como administração e cuidado de um determinado patrimônio. Hoje, num mundo conectado em rápida e profunda transformação, a forma tradicional de regeneração e gestão dos bens comuns em geral, e do bem comum da cidade em particular, já não funciona. Portanto, o que no passado parecia um processo quase natural, deve se tornar o resultado de ações conscientes de design. Podemos chamar os resultados de bens comuns intencionais: bens comuns produzidos por escolha, que emergem de uma atividade que, de qualquer forma, pode ser considerada um projeto. A segunda diferença fundamental entre a cidade de proximidade de que falamos hoje e a retratada por Lorenzetti está estritamente ligada ao que acabamos de dizer sobre os bens comuns: no século XIV, a densidade urbana e a proximidade diversificada que vemos no afresco eram uma escolha forçada. De fato, em um mundo sem trânsito de massa e sem conectividade, uma cidade não poderia ser diferente; as pessoas precisavam estar próximas e ter tudo o que precisavam por perto. Hoje, por outro lado, a versão contemporânea dessa proximidade diversificada é uma opção. É uma das escolhas possíveis. Assim, paralelamente ao que dissemos para os bens comuns, a proximidade contemporânea, quando a queremos, deve ser também fruto de escolhas projetuais específicas. Em outras palavras, é uma proximidade intencional.
Por fim, há uma outra observação a ser feita, que aprofunda ainda mais a diferença entre o passado e o agora: a proximidade da cidade de Lorenzetti era uma qualidade do mundo físico. Mais precisamente, ele
3
A CIDADE QUE CUIDA
“É preciso uma aldeia para criar uma criança.” Assim diz um provérbio africano, e assim foi no passado também para nós. O sentido desse provérbio pode ser alargado: da mesma maneira, é preciso uma aldeia – ou um bairro – para cuidar de um idoso, ou de alguém particularmente frágil. Em última análise, é preciso uma aldeia para ter uma sociedade capaz de cuidado mútuo. O provérbio fala de uma forte ligação entre as atividades de cuidado e a aldeia, entendida como comunidade e lugar físico: para cuidar, como diz o provérbio, a proximidade física anda de mãos dadas com a proximidade relacional. Na aldeia todos estão ao redor dos outros, em todos os sentidos. A aldeia que importa é a da proximidade, com a riqueza de significados que discutimos.
Porém, a aldeia não existe mais. Com ela, a comunidade e a proximidade da aldeia nos deixaram, junto com a possibilidade desse mesmo tipo de cuidado. Por tudo isso, por essa proximidade, essa comunidade e esse cuidado, podemos ser nostálgicos ou não. Em qualquer caso, eles não retornarão da mesma forma. No entanto, perante as múltiplas crises em que nos encontramos, podemos olhar para a aldeia – mas também para as cidades pré-modernas – para procurar ideias sobre como sair das dificuldades com as quais temos nos deparado. Nos Capítulos 1 e 2, assumimos que a proximidade era um conceito a ser trabalhado, na sua dupla dimensão
funcional e relacional, assim como a sua possibilidade de qualificar a relação entre lugares e comunidade. No Capítulo 2, vimos que a modernidade, gerando proximidade cada vez mais funcional e especializada, produziu a cidade das distâncias, com tudo o que isso implica em termos sociais e ambientais. Da mesma forma, vimos que é possível modificar essa tendência; que a inovação social nos diz para onde ir e que é possível chegar lá; e que a inovação técnica, que deu origem à cidade das distâncias, pode sustentar a cidade da proximidade.
Continuaremos aqui neste caminho, discutindo a relação entre proximidade e cuidado. No centro da discussão estará o reconhecimento de que a cidade da proximidade é a cidade do cuidado. Ou, mais precisamente, é a cidade que cuida:1 um ecossistema de pessoas, organizações, lugares, produtos e serviços que, em seu conjunto, expressam uma capacidade mútua de cuidado.
O ponto de partida é obviamente uma reflexão sobre o próprio conceito de cuidado, que nos revela um aspecto fundamental: não há cuidado sem contato e, portanto, sem proximidade. Assim, a cidade das distâncias produzida pela modernidade é intrinsecamente uma cidade descuidada; e assim, a hibridização físico/digital da proximidade se cruza com uma análoga hibridização do cuidado. Desse modo, quando a inovação social propõe novos serviços de atendimento, também nos diz muito sobre como poderia ser e como poderia funcionar a cidade de proximidade.
3.1 CUIDADO E PROXIMIDADE / CUIDADO É PROXIMIDADE
O cuidado é “uma atividade da espécie que inclui tudo o que fazemos para manter, continuar e reparar nosso ‘mundo’ para que possamos viver nele da melhor maneira possível. Esse mundo inclui nossos corpos, nós mesmos
1 Essa bela expressão foi usada por Franco Rotelli, diretor do Departamento de Saúde Mental de Trieste, em referência à questão da saúde mental na cidade e à forma revolucionária de tratá-la iniciada por Franco Basaglia na década de 1970. Ver: Basaglia, F. (2005). L’utopia della realtà, Einaudi; Rotelli, F. (2013). Servizi che intrecciano storie. In G. Gallio (Ed.). L’arte della cura nella medicina di comunità a Trieste: storie e racconti di malattia, ENAIP.
PROJETANDO PARA APROXIMAR
A música começa. Um homem se levanta da mesa, atravessa o salão e pergunta a uma senhora de outra mesa se ela quer dançar. Ela concorda. Embora não se conheçam, ambos sabem o que fazer e começam a dar os primeiros passos. Eles trocam algumas palavras, quem sabe iniciando uma conversa; talvez a conversa continue depois da dança.
Essa cena pode parecer uma forma nostálgica de ser, fazer e dançar do passado. No entanto, nos diz muito sobre como as pessoas podem ser ajudadas a se aproximarem umas das outras, como os encontros podem ser facilitados e o que pode ser planejado para que isso aconteça.
A cena proposta acima certamente não é o resultado de um projeto consciente e unitário. Pelo contrário, é o resultado de uma coevolução dos vários elementos que compõem esse sistema de proximidade: o salão de dança, a música, a capacidade de dançar e duas pessoas querendo se encontrar. Tudo isso, obviamente, não predetermina o que de fato acontecerá. Não nos diz se a conversa entre os dois será agradável, se e como continuará após aquele primeiro encontro. A pista de dança, a música e o conhecimento compartilhado das regras sociais pertinentes à situação são apenas o que torna um encontro mais provável.
O exemplo da pista e dos bailarinos também nos diz o que a cidade contemporânea já não é, mas poderia ser. A cidade atual, a cidade das
distâncias, é por natureza hostil aos encontros e à sua possibilidade de evoluir para conversas, projetos compartilhados e comunidades. Nos Capítulos 1, 2 e 3 vimos a necessidade, e a possibilidade, de mudar de orientação e ir no sentido inverso, rumo a uma cidade de proximidade, que é também
uma cidade que cuida.
Neste capítulo, veremos o que pode ser feito para que essa mudança ocorra; ou seja, na prática, como e o que projetar para criar proximidade. Então, voltando à imagem inicial: o que fazer para que haja pistas de dança acolhedoras, música estimulante e capacidade de dançar generalizada? O que pode ser feito hoje para criar sistemas de proximidade nos quais as pessoas se aproximam e se encontram? E o que fazer para que esses encontros evoluam para conversas e novas comunidades?
A resposta curta é: encontros, conversas e comunidades, devido à sua natureza relacional, não podem ser projetados diretamente. Podem, no entanto, fazer-se possíveis e prováveis, tornando o ecossistema em que operam mais favorável. Para isso, é preciso desenhar os artefatos materiais e digitais que os transformem em realidade, os quais chamaremos de infraestrutura técnica e social (as características do salão de dança e o fato de as pessoas saberem dançar), e os que induzam e orientem os encontros, que serão denominados estimulantes e atratores (a música no salão de dança).
4.1 INFRAESTRUTURA TÉCNICA E SOCIAL COMO PLATAFORMAS DE OPORTUNIDADE
A cidade de proximidade, com cuja criação queremos contribuir, é um cenário baseado em projeto e não uma proposta utópica. Isso porque –como deve ser o caso de todos os cenários orientados para o design1 – não é apenas uma visão, mas também um conjunto de diretrizes sobre o que precisa ser feito para colocá-lo em prática; ou seja, em termos concretos, como partir do ponto no qual estamos (a cidade das distâncias) e dar passos para o qual queremos ir (a cidade da proximidade). A base do que pode
1 Manzini, E. (2017). Design: quando todos fazem design: uma introdução ao design para a inovação social. São Leopoldo: Unisinos.
FUTURO PRÓXIMO. CIDADES DE
PROXIMIDADE E PLATAFORMAS DIGITAIS
Por Ivana Pais 1
Há ideias que chegam – ou são redescobertas – na hora certa; palavras-chave capazes de resumir conceitos complexos e direcionar ações; slogans, às vezes ambíguos, que por isso mesmo falam a diferentes pessoas.
A “cidade dos 15 minutos” é a ideia que – mais do que outras – está agregando indivíduos, organizações e instituições em torno de uma visão partilhada de um futuro desejável na sociedade pandêmica. O bloqueio e o trabalho remoto nos fizeram redescobrir a importância dos vizinhos e dos serviços de proximidade. A expressão funciona bem: combina espaço e tempo e constrói uma ideia de cidade a partir dos passos de cada cidadão. Mas, como muitas vezes acontece com slogans, nesse caso a eficácia da comunicação não corresponde a uma clareza de conceito equivalente. Isso requer análises que permitam ir da sugestão à interpretação e ao design. É este o objetivo deste livro, que marca simbolicamente uma passagem, com a mudança da “cidade dos 15 minutos” para a “cidade da proximidade habitável”.
1 Professora Titular de Sociologia Econômica da Faculdade de Economia da Università Cattolica del Sacro Cuore (Milão, Itália) e Diretora do TRAILab, Transformative Actions Interdisciplinary Laboratory.
Nas páginas anteriores, a proximidade foi analisada em suas diversas declinações, incluindo a “proximidade híbrida”, em que as oportunidades de encontro no mundo físico são sustentadas por interações no mundo digital. Essa proximidade, como já foi dito, é possibilitada pela tecnologia, mas não pode ser sustentada apenas por ela.
Meu objetivo com esta contribuição é dialogar com essa proposta, partindo de uma questão sobre a qual tenho trabalhado nos últimos anos e que é cada vez mais relevante no cotidiano de todos nós: as plataformas digitais. Ao longo do texto, são frequentes as referências a plataformas entendidas em sentido amplo, como um ecossistema capacitador; nesta reflexão, no entanto, vou me aprofundar na temática da plataforma digital. Irei por etapas, começando por sua definição, para depois apresentar as plataformas de proximidade habitável e voltar a duas questões levantadas no livro: quais são as propriedades relacionais das plataformas de proximidade? E qual é a relação entre as plataformas urbanas e a governança local?
Os exemplos e casos relatados neste capítulo vêm em grande parte da pesquisa empírica que realizei nos últimos anos: embora colhidos principalmente na Itália, eles têm um valor mais geral, também porque casos semelhantes podem ser identificados em diferentes países.
DEFININDO O CONCEITO DE PLATAFORMA DIGITAL
Como vimos a propósito da cidade dos 15 minutos, por vezes o sucesso de uma ideia depende, entre outras coisas, da escolha da terminologia. Isso também é verdade para as plataformas: como bem ilustrado por Tarleton Gillespie,2 a palavra plataforma representa uma ideia específica o suficiente para significar algo, mas ao mesmo tempo vaga o suficiente para se adaptar a vários contextos e a públicos diferentes. O conceito pode ser rastreado a quatro territórios semânticos: o significado computacional, que está diretamente ligado à ideia de uma infraestrutura que suporta o design e o uso de aplicativos, também por terceiros; o significado arquitetônico, como “piso elevado”, sobre o qual podem repousar pessoas e objetos (plataforma
2 Gillespie, T. (2010). The Politics of “Platforms”, New media & society , 12 (3), pp. 347-364.
Este livro é uma contribuição para um diálogo social sobre a cidade e o seu futuro, a partir da ideia de uma cidade de proximidade funcional, em que tudo está a poucos minutos a pé de onde se vive. Soma-se a isso uma proximidade relacional, com mais oportunidades de se encontrar, apoiar, cuidar uns dos outros e do meio ambiente e colaborar para alcançar objetivos comuns. No fundo, é uma cidade construída a partir da vida dos cidadãos e de uma ideia de proximidade habitável. As inovações sociais dos últimos 20 anos indicam por onde começar: Paris, Barcelona e Milão deram passos nessa direção, e oferecem exemplos concretos. Inovação social, cuidado, bens comuns, comunidades de lugar e plataformas digitais são as palavras-chave para uma nova e ampla prática social de design.