Graciliano Nº 5

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lio é r u a ário n o i dic u o vir e u mq e m O ho

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CEPAL / Imprensa Oficial Graciliano Ramos - Maceió - Ano II - Nº 5 - NOV / DEZ 2009

ISSN 1984-3453


:: Biografia

:: Documenta

Aurélio: vida, obra e seus vários mundos | 4

A alma das palavras | 22

Milena Andrade

Entrevista inédita ao Misa em 1982

:: Artigo

:: Memória

Meninice e saudade em Aurélio Buarque de Holanda | 34

Aurélio era único | 30

Marcos Vasconcelos Filho

Milena Andrade

Aurélio e a brasileiridade da língua | 16

Os amigos e o amor por Alagoas | 44

Antonio Houaiss

Milena Andrade

O Aurélio | 20 Carlos Moliterno

Aurélio: uma galáxia de palavras | 10 Lêdo Ivo

:: Depoimento

Lembranças de Aurélio | 40

A última entrevista | 36

Solange Bérard Lages Chalita

Mário Lima

Todo o Aurélio foi Alagoas | 38 Bráulio Leite

:: Legado

Aurélio, inesquecível amigo | 42 Tânia de Maya Pedrosa

E o dicionário virou Aurélio | 12 Milena Andrade

:: Contista, poeta e crítico Herói de mil faces | 18 Milena Andrade

Governo do Estado de Alagoas Teotonio Vilela Filho Governador de Alagoas José Wanderley Neto Vice-Governador de Alagoas Álvaro Machado Secretário-Chefe do Gabinete Civil Júlio Sérgio de Maya Pedrosa Moreira Secretário de Estado do Planejamento e do Orçamento

Marcos Kümmer Diretor-presidente da CEPAL / Imprensa Oficial Graciliano Ramos

Milena Andrade Coordenadora editorial

Fernando Rizzotto Direção de arte / Projeto gráfico

José Francisco Pedrosa Diretor Administrativo Financeiro

Pesquisa: Vanessa Mota

Estagiários: André Santos e Shuellen Peixoto

Hermann de Almeida Melo Diretor Comercial

Conselho editorial: Marcos Kümmer Milena Andrade Sérgio Moreira Guilherme Lamenha Simone Cavalcante

Revisão: Jackson Pinheiro Contatos: (82) 3315.8303 editora@cepal-al.com.br

ISSN 1984-3453

Os textos assinados são de exclusiva responsabilidade do autor. Ilustração de capa: Fernando Rizzotto


população se integrem na celebração deste alagoano que é inspiração e motivo de orgulho para os seus conterrâneos. “É preciso resgatar e manter viva a história de nossos personagens ilustres, como o Aurélio Buarque de Holanda”, afirma. Além das celebrações orquestradas pelo governo, Mestre Aurélio é alvo de homenagens vindas de outras organizações, como o Instituto Histórico e Geográfico de Alagoas (IGHAL), que prepara a criação da Biblioteca Aurélio Buarque de Holanda no prédio histórico da Sociedade Perseverança. O Tribunal Regional do Trabalho (TRT) se organiza para implantar o Memorial Aurélio Buarque de Holanda também no ano do centenário. O projeto já está pronto e prevê a disponibilização de toda a obra do dicionarista à população alagoana. “Aurélio Buarque de Holanda é um dos maiores intelectuais do Brasil e merece todas as nossas homenagens”, diz o presidente do TRT/AL, Jorge Bastos da Nova Moreira. Esta edição da revista Graciliano abre a série de mobilizações culturais de Alagoas em torno de Aurélio Buarque de Holanda Ferreira no ano de seu centenário. O propósito é chamar a atenção para o imenso valor deste alagoano e do tesouro que é a sua história de vida - um verdadeiro patrimônio imaterial que pode inspirar não apenas as pessoas, mas também políticas públicas. A revista faz um desenho da rica história de vida deste singular alagoano, das suas origens à criação do dicionário mais popular do Brasil, passando pelas amizades que fez, sua relação com a terra natal e sua importância para a língua portuguesa. Depoimentos nostálgicos, carregados de sentimentos, mostram o quanto Aurélio era admirado, querido e exemplo de integridade para aqueles que o conheceram. Já os artigos se debruçam sobre a sua inesgotável busca pelo dicionário completo e perfeito. A equipe que faz a Graciliano é imensamente grata pela generosa colaboração com fotografias, informações e escritos sobre o Mestre Aurélio, especialmente a dona Marina Baird, Tânia de Maya Pedrosa, Amaro Geraldo e Janaína Amado.

::: apresentação :: :

A quinta edição da revista Graciliano é uma especial homenagem a Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, alagoano que, movido pela vocação e sede de conhecimento, se tornou a maior referência da língua portuguesa no Brasil. Em 2010 será comemorado o centenário do dicionarista, que nasceu em 3 maio de 1910, na cidade de Passo do Camaragibe, e carregou consigo, até o fim, o amor e a saudade que nutria pelo Estado de Alagoas. Lexicógrafo, filólogo, ensaísta, crítico literário, cronista e poeta, Aurélio Buarque de Holanda deixou uma obra vasta e de inquestionável relevância. O alagoano que se tornou sinônimo de dicionário receberá homenagens de todas as partes do País no próximo ano. Aqui em Alagoas não será diferente. O governo do Estado decidiu declarar 2010 o Ano Aurélio Buarque de Holanda. A Secretaria de Cultura e o Conselho de Cultura estarão à frente das homenagens. O governador do Estado de Alagoas, Teotonio Vilela Filho, que cresceu vendo a amizade entre Aurélio e o seu pai, o senador Teotônio Vilela, vê uma importância imensurável na figura do dicionarista. “Aurélio não é apenas nome do dicionário da nossa língua portuguesa; é ele, em pessoa, um imortal da literatura e do debate cultural em nosso país. Evidente que todos nós alagoanos temos, em Aurélio, exemplo de vida e orgulho”, afirma. Para Vilela, o centenário de Aurélio é uma boa oportunidade de resgatar a efervescência cultural de Maceió daquela época como fonte de inspiração e estímulo aos jovens alagoanos de hoje. “Lembro das noites de discussões culturais em minha casa, sempre com a participação de Aurélio quando ele vinha a Maceió. Ele e meu pai eram muitos amigos e essas rodadas eram constantes. Junto com José Lins do Rego, Arnon de Mello, José Maria Mello, Théo Brandão. Aurélio Buarque de Holanda serviu positivamente à sua geração e às gerações futuras”, observa. O secretário de Planejamento e Orçamento, Sérgio Moreira, diz que a data é o momento para que órgãos públicos estaduais, municipais e federais, escolas, intelectuais e a


: ::: biografia ::


Acervo da família

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Aurélio: vida, obra e seus vários mundos o alagoano que se tornou sinônimo de dicionário era guiado pelo impulso de desvendar a alma das palavras

Mesmo envolto nas limitações financeiras de sua Foi em 3 de maio de 1910, nos confins da região norte de família e na atmosfera culAlagoas, na pequena cidade de Passo do Camaragibe [um turalmente pobre de onde quase litoral cercado por escassas plantações de canapassou a infância, foi exade-açúcar], que nasceu o homem que se tornou sinônimo tamente nessa fase da vida da palavra “Dicionário”. Em meio à pobreza e à conhecida que o dicionarista foi conausência de oportunidades que continua a fazer parte da quistado pelas palavras. vida da maioria dos alagoanos se criou Aurélio Buarque “Lembro-me que, desde os de Holanda Ferreira. 7 anos, quando aprendi a gostar de ler, a apreciar a leitura, a descobrir o mundo Aos nove meses de idade, o filho do peque- através das palavras em um velho livro-texto no comerciante Manuel Hermelindo Ferreira de Felisberto de Carvalho, leio poesia, o que e de Maria Buarque Cavalcanti Ferreira mu- me faz íntimo das palavras, a ponto de podou-se com a família para Porto de Pedras, der dizer, hoje, que amo a poesia. Sim, amo e cidade vizinha a Passo do Camaragibe, onde sempre amei a poesia”, disse certa vez. viveu, de fato, a sua infância e de onde guarSobre a misteriosa força que lhe empurradou boa parte do sempre saudoso imaginário va para um universo completamente distande suas raízes. te e diverso daquele que o abrigava, Aurélio Tendo como cenário de menino o inigua- declarou em uma entrevista de 1949 à Revislável azul-esverdeado - ou verde-azulado - ta do Globo: “Não saberia dizer-lhe. Não foi mar de águas límpidas e tranquilas do ermo por certo o ambiente familiar nem qualquer pedaço de litoral, Aurélio Buarque de Holan- professor. Pelo contrário, nunca pessoa alda cresceu entre as lendas e os causos típi- guma soube orientar-me no estudo da língua cos do interior. Aprendeu a ler em casa com ou em qualquer outro estudo, o que, somado a mãe e só entrou para a escola aos 6 anos, às dificuldades dos meus primeiros tempos quando estudou com a professora Palmira de menino e de rapaz, teria dado para desisCardoso, figura que ele nunca esqueceria por tir se a curiosidade e a possível vocação não causa dos seus modos rígidos de ensinar. Ela fossem mais poderosas do que tudo”. seria retratada, anos depois, no conto “A PriA sua constatação olhando para o passameira Confissão”. do de sua infância faz todo sentido. Na huMilena Andrade


A velha e humilde casa onde o lexicógrafo nasceu, em Passo do Camaragibe

tais que seu professor decidiu ensinar somente a ele análise sintática e francês. “De sua permanência em Porto Calvo, recorda-se Aurélio do rio onde aprendeu a nadar e da velha igreja, a mais importante da cidade, onde havia uma imagem enorme do Senhor dos Passos, que no silêncio do templo impressionava. E lembra-se também das lendas que ouvia sobre a antiga cidade – histórias do tempo da guerra holandesa”, escreveu Moliterno no texto intitulado “O Menino e o Homem”. No ano de 1923, então com 13 anos, o menino que começava a deixar a infância e tornar-se-ia ensaísta, filólogo e lexicógrafo foi morar em Maceió, onde estudou no Colégio Adriano Jorge e fez os preparatórios no Liceu Alagoano. Dois anos depois, já dava aulas particulares de português e ingressou no magistério. Aos 15 anos, ele dava aulas no curso primário do Ginásio Primeiro de Março

De sua infância em Porto Calvo, recorda-se Aurélio do rio onde aprendeu a nadar e da velha igreja

Fernando Rizzotto

: ::: biografia ::

milde casa de seus primeiros anos de vida não havia sequer um dicionário. O único, de Simões da Fonseca, a irmã levou consigo ao casar-se e, mesmo quando ainda estava em casa, o pequeno Aurélio não tinha permissão para consultá-lo à vontade. “Passei a viver sonhando com a delícia de possuir um livro dessa espécie, mas como adquiri-lo se meu pai se queixava sempre da ‘crise pavorosa’? Tempos mais tarde, vim a descobrir no cartório do tabelião de Porto Calvo – José Bonifácio de Paula Cavalcanti, aliás aparentado comigo – o dicionário de Jaime de Séguier. Aí, então, fartei-me. Quando queria decifrar o sentido de alguma palavra, corria ao tabelião – e o gordo volume desvendava-me os mistérios vocabulares”, relembrou o dicionarista durante a mesma entrevista . Aos 10 anos, Aurélio mudou-se novamente com a sua família. Na cidade de Porto Calvo, ele passou três anos, continuou os estudos na escola primária do professor José Paulino. Em um de seus muitos textos sobre o amigo, o poeta Carlos Moliterno escreveu que os progressos do jovem Aurélio nos estudos eram

Carlos Moliterno escritor e amigo

e passou a se dedicar com afinco ao estudo da língua e literatura portuguesas. Foi nessa época que Aurélio teve que interromper os estudos para trabalhar. O pequeno negócio que mantinha a família ia mal, e o seu pai lhe pediu que passasse a ajudar na renda da casa. Conseguiu um emprego numa antiga casa comercial da capital para ganhar 60 mil réis, dinheiro que lhe possibilitou encomendar sua primeira roupa de casimira para vestir no Natal. Apesar do ofício no comércio, o jovem de Passo de Camaragibe não deixou de lado a sua dedicação à leitura e à prática da literatura. Os primeiros versos foram escritos nesse período. Em 1926, Aurélio troca de emprego e vai trabalhar na companhia americana Texas, onde consegue um salário de 100 mil réis e fica apenas um mês. Em entrevistas, o dicionarista relembra com lamento da demissão injusta e sem motivação, segundo ele. Porém, um texto do escritor Carlos Moliterno conta que a gerência da casa demitiu o servente e mandou o jovem Aurélio varrer o chão e limpar a placa da firma, o que ele teria achado deprimente, pois datilografava cartas e melhorava o português do gerente. Após o episódio e sem emprego, ele começa a publicar versos no jornal da Arquidiocese, o Semeador. Para ganhar algum dinheiro, Aurélio passa a dar aulas particulares até ser chamado, em 1928, para ensinar no Orfanato São Domingos, onde passou cinco anos como professor.


Acervo da família

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Aurélio e Marina Baird em seu casamento, união no amor e no trabalho

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Mesmo escrevendo pouco, o dicionarista frequentava as rodas literárias de Maceió da época. No início dos anos 30, uma verdadeira constelação de talentos se reunia com frequência para falar sobre literatura, artes e afins. Graciliano Ramos chega à capital para ocupar o cargo de diretor da Imprensa Oficial do Estado de Alagoas e passa aos mais jovens a sua paixão pela literatura, apesar de o autor de Caetés ainda ser inédito. No gabinete do Mestre Graça e no café Ponto Central, as conversas se prolongavam entre escritores, entusiastas, médicos, artistas e professores. Faziam parte da “roda de amigos” de Aurélio outros notáveis, como José Lins do Rego, Rachel de Queiroz, Valdemar Cavalcanti, Raul Lima, Aloísio Branco, Jorge de Lima, Santa Rosa, Carlos Paurílio, Barreto Falcão, Diegues Jr. e Alberto Guimarães Passos. Vários dos mais importantes livros da moderna literatura brasileira foram escritos em Maceió nessa época, como Angústia, de Graciliano Ramos, e Menino de Engenho, Doidinho, Bangüê, a Parte do Moleque Ricardo, de José Lins do Rego. Em 1933, Aurélio vai para o Rio de Janeiro, mas passa apenas um ano e retorna para Maceió, onde passa a trabalhar na prefeitura. Três anos depois, consegue formar-se em Direito pela Faculdade de Direito do Recife. Nesse mesmo ano, tornou-se professor de Língua Portuguesa e Francesa e de Literatura no Colégio Estadual de Alagoas. Em 1937 e 1938, assumiu o cargo de diretor da Biblioteca Municipal de Maceió e, cumulativamente, o de diretor do Departamento de Estatística e Publicidade da capital. No final de 1938, numa curiosa ironia, o jovem amante das palavras é convidado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) para fazer um estágio de especialização em estatística no Rio de Janeiro, cidade onde passaria o resto da sua vida. Começa a escrever artigos e contos para jornais e revistas e inicia seus primeiros passos na carreira que lhe transformaria numa das maiores referências da língua portuguesa. Ele segue no magistério, ofício que


Aurélio e equipe trabalham no dicionário em seu escritório, na praia de Botafogo

Paulo, e lançou, com o amigo Paulo Rónai, o primeiro dos cinco volumes da coleção Mar de Histórias, uma antologia de contos da literatura universal. Ainda em 1945, casouse com Marina Baird, com quem teve dois filhos, Aurélio e Maria Luísa, e cinco netos. Entre 1947 e 1960, produziu textos para a seção O Conto da Semana, do suplemento literário do Diário de Notícias. A partir de 1950, começou a escrever para a revista Seleções, do Reader’s Digest, na seção Enriqueça o Seu Vocabulário. Oito anos depois, reuniu todos os artigos que produziu para essa seção, publicando-os em um livro com o mesmo título. De 1954 a 1955, Aurélio foi contratado pelo Ministério das Relações Exteriores para lecionar Estudos Brasileiros na Universidade Autônoma do México. Seis anos depois, o dicionarista foi eleito para a cadeira nº 30 da

Teria dado para desistir se a curiosidade e a vocação não fossem mais poderosas do que tudo

Acervo da família

: ::: biografia ::

exerceu até os 70 anos, ensinando Língua Portuguesa e Literatura Brasileira no Colégio Pedro II e no então Colégio Anglo-Americano. Dona Marina Baird, viúva do dicionarista, conta que ele era um professor nato e adorava ensinar. Entre os anos de 1939 e 1943, Aurélio foi secretário da Revista do Brasil. Em 1941, ele iniciou o seu trabalho de lexicógrafo, colaborando, sob recomendação do amigo Manuel Bandeira, com o Pequeno Dicionário da Língua Portuguesa, da editora Civilização Brasileira. Nessa época, Aurélio também se dedicava à revisão de textos. Passaram pelo seu exigente olhar livros de escritores consagrados, como Manuel Bandeira, José Lins do Rego e Rachel de Queiroz. O seu primeiro livro, Dois Mundos, premiado pela Academia Brasileira de Letras, foi lançado em 1942. No ano seguinte, trabalhou no Dicionário Enciclopédico do Instituto Nacional do Livro e, em 1945, publicou o ensaio “Linguagem e Estilo de Eça de Queirós”. Nesse mesmo ano, participou do I Congresso Brasileiro de Escritores, em São

Aurélio Buarque de Holanda Lexicógrafo

Academia Brasileira de Letras (ABL), lugar anteriormente ocupado pelo imortal Antônio Austregésilo. Apesar de todas as conquistas do menino pobre de Passo do Camaragibe, nessa época, Aurélio Buarque de Holanda ainda não havia realizado o maior sonho e mais importante trabalho de sua vida, o seu próprio dicionário. Cada vez mais apaixonado e envolvido pelo mistério contido nas palavras, o mestre “escarafunchava” livros, escritos e o falar das pessoas em suas pesquisas sobre o idioma. Anotava tudo o que ouvia de diferente nas ruas. Andava sempre com papel e caneta no bolso. A primeira edição do Novo Dicionário da Língua Portuguesa, conhecido como Dicionário Aurélio ou Aurelião, levou mais de cinco anos para ficar pronta e foi lançada no ano de 1975. Em 1977, ele publicou o Minidicionário da Língua Portuguesa, que também é chamado de Miniaurélio e, em 1989, ano de sua morte, lançou o Dicionário Aurélio Infantil da Língua Portuguesa, com ilustrações do Ziraldo. Aurélio também traduziu várias obras, como Poemas de Amor, de Amaru; Pequenos Poemas em Prova, de Charles Baudelaire; e os contos para a coleção Mar de Histórias, que fez em parceria com o amigo Paulo Rónai. O dicionarista sofreu com as limitações do Mal de Parkinson durante anos e faleceu no dia 28 de fevereiro de 1989, no Rio de Janeiro, vítima de insuficiência respiratória.


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Acervo da famĂ­lia

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A festejada posse de AurĂŠlio na Academia Brasileira de Letras, em 1961


: ::: artigo ::

Aurélio: uma galáxia de palavras Lêdo Ivo* Aurélio Buarque de Holanda Ferreira amava as palavras. Amava-as como se elas fossem mulheres – e mulheres nuas, que se levantavam de suas camas imaginárias, vestiamse de luz e sombra, caminhavam ao seu encontro, distanciavam-se, juntavam-se e bailavam. E cantavam. A vida inteira ele escutou o canto interminável, vindo de todos os lugares: dos glossários arcaicos e dos poemas medievais, dos “grandes dicionários dos seus antecessores, do vasto arsenal linguístico e literário que convertia a sua biblioteca numa verdadeira ilha de tesouros, e especialmente da boca do povo, o mestre supremo da linguagem. Poucos dicionaristas terão sido tão sensíveis aos falares e às gramáticas da arraiamiúda, que guarda o mais puro e o mais sujo da língua, já a casta revivescência galaicoportuguesa, já o fisiológico chulismo descabelado. Os ouvidos de Aurélio Buarque de Holanda estavam sismograficamente aparelhados para registrar a mais remota genuinidade e a mais florida transgressão nessas bocas analfabetas eternamente dotadas da mais invejável sabedoria, e que são os estatutários de todos os passados em seu modo individual e coletivo de exprimir-se. Nascido nas Alagoas, e mais precisamente num povoado litorâneo - esse Passo do Camaragibe onde a paisagem era azul em excesso e se plantavam canaviais até a beira do mar - Aurélio Buarque de Holanda Ferreira acumulou a superabundância linguística guardada nessa parte do nosso país que, correspondendo ao Brasil velho, reteve em seus falares e dizeres o português renascentista do descobrimento e da colonização – essa língua belíssima que ainda hoje avança, como as ondas do mar, na prosa e na poesia dos seus

Aurélio Buarque de Holanda não nasceu para escrever um dicionário, e sim para ser um dicionário. Para ser o Aurélio, uma galáxia de palavras

poetas e romancistas mais fiéis à melodia primordial, essa língua cheia de cor, sabor e langor que é a nossa honra em comum. Entonces – para usar aqui o advérbio de mais alta vernaculidade ainda hoje vivo na boca do povo nordestino – desde a meninice ele juntou palavras com quem coleciona búzios e estrela-do-mar. As palavras foram as suas experiências. Era como se elas fossem passagens, que se podia contemplar ou mesmo devassar. No perfil intelectual de Aurélio Buarque de Holanda Ferreira avultam pelo menos duas evidências – a de sua condição de autodidata e a sua preocupação incessante com a dimensão imaginária da literatura. Ao contrário de tantos de seus confrades ilustres, Aurélio Buarque de Holanda Ferreira jamais cursou uma Faculdade de Letras nem se aprimorou nos cenáculos universitários que conferem aos estudos e pesquisas da linguística e lexicografia as suas mais pomposas roupagens científicas. Tudo o que ele aprendeu, e aplicou em seu labor de lexicógrafo, pomposas roupagens científicas. Tudo o que ele aprendeu, e aplicou em seu labor de lexicógrafo, foi por e em si mesmo nos livros e nas bocas da vida. Deste modo, não teve mestre ostensivo, nem se filiou a uma níti-

da linhagem; os incontáveis mestres silenciosos da leitura o contagiaram com as suas lições preclaras. Decerto esse aperfeiçoamento pessoal, iniciado na adolescência e que o acompanhou até os últimos dias, realça ainda mais a valia de sua lição e legado, convertendo-o em exemplo limpo do que pode a vontade de um homem, a sua capacidade de transformar eventuais carências em qualidades, em virtudes multiplicadoras, até alçá-la à condição de mestre de si mesmo. E um mestre que possuía algo de fagueiro em seu saber e erudição, com sua clara ciência temperada pelas cantigas dos ceguinhos às vezes obscenos das feiras nordestinas e pelo vento do mar alagoano. Isto porque em toda a sua vida intelectual Aurélio Buarque de Holanda Ferreira portou raro e exemplar selo nativo. Em sua maneira de ser brasileiro e nordestino, fremia a condição de alagoano, de um alagoano que, sem a secura e a rústica rigidez gramatical de Graciliano Ramos e sem o espalhamento barroco de Jorge de Lima, ocupava um espaço nítido e próprio em sua sobranceira e efusiva alagoanidade. Os alagoanismos que juncam o seu grande dicionário e o tornam, pelo desdobrado frêmito popular que o atravessa, uma espécie de majestoso Romance Nordestino, com o seu sol e claridade, indicam a sua notável capacidade acumulativa. Aurélio Buarque de Holanda Ferreira era como os banqueiros e poetas: sabia guardar. A esse inextirpável sentimento de poupança espiritual ele acrescentava o da atenção. Como certos besouros cujos élitros fitos testemunham a compulsão para captar os rumores mais imperceptíveis, ele sabia descobrir, tanto nos textos consulares como na prosa mais des-


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denhada, a abonação convincente. Em seu dicionário está sempre aquartelada a visão abrangente que ele possuía da escrita e da fala e o levava a recorrer a referências que lexicógrafos mais provectos e ortodoxos teriam desprezados. A leitura era, para Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, um prazer – e eu terei conhecido poucos leitores tão sensíveis como ele à dimensão deleitável da literatura. O seu livro de ensaios Território Lírico comprova belamente seu poder de atenção. A interpretação

estilística a que procede, espiolhando várias peças de nosso florilégio poético, embora vazada no postulado estético e de interrogação crítica de Dámaso Alonso, corresponde decerto a uma disposição genuína de leitura textual e contextual. No dia de sua morte, eu estava em Londres – nessa Londres que ele tanto amava, e por várias vezes percorrera em companhia de sua mulher, Marina Baird Ferreira, escocesa de Belém do Pará. Uma amizade de meio século, a que não faltara sequer o desconforto das turbulências, encerrava-se naquele dia pálido de inverno.

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The wings of life are plumed with the feathers of death A reflexão de Sir Walter Raleigh dava sombra à minha dor pessoal. O dia inteiro carreguei comigo os numerosos Aurélios acumulados dentro de mim. Em minha lembrança, desfilavam o alto e airoso alagoano aflamengado – ou “aframengado” – que conheci na minha meninice, e se empenhava então de dotar Maceió de uma biblioteca pública; o nadador emérito; o professor insubornável que se recusou a aprovar o aluno que lhe trouxe, como gordo presente de Natal, uma galinha viva; o contista de Dois Mundos; o apreciador das comezainas e bebezainas de alto coturno; o tradutor sempre em busca do termo exato no oceano inexato das linguagens; o antologista que, ao lado de Paulo Rónai, nos abriu o vasto horizonte do Mar de Histórias; o contemplador da beleza das mulheres; o interlocutor de poetas, nomeadamente quando esses são linguistas que não ousam dizer seu nome; e tantos outros Aurélios. A tarde daquele funesto dia de dor calada me conduziu até a casa em que viveu o Doutor Samuel Johnson, na Gough Square. Diante da primeira edição do dicionário daquele que fixou para sempre a língua inglesa, ocorreu-me que Aurélio Buarque de Holanda Ferreira era o nosso Doutor Johnson. Em seu dicionário, o português falado e escrito no Brasil – a língua diferente – fez a sua primeira e festiva aparição; e as mesmas palavras que haviam atravessado o oceano passaram a ser outras, como se para sempre as vestisse uma tinta nova e nativa. A morte, mallarmeana, mudou-o em si mesmo e esclareceu o pequeno equívoco que aureolara o seu destino. Aurélio Buarque de Holanda Ferreira não nasceu para fazer um dicionário, e sim para ser um dicionário. Para ser o Aurélio, uma galáxia de palavras. *Poeta, tradutor, romancista, crítico literário e autor de Central Poética e Ninhos de Cobras. Texto publicado, originalmente, em 1989, na revista da USP.


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E o dicionário virou Aurélio como o objeto saiu das bibliotecas para as mãos do povo e tornou-se obrigatório em todos os lares

obras de arte, repleto de inspirações e reminiscências. Das mãos de uma minoria representante da elite intelecSobre o seu trabalho para tual do País a objeto obrigatório em todas as casas de fao Pequeno Dicionário, por mília e, mais recentemente, na memória de qualquer comexemplo, disse: “Fui pondo putador. É incrível, mas o dicionário nem sempre foi um lá coisas que se registraproduto das massas; até se tornar acessível para eruditos, vam pela primeira vez, coileigos, escritores, estudiosos e crianças, ele percorreu um sas que se prendiam à milongo caminho. nha infância, coisas que vi em menino e não estavam até então registradas em Das bibliotecas ao CD-ROM dos estudan- nenhum dicionário. Ora, recordar a infântes de hoje, os dicionários publicados no Bra- cia, no silêncio da noite, ou no começo do sil passaram por inúmeras transformações amanhecer, naquela calma, naquela sereniao longo dos anos. Nessa história, Aurélio Bu- dade, é um ato poético, de criação poética. arque de Holanda e a sua forma inovadora de Recordá-la, criando. Revivê-la, dando à luz fazer dicionário são um divisor de águas. alguma coisa que ficou lá no mais íntimo da Vale a pena voltar um pouco à época em gente, e que era uma palavra, o corpo de uma que Aurélio estreou no ofício de desvendar as palavra. É possível que eu tenha transposto palavras da língua portuguesa para entender para o dicionário, em grande parte, um munmelhor de que forma ocorreu essa revolução do, embora limitado, mas de que eu gostava que transformou o seu nome em sinônimo de muito, que eu muito amava. Era o mundo das dicionário e vice-versa. palavras, o mundo da criação propriamenAurélio Buarque de Holanda iniciou seu te dita. Quer dizer: a criação romanesca, a trabalho como lexicógrafo em 1941, quan- criação contística; enfim, a do foi indicado pelo amigo Manuel Bandei- ficção”. ra para colaborar com o Pequeno Dicionário A primeira edição do Noda Língua Portuguesa, da editora Civilização vo Dicionário da Língua PorBrasileira, na parte de brasileirismos. tuguesa, que ficou conheciEm pouco tempo, o instinto, a paixão pelo do como Dicionário Aurélio ofício o fizeram perceber que colaborar “ape- ou Aurelião, foi lançada em nas” na parte de brasileirismos era pouco 1975, após muitas noites em para o imenso e rico universo que se abria à claro e com a valiosa e esexploração. Dona Marina Baird, sua esposa, pecialíssima ajuda de dona lembra que ele estudava dia e noite para fa- Marina, sua esposa, que, zer o seu próprio dicionário. desde sempre, é responsáPara o dicionarista não havia nada de pu- vel pelas pesquisas. ramente técnico nesse trabalho, que era viEla conta que a primeira venciado e executado como as verdadeiras edição foi a mais difícil de Milena Andrade

realizar. Foram cinco anos de trabalho muito bem recompensados, pois o dicionário foi um sucesso absoluto desde o princípio por ser extremamente inovador. “O dicionário foi logo muito popular porque era muito moderno. O Aurélio ia além de ensinar o significado das palavras, ele mostrava como elas poderiam ser utilizadas citando períodos, geralmente de trechos de escritores”, lembra dona Marina. A essência da popularidade do dicionário Aurélio está na concepção da obra. O autor decidiu que queria fazer um dicionário básico que fosse mais acessível ao povo, e foi isso o que acabou acontecendo. O produto deixou de ser um privilégio de poucos e inspirou toda uma geração de lexicógrafos e gramáticos a partir de então. Para o escritor gaúcho Carlos Nejar, membro da Academia Brasileira de Letras (ABL), Aurélio tinha “a alma das palavras”, “a vida das palavras” e, por isso, conseguiu traduzilas de forma universal. “Até então, o dicionário era um elemento afastado das pessoas.

Aurélio tinha a “alma das palavras” e, por isso, conseguiu traduzi-las de forma universal Carlos Nejar Escritor


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Aurélio conseguiu aproximá-lo do povo com as palavras. É um verdadeiro caso de milagre – ele fez a coisa e depois se transformou nela”, observa. Na visão de Carlos Nejar, Aurélio mostrou que todos precisavam de dicionário: os cultos e os incultos. O acadêmico Alberto da Costa e Silva conta que a primeira grande inovação na forma de fazer dicionário trazida por Aurélio foi a inclusão dos brasileirismos. “Os outros dicionários nunca se preocupavam com as falas regionais, com as expressões localizadas. Muito menos com a mudança dessas expressões”, afirma. Seu conterrâneo alagoano, Lêdo Ivo, dono da cadeira de nº 10 na ABL, ressalta a incorporação dos escritores brasileiros numa época em que os dicionários que circu-

lavam no País só utilizavam os portugueses. “O Aurélio nasceu para ser dicionário. Não há nenhum que consiga superá-lo. Você abre o seu dicionário e é seduzido pela riqueza, por aquele tesouro de palavras”, diz o amigo. Especialista no tema, o também lexicógrafo e membro da academia, Evanildo Bechara, acha que a grande qualidade da obra de Aurélio é a “exaustividade nos termos arrolados”. Ele conta que foi o primeiro dicionário publicado no Brasil a ultrapassar os 60 mil vocábulos. “A primeira edição já trazia cerca de 80 mil vocábulos, e hoje temos mais de 150 mil verbetes”, observa. Professor Bechara cita uma outra novidade trazida pelo dicionarista que, segundo ele, contraria os princípios da lexicografia – além de ser um dicionário de língua, o Aurélio sempre foi uma pequena enciclopédia. “Uma

outra inovação foi a informação gramatical, com a forma plural das palavras. O Aurélio devia ter uma visão enciclopedista. O dicionário escrito pelo Aurélio é o dicionário do homem moderno”, define. De 1975 até os dias de hoje, foram lançadas quatro edições do dicionário de Aurélio Buarque de Holanda. Em 1977, o autor publicou o Minidicionário da Língua Portuguesa, que também é chamado de Miniaurélio. Em 1989, lançou o Dicionário Aurélio Infantil da Língua Portuguesa, com ilustrações do Ziraldo. A última edição saiu no ano passado e tratou de trazer as mudanças da nova ortografia. A quinta edição do Aurélio está sendo preparada para lançamento no próximo ano, durante as comemorações do centenário de nascimento do dicionarista.

“Aurélio democratizou o dicionário” Formada em Letras Anglo-germânicas pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, a lexicógrafa Margarida dos Anjos Couto era uma jovem de 32 anos quando começou a trabalhar como assistente de Aurélio Buarque de Holanda no ano de 1966. Indicada pelo escritor e professor Thiers Martins Moreira quando trabalhava na Fundação da Casa Ruy Barbosa, Margarida já conhecia a fama de Aurélio por meio de seu pai, o escritor Cyro dos Anjos. Ela conta que a primeira “tarefa” que o dicionarista lhe deu foi fazer um estágio na fundação com os funcionários formados por Ruy Barbosa. “Passei dez dias coletando informações e comentários, familiarizando-me com o trabalho de lexicografia”, lembra. Margarida sempre trabalhou com a parte de pesquisa. Ela fazia os verbetes de neologismos e depois conversava com Aurélio para ver se ele aprovava a definição. “Seu dicionário foi uma inovação na lexicografia, principalmente pela cla-

reza e simplicidade. Os outros dicionários da época eram muito formais. Com um estilo muito peculiar, ele procurava fazer o dicionário à altura de toda e qualquer pessoa – do erudito ao ignorante”, afirma. Além do estilo democrático do dicionário, Margarida aponta uma outra grande qualidade, o fato de Aurélio ter introduzido os brasileirismos. “Lembro que tínhamos correspondentes no Brasil inteiro com sugestões para a parte de regionalismos”, conta. Do início até os dias de hoje, vão-se nada menos que 44 anos dedicados ao dicionário Aurélio. Margarida, que se tornou uma amiga da família, vê uma satisfação muito grande em seu trabalho. Sobre o mestre, ela não poupa palavras afáveis. “Ele era muito cordial, amável, amigo. Nunca o vi de cara feia”, declarou. Poucos dias após conceder esta entrevista à revista Graciliano na casa de dona Marina, Margarida dos Anjos Couto faleceu repentinamente.


Fernando Rizzotto

Dona Marina assumiu o posto de guardiรฃ do dicionรกrio apรณs a morte do marido


: ::: artigo ::

Aurélio e a brasileiridade da língua Antonio Houaiss* Quando se leva em conta que o Aurelião não é o único dicionário disponível entre nós no Brasil – lembro que editorialmente estão vivos no mercado o Caldas Aulete e o Melhoramentos, e abstenho-me de citar outros ainda “grandes”, mas só no formato – e quando, concomitantemente, se leva em conta que ele é sinônimo de “dicionário”, e quando, por fim, se busca uma explicação para esse quase exclusivismo de bom êxito, cabe buscar as fontes de mérito que o alicerçam – na melhor homenagem que se possa prestar ao criador e à criatura. O mestre lexicógrafo se dedicou com mão diurna e noturna às nossas palavras e o fez muito cedo. Edições de autores regionais, “penteado” que deu a obras de um sem-número de autores brasileiros que o buscavam para isso mesmo, o vocabulário que publicou com Manuel da Cunha Pereira, também este bom lexicógrafo, a influência primacial que teve no aperfeiçoamento do Pequeno Dicionário Brasileiro da Língua Portuguesa, obra colegiada da Civilização Brasileira sob pequeno formato apenas, a paixão com que se devotou, enfim, ao Aurélio, tudo isso cobre um ciclo de várias décadas, pertinacíssimas. Os que se dedicam mais fundamente às palavras sabem que são seres endemoninhados ou celestes, que penetram a alma, a vigília, o sono e o sonho dos seus possessos, e não os deixam nunca. Aurélio foi desses abençoados, abençoado que foi tantas vezes quantas palavras exorcizou. Conhecedor apaixonado da língua, lusitanizante emérito, brasileirizante sem rival, colecionou dicionários, vocabulários, glossários, terminologias e quanta matéria lexicográfica se publicou nesta nossa língua e congêneres.

Os que se dedicam mais fundamente às palavras sabem que são seres endemoninhados ou celestes, que penetram a alma, a vigília, o sono

A grande linhagem da transmissão dicionária da nossa língua foi assenhoreada por ele com grande discernimento e pertinência. Quem convive com os mestres do estudo do léxico português “lê” nas entrelinhas do Aurelião a Bluteau, a Morais Silva, a Domingos Vieira, a Caldas Aulete, a Cândido de Figueiredo, a Laudelino Freire – e, colateralmente, aos dois Viterbos, a Dalgado, a Gonçalves Viana, a Leite de Vasconcelos, a Nunes, a Júlio Ribeiro, a João Ribeiro, a Nascentes, a Pereira da Silva, a Coruja, a Simões Lopes Neto, a Romaguera Correia – e a quantos e quantos mais? Crivo, filtro, crisol, os ditinguos de Aurélio foram quase invariavelmente perfeitos, ao eleger, selecionar, adotar, aceitar, prestando um serviço sem preço à posteridade. É que Aurélio, ao propor-se, cedo, à tarefa, teve, lucidamente, uma compreensão moderna da lexicografia contemporânea e, nesta, da diferença que se impunha entre a “desenvolvida” e a (inequivocamente) “subdesenvolvida”. (Se se fizesse uma contrapartida do Oxford English Dictionary em português quem o editoraria, quem o compraria?). Ao tempo em que a Nova Fronteira publicava a primeira edição do Aurelião, a Academia das Ciências de Lisboa repetia a aventura lexicográfica que a marcou no final do século

XVIII: publica ela, também, não o “seu” volume, mas o “1o” volume do seu novo dicionário da língua que, guardadas as proporções, deverá vir a ter mais de dez volumes – mas quando? E para quem? Ora, o contraste que há entre os desenvolvidos e os subdesenvolvidos é que aqueles oferecem aos seus usuários, entre grandes e compactos, vários dicionários, todos (ou quase) miraculosamente atuais, quer nascidos no século XIX, quer no século XX: todos eles transformam-se em objeto capitalístico de empresa e lucro, com grupos de lexicógrafos competentíssimos, fazendo soberba concorrência de qualidade entre si e oferecendo aos usuários possibilidades de dirimirem seus problemas cotidianos e horários de língua. (Uma língua “desenvolvida” – ao contrário das dez mil línguas ágrafas que ainda há na superfície da Terra, que não têm escolas, professores, nem alunos – é intercomunicante para cerca de 30 mil profissões modernas, 99% das quais exigem que seu profissional tenha tido 8 (mas já há de 10, 12) horas por dia durante 240 dias ao ano durante 8 anos no mínimo como curso básico, mais todo o secundário de igual quantidade quando não quantidade, mais os cursos superiores e os pós, os pós-pós, enquanto no âmbito de nossa língua no Brasil menos de 10% dos “formados” têm profissões “superiores” e 70% da população tem um ensino básico líquido real de 2 horas x 2 anos (sem se saber quantos dias ao ano). Assim, o Aurelião pôs-se – com todíssima razão – na ponta do atendimento de nossas necessidades verbais mínimas – e tem prestado um serviço colossal, que o honra que o honra que o honra.


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A compactação subdesenvolvida não quer dizer – automaticamente – diminuição de qualidade: provam-nos os Webster’s segundo e terceiro internacional, modelares, nessa direção, que, de certo modo, têm sua contrapartida brasileira também no Aurelião. Mas – se se prossegue no cotejo – vê-se logo que a existência do Oxford English Dicitionary, de 1927 a 1963, com os seus 13 alentadíssimos (e compactadíssimos) volumes garantia uma base larga e generosa para quaisquer projetos lexicográficos subsequentes em língua inglesa. Na francesa, ao contrário, enquanto se ofereciam luminosos dicionários médios-grandes (tipo Robert, Larousse, Littrée, Darmesteter...) não se tinha um grande – o que está em curso de publicação, já com 11 volumes, o Trésor de la langue française. Essas recapitulações visam a dar uma medida da intuição de Aurélio, ao perceber que os dicionários que tínhamos já não apenas eram poucos, mas também pobres, sobretudo de atualidade. Essa atualização, no seu esforço consciente, foi voltada na direção da brasileiridade da língua. Aurélio não enveredou jamais pela mitologia da língua brasileira, mas ja-

mais nutriu conscientes ou subconscientes subserviências coloniais lusitanizantes, com menosprezar ou ignorar a hoje mais importante variante da língua portuguesa, que no Brasil viveria vida meio asfixiada, se não oxigenada – pelo menos no léxico – pela grande contribuição representada pelos brasileirismos – essas palavras da língua que, ainda que tenham contrapartida semântica em Portugal, funcionam aqui de tal modo que, sem elas, não sabemos ser nós mesmos, ou essas outras palavras nossas que, por dizerem coisas nossas, só com nossas palavras são dizíveis. Aurélio, ao integrá-las elegantissimamente no seu dicionário, deu-lhes o estatuto de legitimidade que o tempo só vem confirmando. O senhorio da língua sempre provado de Aurélio manifesta-se, enfim, na semântica. Cada verbete de seu dicionário é modelar na economia da discriminação dos sentidos: capaz, como era, de distinguir matizes e submatizes denotativos ou conotativos em cada palavra – e no emprego de cada palavra em cada instância (que, afinal de contas, esse

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é o “milagre” e o “mistério” das línguas reais) – Aurélio pôde, num esforço exemplar, reduzi-los ao mínimo, pois sentia que uma excessiva discriminação estabilizadora, ao revés, poderia ter efeitos castradores sobre grande número de usuários, tirando-lhes a capacidade decisora... (pois não houve – há, haverá – falantes/escreventes de nossa língua que, em não lendo no Aurelião seu registro, asseguram que certa(s) palavra(s) não existe(em)? – pobre Aurélio!). De fato, imagino que ao longo dos anos não pequeno sofrimento terá sofrido o nosso grande lexicógrafo, ao ter que cortar milhares de palavras que, averbadas e documentadas ao longo da história e da prática da língua, já não lhe pareciam merecer ocupar um precioso espaço de sua soberba compactação. *Filólogo, dicionarista e foi membro da Academia Brasileira de Letras


: ::: contista, poeta e crítico ::

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Herói de mil faces O talento de Aurélio Buarque de Holanda foi além do dicionário e passeou pela poesia, ficção e crítica literária

Depois dessa obra, o mestre deixou de lado a ficção, Ensaísta, contista, crítico, poeta, tradutor, membro da Acamas escreveu importantes demia Brasileira de Letras, além de dicionarista. Aurélio textos analíticos da literatuBuarque de Holanda gostava de dizer que o trabalho de lexira e organizou importantes cógrafo o “desencaminhou” de outras atividades literárias. publicações e escreveu, por Na verdade, o desencaminhar ora alegado pelo mestre foi 14 anos, textos para a seção um desvio permitido e até pretendido, motivado pela paiO Conto da Semana, do suxão da tarefa de fazer o dicionário. plemento literário do Diário de Notícias. Três anos após Dois MunDurante toda a sua vida, foi cobrado e dos, Aurélio publicou o ensaio “Linguagem e questionado sobre os motivos que o leva- Estilo de Eça de Queirós”. Ainda em 1945, vam a não mais escrever, mas ele mesmo participou do I Congresso Brasileiro de Esdizia – do alto de sua modéstia – que não ti- critores, em São Paulo, e lançou, com o amigo nha a pretensão de imaginar que a literatura Paulo Rónai, o primeiro dos cinco volumes da perdera alguma coisa com isso. coleção Mar de Histórias, uma antologia de Bem antes do dicionário, Aurélio começou contos da literatura universal. a publicar artigos, contos e crônicas na imUm outro importante trabalho realizado prensa carioca. Antes, ainda em Maceió, já por Aurélio nesse campo foi o estudo sobre publicava poemas em jornais locais. No iní- o grande escritor regionalista do Rio Grande cio de seu trabalho como lexicógrafo, quan- do Sul J. Simões Lopes Neto, estudo que endo começou a colaborar com o Pequeno Di- riqueceu a edição do livro Contos Gauchescionário da Língua Portuguesa, em 1942, ele cos e Lendas do Sul. lançou o elogiado livro de contos Dois MunNa época do lançamento deste trabalho, dos, que foi premiado pela Academia Brasi- ele disse: “Alguns amigos não podiam comleira de Letras. preender tão viva admiração a Simões LoDois Mundos, lançado pela José Olympio pes Neto, não lhe atribuindo a grande imEditora, trazia um estilo que se destacava portância que eu lhe dava no quadro geral pela precisão da palavra e a correção da fra- da literatura brasileira. Isso, em parte pelo se. No livro, Aurélio registrou narrativas de menos, por causa da falta de um bom glosprovíncia, que figuram em várias antologias. sário...”, ironizou. Lembranças da avó, o retrato, a memória da infância, um chapéu [“O chapéu de meu pai”], os causos assustadores que corriam no interior de Alagoas com a matança de Lampião e seu bando, a “feira de cabeças” das brenhas de sua terra. Milena Andrade

O dicionarista foi ainda professor de Estudos Brasileiros na Universidade Autônoma do México entre 1954 e 1955. Pouco tempo depois, em 1961, Aurélio realizou um grande sonho quando foi eleito para a cadeira n.º 30 da Academia Brasileira de Letras (ABL). A entrada para a ABL sempre foi um desejo de Aurélio, revela sua esposa, Marina Baird. Ele dizia: “Sou escritor da província e minha maior glória é entrar para a Academia”. Vale lembrar que, nessa época, muitos escritores jovens, amigos dele, assinaram um documento dizendo que não queriam ser da Academia. Depois, quase todos eles acabaram entrando. Aurélio Buarque de Holanda foi ainda membro da Associação Brasileira de Escritores na seção do Rio de Janeiro (de 1944 a 1949), da Academia Brasileira de Filologia, do Pen Clube do Brasil (centro brasileiro da Associação Internacional dos Escritores), da Comissão Nacional do Folclore, da Academia Alagoana de Letras, do Instituto Histórico e Geográfico de Alagoas e da Hispanic Society of America.


Soneto Amar-te - não por gozo da vaidade, Não movido de orgulho ou de ambição. Não à procura da felicidade, Não por divertimento à solidão. Amar-te - não por tua mocidade - Risos, cores e luzes de verão E menos por fugir à ociosidade, Como exercício para o coração. Amar-te por amar-te: sem agora, Sem ontem, sem futuro, sem mesquinha Esperança de amor sem causa ou rumo Trazer-te incorporada vida fora, Carne de minha carne, filha minha, Viver do fogo em que ardo e me consumo.

Aurélio Buarque de Holanda


: ::: artigo ::

O Aurélio Carlos Moliterno* Cuido que, até agora, ninguém definiu a personalidade de Mestre Aurélio Buarque de Holanda com mais precisão do que o escritor Paulo Rónai, chamando-o de “consciência viva da língua”. Na verdade, este alagoano de que todo o País se orgulha, desde muito jovem, vinha aprofundando os seus conhecimentos da língua portuguesa, num trabalho paciente e continuado, tornando-se o grande Mestre dos brasileiros. Não posso esconder o meu entusiasmo de alagoano, vendo que o professor de português que ensinava no velho Orfanato São Domingos de Maceió, num ambiente provinciano, chegou à capital da República e da Cultura e lá, amparado apenas pela sua inteligência, fosse ensinar português a muita gente grande. Não queiram ver nessa afirmativa qualquer sinal de exagero, nem arroubos de alagoanos deslumbrados com o sucesso do seu patrício. Não apenas em que considera o grande Mestre. Ainda há pouco, um artigo publicado no Jornal do Brasil, o escritor Josué Montello afirmava que “assim como se diz, na área de língua francesa o Littré ou o Robert, a propósito do dicionário que se deve consultar, passou a dizer-se agora, na área de língua portuguesa, por igual motivo – o Aurélio. Outro escritor famoso – Paulo Rónai – também em artigo no Jornal do Brasil, a propósito do lançamento do Dicionário-Aurélio, afirmou que “a história de como o menino pobre de

É este e nenhum outro, o dicionário Aurélio, o livro de sua vida, digno de figurar ao lado de seus congêneres internacionais mais famosos

Passo do Camaragibe, que não tinha dinheiro para pagar o dicionário mais modesto, acabou realizando esta obra-prima da lexicografia, há de ser contada um dia com todos os seus pormenores. No momento cabe apenas salientar que é este e nenhum outro, o dicionário Aurélio, o livro de sua vida, digno de figurar ao lado de seus congêneres internacionais mais famosos, o Webster, o Oxford, o Larousse, o Dicionário da Academia Espanhola desses títulos de nobreza das grandes línguas de civilizações”. Aí estão dois depoimentos de escritores de reconhecida consciência cultural colocando o querido Mestre Aurélio na posição que ele conquistou pela sua inteligência, pelo seu trabalho persistente em favor da nossa língua. Por vezes, um leitor mais íntimo ou um amigo mais chegado ao Mestre deplorava que ele tivesse posto de lado os seus instrumentos de ficcionista e de crítico, sobretudo de crítico de poesia, para dedicar-se, de corpo e alma, à construção desse dicionário, que rompeu com vários tabus, na reformulação de alguns conceitos já consagrados, e na utilização de palavras ou vocábulos julgados in-

convenientes. Isso e mais outras inovações contidas no volume lavaram Paulo Rónai a dizer que “um idioma encontra, afinal, o seu dicionário”. Efetivamente, Mestre Aurélio, que se revelou um ficcionista dos melhores em “Dois Mundos”, um crítico muito lúcido e erudito, principalmente no campo poético, em Território Lírico, o poeta de sensibilidade que traduziu tanta obra de valor universal, entregou-se de maneira total e consentida à tarefa de elaborar esse dicionário de tanta utilidade para estudantes, professores, escritores e quantos tenham necessidade ou vocação de utilizar a língua portuguesa. A “última flor do Lácio, inculta e bela”, do verso de Bilac encontrou o seu codificador. E o Aurélio, de agora em diante, será o grande dicionário da nossa língua a dirimir as dúvidas não só dos que começam a se aventurar nos mistérios da linguagem, mas também dos que, veteranos e autossuficientes, não podem passar sem consultas frequentes a um bom dicionário. Dizer que o trabalho de um dicionarista é exaustivo é dizer pouco, pois aí apenas seria identificado o trabalho de coletar as palavras de uma língua. Ele exige mais que um esforço físico. Exige, na definição do próprio Mestre Aurélio – “uma espécie de sexto sentido – que é o de psicólogo da palavra”. O CRÍTICO O crítico de poesia, porém, não é menor do que o contista e o poeta. Com o “Território Lírico” lançou um trabalho pioneiro de interpretação de poesia, visando mais à estilística do que à crítica. Ali o ensaísta e o professor da língua uniram-se para surpreender uma visão mais real da verdade literária, nos poemas e autores estudados. E nesse trabalho Mestre Aurélio coloca o leitor diante de um estudo original sobre o fenômeno da lingua-


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gem, procurando realizar um penetrante estudo sobre os diversos valores das palavras empregadas, sem excluir, evidentemente, os próprios valores conotativos. Aí nesse campo da sua especialidade, o Mestre da nossa língua oferece uma série de raciocínios eruditos. Mas essa erudição não chega a se impor na forma de um pedantismo muito comum a alguns ensaístas, menos prevenidos de recursos culturais. Antes, a maneira de ser erudito para o Mestre Aurélio é natural, tranquila, obedecendo, naturalmente, a uma união da ciência que expõe, com a consciência do seu conhecimento da matéria. Diante dos poemas estudados, ele não se perde em considerações de ordem teórica nem divaga sobre conceitos poéticos controvertidos. Coloca-se, precisamente, diante dos seus valores propriamente estéticos, para estudar a função de cada vocábulo ou, mais precisamente, daqueles vocábulos que mais concorrem para valorizar o poema.

Para ele, a métrica, ou melhor, o ritmo, parece na realidade indispensável, não à poesia, mas à obtenção de certos efeitos da poesia. Essa a lição recolhida em Carlos Bousoño e de outros professores de poesia, tão familiares ao conterrâneo eminente. Assim, pode-se dizer que os trabalhos componentes do “Território Lírico” seriam uma espécie de análise estrutural de textos, sem perder, entretanto, a sua característica de crítica literária. E nessa especialidade Mestre Aurélio é sem favor um mestre, que soube aproveitar, com raro equilíbrio de exposição, todos os elementos essenciais que a estilística outorgou à crítica literária. E destaque-se ainda nesse livro de ensaio o seu caráter inovador dentro do nosso meio, abrindo para os que interessam, realmente, pelo estudo e pelo conhecimento real das nossas letras, uma perspectiva bem ampla. Nesta altura vale lembrar os ensinamentos de Pierre Guiraud quando se afirmava que “a crítica moderna – e nisto reside exatamente o seu traço mais original – se converteu numa crítica de estilo, tributária de uma ciência de estilo, cujo papel consiste em provê-la de novas definições e de novos critérios”. O POETA Desconheço toda a obra poética do Mestre, acredito piamente na sua existência. Nos seus velhos tempos em Maceió, jornais e revistas publicaram seus poemas. E recordo que a revista “Caeté”, que eu fazia com alguns companheiros, publicou em 1957 um dos seus poemas. Daí a minha crença de que o Mestre possuía um volume de poesia e que ele foi um perfeito e acabado avarento, so-

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negando aos seus amigos e admiradores o prazer de desfrutarem a leitura da sua obra total de poesia. Mas, para que se afirme que ele é poeta, não há necessidade de grande trabalho. Na sua bibliografia estão indicados os livros de poesia por ele traduzidos: “Os Gazeis”, de Hafiz; “O Jardim das Rosas”, de Saadi; “As Pombas de Minaretes”, de Toussaint; “Vida, Vinho e Amor”, de Hafis e Saadi; “Poemas de Amor”, de Amaru; e os “Pequenos Poemas em Prosa, de Baudelaire. E só um poeta teria condições para traduzir todos esses livros, que são de poesia, mesmo quando escritos em prosa. E se não bastasse a minha certeza de que o Mestre é um poeta, eu me socorreria daquela definição de Augusto Meyer, no prefácio do “Território Lírico”, quando afirma que: “O professor Aurélio Buarque de Holanda é amante, deglutidor e maníaco de poesia”. Mas não se pense nem se queira interferir de tudo isto que o Mestre é apenas poeta e tradutor de poesia. Nessa matéria, ele é um dos que sentem que a poesia é alguma coisa mais do que um simples exercício literário. E, para defender a sua essência e a sua pureza, ele é capaz de grandes debates e de grandes ruídos. Ainda no prefácio do “Território Lírico”, Augusto Meyer relembra a discussão entre o Mestre e o poeta Murilo Araújo, em uma livraria do Rio, por causa do decassílabo de Artur de Azevedo. Murilo Araújo repelia o verso, e o Mestre o defendia. E Augusto Meyer anota: “A cada argumento mais gritado, voltavam-se cabeças curiosas; narizes indagadores surgiam por cima de volumes compulsados; os furungadores de livros não viam com bons olhos a discussão rítmica”. Aí está um retrato fiel de um poeta, de um homem que ama a poesia e, ainda mais, de um professor de poesia. Sim, porque, entre as inúmeras atividades do Mestre, haveremos de acrescentar a de professor de poesia, qualidade que pôs à prova quando nos deu o seu excelente “Território Lírico”. *Poeta alagoano, foi amigo de Aurélio Buarque de Holanda e presidente da Academia Alagoana de Letras


: :::documenta ::

A alma das palavras em Entrevista inédita ao misa, em 1982, aurélio fala de suas origens, do ofício e da saudade de alagoas

Graciliano reproduz nesta seção uma entrevista – nunca antes publicada – concedida por Aurélio Buarque de Holanda, em 1982, a uma funcionária [não identificada] do Museu da Imagem e do Som de Alagoas (Misa). Nela, já bem abatido pelo Mal de Parkinson, o mestre narra suas origens, fatos marcantes de sua vida, a relação com sua família e com o Estado de Alagoas. O registro da longa conversa que o dicionarista teve com a entrevistadora é de uma imensa preciosidade, pois, nela, Aurélio volta – sem pressa – aos tempos de sua infância, juventude, até chegar ao presente. Relata lembranças e sentimentos com a honestidade e desprendimento que marcou o seu jeito de ser por toda a vida. Mestre Aurélio Buarque de Holanda, quando e onde o senhor nasceu? Nasci no ano de 1910, em Passo do Camaragibe, que fica junto a Matriz. Hoje é um município decadente, enquanto Matriz floresce. Mas eu não posso dizer nada que não vivi, porque com nove meses de idade saí de lá para Porto de Pedras. Quem foram seus pais e o que eles faziam? Meus pais eram Manuel e Armelinda Ferreira; ele era comerciante, e minha mãe se ocupava de atividades domésticas. Morreu meu pai, com 35 anos de idade, e minha mãe, já por volta de sessenta. Fale-me sobre sua primeira escola, professores e colegas. Essa pergunta é muito longa e teremos que reparti-la, talvez. Falarei primeiro de meus

pais. Meu pai era um homem de classe média, submédia, muito, mas muito pobre, embora fosse um comerciante em cuja casa havia desde botões até calonelanos, pastilhas, saúde da mulher, seus artigos de farmácia. Assim ele viveu em Porto de Pedras; antes tinha vivido em Camaragibe e depois em Porto Calvo, sempre arrastando uma vida de trabalho e de pobreza. Não era uma pobreza que nos matasse de fome, nem a ele. Tínhamos o que comer, felizmente. Por fim, tornou-se muito mais pobre ainda em seus últimos dias. Minha mãe era uma mulher valente, válida, viva, porém discreta, sóbria. Ela não gostava de meter-se na vida alheia. Chegava à casa de minha irmã, sua filha, como se vê, e não tinha coragem de pedir uma coisa; se quisesse um copo d’água, iria buscar. Ela não gostava de incomodar ninguém, era uma extraordinária mãe e figura humana, mas isso nossas mães quase sempre são muito boas e nossos pais também. Os meus escapam a essa mediania. Talvez estejam um pouco acima. Já estou ausente deles na vida já há muito tempo. Você falou também de amigos... Minha primeira escola foi da professora Palmira Cardoso. Eu toco um pouco nessa escola num conto meu chamado Dois Mundos, do livro do mesmo nome, que depois viria à edição seguinte, tomou o nome de O Chapéu de Meu Pai. E no conto chamado Dois Mundos eu conto muita coisa dessa professora, por exemplo, a maneira como ela empunha, pe-

dia silêncio. Ela punha o dedo indicador assim sobre o nariz, acompanhando todo o nariz, e a mão espalmada e dizia: Silêncio! As interjeições, ela fazia sempre aquilo. Eu achava graça numa que dizia assim: Psiu! Silêncio! E depois: Caluda! Havia muitas palavras difíceis de quem eu não estou me lembrando agora. Aquelas interjeições que a gente nunca pronunciaria em vida. Era uma interjeição de espanto. Morei em Porto de Pedras desde oito meses até os 13 anos, município vizinho de Porto Calvo, como você sabe. De lá me mudei e continuei... Estou com a cabeça ruim, há uns cálculos que é melhor não fazer. Eu estou com dificuldade de falar, até. Morei em Porto de Pedras, dizia eu, dos oito meses de idade, quase no ventre de minha mãe ainda, até os 10 anos. Aos 10 mudamos - meus pais e nós - para Porto Calvo, onde passamos até 1923. Em 1923, vim para Maceió, estudei no Colégio Adriano Jorge e pouco depois me fiz professor. Aos 13 anos chegava aqui; aos 15 já dava aulas a um exdiscípulo meu, de Porto de Pedras, que tinha seguido a profissão marítima, mas achava que estava com o português um pouco avariado e, realmente, o português dele não estava bom. Éramos muito amigos, mas sinto dizer que não era o forte dele, como não é o forte de muita gente. Em Maceió, eu fiz muitas amizades. Desde pequeno, fui fazendo um grupo, sobretudo, a partir de 1915, ou melhor, dos 15 anos, tive vários amigos. Desses, poucos sobram hoje. Sobram, por exemplo, Freitas Cavalcante, Arnoldo Jambo, que conheci recente, e muitos outros por aqui. Meus amigos de agora que foram aparecendo são esses e outros que, naturalmente, a gente não guarda na memória, e assim tenho


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Fotos reprodução

atravessado a vida, sempre com amigos excelentes. Então, chego a Maceió aos 13 anos, como disse, e aqui se deu, não digo a parte melhor, a parte mais longa da minha vida, aqui eu passei. Dez anos em Porto de Pedras, de 10 aos 13 em Porto Calvo, de Porto Calvo pra cá de 13 em diante, até 1958, quando daqui me mudei e não voltei. Mas voltei várias vezes a passeio e tenho uma saudade grande que procuro matá-la a medida do possível. Tanto interesse em rever Maceió que nesses quase 72 anos que tenho de vida, e depois de 38 anos que me mudei daqui, vim aqui, seguramente, umas 40 vezes; dá uma vez por ano ou mais. No colégio, eu estava citando aqui Jeferson de Araújo, era um professor do ginásio Adriano Jorge; fui rapidamente aluno do professor Agnelo. E com 13 anos de idade, 14, 15, fui ser empregado do comércio. Meu pai estava muito pobre; foi sempre um comerciante empobrecido. Pobre e empobrecido. Então, eu tendo feito os preparatórios, como dizíamos naquele tempo, os quatro preparatórios, me parece, não pude continuar; meu pai, então, viu que era necessário dar-me um emprego. Andei procurando muito, e ele era quem ia, não era eu. Eu consegui um emprego ao qual a gente se candidatava, na Texas. Eu deixava de ganhar 60 cruzeiros, 60 mil réis como dizíamos, na casa anterior, que era Vasconcelos e Vasconcelos, e passava a ter um ordenado razoável, eram uns 100 mil réis naquela época. Mas acontece que o gerente da firma implicou comigo. Um dia, 23 de fevereiro, que era feriado, feriado da constituição, a primeira que tivemos, ele, sem consulta, sem nada, me despediu. Minha vida foi ganhando um colorido maior no meio de certo sofrimento. Eu disse que com

Tenho tanto interesse em rever Maceió que, nesses 72 anos de vida, vim aqui umas 40 vezes


: ::: Memória ::

15 anos ensinei um ex-aluno meu. Desses dois ou três meses que ele teve, geraram-se outras pessoas, daí vieram outros casos em que eu tive de ser professor. Com 15 anos, esse rapaz. Pouco depois, com 15 para 16, um padeiro. Nunca me esqueço dele, a quem dava aula de português e até de inglês. Eu ia aprendendo um pouquinho de inglês e ia transmitindo a ele. Eu nunca soube muito inglês, mas ele aceitava assim e nós conversávamos pessimamente. Nós tínhamos de recorrer ao vocabulário já conhecido para ir me habituando a falar, mas a minha atividade foi por aí até 1937; essa parte tem alguma importância. 1937 não, digamos 1947... Espere um momentinho... 1937 mesmo. 1935, 1936, 1937, eu estava no Ginásio de Maceió, perto do Instituto Histórico das Alagoas. Eu ali dei aulas durante um ano e meio, durante o ano de 1936. Em 1937, um antigo professor de música meu me convida; pergunta se eu estava interessado em trabalhar num orfanato. Eu aceitei e lá continuei trabalhando; segui trabalhando até 1938, quando me mudei de Maceió para cá. É preciso, uma vez que estou falando em datas, é conveniente mexer com elas com cuidado. Vim para cá e

aqui fui fazendo minha vida. Fui para o colégio, não podia estudar. Depois, eu já ganhava alguma coisa e prometi até auxiliar nas despesas de casa. Em 1938, parti para o Rio com desejo de ficar, mas eu ia apenas com uma comissão. Na primeira viagem, não havia comissão, ia pelo gosto de conhecer; tentei ficar e não consegui. Voltei a Alagoas. Comecei a ensinar em estabelecimentos particulares. Sempre tive o magistério como uma fonte de lucros também. Daí, eu fui para... Espere um momentinho, a memória está fraca... 1938 aqui, depois da tentativa de me fixar no Rio, não consegui, voltei em 1942, em 1945, não me lembro. Sei que eu não consegui ficar no Rio de Janeiro, tinha dificuldade e, já estando na faculdade do Recife desde 1932, eu concluí o curso. Concluí e pouco depois voltaria para o Rio; voltaria para cá pouco depois de formado. O primeiro emprego que eu tive me foi dado graças àqueles anúncios que a Texas imprimiu no jornal: “Precisamos de uma pessoa que soubesse fazer correspondências ou datilografar, um trabalho de boy; um boy que fosse ao mesmo tempo um datilógrafo. Eu não gosto de lembrar isso porque foi uma injustiça. Eu com 16 anos,

enfrentando a vida, e uma pessoa me demitir sem razão. Com 39 anos saí daqui, entrei no Pedro II aos 41; pouco depois, viria a trabalhar como professor no Instituto de Educação. Casei-me, tive dois filhos e eis-me aqui. A minha vida, depois que vim para o Rio de Janeiro, já era razoavelmente conhecida porque, por sorte, eu escrevi e me dediquei a uma obra que é necessária em toda a parte. Todas as pessoas no mundo já deviam falar em dicionário. Para mim, de qualquer maneira, sua autoria exige muito do meu tempo, de reflexão, de esforço grande, mas também me alegra, porque era um sonho que eu tinha desde criança, era um dia fazer um dicionário. Bem pequeno, já tinha noção de que um dicionário era uma coisa difícil e sonhava com isso. Essa realidade com que eu sonhei aos 12, 13 anos, esse sonho que eu tive, veio a tornar-se em 1942, quando trabalhei com um pequeno dicionário. Depois me retirei dele, tempos depois. Fiz vocabulários, fiz dicionários e publiquei, além disso, alguns livros sobre poesia - por exemplo, Território Lírico -, sobre vocabulário, mas não era um dicionário, era como se fosse: Enriqueça seu vocabulário. Publiquei outros trabalhos, tradu-

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zi muito: autores portugueses, autores franceses, em inglês. Um pouco sem saber, mas isso eu nem levo em conta. Francês, sim, eu traduzi um bocado bom. E trabalhei muito num livro chamado - que é uma antologia de contos feitos pelo Paulo Rónai e por mim - Mar de Histórias, como se fosse um mar, um oceano de histórias, e este livro hoje está no sexto volume, numa reedição.

Eu me considerava um fracassado em matéria de vendagem de obras de literatura

Qual foi o seu primeiro livro? Meu primeiro livro foi o Dois Mundos, cujo título depois mudou para O Chapéu de Meu Pai. Mas ele apareceu como Dois Mundos e na segunda edição continua a ter o mesmo título. Depois, numa terceira edição reduzida, me pediram que fizesse uma espécie de antologia do meu livro, que separasse o que me parecesse melhor e dar aquilo, quer dizer, ceder para fazer uma edição ou mais. Terminou fazendo umas duas edições desse livro, depois parou. A primeira edição eu publiquei em 1942; e só em 1956 se esgotou. Eu me considerava um fracassado em matéria de vendagem de obras de literatura. A segunda edição já se vendeu com mais facilidade. Foi feita a primeira pela editora Cultrix, em São Paulo. A segunda, por quem foi meu Deus?... Eu não me lembro. E a terceira é essa que passou a ter o título O Chapéu de Meu Pai. Mestre, qual o livro de sua autoria que mais lhe significou? É Dois Mundos, esse que depois viria a ter o título de Chapéu de Meu Pai. É meu melhor livro, embora o livro em que eu mais suei, o livro em que eu não paro de trabalhar, seja o dicionário, que é uma obra mais vasta, muito maior e por quem eu tenho muita ternura. E, ao lado do dicionário, está esse livro de contos. Contos e evocações sentimentais, retratos. Chamava-se Dois Mundos, e agora O Chapéu de Meu Pai.

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E o movimento modernista em Alagoas. O senhor tomou parte? Eu não tomei parte direto; eu era muito insignificante, mas colaborei numa revista de que saiu um só número chamada Maracanã, e lá existe um poema meu. Isso pela altura de 1930. Em 1927, 1928, eu começava a ensaiar os primeiros passos e publiquei alguma coisa. Mas eu não estava integrado no movimento, não. Estava um pouco porque nós aceitamos a chamada arte nova, de Valdemar Cavalcante, de Alberto Passos Guimarães e de vários outros. Depois, esse grupo literário estendeu-se. Independentemente dele, tínhamos amigos como Barreto Falcão, José de Morais Rocha, Aluísio Branco, Valdemar, que eu já citei, Alberto Passos, também citado. É uma quantidade enorme de pessoas que gostavam de literatura, embora não a praticassem. É sempre um perigo de sermos acusados de injustos por não ter citado fulano ou beltrano. É outro aspecto que me leva a não gostar muito de dar nomes em entrevistas. O senhor faz parte da Academia Alagoana de Letras. Gostaria que nos contasse algum fato interessante dos primeiros anos da sua história. Olhe, eu não conheço muito bem a história da academia. Eu nunca peguei na publicação que tem o resumo disso; mas o presidente da academia, o nosso querido amigo José Maria de Melo, pode conseguir. Ele está toda tarde lá na academia, na Praça Deodoro, onde foi um grupo escolar, Pedro II. A academia foi fundada em, parece, 1922, e comemorou há algum tempo seu cinquentenário. Naquela ocasião, se pôs uma placa. Eu até colaborei para elaborar a placa, mas eu não sei peculiaridades assim. Que figuras notáveis das quais privou da companhia? Fatos notáveis que devem ser registrados na memória do Estado. Pode transmitir alguns? Essas figuras tiveram destinos diferentes. Uns foram esquecidos pelo tempo, muitos


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morreram; porém, tenho eterno medo das citações, é um perigo terrível. Uns lograram a fazer carreira política, a exemplo de Freitas Cavalcante, que chegou a ser deputado, senador, ministro do Tribunal de Contas, e de Arnon de Mello, que foi um discípulo e chegou a ter grande projeção. Temos também Diegues Júnior, que era presidente de um grêmio que mantivemos lá, o Grêmio Literário Guimarães Passos, que existiu durante um tempo (inclusive, eu pertencia a esse grêmio. Manuel Cavalcante, que chegou a ser um jornalista bastante conhecido (são todos jornalistas literários) e que, lamentavelmente, morreu em novembro. Parece que fim do ano passado. Não, não, foi em maio, junho deste ano. Mas são tantas, tantas pessoas. Uma figura que eu quero relembrar é Lima Júnior. Esse exerceu alguma influência sobre mim; ele é irmão de Raul Lima, que é outro querido amigo. Lima Júnior via alguns poemas que lhe mostrava - em geral, os sonetos, péssimos sonetos - e tinha paciência de propor uma solução. Eu lembro que algumas vezes eu não concordava. Intimamente ficava sem gostar, a vaidade de criança, besteira. Registro o nome dele aqui, lembro dele muito comovido porque foi daquela geração, da geração antiga, dos que eram velhos quando nós éramos novos. Foi o que mais me incentivou, o que mais se interessou. Mesmo depois de eu, grande, já ter alcançado algum

Uma figura que eu quero relembrar é Lima Júnior. Esse exerceu alguma influência sobre mim


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Naquele tempo, nós tínhamos mais carinho pela literatura; a vida nos dava pausas para sonhar O dicionário também faz parte da literatura; é uma atividade mental não menos importante nome, ele escrevia ao meu respeito sempre com uma grande simpatia. Isso é tão difícil, dadas as coisas. Na sua opinião, qual a diferença do movimento cultural de sua mocidade para o de hoje? Há mais intensidade nesse momento agora. Há mais barulho, há mais luta. Cada um quer vencer, porque são muitos candidatos e poucos os escolhidos. Algumas figuras se destacam. Você pergunta: como? O de hoje, num certo sentido, melhorou. Há bem mais interesse, mais carinho pelas letras. Aqui em Maceió, eu encontro isso; agora, noutro sentido não. Naquele tempo em que eu vivi, encontrava um ambiente difícil para aparecer; agora, talvez tenha melhorado um pouco; publicam-se alguns livros pela academia. Quem é que tinha dinheiro, tinha meios de publicar um livro? Havia por acaso alguns. O próprio Lima Júnior, de quem eu falei, tinha um livro, “Canções da idade de olho”. Mas é difícil eu dizer se melhorou ou piorou. Acontece que naquele tempo parece que nós tínhamos mais carinho pela literatura. A vida nos dava ainda umas pausas para sonhar;

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hoje, a vida é muito exigente. Pensa-se muito mais no ganho do dinheiro, e a inflação vai atormentando a todos. Vivemos com uma inquietação que não era comum naquela época. Todos nós éramos pobres, mas ninguém chegava à miséria propriamente. Dormia-se com a cabeça mais vazia, mais despreocupada. A literatura exige também muito sacrifício. É preciso ter uma experiência vital, mas, por outro lado, é preciso também de tempo. E faz-se, muitas vezes, hoje uma literatura apressada demais, porque muitos querem aparecer, e o tempo é pouco. Esperamos que ele estique. Quanto a políticos notáveis, o senhor tem algum detalhe novo sobre a personalidade de alguns? Não tenho. E isso é um assunto terrível. Isso só se propõe a inimigos da gente, não a amigos. Porque você vai tocar em tantas figuras que são esquecidas factualmente. A opinião poderia destoar da opinião comum ou da que tem de si mesmo esses próprios indivíduos; é uma coisa perigosa. Eu não falo de novos. Posso falar de um novo que teve um aparecimento muito especial. No momento, eu sou desobrigado disso. Tenho muitos amigos, amigos e inimigos, que eu acho que ninguém é inimigo meu. Mas, de qualquer maneira, é sempre um perigo tocar nisso. Vamos deixar essa entrevista apenas literária, mal, porém literária. Alguma informação pessoal sobre fatos de interesse da história que foram obtidos ou não registrados sobre coisas de nossa terra? Não, informação pessoal, não. Então, descreva-nos qual a sua atividade fora do Estado? Que fez mais além de escrever alguns livros? A minha atividade fora do Estado é a maior. É a mais longa, porque vai dos 28 anos até hoje, que eu tenho 72. São 30 e tantos anos... 35 anos. Essa experiência é muito longa. A


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atividade é essa que eu já falei. Escrevi livros, publiquei livros, originais e traduzidos, trabalhei muito em livros alheios e fiz muitas revisões de livro para ganhar dinheiro. Revisão não só ortograficamente, revisão de estilo. Modificações, melhorar, aperfeiçoar... Trabalhei muito nisso. Fiz isso, muitas vezes, gratuitamente também. E amizades novas que eu fiz, literárias e aliterárias. Isso tudo pesa. Isso tudo vai entretendo a vida. É muito nobre. Várias lembranças, mas não dá nada de extraordinário, não. Foi professor no Rio de Janeiro? Já disse a você, professor do Orfanato São Domingos, em 1936, no Ginásio de Maceió. O orfanato foi durante cinco anos. No Rio de Janeiro, sim, dei aula, inclusive, numa ocasião, aos alemães que queriam aprender português e queriam um professor para conversar. Não era preciso saber alemão. Em 1940, entrei para o Pedro II, fiz um concurso de títulos. Entrei e lá permaneci até que fui aposentado. Qual foi a sua participação na organização ou na vida de instituições culturais? Nenhuma. Eu pertenço à Academia. Sou um membro como outro qualquer. Tenho publicado várias coisas depois que eu entrei lá. Nenhuma me diminuiu, nenhuma me envaideceu, mas meu trabalho é de natureza particular. Não sou chamado numa academia para trabalhar num dicionário meu ou outro dicionário qualquer que alguém me chamasse. Eu diria que é uma coisa mais difícil. Diria que é a coisa mais difícil que há você juntar 40 pessoas para trabalhar. O sucesso é remoto e incerto. Ninguém sabe, a não ser os vaidosos em excesso, se vai publicar um dicionário que fique. É difícil fazer um dicionário com alguma coisa muito boa. Ele é cheio de aspectos terríveis. Exige trabalho, inteligência e compreensão, rapidez de raciocínio, capacidade de sentar e ficar sentado muito tempo. Isso tudo é uma luta. Ver o que é inteligível, o que é linguagem popular, familiar, linguagem

especializada. Por exemplo, os marítimos, profissionais de várias espécies, o carpinteiro, o motorista de bonde, o motorista de automóveis, tudo isso. É uma aventura, um trabalho muito fascinante sob certos aspectos e pesado, desagradável, por outros. Somam-se as duas coisas, tira-se a média. Se a média for favorável, temos, então, o domínio dos sonhos, nesse caso. Apesar de que aquilo que a gente sonhou, em parte, ser atingindo. Tive muita desilusão por esse meio.

Não sou doente para me realizar, não tenho a vaidade de dizer que me sinto realizado

Mestre, quanto a sua vida amorosa, seus primeiros romances, seu noivado, casamento e prole, o que nos diz? Olhe, isso é um terreno muito perigoso, muito resvaladinho, porque facilmente se cai na banalidade, no sentimentalismo, na pieguice. Eu sou de uma vida sentimental comum. Tive alguns namoros por volta dos 15 anos. Aos meus 20, vinte e tantos anos nessa incurável, felizmente, doença que dá na gente, ou seja, de gostar de alguém. Bem, depois, em 1944, encontrei uma mulher que hoje é minha e me deu dois filhos, me deu um casal. Não tenho história longa, pelo menos a confessável. Mestre, um breve balanço da sua atividade social, cultural e profissional... Eu acredito que já tenha dito alguma coisa. Pode tirar daí. Está muito ruim, mas... Começaria tudo de novo? Sente-se realizado? Não, eu não me sinto realizado. Certas coisas não me dão o menor impacto. O dicionário, por exemplo, eu desejei, desde muito cedo, escrevê-lo e consegui. Escrevi, mas não me considero perfeito. Não o vejo como uma obra-prima. Não sou doente para me realizar.


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Ninguém sabe, a não ser os vaidosos em excesso, se vai conseguir publicar um dicionário que fique

Não tenho a vaidade de dizer que me sinto realizado. Poucos, eu acho, poderiam dizer isso. Em todo caso, saí de uma pobreza, dura, quando era menino para ter uma posição, uma situação melhor na sociedade, viver melhor, despreocupado com dinheiro. Isso devo realmente às letras. O dicionário também faz parte da literatura. É uma atividade mental; não menos importante que a literária. Com a sua experiência, que mensagem o senhor poderia deixar para a nova geração de intelectuais? Eu acho que não vivi, literariamente, uma vida tão brilhante, que me dê motivo para que eu me meta a conselheiro nessa idade. Eu não gosto dessa linguagem convencional, enfática, mensagens. Eu prefiro não mandar mensagens. Desejo que eles sejam felizes e, evidentemente, gostaria de que alguns deles acreditassem em mim. É possível que até algum deles tenha aprendido alguma coisa comigo. Mas acho que a clássica mensagem para um futuro melhor ninguém sabe do futuro. Não sou futurólogo, é claro que não desejo mal a nenhum, desejo bem a todos. Estamos no encerramento. Gostaria de acrescentar mais alguma coisa? Não, não. A melhor carta fica completa sem o pós-escrito. Fica só o escrito. *Áudio e imagens cedidas, gentilmente, por Marco Aurélio Valois


Fernando Rizzotto

: ::: memória :: Dona Marina não esconde a admiração nem a profunda saudade de Aurélio


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“Aurélio era único” Marina Baird, viúva do dicionarista, fala da obra do marido, da herdada paixão pelas palavras e de saudade

“Todo trabalho passa por mim. Só é publicado o que A voz mansa e o jeito tranquilo de dona Marina Baird Ferpassa pelas minhas mãos”, reira não escondem sua força e altivez. A companheira de enfatiza. Aurélio Buarque de Holanda Ferreira por mais de 40 anos Marina Baird Ferreira, fez do ofício do marido o seu próprio, e hoje, 20 anos após nascida Marina Moerbeck sua morte, é ela quem orquestra as novas edições do diBaird, nasceu em Belém, cionário Aurélio. no Estado do Pará, em 1922. De família anglo-brasileira, perdeu o pai aos 5 anos e a Realmente, em pouco tempo de conversa, mãe, aos sete. Foi criada pelas avós cearenpercebe-se que ninguém mais do que ela te- se e mineira. ria tanta propriedade, saber e – o mais imDona Marina era uma jovem de 21 anos, portante – amor pela valiosa obra criada pe- recém-chegada do Norte do País para morar lo companheiro para assumir com a grande no Rio de Janeiro no ano de 1941, quando coresponsabilidade de perpetuá-la. nheceu o alagoano Aurélio. Dois anos após Dona Marina é a guardiã desse verdadeiro serem apresentados pelo amigo em comum tesouro da língua portuguesa que se tornou o Paulo Rónai - com quem o dicionarista estava dicionário Aurélio. Aos 87 anos - mais de 40 organizando a antologia de contos universais dedicados à obra do marido -, ela continua Mar de Histórias -, os jovens se casaram. trabalhando diariamente no dicionário, das Tiveram dois filhos, Maria Luísa e Aurélio oito da manhã às quatro da tarde. Baird Buarque Ferreira. Nenhum deles se enA modéstia é uma característica evidente cantou ou quis seguir o ofício dos pais. ‘Auem dona Marina quando fala do trabalho de relinho’, como a mãe gosta de lhe chamar, manter vivo o dicionário e suas cinco versões é químico e a filha também - Júnior, Escolar, Aurelinho, Miniaurélio e o nunca se interessou pelas Aurelião. Os anos de pesquisa e acompanha- letras. Dos cinco netos, nemento certamente lhe deram uma proprie- nhum até agora deu pistas dade que poucos possuem, mas ela prefere de querer se envolver com dar todos os méritos ao marido. o legado deixado pelo avô. No escritório montado em seu apartamen- “Casa de ferreiro, espeto de to no Rio de Janeiro, ela coordena uma pe- pau”, lamenta. quena equipe de três pessoas, entre elas a Quando conheceu Auréprimeira assistente de Aurélio, a lexicógrafa lio, dona Marina trabalhava Margarida dos Anjos Couto, que divide a mis- no Banco de Londres. Ela são de estar à frente das novas edições com era contadora e estatística, a viúva de Aurélio. João Marcelo e Manoel os números, e não as palaMedeiros fecham o seleto grupo que tem em vras, lhe ocupavam a mente suas mãos a tarefa de renovar o dicionário. nessa época. Ela conta que o Milena Andrade

seu interesse pela língua portuguesa aconteceu naturalmente. O marido respirava aquilo, vivia cercado por livros e anotações, era um autodidata, não parava de se nutrir de estudos linguísticos e gramáticos. “Ele estudava dia e noite. Conhecia profundamente literatura. Era um lexicógrafo, mas também filólogo. Trabalhava o tempo todo, acordava no meio da noite para ir trabalhar”, conta. A sua entrada no mundo das palavras deuse na época em que Aurélio decidiu escrever o próprio dicionário, por volta de 1965. “Fui assistente dele a vida toda, fazia pesquisas. Lembro que esse primeiro trabalho foi o mais difícil. Levamos cinco anos para concluir”, diz. O escritório de Aurélio sempre funcionou em casa com uma equipe enxutíssima, cerca de quatro, cinco pessoas, e é assim até os dias de hoje. O estilo de trabalhar do marido era quase instintivo, ele vivia o processo de criação do dicionário o tempo inteiro. “Ele observava tudo, anotava o tempo inteiro

Estudava dia e noite. Conhecia profundamente literatura. Era lexicógrafo, mas também filólogo. Marina Baird


Ao contrário do que se podia esperar, dona Marina diz que a morte do marido – que morreu vítima de insuficiência respiratória em fevereiro de 1989 – não foi uma coisa demasiado sofrida para ela, pois ele já estava muito doente, o que fazia a esposa sofrer muito. “Ele não merecia todas aquelas limitações

Quando é questionada sobre o porquê de não ter se casado novamente, dona Marina é enfática: “Sou antiga. Casamento é único. O Aurélio era único. A minha vida foi facílima com ele. Eu procurei me adaptar a ele porque sempre soube que ele era muito melhor do que eu”, diz. No momento, dona Marina está envolvida com a finalização da quinta edição do dicionário e com os eventos que acontecerão em 2010, ano do centenário de nascimento de Aurélio Buarque de Holanda. O neto mais velho, que é designer gráfico, Pedro Garavaglia, está à frente da organização de uma exposição sobre a vida e a obra do avô. A nova edição do Aurelião será lançada na Bienal do Livro de São Paulo, no ano que vem. Marina Baird Sobre as muitas homenagens que o marido receberá no próximo ano, ela acha que são mais do que merecidas. “Aurélio foi escritor de trazidas pela doença. Lembro que me disse província, pobre, autodidata, que conseguiu uma vez, muito triste, que não reconhecia escrever um dicionário reconhecido por tomais sua imagem no espelho. Quando acon- dos. Ele gostaria muito de ver isso. É uma teceu a morte dele, não achei difícil enfrentar glória merecida, porque ele fez muito pela porque ele continua comigo”, conta. língua portuguesa”, afirma dona Marina.

Aurélio era um homem muito romântico. Eu não envelheci porque me casei com ele

Emanuel Pinho e João Ferreira, no escritório que funciona na casa de dona Marina Baird

Fernando Rizzotto

: ::: memória ::

palavras que ouvia e não conhecia. Mesmo quando lia um livro por lazer, ele marcava as palavras que ainda não estavam no dicionário. Eu acabei pegando essa mania dele”, afirma dona Marina. A viúva do Mestre Aurélio é extremamente generosa e sentimental quando fala do marido. “Trabalhar com ele me dava muito prazer. Me senti bem mesmo no início, quando ainda não tinha intimidade com as palavras. Banco é uma coisa mecânica. Fazer um dicionário é sempre, diariamente, uma experiência enriquecedora”, confessa. Sobre o Aurélio companheiro, ela diz: “Ele era um homem muito romântico. Era de uma delicadeza imensa, uma pessoa admirável de se conviver. Eu não envelheci porque me casei com ele”, declara-se Marina. Ela conta que não se recorda de ter visto uma única vez o marido de mau humor, mas diz que ele era extremamente duro diante de questões como traição e desonestidade. “Ele nunca brigou comigo, com os filhos ou com algum amigo. Aurélio aceitava as pessoas como elas eram”, diz.


Margarida dos Anjos trabalhou no dicionรกrio por mais de 40 anos

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Fernando Rizzotto

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Meninice e saudade em Aurélio Buarque de Holanda Marcos Vasconcelos Filho* Muito me agrada esta minha mania de surpreender o menino no nosso mestre Aurélio. Ele foi um menino pleno de saudades. Ou melhor: pleno de ausências boas. Sempre criança, deixou-se levar pela agitação permanentemente premente de sua sensibilidade saudosa. A sua linguagem era a do coração. E ao signo da lira entregou-se de todo, como que com saudades do lar, da infância, dos pais, da avó, dos irmãos, dos amigos, das paixões, das paisagens, dos desencontros. Em meu livro e nuns dois discursos, eu o nomeei carinhosamente “marulheiro”, uma vez que flagrei nele um sujeito menos dado a zangas e a caturrices do que a ansiedades e a lembranças. E não me vali, como quem lança mão de algo sem qualquer propósito, de uma palavra solta no ar e no meio das águas. Se a empreguei, foi porque nela senti se conterem incontidos os elementos com que se preenche sua travessia. A nossa própria vida, afinal, é ela mar aberto pelo qual nos lançamos por horizontes beijados de sóis e arranhaduras de temporais. Somos frágeis e efêmeras embarcações singrando escolhos e calmarias. E eu quis sugerir de nosso menino Aurélio justo a sua própria obra: toda ela embebida doce e salgadamente de águas fluviais e marinhas; toda ela azougada pela oscilação do peito de um crianção. O título marulheiro é um anagrama, na verdade. Nele se escondem muitas palavras: ar, mar, marulho, melhor, mulher, eu, rio, lua, ilha, ilhéu, orla, olhar, ramo, remo, rima, rumo, lima, lira, amor, áureo... Aurélio. Esses termos simbolizam a fulva intuição de um universo: o aureliano.

Há entre as poucas e teimosas poesias do menino Aurélio uma muito da minha predileção. Chama-se longamente “Poema que eu faria se tivesse uma namorada bonita que me desse presentes caros no dia do meu aniversário...”. Eu quero compartilhá-la:

fãos seus alunos. O crítico de saber mais fechadamente filológico é um esmiuçador de Simões Lopes Neto, Machado, Eça, Vitorino Nemésio, Teixeira e Sousa, Bandeira, Castro Alves ou Gonçalves Dias, feito criança a reinar pelas ondulações sugestivas dos parágrafos. O cronista, estampado em revistas e jornais alagoaNo dia dos meus anos, minha amada, nos, recifenses e cariocas deseu lhe peço que não me dê presentes preciosos. de aquele seu primeiro artigo Nada de perfumes finos, sobre a pintura do conterrâneo nem escrivaninhas de prata, Zaluar de Sant’Anna, desprennem de livros em encadernações de luxo. de-se do gênero efêmero pela minudência do quotidiano. O Nada disso [...] contista fixa a si mesmo, em eu quero apenas de Você, recriação autobiográfica tocaminha querida, da pelo ingênuo. O tradutor é o um presente muito simples, transpositor de paixões, cujas e o mais precioso dos presentes: transliterações são torrenum sorriso muito bonito, muito doce, tes antológicas. O acadêmico que me dê bem a impressão de que vou cada ano da Casa de Machado de Assis caminhando para a infância... senta-se, saliente, ao lado de quatro outros alagoanos: Guimarães Passos, Goulart de AnA ingenuidade transpassa os seus escri- drade, Pontes de Miranda e Lêdo Ivo. E o tão tos. O poeta é arroubo dado a quintilhas, sex- propagado dicionarista é a foz da lida, cujo tilhas e sonetos de muita exclamação, mui- ponto de partida é uma paquera desde adota vírgula e muito adjetivo ou já a modernis- lescente. mos cheios de nativismo, introversão e remembramento. O professor particular é um garoto, nada possui das caras-fechadas dos seus velhos mestres, dá descontos aos de menor sorte e se condói pelos pequenos ór-


Tudo, enfim, no nosso autor é recordação. Nascendo e habitando entre rios e mares, o menino Aurélio era todo saudade: sua palavra predileta, no meio de um mundo delas. É dele esta rememoração, numa crônica publicada numa página de jornal carioca, intitulada “Fantasmas”: [As palavras] São trens, navios, automóveis, asas de passarinho ou de avião, botas de sete léguas como aquelas dos contos da meninice, que nos transportam a velhos tempos, nos reacendem antigos amores, nos recompõem num abrir e fechar de olhos queridas e perdidas paisagens. Não só isto: viajamos nelas, e com elas, a terras ignoradas e remotas. Mais adiante, o lirismo nostálgico da memória é o mesmo: As palavras vão-me arrastando. As botas de sete léguas me transportam a Porto de Pedras, a Porto Calvo, a Maceió, e a minha Mãe, a meu Pai, a minha Avó D. Candinha, aos irmãos, aos camaradas de escola e da rua, às festas, às histórias de Trancoso, ao mundo dos mal-assombrados, dos fantasmas.

As maiúsculas em Mãe, Pai, Avó e Dona são respeito e veneração, e também são revivescências. Eu comparo mesmo Aurélio àquele menino Dito do denso Corpo de Baile de Guimarães Rosa, cujos sabugos de milho eram que nem carrinhos de boi de várias cores para ele: as palavras, para Aurélio, eram como que esses sabugos reinventados do Dito. Não se nota, porém, naquela passagem acima, a menção ao Passo do Camaragibe, cidade onde vingou e passou apenas alguns meses em bebê loiro beirando rio. Há lá Porto de Pedras, Porto Calvo, Maceió, e pronto. Só que, como antes costumava fazê-lo, da última vez que esteve nas Alagoas Aurélio bateu o pé em visitar junto a amigos pontos de suas recordações e foi ter, já quase oitentão, na velha casa de porta e janela à Rua 13 de Maio do norte alagoano. Identificou o local onde viera à luz. Adentrou nele. Saiu tocan-

do as paredes mal remoçadas a cal. Mãos enrugadas e pálidas de velho, algo trêmulas pelo Parkinson, Aurélio reencontrou-se com o Sr. Tempo. Foi só choro. Desfez-se todo num desmonte de gigante. Quem o visse acariciando assim as paredes dos corredores e dos quartos se depararia com um avô de fraldas. Um ciclo confuso e sensibilíssimo se fechara: como de véspera, o septuagenário tornara a menino. *É sociólogo e escritor, autor de Marulheiro: viagem através de Aurélio Buarque de Holanda


: ::: depoimento ::

A última entrevista Mário Lima* Numa dessas tardes iluminadas de Maceió, obtive a informação de que um alagoano ilustre estava na terrinha passando férias, no verão de 1988. Era o dicionarista Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, que viveu quase toda sua vida no Rio de Janeiro, mas que teve um preâmbulo glorioso em Alagoas. Foi um encontro inesquecível com o mestre, num aprazível casarão na praia de Pajuçara. A matéria foi feita para o finado Jornal de Alagoas, que era da cadeia dos Diários Associados, do imperador da imprensa, Assis Chateubriand. Ela ocupava uma página inteira; eu era foca, estava no comecinho da minha carreira. Para chegar nele, não teve burocracia nenhuma, consegui fácil. Naquele tempo, o jornalismo era aberto, mais solto, não existia essa coisa de marcar com a secretária de fulano para entrevistá-lo. Olhos azuis cintilantes bem abertos e perdidos em algum ponto do espaço, cabelos brancos encrespados, a voz grave e pausada, gestos lentos, porém expressivos, e a mão trêmula, em consequência do Mal de Parkinson. Assim estava o alagoano de Passo do Camaragibe, dicionarista, filólogo, tradutor contista, crítico literário, professor e

Aurélio lembrou dos encontros nos cabarés de Jaraguá e do Café Cupertino, no Centro, onde se reunia o seleto grupo de intelectuais

imortal da Academia Brasileira de Letras (ABL), Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, aos 78 anos, na casa de amigos enquanto curtia o que viriam a ser suas últimas férias na terra natal e sua derradeira entrevista. Mestre Aurélio me contou várias historinhas boas, como o detalhamento que ele fez de uma das atrações da época, o então emergente escritor Graciliano Ramos: “E chegava aquele homem malvestido, com paletó de linho amarfanhado, feito por algum alfaiate de Palmeira dos Índios. Figura predominante e malcriada. Gostava de dizer aforismos e palavrões. Acendia um cigarro atrás do outro”. A velha guarda sempre se encontrava. Ele viveu num tempo em que muitos intelectuais viviam aqui em Maceió. A turma dos anos 30, do romance novo nordestino, como Raquel de Queiroz, José Lins do Rêgo, autor de A Bagaceira, também estava passando por aqui, e ele não se acanhou em me dizer que saía com o pessoal.

Aurélio lembrou dos encontros nos cabarés de Jaraguá e do Café Cupertino, no Centro, onde se reunia o seleto grupo de intelectuais para conversas literárias, políticas e sobre a vida mundana na capital. E ele continuava a falar sobre essa época, com um certo sorriso nos lábios, sempre assistido de perto pela sua mulher, Marina Baird Ferreira. “Nunca fui totalmente envolvido por esse grupo de eternos boêmios, mas, de vez em quando, me aventurava pelos casarões iluminados de Jaraguá, onde ficavam os melhores cabarés. Divertia-me muito “caçando” mulher na zona com amigos, mas nunca fui da pá virada”. Alguns afirmam que ele era muito aberto, adorava dar beijinhos nas meninas, mas eu não conheci esse lado festeiro; a única vez que o vi foi no dia da entrevista, mas o que se fala é que ele era uma pessoa muita aberta, muito espirituosa, era um cara bastante interessante. Retomando o fio da meada, pergunto ao mestre como ele fazia para criar tantas palavras e verbetes. “Em uma primeira etapa, tiro de outros dicionários o que pode ser útil e vital. Depois faço anotações. Vivo anotando. Principalmente notícias de jornais, revista, televisão e da gíria cotidiana do povo. A convivência direta com o povo é fundamental para o processo de criação de verbetes”, assinalou o dicionarista, confessando que anotava muito, vivia com um bloquinho pendurado no pescoço, e tudo que ele via anotava. Notícias de jornal, página policial, tudo ele escrevia. “A concepção de um dicionário exige calma e muita pachorra (do Aurélio: vagar, lentidão). É como uma paixão, uma cachaça da boa. Uma obra interminável que nunca sai perfeita como a gente quer. Sou o maior leitor do meu próprio dicionário”, revelava Au-


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rélio Buarque sentado em uma confortável poltrona, ao meu lado, reclamando do ‘bombardeio’ de flashs da câmera do repórter fotográfico Adaílson Calheiros. E o mestre Aurélio se empolgou. Ele renegou o fato de ser considerado um sinônimo de dicionário e sempre se recusou a registrar “Aurélio” como dicionário. “Da minha parte, acho muito pedantismo aceitar essa comparação, pois existem outros grandes dicionaristas, como o Caldas Aulete”.

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Gesticulando para o alto, já com cabelos desalinhados, parecidos com os do físico Albert Einstein, ele recitou um verso do poeta mineiro Carlos Drummond de Andrade para expressar seu amor pelas palavras: “Lutar com palavras é a luta mais vã/Então lutamos mal rompe a manhã”. Poucos dias depois de conversar comigo, em Maceió, e falar sobre sua vida em Alagoas e de sua longa trajetória intelectual até se transformar no mais famoso dicionarista brasileiro, e virar sinônimo dele mesmo, o mestre Aurélio foi acometido por uma forte crise de pneumonia e teve que voltar às pressas para o Rio de Janeiro, onde morou desde os 28 anos de idade. Na época, seu amigo Emer de Mello Vasconcelos, anfitrião do mestre na terrinha, me informava que Aurélio Buarque se recuperava lentamente na Clínica Bambina, no Rio de Janeiro. Mas no começo de 1989, o mestre não resistiu e faleceu. Com sua morte, Alagoas e o Brasil perderam um dos maiores fenômenos editoriais do País. Seu mais recente produto, o Miniaurélio Século XXI da Língua Portuguesa, com mais de 50 mil verbetes, já ultrapassa a casa dos 60 milhões de exemplares vendidos, desde seu lançamento, em 1993. Tenho muito orgulho de ter entrevistado esse alagoano tão ilustre. *Jornalista e secretário-adjunto de Comunicação do Estado de Alagoas


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Todo o Aurélio foi Alagoas Bráulio Leite* Olhe, eu era amigo do Aurélio, mas um amigo, assim, particular. O professor Aurélio, além do intelectual, do estudioso, do filólogo internacional que ela era, um homem tido como referência da inteligência brasileira, ele era a pessoa mais simples, melhor, a pessoa que deixava você, que não era nada do que ele era, à vontade. Ele recebia seus conterrâneos com aquela simpatia e aquela afetividade que o alagoano gosta de ser recebido. Quando ele chegava a Maceió, sempre vinha à nossa casa, nos procurava. Nós saíamos. Ele era um homem cheio de sensibilidade, era um amoroso pela sua terra. Muitas vezes, nós fomos ao interior do Estado porque eram lugares que ele conhecia quando menino, antes de ir para a cidade grande, antes de vir para Maceió, para ser professor do Orfanato São Domingos, e não há registros disso, infelizmente. Aurélio foi o homem que se voltou para a valorização da cultura nordestina. Todo o Aurélio foi Alagoas. Quando eu conheci o professor Aurélio, através de um amigo em comum, o jornalista Arnoldo Jambo, que era diretor dos Diários Associados em Alagoas, Jornal de Alagoas, Rádio Progresso, ele era também do departamento de cultura. Na época, ele já morava no Rio. Aqui, ele foi secretário-geral da Prefeitura Municipal de Maceió, diretor do Teatro Deodoro, levou a Biblioteca Municipal ao salão nobre do teatro. Ele era um homem voltado sempre para a cultura, para a educação. Ele nasceu com essa missão e pôde, eu acredito, dar a Deus uma resposta simples, dizendolhe assim: “Eu cumpri a minha missão”. Você sabe o que ele me dizia, quando depois de um ano inteiro no Sul do País, morando no Rio de Janeiro? Ele trabalhava sempre durante a madrugada. Ele começava a trabalhar, geralmente, de tarde e passava toda a

Aqui ele sempre procurava esquecer os problemas, embora tivesse sempre no bolso da camisa um papelzinho e uma caneta

noite e madrugada porque dizia ele, havia calma, não havia muito barulho de trânsito, não havia nada, e ele podia concentrar melhor seus estudos, seu trabalho. E ele me dizia sempre: “Bráulio, eu tenho ansiedade para que chegue logo o tempo que eu possa vir passar um mês em Maceió”. Era um amoroso pela terra, um homem que amava e nunca esquecia Alagoas. Tudo que se fez para o Aurélio, em torno de Aurélio, nacional ou internacionalmente, porque ele foi alvo de muitas e muitas homenagens pelo homem inteligente que era, pela pessoa boa, simples e humana que ele era. Aurélio foi uma das pessoas melhores que eu conheci em toda minha vida. Não era um homem capaz de guardar rancores ou fazer um comentário ruim sobre quem quer que seja. Ele era um comentarista das belezas e daquelas pessoas boas das Alagoas e não dava importância a nada que o magoasse. Se todos nós pensássemos da maneira que Aurélio pensava sobre Alagoas, esse Estado seria maravilhoso, porque tem tudo para ser. Ele não precisa de mais nada além do que já tem. Responsabilidade, natureza, gente inteligente, capacitada. O alagoano é hospitaleiro, é o irmão que espera receber o outro irmão de qualquer parte do País com aquela euforia, com aquela alegria, com aquilo que um irmão recebe o outro. Então, Aurélio foi isso pra mim.

Ele vinha sempre aqui, e eu ficava muito honrado. Ele dizia a mim: “Bráulio, eu cheguei hoje”, e eu dizia: “Oi, Mestre!”. Então, ele perguntava: “Eu passo aí ou você passa aqui na minha casa?”. Ele geralmente ficava hospedado na casa do irmão ou da irmã. Na época, eu morava em Maceió. Aí eu dizia: “Onde você está? Na casa do irmão ou da irmã?”. Aí ele dizia: “Estou na casa da minha irmã, Luizinha!”. Então, eu passava lá com meu automóvel, e ele saía comigo. E eu dizia: “Mestre, aonde nós vamos?”, ele respondia: “Bráulio, eu nunca mais vi Bebedouro”, e eu respondia: “Então, vamos ao Bebedouro”. Nós percorríamos todo aquele percurso. Saíamos da Praça dos Martírios, Mutange, aquilo ali tudo, até o Bebedouro, no final. E ele ia discorrendo sobre aquilo que conhecera quando rapaz, quando menino. Falava aquilo com muita emoção. No outro dia, ele dizia: “Vamos ao Pontal da Barra!”, e nós íamos ao Pontal da Barra. E ele percorria toda a Maceió com aquele espírito, aquela forma extraordinária, aquela sensibilidade, aquele amor que ele tinha por Maceió. A vida em Alagoas era a vida mais simples. Ele colocava o calção e ia para a praia. No Rio de Janeiro, nem sempre ele podia ir à praia por conta de seus afazeres. Aqui, ele procurava esquecer os problemas, embora tivesse sempre no bolso da camisa um papelzinho e uma caneta. Quando ouvia um termo ou palavra que nunca havia escutado, tomava nota, para que o próximo número de seu dicionário já tivesse aquele verbete. Costumávamos sair, visitar, rodas por toda a cidade, visitar os restaurantes. Íamos muito ao Bar das Ostras, ao Bar da Sereia, que ficava aqui na praia da Sereia, ao bar da Fênix, onde tinha um restaurante muito bom, ele era guloso e como era! Rodávamos por aí, víamos as novas casas, as novas boates.


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Carlos Magno, Bráulio Leite, Arnoldo Jambo e Aurélio na Praia da Sereia

Às vezes, ele batia em minha janela, era uma pessoa sem nenhuma preocupação. Ele chegava em sua casa, por exemplo, sentia o cheiro do feijão, pedia licença, entrava, ia até a cozinha e experimentava um pouco do feijão. Era um homem simples, que você não tinha preocupação em conviver com ele. Aurélio não tinha nenhuma atitude que fosse uma atitude de sábio, do professor. Ele era o simples era o bom, era um irmão. Quando ele vinha aqui no Sítio Velho, sentava, conversava, ia tomar banho de mar, voltava. E tudo que ele fazia, conversava, expressava eram coisas de um homem simples, um alagoano simples, sem preocupação de dizer que era aquela figura de referência nacional. Era para mim, um exemplo extraordinário. Era tão extraordinariamente participante da comunidade que eu, às vezes, ficava pensando, e ficava até com certo sentimento de vergonha, porque eu, um pelanco como sou, pensava: “Puxa, esse camarada é mais simples do que eu, eu não valho nada, não te-

nho nenhum poder, não sou nada diante desse homem e ele me ensina a cada hora que a vida se faz assim, como ele vive”. Então, Aurélio para mim e para todos seus amigos, foi sempre um exemplo. Eu queria muito bem ao Mestre Aurélio. Estive muitas vezes com ele, em várias ocasiões, em várias oportunidades. Certa vez, fomos à cidade em que ele morou quando criança e visitou a casa onde ele morou com a família. Uma família pobre e quando ele olhou para a casa, ela estava numa situação difícil. Não havia, das autoridades municipais, aquela responsabilidade devida àquele espaço que tinha acolhido, durante algum tempo, uma figura nacional como Aurélio Buarque de Holanda Ferreira. Ele gostava de dizer, isso: Aurélio Buarque de Holanda FERREIRA, que era o pai dele. Que, na verdade não era Buarque de Holanda, ele usava porque achava bonito, e dizia isso abertamente. Ele chegou perto da casa, olhou para a casa, ele tinha feito poemas sobre a casa. Ele encostou-se nas portas e

abraçou aquilo tudo, como se pudesse abraçar, chorando. Isso, até hoje, eu me lembro a emoção deste homem quando voltou a sua meninice, quando voltou a lembrar de sua família e eu sinto a mesma emoção que ele sentiu naquela época. Aurélio é uma figura que Alagoas devia ter sempre como mestre. Mestre na sua cultura, sua sensibilidade e render sempre a homenagem que ele merece. Ele foi, possivelmente, não digo a maior, mais uma das maiores figuras de Alagoas. Ele foi um homem extraordinário, bom, sensível, incapaz de fazer alguma coisa contrária a sua terra, ao seu povo, a sua gente e a qualquer pessoa que fosse. Era um homem decente, puro, culto, honrado e quando eu me lembro de Aurélio, lembro com muita saudade, com muita tristeza porque ele já se foi. Aurélio foi uma das grandes figuras dessa terra, imortalizado, não somente porque era uma figura inteligente, capaz, estudioso. Você sabe o que é Aurélio para esse país? Para mim, não é porque ele pertenceu às academias de letras, de filologia, academias internacionais pela sua inteligência, pelo seu estudo, mas porque ele se irmanou à linguagem do povo brasileiro. Você hoje não chega em qualquer parte, numa biblioteca, numa livraria, que não cite o nome dele. “Me dá um Aurélio!”. Você tem um Aurélio, não compra um dicionário da língua portuguesa, compra um Aurélio. Ele está permanentemente preso a língua e a inteligência de nosso país. Foi um irmão bom, um exemplo de cidadão e pessoa responsável, é isso que eu penso de Aurélio Buarque de Holanda. Sou admirador permanente, é uma figura que me emociona muito. *Teatrólogo e amigo de Aurélio


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Lembranças de Aurélio Solange Bérard Lages Chalita* A presença de Aurélio Buarque de Holanda Ferreira entre nós, alagoanos, era uma festa. Otimista, alegre, descontraído, chegava a Maceió, quase sempre nos finais de ano, para rever parentes e amigos e recordar os tempos de juventude, passados na companhia de intelectuais que marcaram para sempre a vida cultural do Estado. Na década de 30, moravam, na capital alagoana, Graciliano Ramos, Jorge de Lima, José Lins do Rego, Valdemar Cavalcanti, Raul Lima, Rachel de Queiroz, Manoel Diégues Junior, entre outros. Aurélio integrou esse grupo seleto de romancistas, contistas, poetas, críticos, ensaístas e jornalistas que, ao migrar para o Rio, alcançou projeção nacional. Sua vocação de lexicógrafo manifestava-se, já, no companheirismo da província onde se destacava pelo conhecimento da gramática luso-brasileira que o tornava, naturalmente, um revisor-conselheiro de textos, se solicitado pelos interessados. Eu o conheci, através de meu pai, amigos e coetâneos – ambos nasceram em 1910 – numa dessas visitas sentimentais quando, dominado por emoções telúricas, se derramava em afeto pelas pessoas que encontrava ou recordava, pela paisagem que o motivava a exageros – querendo banhar-se nas praias da Pajuçara como se ainda fosse o menino do litoral norte e terminava tostado como um camarão –, pelos sabores da terra que o levavam ao delírio, misturando sorvetes tropicais com crustáceos, caipirinhas com sucos de fruta, água de coco e vinho. Mas, o transbordamento maior de Aurélio era pela gente simples de sua terra. Povoavam-lhe a alma tipos humanos fixados ao correr dos tempos na memória, habitantes dos lugares da meninice e da juventude.

A cultura popular o encantava. Nos resgates do coração, ele insistia em procurá-la nas feiras, nas praças, sobretudo nas festas de rua, extasiado pela coreografia e cantos dos folguedos tradicionais. Sabia de cor letras de jornadas do pastoril, cantigas dos mestres de guerreiros e reisados, dos almirantes das cheganças. Às vezes, o entusiasmo o levava a exibir, com ritmo e leveza, passos de danças populares. Partilhava esses momentos de encantamento prazeroso com os folcloristas Théo Brandão, José Aloisio Vilela, Carmen Lúcia Dantas, Senador Teotônio Vilela, Celso Brandão e com os amigos Bráulio Leite Júnior, Arnoldo Jambo, Emer e Elder Vasconcelos. Tânia Pedrosa era a estrela de seu séquito feminino, anfitriã de sempre e companheira-irmã de Marina Baird Ferreira, que se alagoanizou, rapidamente, por influência do marido. Esse culto ao regional vinha de suas raízes. Criança, habituou-se a ouvir as estórias de Trancoso contadas pelo pai, nas noites litorâneas, iluminadas apenas pelo luar porque “quem conta história de dia cria rabo de cutia”. Impregnaram-lhe o imaginário lendas e mitos nordestinos, influências reelaboradas literariamente nos contos do livro, Dois Mundos, que publicou no Rio, para onde migrou em 1938, aos 28 anos. Sua memória extraordinária levava-o a recitar, nas mais diversas ocasiões, não apenas uma grande quantidade de poemas de Cecília Meirelles e Manoel Bandeira como também a repetir versos orais que aprendera da boca do povo. Chegou a transcrever alguns deles, como os que se seguem:

Maçara, maçaranduba Maçaranduba, maçara O ovo tem duas partes Uma, a gema; outra, a quilara Uma é branca e gosmente Outra mole e amarela Ah, o beber não é nada Arrepetir é que é ela. Tem a mesma origem esta quadra: A cachaça é boa Daqui eu não saio Aqui mesmo eu bebo Aqui mesmo eu caio. Mestre Aurélio, como todos nós o chamávamos, lexicógrafo, filólogo, escritor, professor, membro da Academia Brasileira de Letras, ao falecer, no Rio, em 28 de fevereiro de 1989, assistido por Marina, sua fiel companheira e grande colaboradora, legou-nos, com sua vasta produção intelectual, lição da maior importância, pois conseguiu realizar na vida e na obra uma síntese entre cultura popular e erudita, suprimindo-lhes os limites. *Solange Bérard Lages Chalita: Doutora em Literatura Brasileira. Membro da Academia Alagoana de Letras. Sócia do Instituto Histórico e Geográfico de Alagoas e da União Brasileira de Escritores - São Paulo.


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Aurélio, inesquecível amigo Tânia de Maya Pedrosa* Analisar os valores literários e lexicográficos do escritor, contista, ensaísta, poeta e tradutor Aurélio Buarque de Holanda é uma tarefa permitida aos poucos que chegaram perto do legado conquistado pelo alagoano em sua trajetória heróica. Esse não é o meu caso, mas atrevo-me, ao correr da pena, me colocar com o máximo de modéstia na condição de amiga e admiradora desse personagem que projetou Alagoas no mundo. Paulo Rónai, outro mestre do rol de amizades de Aurélio, denominou-o de “consciência viva da língua” ao contar a história do menino pobre de Passo do Camaragibe, que não tinha dinheiro para pagar o dicionário mais modesto e que acabou realizando esta obra-prima da lexicografia. Lembro-me que Aurélio sempre carregava no bolso papel e caneta. Escutava e anotava o erudito e o popular por onde quer que fosse, dos salões aos mercados populares e festas folclóricas, tantas fossem as palavras, até as chulas e as pouco usadas. À procura de opiniões que coadunam com a vida e a obra de Aurélio, tomo as palavras do acadêmico Carlos Chagas Filho durante o Réquiem dedicado ao alagoano: “Diga-se o que disser, a verdade é que a Academia é um grande clube, na qual sem a existência de bolas pretas, elegemos aqueles cuja convivência queremos apreciar e que já deram importante contribuição ao desenvolvimento cultural de nosso país. Aurélio, embora avesso a dar o seu voto a quem não fosse um homem de letras contumaz, recebeu-me de maneira a mais cordial possível. Era tão educado quanto generoso”.

E ainda nesse dia em que a Academia se pranteava assim falou o meu amigo Lêdo Ivo: “Poucos dicionaristas terão sido tão sensíveis aos falares e às gramáticas da arraiamiúda, que guardava o mais puro e o mais sujo da língua... os ouvidos de Aurélio Buarque de Holanda estavam sismograficamente aparelhados para registrar a mais remota genuinidade e a mais florida transgressão nas bocas analfabetas, eternamente datados da mais inefável sabedoria”. Falar de Aurélio Buarque de Holanda como amigo torna-se acessível: figura ímpar, cheia de virtudes, filho, pai, esposo, avô e amigo inigualável. Era uma pessoa de vida simples, não aceitava ostentação nem violência. Abominava as desigualdades, repelindo os que se achavam superiores aos demais, pois inerente ao mesmo estava a modéstia. Politicamente raciocinava como se fosse um cientista social, no que vem a confirmar o seu dom de humanista. Impossível deixar de relembrar os inesquecíveis momentos que passamos juntos ao lado de Marina, familiares e amigos, acompanhando-o sempre por todas as praias. Seu amor por Alagoas era confirmado pelas constantes vindas à sua terra querida. Felizes aqueles que estiveram ao lado dele. Ríamos muito de suas frases sarcásticas e inteligentes. Aurélio era mesmo um sábio.

Testemunhei de perto as intermináveis horas em que ele se dedicava à sua “galáxia de palavras”. Saudades do último Natal que Aurélio passou vivo e eu tive a ventura de viver uma inesquecível despedida. Lúcido, sem reclamações, escrevia, observava, comentava. Era o Aurélio inteiro, pensou inteiro até o último suspiro. Aurélio inesquecível, amigo. Andava pelos mercados e feiras a cantarolar música de folclore, a recitar versos de poetas brasileiros e franceses na íntegra ao caminhar pelas praias de Pajuçara, Ponta Verde e Francês. Atesta-se o amor por Alagoas em todas as horas em que permanecia aqui. Tive o privilégio de aprender com o mestre a face mais iluminada que vivi. *Artísta plástica, colecionadora de arte popular e amiga de Aurélio



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Os amigos e o amor por Alagoas a ligação entre aurélio e sua terra natal o acompanhou por toda a vida; ele sempre retornaria às suas raízes

Foi assim com o poeta e Jorge de Lima, Graciliano Ramos, Jorge e Jajornalista Valdemar Caval- mes Amado e as esposas Zélia Gattai e LuíApesar de ter passado a maior parte de sua vida no Rio canti – a quem dedicou a sua za Ramos [filha de Graciliano], além de um de Janeiro, Aurélio Buarque de Holanda nunca deixou, em primeira poesia modernis- de seus amigos mais próximos da época, o definitivo, o Estado de Alagoas. Muito menos Alagoas e ta, Árvore Humana -, José jornalista Arnoldo Jambo. suas acolhedoras lembranças de infância e juventude o Lins do Rego, Aloísio BranEra com alguns desses célebres nomes, deixaram. co, Carlos Paurílio, Mano- como Graciliano Ramos, que o dicionarista el Diegues Júnior, Raul Li- passava seus momentos de lazer em locais ma, Emer Vasconcelos, Ar- como o Café Cupertino, em frente ao antigo Dona Marina Baird, companheira do di- non de Mello [a quem dedicou o belo conto relógio oficial. A pequena capital alagoana vicionarista por 44 anos, conta que ele tinha O Chapéu de Meu Pai], Raquel de Queiroz, o via uma atmosfera intelectual efervescente, uma verdadeira paixão por Alagoas. “Ele folclorista Théo Brandão, José Aloísio Vile- e, enquanto boa parte de seus amigos arrununca deixou de ir um ano sequer a Alago- la, Celso Brandão, o senador Teotônio Vilela, mava as malas para ganhar o mundo, Aurélio as. Sempre passava o Ano-Novo e o Natal Napoleão Moreira e Tânia Pedrosa, Bráulio ainda passou certo tempo em Maceió. com a mãe. Alagoas para ele era fonte de Leite, o escritor Carlos Moliterno e sua esNo final dos anos 30, deixa sua amada tervida. Ele ia pra lá para respirar. O discurso posa Anilda Leão, Pierre e Solange Chalita, ra para morar no Rio de Janeiro, mas a saude posse na Academia Brasileira de Letras mostra isso”, afirma. Aurélio, em uma de suas visitas a Alagoas, rodeado por amigos, como Heloísa Ramos O inegável amor às raízes é posto assim no (esposa de Graciliano) e sua filha Luíza; Solange Chalita (de pé); e Teotônio Vilela belo discurso, em que o dicionarista, para expressar esse sentimento, se vale de um poema do português Antônio Nobre: “Moinhos ao vento! Eiras! Solares! Antepassados! Rios! Luares! Tudo isso eu guardo, aqui ficou: Ó paisagem etérea e doce, depois do Ventre que me trouxe, a ti devo eu tudo que sou!”. Durante todo o tempo em que viveu em Alagoas, Aurélio travou amizades que iriam lhe acompanhar por toda a vida apesar da distância e dos diferentes caminhos que a vida levaria o dicionarista e seus amigos. O mestre era aquele que sempre retornava, que nunca esquecia, que mantinha vivo – da forma mais generosa – os laços de afinidade com as pessoas e com os lugares. Milena Andrade

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Aurélio na casa do amigo Théo Brandão, em Maceió, no ano de 1962

dade da vida em Alagoas nunca o manteria longe por muito tempo. Cada viagem sua ao Estado de Alagoas era um regresso a uma época feliz, ingênua, onírica. Com os amigos, Aurélio saía em sua jornada, como em busca do tempo perdido, ao reencontro de gostos, cheiros, memórias, sensações. Quem bem se lembra desses regressos cheios de saudades e expectativas é o amigo Amaro Geraldo, a quem o mestre chamava de “primo” e que, na verdade, era ligado a Aurélio pelo fato de seu tio, Joaquim Acioly Moraes, ser casado com a sua irmã, Maria Luíza. Amaro Geraldo conheceu o dicionarista ainda bem jovem e o recebeu em sua casa junto com a esposa, dona Clotildes - inúmeras vezes nas constantes vindas de Aurélio a Alagoas. Ao falar do “amigo quase parente”, ele não esconde a admiração e a saudade. “Conheci Aurélio na casa de meu tio, em 1952. Meu pai queria apresentar a minha irmã, Mariinha, a ele porque ela era muito dedicada aos estudos. Na ocasião, fui eu quem acabei virando seu amigo de uma forma engraçada. O povo diz que, quando você tenta consertar um sábio, acaba virando um grande amigo dele, e foi o que aconteceu. Disse a Aurélio que ele havia errado a crase na dedicatória que escreveu em um retrato para a sua mãe”, lembra. Ao contrário do que se podia esperar, Aurélio não se irritou, apenas argumentou que estava correto o que escreveu. O jovem Amaro seguiu teimando apesar das advertências de Théo Brandão, Arnoldo Jambo e José Reis, que presenciavam o “duelo”.

“Ele, que era uma das maiores autoridades em português do Brasil, me deu uma verdadeira aula com toda a paciência do mundo e nem deu bola para as minhas meninices”, conta Amaro Geraldo, que, além de grande amigo do mestre, se tornou colaborador do dicionário na parte de regionalismos. O primo conta que o dicionarista era louco por Alagoas e que fazia planos de morar no Estado pouco antes de sua morte, chegando, inclusive, a comprar um apartamento em Maceió, no bairro da Ponta Verde. “Ele amava sua terra, principalmente Porto de Pedras, onde passou a infância. Porto Calvo, Barra de São Miguel, Gunga, ele achava tudo isso lindo”, relembra o primo, sem esconder as saudades. Dona Clotildes, esposa de Amaro e chamada por Aurélio e Marina de “Mocinha”, lembra que ele traçava verdadeiros roteiros de viagem. Queria ver tudo e todos. “Ele também era muito comilão. Adorava a comida regional, misturava todos os sabores sem se importar”, observa.

A artista plástica Tânia Pedrosa - viúva de Napoleão Moreira, que foi muito amigo de Aurélio – conta que o mestre era um admirador de cultura popular. “Aurélio adorava folclore. Atribuo parte do meu amor pelas manifestações populares a ele”, afirma. Porém, é a ligação de Aurélio com o mar a mais lembrada pelos amigos de Alagoas. “Gostava de ver o mar, de contemplar sua beleza e de nadar. Se pudesse, passava o dia na praia”, lembra Tânia, que o acompanhava sempre em suas peregrinações pelo litoral. Na última viagem que fez a Alagoas, Aurélio – já debilitado – convenceu o primo Amaro Geraldo a fazer uma espécie de roteiro nostálgico. Foi à cidade em que nasceu, Passo do Camaragibe, seguiu para Porto Calvo e ficou em Porto da Rua, onde passou algumas temporadas na casa de praia do primo. No banho de mar, aspirou uma pequena quantidade de água que agravou um problema respiratório. O mestre teve que voltar para o Rio de Janeiro às pressas e chegou a ficar em coma. Foi a última vez em que viu o mar de sua meninice aonde sempre retornava como o pequeno que anseia o colo da mãe. Aurélio parecia mesmo acreditar no “causo” contado por um colega de escola que tinha, como essência, a seguinte mensagem: “Pelo mar se vai ao céu”. E foi onde chegou esse alagoano, “dando velas ao sonho”, em sua venturosa e singular trajetória de vida.

professor aurélio Arnoldo Jambo*

A duas pessoas devo esse atrevimento de escrever em jornais: ao poeta Wanderley de Gusmão - o mais simples e o mais compreensivo e bom dos amigos poucos que tenho conseguido de verdade - e a este grande escritor alagoano que está sendo alvo das mais merecidas homenagens da parte de nós todos seus contemporâneos - o Professor Aurélio Buarque de Holanda Ferreira.


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Na porta da casa de Graciliano, em Palmeira dos Índios, com o jornalista Arnoldo Jambo

Não estou fazendo praça em proveito pessoal do que pode, a boa vontade de uma figura da envergadura intelectual de Mestre Aurélio, representar para um provinciano obscuro, com veleidades literárias censuráveis. Não. Mestre Aurélio nenhuma revelação haveria de encontrar, é claro em sujeito tão sonso e tímido como aqui o Degas. Mas foi pela mão dele que fui levado certa vez à casa do professor Ulysses Braga - ele com a determinação de interceder junto ao velho amigo para que me fosse dada uma oportunidade de exercitar-me na prática do jornalismo. Isso feito assim com espontaneidade daquelas que prendem e cativam a gente como um gesto carinhoso. É escusado dizer que ele foi atendido, mas faço questão de acentuar que, a partir daí, à grande admiração que

sempre tive pelo escritor, juntei mais, com toda a força, esse outro sentimento que se exprime mais humanamente que o primeiro – o do reconhecimento pela ajuda e bondade desinteressada do homem. Vocês já devem ter notado que estou parecendo meio emperrado. Mas não é isso, não. É impossível a gente falar à língua solta, sobre um homem de letras da projeção do escritor Aurélio Buarque. Há medo do pieguismo, e há o receio de não dizer ao menos o que pareça suficiente sobre sua estatura intelectual. Muito mais no meu caso, que estou escrevendo para os alagoanos - essa gente que nele tem agora mais um motivo de orgulhosa alagoanidade. Quem já não ouviu contar aqui do Aurélio Buarque professor do Liceu Alagoano, caprichoso com os seus alunos e com

suas aulas? Quem, em se falando de livros em Maceió, não se referiu no seu nome para dizer do seu zelo pela nossa Biblioteca Estadual, da reorganização que ele soube imprimir àquela instituição hoje quase ignorada em nosso meio? Tenho amigo que não fala sobre literatura, sem recordar o entusiasmo do Mestre Aurélio quando diretor da Biblioteca. Conta que nunca viu ninguém discorrer com tanto calor e paixão sobre um romance com o autor de “Dois Mundos”, certa vez, em torno de “Pedra Bonita”, de José Lins do Rego. Narra isso como uma lembrança gratíssima. E tem mais. Tem o Aurélio do seu grupo de amigos. Este se reveste de tons quase lendários. É o apaixonado do mar do Aterro, o quase irmão de Aloysio Branco, é o homem que dorme e que acorda com livros sobre a cama e embaixo da cama; procurando por todos em todas horas e em todos os instantes. Pois bem, foram estes vários Aurélios de que a Província não esquece, que se transmudaram nessa figura das mais queridas ilustres da literatura brasileira contemporânea. É o mestre, para todos os efeitos, da língua, das letras, e dos admiradores não menos brilhantes que ele soube conquistar Brasil afora. Dicionarista, crítico, literário, ficcionista, filólogo. Em missão do Governo segue agora para o estrangeiro. Vai difundir lá fora o conhecimento das letras de sua pátria – dar cursos de literatura brasileira nas Universidades do México e da Itália. E veio despedir-se antes, da terra. Quando isso ocorre com um alagoano, é claro que todos se mobilizam para manifestar-lhe o quanto toca a nós seus conterrâneos e amigos o seu triunfo, a sua grandeza, que não pode deixar de ser, além de uma glória da cultura brasileira, uma projeção de Alagoas que lhe serviu de berço. *Poeta, jornalista e grande amigo de Aurélio Buarque de Holanda Ferreira


Publicações • Dois Mundos (contos). (Prêmio Afonso Arinos, da Academia Brasileira de Letras.) Rio de Janeiro, Livraria José Olímpio Editora, 1942. • Mar de Histórias: Antologia do Conto Mundial. (Em colaboração com Paulo Rónai.) Rio de Janeiro, Livraria José Olímpio Editora, 1945: vol. I; 1951: vol. II; 1958: vol. III; 1963: vol. IV. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 1989: vol. V; 1989: vol. VI; 1990: vol. VII; 1989: vol. VIII; 1991: Vol. IX; 1989: vol. X; 1999: do vol. I ao vol. X (4ª. ed.). Vol. I ao X (5ª. edição) São Paulo, Cosac & Naify Edições. • “Linguagem e Estilo de Eça de Queirós”. In: Livro do Centenário de Eça de Queirós. Portugal/Brasil: Edições Dois mundos, 1945. • Contos Gauchescos e Lendas do Sul, de Simões Lopes Neto. (Edição crítica, com amplo estudo sobre a linguagem e estilo do autor, e variantes, notas e glossário.) Porto Alegre: Editora Globo, 1949. • Antologia dos Poetas Brasileiros da Fase Romântica, de Manuel Bandeira. (Revisão crítica.) Rio de Janeiro, [s.n.], 1949. • Antologia dos Poetas Brasileiros da Fase Parnasiana, de Manuel Bandeira. (Revisão crítica.) Rio de Janeiro, DIN, 1951. • O Romance Brasileiro (de 1752 a 1930). (Colaboração, notas, revisão e um estudo sobre Teixeira e Souza.) Rio de Janeiro: Edições O Cruzeiro, 1952. • Apresentação de Vitorino Nemésio (plaquete). Lisboa, 1953. • Roteiro Literário de Portugal e do Brasil: Antologia da Língua Portuguesa. (Em colaboração com Álvaro Lins.) Rio de Janeiro, Livraria José Olímpio Editora, 1956. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1956. • Território Lírico (ensaios). Rio de Janeiro: Edições O Cruzeiro, 1958. • Enriqueça o seu Vocabulário. Rio de Janeiro, Editora Nova Fronteira, 1984: Em 4ª. ed., revista e ampliada. • Discurso de Posse na Academia. Rio de Janeiro: Edições O Cruzeiro, 1964. • Vocabulário Ortográfico Brasileiro. Rio de Janeiro: Editorial Bruguera, 1969. • Discursos de Posse e de Recepção (na Academia Brasileira de Letras, recebendo Marques Rebelo). (Separata.) Rio de Janeiro, 1972. • Discursos de Posse e de Recepção (na Academia Brasileira, recebendo Ciro dos Anjos). (Separata.) Rio de Janeiro, 1972. • O Chapéu de Meu Pai. (3ª. ed., revista e reduzida, de Dois Mundos.) Brasília, Editora Brasília, 1974. • Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 1976. (3ª. ed., revista e ampliada em 1999); 4ª. ed., Curitiba: Editora Positivo, 2009. • Minidicionário Aurélio da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro, Editora Nova Fronteira, 1977 – 7ª. edição, Curitiba: Editora Positivo, 2009. • Seleta em Prosa e Verso. (Organização, estudo e notas do Prof. Pau-

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lo Rónai.) Rio de Janeiro: Livraria José Olímpio Editora, 1979. • Dicionário Aurélio Básico da Língua Portuguesa (edição reduzida do Médio Dicionário Aurélio). Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 1988. (6ª. ed., 1991.) • Cadeira um – Discursos de Posse e Recepção (na Academia Brasileira de Letras, recebendo Bernardo Ellis) Livraria Editora Cátedra: Rio de Janeiro, 1983. • Dicionário Aurélio Infantil da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 1989. (1ª. ed., em 4ª. reimpressão, 1999). • Microdicionário Aurélio. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 1992. • Dicionário Aurélio Júnior: Dicionário Escolar da Língua Portuguesa. Coordenação Marina Baird Ferreira e Margarida dos Anjos. Curitiba: Positivo, 2005. • Linguagem e estilo de Machado de Assis, Eça de Queirós e Simões Lopes Neto. Rio de Janeiro: Academia Brasileira de Letras, 2007. • Melhores Contos. Seleção de Luciano Rosa. São Paulo: Global, 2007. • Dicionário Aurélio Ilustrado. Coordenação Marina Baird Ferreira e Margarida dos Anjos. Curitiba: Positivo, 2008. Traduções • O Caminho da Perdição, de Upton Sinclair. (Em colaboração com Olívia Krähenbühl). Rio de Janeiro: Edições O Cruzeiro, 1943. • Os Gazéis, de Hafiz. Rio de Janeiro: Livraria José Olímpio Editora, 1944. • O Jardim das Rosas, de Saadi. Rio de Janeiro: Livraria José Olímpio Editora, 1944. • As Pombas dos Minaretes, de Franz Toussaint. Rio de Janeiro: Livraria José Olímpio Editora, 1945. • Vinho, Vida e Amor, de Hafiz e Saadi. Rio de Janeiro: Livraria José Olímpio Editora, 1946. • Poemas de Amor, de Amaru. Rio de Janeiro: Livraria José Olímpio Editora, 1949. • Amor e Psique, de Lúcio Apuleio. (Em colaboração com Paulo Rónai.) Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira, 1956. • Sete Lendas, de Gottfried Keller. (Em colaboração com Paulo Rónai.) Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira, 1956. • Servidão e Grandeza Militares, de Alfred de Vigny. (Em colaboração com Paulo Rónai.) Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 1960. (Em 3ª. ed.) • Pequenos Poemas em Prosa, de Charles Baudelaire. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 1976. (Em 4ª. ed., revista.) • Meu Coração Desnudado, de Charles Baudelaire. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 1981. • Grandes Vozes Líricas Hispano-Americanas. (Seleção e tradução.) Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 1990 – edição póstuma. Apresentação de Marina Baird Ferreira.

::: bibliografia :: :

CEPAL / Imprensa Oficial Graciliano Ramos


o o mistério ganhava E dentro do coração do menin scia e, com ele, o desejo corpo e asas. O mistério cre as operações mentais, precoce de o decifrar. Ora, r substância a palavra: por mais silenciosas, têm po em palavras. com palavras pensamos, e Aurélio Buarque de Holanda

CEPAL Imprensa Oficial Graciliano Ramos

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