Reflexão e Prática no Ensino - Vol.8 - Educação Física

Page 1


A Reflexão e a Prática no Ensino Vol. 8 - Educação Física Marcos Garcia Neira Lançamento 2011 ISBN: 978-85-212-0634-7 Páginas: 174 Formato: 17 x 24 cm


4a CAPA


Conteúdo

1. INFLUÊNCIAS CONTEMPORÂNEAS NO CURRÍCULO DA EDUCAÇÃO FÍSICA........................ 23 2. O CURRÍCULO CULTURAL DA EDUCAÇÃO FÍSICA EM AÇÃO................................................ 43 3. O RECONHECIMENTO DA CULTURA CORPORAL DA COMUNIDADE.................................... 55 4. JUSTIÇA CURRICULAR....................................................................................................... 69 5. A DESCOLONIZAÇÃO DO CURRÍCULO................................................................................. 79 6. ANCORAGEM SOCIAL DOS CONHECIMENTOS.................................................................... 95 7. TEMATIZAÇÃO................................................................................................................... 101 8. MAPEAMENTO................................................................................................................... 107 9. RESSIGNIFICAÇÃO............................................................................................................. 125 10. APROFUNDAMENTO E AMPLIAÇÃO................................................................................ 137 11. REGISTRO E AVALIAÇÃO.................................................................................................. 159 12. CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................ 167


1 Influências contemporâneas no currículo da Educação Física

Há muito que o currículo em vigor, em grande parcela das escolas, sofre questionamentos, dado seu tratamento privilegiado aos elementos provenientes da cultura dominante. A alternativa, ao menos por enquanto, é a inserção e problematização no currículo daqueles conhecimentos advindos das culturas subordinadas, a chamada educação multicultural. Ao analisar o caráter diversificado de nossa sociedade em processo de globalização e, como as questões das diferenças de classe social, gênero, etnia, orientação sexual, cultura e religião se expressam em diferentes contextos sociais, Moreira (2001, p. 66) refere-se à educação multicultural como a “[...] sensibilidade para pluralidade de valores e universos culturais no interior de cada sociedade e entre diferentes sociedades”. Ângelo (2002, p. 39) entende que a educação multicultural “pode ser um dos instrumentos pedagógicos sociais para construir as relações interculturais baseadas no diálogo entre as culturas”. Por sua vez, Willinsky (2002) reivindica uma educação multicultural que conteste as linhas divisórias e a importância da diferença; que não aceite as divisões entre os seres humanos como um fato da natureza, mas como uma categoria teórica produzida por quem está no poder.


2 O currículo cultural da Educação Física em ação

Compreendido como artefato, o currículo cultural da Educação Física é fruto dos discursos, não possui nenhuma propriedade essencial ou originária. Só existe como resultado de um processo de produção histórica, cultural e social (SILVA, 2007). Nenhum currículo é dotado de uma identidade prévia, original. Sua identidade é construída a partir dos aparatos discursivos e institucionais que o definem como tal. Deriva daí que um currículo não pode, nem deve, ser tomado ‘ao pé da letra’, porque este ‘ao pé...’ não existe. O que existe é a equivocidade do querer-dizer de um currículo, fornecida por suas significações constantemente diferidas (CORAZZA, 2001, p. 12).

Envolvido em um emaranhado de significados, o discurso não deixa de ser um fenômeno cultural. Pronunciar, enunciar, narrar, falar etc., trazem como consequência que aquele que diz (ou escreve) diga sempre mais do que pretendíamos que dissesse, faça mais do que deveria fazer, crie o que não tínhamos previsto.


3 O reconhecimento da cultura corporal da comunidade

O currículo cultural, na visão de Candau (2008), requer a implementação de atividades de ensino que levem os estudantes a perceber a construção da própria identidade cultural, relacionando-a com seus processos socioculturais constituintes e apontando o risco da perpetuação de uma visão homogeneizadora e estereotipada pelos próprios sujeitos. A escola deve promover o entendimento dos enraizamentos culturais, bem como dos processos de negação e silenciamento de determinados pertencimentos, a fim de reconhecê-los e trabalhá-los no âmbito curricular. Somente assim, acredita a autora, é possível valorizar as diferentes características das raízes culturais das famílias de cada um, do próprio contexto de vida, do bairro etc. Com o intuito de valorizar as raízes culturais da comunidade na qual a escola está inserida, as manifestações corporais dos grupos de origem e pertencimento dos alunos transformam-se em temas de estudo. Nos dizeres de Kincheloe e Steinberg (1999), o que se está a fazer é prestigiar no currículo, também, a cultura dos grupos subordinados. Os autores não querem, com isso, marcar fronteiras a fim de garantir a pureza da cultura de origem ou dos modos de identificação com os quais as manifestações interpelam seus sujeitos.


4 Justiça curricular

Concebido segundo os princípios da justiça social, um currículo elaborado de forma justa mantém-se atento ao modo como se privilegiam certos conhecimentos em detrimento de outros, certos discursos em detrimento de outros, certas identidades em detrimento de outras, certas vozes em detrimento de outras, atuando no sentido de modificar as condições de minimização e desqualificação das temáticas pertencentes aos grupos não hegemônicos. Além disso, age na efetivação da justiça no ato da vivência curricular (CONNELL, 1993). Com base na justiça curricular, é possível inferir que uma distribuição equilibrada das diversas manifestações da cultura corporal a partir do seu grupo social de origem prestigia, pela valorização do patrimônio cultural corporal tradicionalmente excluído do currículo, a pluralidade dos grupos presentes na escola e na sociedade. Essa medida visa romper com a exclusividade de valores que intensificam noções de superioridade/ inferioridade que atribuem conotações discriminatórias aos setores sociais em desvantagem nas relações de poder.


5 A descolonização do currículo

Contrariando a tradição da área, os temas do currículo cultural são permeados com as manifestações culturais dos grupos historicamente ausentes no cenário escolar. No estudo realizado sobre a trajetória da Educação Física (NEIRA, 2007), percebemos a intenção debelada de legitimar valores da cultura eurocêntrica mediante a apresentação e afirmação dos saberes que a constituíram. Nas propostas psicomotora, desenvolvimentista, esportivista e da saúde é visível a ênfase concedida às manifestações corporais que divulgam a identidade cultural dos povos colonizadores, afirmando sua superioridade e diminuindo os colonizados. Nos currículos convencionais do componente identifica-se a preocupação com o ensino da bandeja do basquete, o desenvolvimento da lateralidade ou a memorização da fórmula para o cálculo do Índice de Massa Corporal, sem que se estabeleçam quaisquer análises das motivações que fizeram eleger esses conhecimentos como merecedores de espaço no currículo ou da sua trajetória sócio-histórica, a subjetividade que transportam, seus contextos de origem, a quem beneficiam etc. É desnecessário dizer que diante do predomínio absoluto de conhecimentos da mesma matriz, em tais propostas, as narrativas dominantes deslocam as práticas corporais do outro para uma condição inferior. É de estranhar que no Brasil os currículos mais conhecidos da Educação Física apresentem alguns sintomas gravíssimos de amnésia com respeito às práticas corporais africanas e indígenas,


6 Ancoragem social dos conhecimentos A ancoragem social dos conhecimentos é uma modificação feita por Moreira e Candau (2003) da estratégia pedagógica multiculturalmente orientada proposta por Grant e Wieczorek (2000). Os autores denominam ancoragem social dos discursos ao estabelecimento de conexões entre discursos históricos, políticos, sociológicos, culturais e outros, com o objetivo de perceber origens e processos de transformação experimentados. No currículo cultural, os professores adotam como ponto de partida para o trabalho pedagógico a “prática social” das manifestações da cultura corporal. A partir dela, proferem uma séria e compromissada análise sócio-histórica e política. Os trabalhos se iniciam com a noção que os alunos e o professor possuem da manifestação cultural corporal pelo formato acessado no cotidiano. Ou seja, o ponto de partida é a ocorrência social da brincadeira, do esporte, da dança, da ginástica ou da luta. É importante ressaltar que se trata de mais uma ruptura com a tradição curricular do componente. Basta mencionar que o recente estudo de Resende, Soares e Moura (2009) flagrou a permanência de uma organização didática compartimentada nas propostas voltadas para o ensino dos jogos esportivos ou para o desenvolvimento das capacidades físicas em estudo realizado nas escolas municipais do Rio de Janeiro. Os autores constatam que o alcance dos objetivos é proposto mediante um trabalho pedagógico gradativo e fragmentado, sem qualquer semelhança com o formato das manifestações culturais corporais na sua existência cotidiana. O currículo cultural da Educação Física, ao ancorar socialmente os conhecimentos, amplia a possibilidade de compreensão e posicionamento crítico dos alunos com relação ao contexto social, histórico e político de produção e reprodução das práticas culturais. Os estudantes são levados a interpelar as


7 Tematização

A história de transformações que marca a educação mostra que os sentidos que lhe são atribuídos diversificaram-se ao longo dos tempos. Conceitos como escola, ensino, currículo, classe, disciplina e conteúdo são construções sociais e, como tal, são práticas de significação. Chegar a uma conclusão do que venha a ser qualquer um dos conceitos citados passa por um conflituoso processo de posicionamentos e definições que refletem os diversos enfoques, perspectivas e abordagens que compõem a prática pedagógica. Dentre eles, é interessante constatar as controvérsias envolvidas com relação aos “conteúdos de ensino”. Afinal, tudo o que envolve a sua definição denuncia uma visão de aluno, cultura e a função social da escola. Os debates em torno da decisão dos conhecimentos que devem fazer parte do currículo, particularmente no caso da Educação Física, vivem um momento de grande ebulição. O que um determinado grupo possa considerar conteúdo legítimo e necessário para ser ensinado e compor a formação dos sujeitos da educação, noutro momento histórico, talvez seja retirado. O conteúdo suprimido torna-se desnecessário e esquecido, sendo substituído por outro considerado relevante. O exercício do tiro, por exemplo, fez parte das aulas de Educação Física no currículo ginástico. Em tempos de guerras e revoltas, da aplicação dos métodos ginásticos e da influência das concepções milita-


8 Mapeamento

Construir um currículo cultural da Educação Física implica a seleção das manifestações corporais que serão estudadas no decorrer do período letivo. A tomada de decisão sobre o tema se dá a partir do mapeamento do patrimônio cultural corporal disponível na comunidade, em conformidade com o que defende o multiculturalismo crítico e a teorização curricular da Educação Física (NEIRA e NUNES 2006, 2009a e 2009b). Mapear quer dizer identificar quais manifestações corporais estão disponíveis aos alunos, bem como aquelas que, mesmo não compondo suas vivências, encontram-se no entorno da escola ou no universo cultural mais amplo. Mapear também significa levantar os conhecimentos que os alunos possuem sobre uma determinada prática corporal. Não há um padrão ou roteiro obrigatório a ser seguido, durante o mapeamento, os professores empreendem variadas atividades.


9 Ressignificação

No que tange às vivências corporais multiculturalmente orientadas, sua característica distintiva com relação às demais propostas do componente é a prática acompanhada de leitura e interpretação. Diante das condições que diferenciam a prática social da manifestação no seu locus original e a realidade da escola (número de alunos, espaço, tempo, material disponível etc..), os docentes estimulam o grupo a elaborar novas formas de praticar o esporte, lutar, brincar, dançar e fazer ginástica, com a intenção de facilitar a compreensão da plasticidade da cultura e do processo de transformação vivido por quase todos os produtos culturais. As peculiaridades de cada grupo e de cada escola são consideradas por ocasião da reconstrução coletiva da prática corporal objeto de estudo, proporcionando aos alunos uma experiência bastante concreta da dinâmica cultural. Apesar da relevância das vivências corporais como ponto de partida para análise situacional e remodelação das práticas, a participação dos alunos enquanto leitores e intérpretes da gestualidade, sugerindo modificações é tão relevante quanto a execução propriamente dita. Essas posições alternaram-se ao longo das atividades de ensino.


A reflexão e a prática no ensino

10 Aprofundamento e ampliação

A prática pedagógica do currículo cultural da Educação Física mostra-se ainda mais peculiar quando se organizaram atividades de ensino para aprofundar e ampliar os conhecimentos (NEIRA, 2009). Aprofundar, aqui, significa conhecer melhor a manifestação corporal objeto de estudo. Procurar desvelar aspectos que lhe pertencem, mas que não emergiram nas primeiras leituras e interpretações. Ampliar, por sua vez, implica em recorrer a outros discursos e fontes de informação, preferivelmente, àqueles que trazem olhares diferentes e contraditórios com as representações e discursos acessados nos primeiros momentos. As atividades de ensino voltadas para o aprofundamento possibilitam um entendimento maior dos significados comumente atribuídos à prática corporal objeto de estudo: visitas aos espaços onde a manifestação cultural acontece no seu formato mais conhecido, aulas demonstrativas com estudantes praticantes, análise e interpretação de vídeos, leitura e interpretação de textos pertencentes aos diversos gêneros literários, realização de pesquisas orientadas previamente, entre outras.


A reflexão e a prática no ensino

11 Registro e avaliação

Um último procedimento didático requerido pelo currículo cultural da Educação Física é a construção de registros que facilitem a retomada do processo para socialização, discussão em sala de aula e redirecionamento da ação educativa. RELATO 07

Naquele momento do projeto, o caderno de Educação Física já possuía um minidicionário com palavras características do meio cultural dos capoeiristas como, mandinga, abadá, viola, beriba, mandingueiro e o grupo já estava com uma grande quantidade de fotos e filmagens para a construção do portifólio digital que seria entregue ao final do projeto.


12 Considerações finais

O currículo cultural da Educação Física é aquele que, como seu próprio nome indica, tem como ponto de apego a cultura; pensa e age a partir da análise cultural. Pensa a partir das perspectivas pós-críticas da educação, sobretudo os Estudos Culturais e o multiculturalismo. Age por meio dos temas culturais corporais, investigando e debatendo questões de classe, gênero, orientações sexuais, cultura popular, etnia, religiosidade, força da mídia, processos de significação e disputas entre discursos, políticas de identidade e da diferença, culturas juvenil e infantil. É desse modo que o currículo cultural da Educação Física aborda as formas contemporâneas de luta social impregnadas nas manifestações culturais corporais. Nessa proposta, a cultura não é um objeto passivo de recebimento e transmissão, nem tampouco as práticas corporais são artefatos para mera contemplação, assimilação e consumo. A cultura, suas diversas manifestações e seus sentidos produzidos

Para elaborar estas Considerações Finais, parafraseamos e inspiramonos no estilo de Sandra Corazza no seu manifesto “Diferença pura de um pós-currículo”, publicado em LOPES, A. C.; MACEDO, E. (Orgs.). Currículo: debates contemporâneos. São Paulo: Cortez, 2010.


Este livro estĂĄ Ă venda nas seguintes livrarias e sites especializados:


INOVAÇÃO E EXCELÊNCIA EM

EDUCAÇÃO FÍSICA


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.