C A R I N E
R A P O S O
Copyright © 2014 Carine Raposo Nenhuma parte desta publicação pode ser utilizada ou reproduzida sob quaisquer meios existentes sem autorização por escrito da editora. Este livro é uma obra de ficção. Nomes, personagens, empresa, organização, lugares e acontecimentos descritos são produto da imaginação do autor ou usados de modo ficcional. Qualquer semelhança com pessoas, vivas ou mortas, datas, acontecimentos ou lugares reais é mera coincidência. 1a Impressão CAPA Marina Avila REVISÃO Jenifer Lee Alves Felipe Colbert DIAGRAMAÇÃO Equipe CADMO Este livro está em conformidade com o novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa. ____________________________________________________________________________ Raposo, Carine O penhasco / Carine Raposo – São Paulo, SP : Editora Cadmo, 2014. ISBN: 978-85-68758-00-7 1. Ficção brasileira I. Título. CDD-869.93 ____________________________________________________________________________ Índices para catálogo sistemático: 1. Ficção: Literatura brasileira 869.93 Impresso no Brasil Printed in Brazil 2014 Todos os direitos desta edição reservados à EDITORA CADMO São Paulo — SP www.editoracadmo.com.br
Prólogo
Uma noite típica de Los Angeles. Um posto de gasolina. Um policial se dirige à loja de conveniência para comprar cigarros. Um bêbado bate continência, enquanto segura a porta de vidro para o policial entrar. Um casal solicita informações. Duas sombras observam, aguardando o momento certo de agir. Um único suspeito. Nenhuma lembrança. Não há evidências. Não há testemunhas. Não há motivo. Duas filhas dormem tranquilas, em um quarto de hotel. Uma jovem sonha com olhos hipnotizantes, desejando que o sonho fosse realidade. Verde-esmeralda. Cabelos pretos. E a certeza... A certeza, de que havia muito que ele sabia. A certeza, de que havia muito a se descobrir. E ela queria. Ela o queria. E queria saber. De tudo. Devemos ter cuidado com o que desejamos.
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Capítulo 1 Hipnotizante
Liza Passei alguns minutos tentando me convencer: “Não foi real, Liza, não foi real.” Repeti diversas vezes durante a noite. Se tudo não passava de um sonho, eu não queria mais acordar. Estava dividida entre a sensação e a razão. Uma me seduzia com o melhor sentimento que já tive. A outra me forçava a aceitar o que eu já conhecia, me obrigava a retornar para o mundo concreto. Mas eu não queria voltar. Apesar de não saber como fui parar ali, àquela altura, pouco me importei como isso ocorreria. No momento em que o vi, fui dominada por uma estranha certeza: tudo o que eu sabia sobre mim e conhecia do mundo à minha volta não se aproximava de um terço da verdade. Percebi, tardiamente, que daquele momento em diante, estaríamos condenados. As coisas aconteceram em questão de minutos e minha vida virou de cabeça para baixo. Eu só me dei conta de que meus pais ainda não haviam retornado do mecânico ao ver os primeiros raios de sol entrarem pelas frestas das cortinas. Sentei-me na cama, ligeiramente desnorteada, e abafei um grito quando o vi ali. O homem do Penhasco me observava parado ao lado da TV. Seu olhar esmeralda estava sério, me causou calafrios. Mas antes que eu pudesse falar alguma coisa, ele desapareceu. — Não! — gritei para o quarto de hotel. Vazio. Como ele consegue desaparecer assim? Esfreguei os olhos e observei a cama de casal. Intocada. Onde estão meus pais? Por um momento esqueci que Raquel dormia na cama de solteiro ao meu lado. Minha irmã continuou em sono profundo quando levantei e me esgueirei pelo quarto. Precisava ligar, com urgência, para o celular da minha mãe. Uma calmaria estranha pairava no ar, entrava com as lufadas de vento pela cortina. O costumeiro arrepio gelou meu sangue, e isso geralmente acontecia antes dos problemas aparecerem. Meus ombros enrijeceram quando olhei, de verdade, para aquele quarto de 7
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hotel. Vi as malas reviradas, vi as roupas jogadas no chão, formando um caminho até a porta. Era o cenário de um arrombamento, mas nada parecia ter desaparecido. Além, é claro, dos meus pais. Calma! Deve haver alguma explicação. Respirei fundo. Será que alguém entrou aqui sem que eu ouvisse nada? Afinal, o meu sono sempre foi tão leve. “Seja honesta consigo mesma, Liza”, disse meu consciente com desdém. “Você estava muito entretida com seu sonho.” Verdade, admiti. Em meio a toda essa tensão desejei, intimamente, voltar para o sonho. Para ele... Olhos verdes e sedutores... Atraíam-me para um Penhasco deslumbrante. Ao desviar-me de uma bolsa caída, encontrei um papel rasgado, jogado sobre uma das malas. Apesar do garrancho, reconheci a letra da minha mãe: “Liza, algo aconteceu... Saiam desse hotel, mas não voltem para casa. Não procurem por nós. Amamos vocês. Tel: 323 674 -3432.” Liguei imediatamente para o número no papel. Uma voz masculina atendeu: — Delegado Machado. www O homem do Penhasco Eu a observava de perto, precisamente, ao seu lado na cama. Não era a primeira vez que o fazia. Muito menos, seria a última. Às vezes ela suspeitava da minha presença, me procurava por todos os lados, chegava até a olhar atrás da cortina. Eu gostava de vê-la, inspirando o ar com força, algo que ela sempre fazia quando eu deixava o recinto. Ela parecia gostar do meu cheiro, mesmo não sabendo a quem pertencia. Ainda não havia acontecido o esperado, mas seria nessa noite. O oposto da tormenta sempre pairava no ar antes das sombras chegarem. Eu já sentia a aproximação do fim. Podia sentir a calma criando um momento sereno, antecipando a tragédia. Algumas vezes as sombras se manifestavam sutilmente, como um sussurro no vento, em outras, eram violentas, bruscas. Depois que desapareciam, deixavam no ar aquele vestígio para nos reafirmar que o que foi não volta. Costumava ser um vislumbre de vida que pairava por alguns se8
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gundos, até desaparecer por completo. Observei a garota mais nova. Ela se aconchegou no colchão e, em poucos minutos, adormeceu. Já a que estava sob o meu olhar vigilante deitou-se para dormir e repetiu diversas vezes o movimento de inspirar e expirar o ar com força. Pressentia o que se aproximava. Respirava pesadamente, com o peito inflando e esvaziando. Sua intuição era aflorada, e a calma, pesando o ar ao seu redor, a assustava. Ela olhou algumas vezes para o relógio de pulso e sacudiu a cabeça. Lutava para afastar seus próprios pensamentos, que eu sentia, densos de preocupação. Demorou algum tempo para que sossegasse até que ajeitou o travesseiro e, após uma longa pausa, relaxou e adormeceu. Agora, tinha a expressão serena, despreocupada. Mal sabia o que a aguardava naquela noite. Mal imaginava o que a manhã seguinte lhe traria. Faltava pouco. Para mim, seria em um piscar de olhos. Para ela, algumas horas. Deixei o quarto e fui até o Penhasco, como havia planejado. Retornei após um breve tempo. Contornei o rosto dela suavemente com o indicador. Era a minha despedida. Ela murmurou de leve, prestes a despertar. Antes que abrisse os olhos, me afastei. Caminhei a passos lentos até a televisão. E ela me viu. Eu não podia ficar, nem devia estar ali.
Capítulo 2 O Sonho
Um mês depois... Liza Meu corpo viajou em uma velocidade que julguei impossível de ser alcançada por um humano. Não registrei cores, sons, aromas ou qualquer sinal de vida. Tudo girou em borrões. O mundo se moveu com muita pressa, como nos sonhos em que caímos em um túnel sem conseguir parar. O mais estranho foi que a sensação era de estar subindo. Quando comecei a ficar enjoada, a subida bruscamente parou. E o cenário à minha volta, mudou. Senti chão firme debaixo de meus pés. Olhei para baixo. Grama? 9
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Regulei a respiração. Tentei controlar o enjoo. Olhei para o horizonte e abri a boca, incrédula. Como cheguei sozinha no topo de um Penhasco? Caminhei hesitante até a beirada onde vislumbrei o mar batendo furiosamente nas rochas, tão alto que me provocou frio no estômago. Subi os olhos e registrei lentamente seus detalhes. O lugar era lindo, majestoso. À frente do Penhasco, três colinas baixas formavam um semicírculo. Criava a impressão de que as colinas serviam ao Penhasco, como se existisse algo mais naquela formação, oculto e grandioso! Como eu sairei daqui? Mas por que eu sairia? Estou sozinha e este é o lugar mais bonito que já estive em minha vida! Escutei o som das ondas, o vento me abraçou com sua brisa fresca. Apesar de não fazer a menor ideia de onde me encontrava, me senti confortável e despreocupada, mesmo com o algo estranho no ar. Mesmo com uma sensação de olhos em minhas costas. Observei a imensidão do mar no horizonte e contemplei as rochas. Foi como se eu abrisse os olhos pela primeira vez. Tudo era tão vivo, de uma coloração tão palpável. Até o ar, se comparado ao de outro lugar, era mais leve à minha respiração. Eu inspirava e recebia de presente o aroma doce e sutil das folhas, misturado à grama, aos meus pés. Havia um leve cheiro de terra molhada. Parecia mágico. Permiti-me ficar um tempo assim, em estado de deslumbramento. Admirei as cores, as plantas, os pássaros, e a majestosa árvore que me protegia do sol forte. Definitivamente, o sonho mais lindo que já sonhei. Após me habituar à visão sublime, recostei minhas costas no tronco da bela árvore e fui invadida por uma sensação morna, me senti dormente. Minutos depois, comecei a ficar sonolenta, sob a calmaria daqueles galhos... Sobressaltei-me quando o ambiente se agitou de súbito. Lembrou-me da ventania que antecede uma tempestade. O vento rugiu furioso em meus ouvidos, balançou meus cabelos soltos, os pássaros voaram assustados. As ondas quebraram nas rochas com tanta força, como se tentassem escalar o Penhasco. Se uma rajada de chuva caísse, eu não teria para onde fugir, mas mesmo sendo um pouco assustador, não pude deixar de interpretar como um grito da natureza. Um grito para mostrar a mim que a partir daquele momento em diante, minha vida nunca mais seria a mesma. Estranhei meu próprio pensamento, mas dei de ombros, de tão relaxada. Fiquei de pé e inspirei o ar com força, cerrei os olhos e abri os braços. Senti um tipo desconhecido de poder, uma espécie de força, ou vibração, trazida pelo vento. 10
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Repeti o gesto algumas vezes. Até que ao expirar e abrir os olhos, eu me deparei com um homem a um palmo do meu rosto. Ele permaneceu imóvel. Era semelhante a uma estátua de um anjo, cuidadosamente moldada, dono de uma beleza indescritível. Meus joelhos amoleceram, escorreguei e caí no chão devido ao susto. Ele me estendeu a mão. Fiquei sem reação durante certo tempo, congelada na minha surpresa. Havia um sorriso torto nos lábios dele, os olhos verdes como esmeraldas carregavam a insinuação de algo condenável. Fitei-o boquiaberta. Isso, definitivamente, é um sonho! Homens como ele não existem no mundo real. Balancei a cabeça para a minha consciência voltar ao normal e aceitei a mão que ele me oferecia. O toque de sua pele passou volts de eletricidade por todo meu corpo. Lutei contra minha respiração irregular e tentei me acalmar. Finalmente, após o que me pareceram séculos de silêncio, reuni coragem e olhei-o nos olhos outra vez. Naquele momento, eles mudavam do verde esmeralda para cinza. O homem do Penhasco travava alguma luta interna. Seu semblante parecia dividido entre satisfação e seriedade. Havia algo errado acontecendo? Ele estampou um sorriso claramente forçado e me levantou com delicadeza do chão. Com nossas mãos ainda unidas, sorri de volta. Mesmo sem compreender nada do que acontecia e o que sentia, tive certeza... Aquele seria o momento que mudaria a minha vida para sempre. Reuni a força necessária para desviar o olhar dos olhos dele. E notei que ele se vestia como se estivesse de luto. O jeans e a blusa preta realçavam sua pele branca. O homem do Penhasco era, no mínimo, dois palmos mais alto do que eu, e apesar do seu rosto de anjo, seu olhar me suscitou medo. Perfurando minha pele com suas esmeraldas, ele me encarou: — Estive esperando por você. Eu não consegui responder. Senti meu coração acelerar em resposta àquela voz que, mal sabia, seria dona de minha mente em pouco tempo. www Levantei-me cheia de esperança, mas me deparei com a parede. Fiquei decepcionada ao ver o quarto ao meu redor. Novamente meu consciente reproduziu o sonho daquela noite. Não foi real como da última vez. Foi 11
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apenas uma lembrança, me dilacerando de saudade, de alguém que eu sequer conhecia, mas ansiava em reencontrar. Outra vez, aquele sonho... O mesmo sonho da noite que despertou todos os meus pesadelos. Um daqueles que nos fazem acordar, se perguntando onde estamos de verdade. Claro que havia ainda a realidade. O pesadelo que eu tinha de olhos abertos. A viagem de carro, pela costa da Califórnia, que deveria ter sido a celebração do meu aniversário de vinte e um anos. Uma surpresa, que meus pais me deram de presente. Mas, infelizmente, nenhum de nós voltou daquela viagem. Ao chegarmos a Los Angeles, fui com Raquel para o hotel. E nossos pais ao mecânico, para fazer ajustes no carro. Às cinco horas da manhã, acordei sobressaltada após sonhar com o homem do Penhasco. Liguei para o delegado, Machado, e respirei fundo antes de despertar minha irmã. Lembro-me das lágrimas escorrendo violentamente, contra a minha vontade. Eu precisava estar no controle da situação. — Raquel, acorde! Preciso conversar com você! Minhas mãos tremiam quando toquei o braço dela. Ela resmungou algo ininteligível e virou para o outro lado. Eu já transpirava quando senti, de repente, uma brisa morna envolver todo o meu corpo. O ar morno penetrou por meus poros e se espalhou até minhas extremidades. Subitamente fiquei calma, quase entorpecida. Foi quando ouvi, pela primeira vez, a voz dele. Sussurrada em meus ouvidos, uma melodia, que me proporcionava uma paz inexplicável: “Acalme-se, Liza, não se desespere. Vai ficar tudo bem.” Mas não aconteceu como ele falou, eu nunca mais o vi. A não ser em sonhos repetitivos. Hoje completaram-se trinta dias de buscas em Los Angeles. Um mês sem pistas dos meus pais. Setecentas e vinte horas remoendo em detalhes tudo o que eu lembrava sobre minha vida até o dia do desaparecimento deles, o dia do meu aniversário. Quarenta e três mil e duzentos minutos buscando uma razão para tudo isso e, em paralelo, dois milhões quinhentos e noventa e dois mil segundos tentando me convencer de que o homem e o Penhasco não passavam de um sonho. Mas isso seria impossível. Vez ou outra, eu o sentia, bem perto de mim.
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Capítulo 3 O Encontro
Três meses depois... Liza Depois de perder o emprego em Los Angeles alguns dias atrás, decidi ouvir o conselho do Delegado Machado de seguir em frente. Quer dizer, resolvi tentar. Passamos quatro meses tateando no escuro. E ele prometeu prosseguir com as investigações, mesmo após o caso ter sido arquivado. Prometeu entrar em contato, caso alguma pista surgisse. Após o desaparecimento dos meus pais, passei a cuidar de tudo sozinha, e por tudo digo, buscas por pistas, trabalho, e a responsabilidade por uma irmã rebelde. Senti-me envelhecer quinze anos em quatro meses. A minha sorte foi que meus pais investiram em uma poupança, desde o meu nascimento, até que eu completasse 21 anos. Caso contrário, não sei o que teria sido de mim e Raquel. Confesso que andava cansada, mas nada poderia apagar as minhas dúvidas. Porque não eram apenas questões, e sim, dois buracos vazios em meu peito. Dois buracos que eu forrei com o trabalho, com as buscas por L.A., me preocupando com Raquel, que não colaborava em nada, e sonhando acordada com um par de olhos. Verdes, como esmeraldas, no topo de um magnífico Penhasco. Gritei inúmeras vezes, para o teto do meu quarto: — Pai?! Mãe?! Onde estão vocês?! Claro que nunca obtive respostas, e com o tempo, fui obrigada a me conformar. Acho que resignação era a palavra. Então é isso... Hora de seguir em frente. Será que alguém consegue? Será que Raquel e eu vamos conseguir? Minha irmã se transformou em outra pessoa, rebelde, parecia ter raiva de mim. Mas eu precisava ser paciente, afinal de contas, agora era eu a responsável. De qualquer maneira, não havia mais volta. O último mês na pensão da senhora, Schneider, estava quitado. Nossas malas, dentro do carro. Em meu íntimo, eu desejava que essa fosse a nossa última mudança. Iríamos morar com Ben e Amanda, meus dois amigos de infância. Eu estava ansiosa para encontrá-los. Tê-los por perto, com certeza, melhoraria as coisas. A casa ficava em Winterhill. Uma pequena cidade no norte dos Estados 13
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Unidos, famosa por suas belezas naturais, suas construções no estilo da Inglaterra do século XVIII, e por possuir a sede da melhor faculdade de Direito do país. Como carregávamos muitas malas, achei melhor alugar um carro. Além de ser velho e lento, minha irmã fazia questão de reclamar a cada quinze minutos, sendo pacientemente ignorada por mim durante todo o trajeto da viagem. — Será que não tinha um carro pior para você alugar? — O carro é o suficiente para atender as nossas necessidades do momento. — Eu não quero mais me mudar! Basta eu começar a criar algum afeto pelo lugar em que estamos, e você resolve ir embora. Mudei a estação do rádio e não respondi. Mas não poderia ignorar a afirmação de Raquel. Era como se tudo em nossas vidas caminhasse dois passos à frente e recuasse dois passos atrás. Chegamos em Winterhill. Subi os degraus da frente da casa, carregando as duas primeiras bagagens, e estaquei diante da porta, porque Raquel se recusava a sair do carro. Apesar da minha insistência e dos olhares curiosos dos vizinhos, ela me ignorava, enquanto eu acenava e a chamava. Permanecia estática com a pose de “estou ignorando você”. Ela era muito boa nisso. Suas formas de mulher adulta aumentavam a sua convicção. Raquel enrolava seus longos e volumosos cabelos pretos nos dedos. Fitava um ponto fixo à sua frente, para evitar me encarar com seus olhos azuis cobalto, idênticos aos do nosso pai. Larguei as malas, voltei até o carro e me inclinei na janela do carona. — Será que você pode tentar não tornar as coisas mais difíceis?! — pedi nervosa com a situação. — Eu me recuso a ficar aqui! Vou voltar para a Califórnia! — Ótimo. Aproveite e mande lembranças à família. Ops! Esqueci que sou tudo o que você tem agora! Após meu comentário, ela abriu a porta do carro com força e passou correndo por mim. Mas antes de entrar na casa, tropeçando nas próprias pernas, vi de relance seus olhos cheios de lágrimas. Percebi que havia sido cruel, mas, Raquel deveria estar facilitando em vez de criar empecilhos, pois sofríamos da mesma perda. Segurei as malas e me preparei para segui-la. E algo inesperado aconteceu. Meus pés colaram no chão. Arqueei as costas quando uma suave brisa moveu meus cabelos. Fechei os olhos e pensei, instintivamente, nas duas esmeraldas do homem do Penhasco. Não sei o motivo, mas não desisti de encontrá-lo novamente. Passei noites e noites imaginando seu rosto, certa de nosso reencontro. — É você? — perguntei em voz alta e olhei para os lados. Não havia ninguém ali. Apressei-me em entrar em casa antes que me flagrassem falando sozinha. Senti-me atormentada, mas se podia existir algo bom 14
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nessa tormenta, esse algo com certeza era ele. Mesmo sem nenhuma lógica, sem nenhuma prova, eu soube... Era ele. Reconheci o calafrio eletrizante que somente o homem do Penhasco poderia me provocar. Só sei que por um instante, poderia jurar que alguma coisa acariciou os fios perto de minha nuca. www O homem do Penhasco Liza, Liza... Você não faz ideia do quão perto estou de você. Seja bem-vinda a Winterhill. Estarei próximo. Muito próximo...
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