REVISTA DA CEPAL/IMPRENSA OFICIAL GRACILIANO RAMOS - MACEIÓ - ANO IV - Nº9 - JUNHO/JULHO 2011
OLHARES MÚLTIPLOS SOBRE O PASSADO DE ALAGOAS
GRACILIANO Nº 9 R$ 5,00
MEMÓRIA CULTURAL
AOS LEITORES Há três anos, em setembro de 2008, nascia a revista GRACILIANO, uma publicação editada pela Imprensa Oficial Graciliano Ramos/Cepal com o objetivo de abordar temas relacionados à cultura e a aspectos geográficos e sociais de Alagoas. Nobre, seu propósito sempre foi o de oferecer um espaço democrático à reflexão, a partir da visão de especialistas. Durante esses três anos, diversos assuntos foram debatidos nas páginas da revista, a exemplo de Graciliano Ramos, teatro alagoano, Aurélio Buarque de Holanda, rio São Francisco e Lêdo Ivo, entre outros. O caráter educativo, cultural e científico da revista afirmava-se graças a uma linha editorial que primou sempre pela riqueza e a abrangência do seu conteúdo. Por esse motivo, ganhou leitores fiéis e a colaboração preciosa de nomes importantes do cenário intelectual alagoano. E nada melhor para celebrar essa trajetória do que trazer ao
leitor um novo projeto gráfico da GRACILIANO. Além da impressão em papel Lux Cream, que garante maior durabilidade da publicação, a revista tem agora linhas leves, contemporâneas, com uma tipografia mais forte, o que facilita a leitura. Essa alteração no visual chega acompanhada da mudança editorial: o leitor poderá contar com seções permanentes, a exemplo de Documenta, que será lançada na próxima edição e reúne documentos relativos ao tema, e Saiba Mais, que traz, já neste número, indicações de fontes para se obter mais informações acerca do assunto tratado. Nesta edição, apresentamos um resgate da Alagoas antiga, em reportagens e artigos que revisitam lugares, histórias e bens culturais importantes para a formação da cultura local, como os primeiros marcos da capital alagoana, o movimento em torno do chorinho, o papel de inserção social das filarmônicas e os tempos dos festivais
universitários de música. Resgatamos ainda a “rebelião” comandada pelo grupo artístico Vivarte e a história por trás do Gogó da Ema (coqueiro que foi ícone de Maceió durante alguns anos). Para os amantes das artes cênicas, um presente: uma entrevista com o ator, diretor e professor Ronaldo de Andrade sobre o papel da Associação Teatral das Alagoas (ATA), fundada por Linda Mascarenhas, e um perfil de uma das personagens mais emblemáticas do Estado - a polêmica escritora e atriz Anilda Leão, uma mulher que, nos anos 50 e 60, desafiou as regras sociais vigentes para viver como queria, livre e feliz, ao lado do homem que amou. Como se vê, uma revista feita sob medida para quem valoriza a memória e o prazer que as boas lembranças podem trazer. Cheia de nostalgia para leitores de todas as idades, essa edição é um passeio por uma parte de Alagoas que ficou no passado, mas que, ainda hoje, permanece múltipla e marcante.
EXPEDIENTE
Nossa capa
Michel Rios
ALBA, UM ESTÚDIO SEM PAREDES Como representar visualmente a memória?
o colégio Contato. Em todos, sobressai um trabalho
O questionamento, feito pelos integrantes
inventivo e original.
do Estúdio Alba, serviu, na verdade, como
A parceria do Alba com a Imprensa Oficial Graciliano
inspiração para a criação da capa desta edição
Ramos/Cepal não começa aqui. As ilustrações do livro
da GRACILIANO. “Percebemos que era
Upiara, da escritora Eliana Maria, um dos cinco
muito abstrato tratar de memória. Algo mais
títulos infanto-juvenis da coleção Coco de Roda, não
individual, impossível”, explica Herbert Loureiro,
de autoria do estúdio. Sem medo de experimentar,
que divide o núcleo criativo do Alba com o também
os designers apostaram no uso de recortes de papel,
designer David Nunes. Diante do desafio, a solução
fotografia e ilustrações digitais. O uso de matérias-
foi investir num dos “motores” da memória: a
primas inusitadas é, inclusive, uma das características
relação com os símbolos. “Queríamos algo que
mais marcantes do Alba, que já utilizou aquarela, spray
causasse estranhamento em quem a visse, que
e até mesmo massa de modelar.
rolasse mesmo um questionamento do que aquela
Nascido como estúdio de design gráfico, ilustração
imagem significa”.
e fotografia de moda, o Alba já descobriu que a
Criado há apenas dois anos, o Estúdio Alba está
criatividade é o meio pelo qual poderá transformar
presente na identidade visual e em campanhas
pensamentos em emoções. “Por isso, mantemos as
de diversas empresas alagoanas, como o Toscana
portas abertas aos mais diversos segmentos. Hoje
Vinho e Café, a casa de artigos de festa Mabel e
somos um estúdio sem paredes”, diz David Nunes.
Os designers Herbert Loureiro e David Nunes, autores da capa desta edição CONTATOS: www.estudioalba.com | info@estudioalba.com
GOVERNO DO ESTADO
CEPAL / IMPRENSA OFICIAL
DE ALAGOAS
GRACILIANO RAMOS
Teotonio Vilela Filho
Moisés de Aguiar
Janayna Ávila
Michel Rios
Governador de Alagoas
Diretor-presidente
Coordenadora editorial
Projeto gráfico / Diagramação
José Thomaz Nonô
José Roberto Pedrosa
Janaina Amado e
Arthur de Almeida e Vanessa Mota
Vice-governador de Alagoas
Diretor-administrativo Financeiro
Roberto Amorim
Estagiários
Luiz Otavio Gomes
Hermann de Almeida Melo
Organização dos artigos
Guilherme Lamenha
Secretário de Estado do Planejamento e do
Diretor-comercial
Conselho editorial
Colaboração
Fernando Fiúza
Marli Josefina
Janayna Ávila
Revisão
Desenvolvimento Econômico
Milena Andrade Sidney Wanderley Simone Cavalcante Contatos: (82) 3315.8303 | editoracepal@gmail.com
Graciliano é uma publicação da CEPAL / Imprensa Oficial Graciliano Ramos Os textos assinados são de exclusiva responsabilidade do autor. ISSN 1984-3453
SUMÁRIO
REPORTAGEM
O FIO DA MEMÓRIA JANAYNA ÁVILA
PERFIL
VOCAÇÃO PARA A ARTE ROBERTO AMORIM
REPORTAGEM
A REBELIÃO DOS PINCÉIS ROBERTO AMORIM
16 ARTIGO
06
ARTIGO
MACEIÓ: DA ELEVAÇÃO A VILA ÀS TURBULENTAS PRIMEIRAS DÉCADAS REPUBLICANAS DOUGLAS APRATTO TENÓRIO
26 ARTIGO
O “CANTO CHÃO” DO 3º FESTIVAL UNIVERSITÁRIO DE MÚSICA
AQUI, PIXINGUINHA E OUTROS CHORÕES
EDBERTO TICIANELI
MARCOS DE FARIAS COSTA
40 ARTIGO
DAS VÁRIAS FORMAS DE LER, EXPOR, VENDER E APRECIAR LIVROS EM MACEIÓ: MEMÓRIAS GERALDO DE MAJELLA
58
ARNALDO GOULART, IMAGENS DE UM LEGADO FOTOGRÁFICO
ARTIGO
ARTIGO
NO RUMO DA MEMÓRIA MACLEIM
37
A DINASTIA DAS SOCIEDADES MUSICAIS EM ALAGOAS
REPORTAGEM
ROBERTO AMORIM
44
HOMEM DE PENSAR E FAZER TEATRO
12
ENTREVISTA
ROBERTO AMORIM
A ÉPOCA DE OURO DO CINEMA EM MACEIÓ
52
REPORTAGEM
VANESSA MOTA
68
O INESQUECÍVEL GOGÓ DA EMA
ARTIGO
LUIZ CARLOS FIGUEIREDO
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SAIBA MAIS
LIVROS ONDE PESQUISAR FILMES
EDUARDO ROSS
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REPORTAGEM
O FIO DA MEMÓRIA Conceitos e impressões sobre a nossa preciosa capacidade de lembrar JANAYNA ÁVILA ILUSTRAÇÕES: ESTÚDIO ALBA
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“Nada do que é depositado na memória se perde, ela é um computador que continua acumulando dados a vida inteira, dados que nem sempre são utilizados, porque o homem muitas vezes parece um transatlântico que navega com apenas uma cabine ocupada. Deveríamos conseguir usar continuamente esse imenso acúmulo de dados, mantê-los em exercício, combiná-los entre si, multiplicá-los, reintroduzi-los no curso de nossos pensamentos”. Saul Steinberg
Artista gráfico e cartunista
Qual a importância da memória para você? Já se imaginou sem seu arquivo de lembranças e, consequentemente, sem referências do passado? Para muitas pessoas, a capacidade de poder saborear novamente, ainda que apenas na imaginação, emoções já vividas é não apenas uma necessidade vital, mas principalmente um dos maiores prazeres da vida. Se a memória, conforme pesquisas, é a base do conhecimento, deve ser estimulada e preservada, afinal é somente graças a ela que atribuímos sig-
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nificado ao cotidiano, acumulando vivências para utilização durante toda a vida. Como experiência particular, a relação com a memória varia de acordo com cada um e estará sempre relacionada a impressões sensoriais. Por essa razão, é comum voltarmos ao passado somente sentindo aromas e sabores, revendo imagens ou ouvindo sons. E o que dizer da memória e da relação com o lugar em que vivemos? A memória coletiva sobre uma cidade, um Estado ou um país está diretamen-
te relacionada à convivência com um conjunto de símbolos culturais que, uma vez desaparecidos, sobrevivem na lembrança de quem os conheceu e, através de registros materiais, podem ser perpetuados para a posteridade. Outro aspecto da relação entre memória e território diz respeito aos “filhos ilustres” que deixam a terra natal. Alagoas sabe bem o que significa isso. Na primeira metade do século 20, nomes como Aurélio Buarque de Holanda, Graciliano Ramos, Paulo Gracindo, Jorge de
Lima, Lêdo Ivo e tantos outros partiram de Alagoas em busca de maiores oportunidades no Rio de Janeiro e em outras capitais. Apesar da distância, as marcas do lugar onde nasceram impregnaram suas obras. “No meu caso, o lugar do nascimento, o berço, a origem têm muita importância. De modo que minha poesia e minha prosa refletem muito esse universo da infância e da adolescência e até da ancestralidade, que eu evoco à circunstância de a família da minha mãe ter ancestralidade dos índios caetés”, afirmou o escritor Lêdo Ivo, em entrevista
taxativo: “Do que eu não tenho saudade, apago. Não dou oportunidade de nada me incomodar ou me perseguir. Minha memória é seletiva”, afirmou. O filólogo alagoano Aurélio Buarque de Holanda – cujo centenário de nascimento foi comemorado em 2010 – deixou Alagoas no final dos anos 1930, mas costumava retornar com frequência. Mesmo longe, não esquecia as praias de Alagoas, a gastronomia, as reuniões festivas com os amigos, a cultura popular e os pontos de encontro da boemia. Era sempre a saudade que o fazia voltar.
Como experiência particular, a relação com a memória varia de acordo com cada um e estará sempre relacionada a impressões sensoriais à jornalista Milena Andrade, publicada na GRACILIANO nº 7. Quando perguntado do que teria saudade em Maceió, o alagoano respondeu: “Do desaparecido. Da minha infância. Não é nem saudade, é lembrança. Lembranças até obsessivas”. Quando o assunto é a memória de algo doloroso, Lêdo Ivo foi
Como toda memória implica passagem de tempo, o poeta e revisor alagoano Sidney Wanderley costuma “visitar” a Viçosa de sua infância – sua cidade natal – por meio das lembranças: “Estamos sempre voltando pra casa. O outro nome de casa é memória. O outro nome de memória é ontem, infância e,
no meu caso, Viçosa. Não exatamente a Viçosa que dista 85 km de Maceió, mas a que resiste revolta e menina na crosta e no manto de meu peito. Não a Viçosa que inventaram e onde nasci, senão a que inventei e fiz nascer. Uma cidade (cama, teta, regaço, afago e aconchego) para consumo próprio e exclusivo. Uma cidade de todos e, paradoxal e concomitantemente, uma cidade só minha e de mais ninguém”, declara. A historiadora Janaina Amado, que sempre fez da memória sua matéria-prima por dever de ofício, é objetiva quanto ao conceito: “A memória serve para dar identidade às pessoas, povos, sociedades, culturas. É o conjunto de memórias que nos faz ser o que somos, individual e coletivamente. Alguém com amnésia total logo pergunta: ‘Quem sou? Onde estou?’”, declara. Já o poeta e professor universitário Fernando Fiúza recorre à literatura para definir a capacidade de guardar momentos já vividos: “Para que serve a memória? Pra tanta coisa. A primeira é nos distinguir dos animais, se bem que os gatos e cachorros têm um tipo de memória. Por exemplo, é o cachor-
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LEMBRANÇA
Para ilustrar as ideias sobre memória discutidas aqui, trazemos os poemas Cidade, de Sidney Wanderley, e Animais, de Fernando Fiúza. Em ambos, a prova de que as lembranças serão sempre muito particulares.
CIDADE
Sidney Wanderley Cidade, cada um inventa a sua. Há quem a descreva rubra, negra, lilás, gris, solar, repleta ou despovoada, punhal ou regaço – quase sempre encoberta pela densa pátina que enevoa a memória ou pelas cores febris da fantasia. Cidade é tão só um jeito de se ver e de ver-se, um jeito de esquecer e de lembrar.
ANIMAIS
Fernando Fiúza Um cardume de agulhas me segreda que ouro é luz e nada mais; a borboleta azul fugiu da selva e foi saber do mar no cais. Meus cavalos passeiam no passado – melados e macios quartais – na beira da lagoa, no vão do pasto, no sonho, nos canaviais. Extravagante, galo-de-campina, patativa, papa-capim, ferreiro, não, ferreiro mais doía que cantava, canário, sim. A maldição de Poe, manca e perfeita, de berço e graça: Berenice – adorava perfumes, a siamesa – quando parti morreu de triste. Hoje me restam cobras e lagartos, famintas mariposas e morcegos – meus bichos todos mortos no cercado da memória também morta de medo.
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ro de Ulisses que o reconhece quando volta à Ítaca. Mas o processo de síntese só o homem é capaz. Só o passado existe; o presente já passou (é passado), e o futuro é um desejo. Mas a memória empregada na literatura é involuntária, Proust aprendeu isto com Bergson”, diz. Dono de uma memória privilegiada, Fiúza afirma que evita revisitar lugares e rever pessoas do passado para não interferir nas lembranças: “Não cultivo a memória, ela é que me cultiva, anda atrás de mim. Tenho facilidade de lembrar cenas, cheiros, rostos, números, datas, principalmente, mas dificuldade para nomes de pessoas, o que me causa às vezes embaraço. Prefiro não voltar aos lugares da infância, prefiro guardá-los na memória como eram. Não gosto de encontros celebrativos com colegas, o que se cultiva bastante em Maceió. Às vezes relendo um livro, cuja primeira leitura foi na juventude, imagino escrever uma autobiografia só com citações, pois elas dizem o que me interessava naquele momento inaugural. Por exemplo, recentemente reli Otelo, de Shakespeare, o que não fazia há 30 anos, e relendo o que sublinhei, veio-me claramente o que pensava da vida naquele momento. Guardo todas as cartas que me mandaram, tenho um armário com
elas, mas nunca as reli. Pesa-me jogar papel fora. Não tenho problema para lembrar, mas para esquecer. Já fui amaldiçoado por ter memória demais. Pessoas às vezes têm medo de falar ou fazer coisas na minha frente porque sabem que lembrarei, isso desde criança”. O autor dos livros O Vazio e a Rocha, Tira Prosa e Alagoado não guarda boas lembranças da infância e da adolescência. Para
no César Cavalcanti, a memória serve, também, para alertar-nos que nem tudo precisa ser armazenado: “A memória é fundamental para construir o presente e para a projeção do futuro. Logo, ela não pode ser tomada como uma espécie de apego ao passado. Nesse sentido, é inevitável recorrermos à memória. Mas, por outro lado, uma de suas funções é, inclusive, nos lembrar a necessidade de esquecer. É um
A memória é fundamental para construir o presente e para a projeção do futuro. Logo, ela não pode ser tomada como uma espécie de apego ao passado Bruno César Cavalcanti | Antropólogo
ele, não há um sabor especial em relembrar o passado. “Não idolatro a infância, não a acho a idade de ouro, nem a adolescência. Fui asmático e sofri por um ano de steocondrite nos joelhos, o que me impediu de jogar bola e andar de bicicleta. Minha vida melhorou a partir dos 20. Acho meio ridículo ficar idolatrando o passado, é masoquismo. A vida é perda, só resta resignarmo-nos com tão dura verdade”, declara Fiúza. Na opinião do antropólogo e professor universitário Bru-
aparente paradoxo esse, mas que chama a atenção sobre o excesso de memória como algo que pode ser prejudicial à vida, à inovação. Claro, é importantíssima a tarefa de lembrar, de rememorar o vivido, o passado, de preservar lembranças, sentimentos, conhecimentos, técnicas etc. Também não podemos esquecer que a função de rememorar não é estática, ou seja, reconstruímos constantemente as nossas leituras do passado através da memória, quer se trate da memória individual quer, notadamente, da
memória social”. Para ele, nem sempre o passado é reconfortante. Não raro, é uma passagem para lembranças ruins, memórias dolorosas: “Visitamos o passado por diferentes razões e dimensões. Por um lado, há o passado de nossa própria trajetória, a nossa vida. Nessa dimensão, não sei se se trata sempre de uma ‘visita’ propriamente, daquilo que evocamos como saudade, por exemplo, pois, afinal de contas, o passado muitas vezes nos perturba, é ele que visita-nos sob a forma de problemas, de fixações, de traumas etc. Por outro lado, posso dizer que visito o passado social e cultural com frequência, e por dever de ofício, numa atividade profissional de estudos. Nesse caso, é algo distinto do passado individual, das referências que nos são caras e constituintes, tenhamos com elas uma relação harmoniosa ou conflitante, não é mesmo?”, diz. Seja qual for a forma com que cada um lida com a memória, o fato é que ela é o elemento definidor de nossa identidade. Por isso, para o bem e para o mal, lembrar é e sempre será uma capacidade preciosa, que torna ainda mais fascinante a nossa aventura sobre a Terra.
PERFIL
VOCAÇÃO PARA A ARTE Aos 88 anos, a atriz, cantora e escritora alagoana Anilda Leão guarda na memória as transformações culturais de Alagoas nas últimas sete décadas ROBERTO AMORIM
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Anilda Le達o, a mulher que desafiou o conservadorismo alagoano
Anilda Leão em apresentação da peça Onde Canta o Sabiá, estreada em 1956, em que contracenava com Linda Mascarenhas e grande elenco
No último Carnaval, lá estava ela no palco do Baile de Máscaras dos Seresteiros da Pitanguinha. Fantasiada, animada e falante, Anilda Leão chega aos 88 anos com a felicidade dos que aceitam, enfrentam as dificuldades e cumprem bem a sina de ser artista. Atriz, poeta, cantora e contista, Anilda começou cedo na vida artística. Aos 13 anos, Linda Mascarenhas (1895-1991) convocou a talentosa jovem para cantar no Teatro Deodoro numa festa da Federação Alagoana pelo Progresso Feminino. “Em público, as pernas tremiam e tive de encostar-me ao piano. O público me dava pânico, mas venci a timidez e fui até o fim, sendo abraçada e aplaudida com muito entusiasmo. Dias depois, os jornais teciam co-
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mentários a respeito da jovem que cantava com tanta beleza a valsa Bodas de Prata, em artigos de Luiz Lavenère e padre Hélio Lessa”, conta Anilda, com a emoção da saudade do tempo das descobertas culturais. Como atriz de teatro, a estreia veio na década de 60 na peça regional Bossa Nordeste, dirigida por Lauro Costa. Sua atuação rendeu o prêmio Revelação Artística. Nos espetáculos seguintes ganhou a experiência para começar enfrentar o cinema e a televisão. Na lista de trabalhos audiovisuais estão Lampião e Maria Bonita, da Rede Globo, quando contracenou com Tânia Alves e Nelson Xavier; o especial Órfãos da Terra, também da Globo; Bye Bye Brasil, de Cacá Diegues; Memórias do Cárcere, de Nelson
Pereira dos Santos, com Carlos Vereza e Glória Pires; além de curtas-metragens alagoanos do cineasta Almir Guilhermino. Mulher de palavra firme e ideias de vanguarda, Anilda não se contentava apenas com o palco e os aplausos. Queria sempre ir além. Não demorou a se engajar na luta pelos direitos das mulheres e na valorização dos artistas locais. Não se importava em sacudir os rigorosos costumes da sua família. Sempre trilhou o caminho da liberdade e, desde menina, foi do lado contrário das regras, proibições, tabus e preconceitos. “Parece até que eu tinha prazer em fazer certas coisas, como se quisesse com isso acordar, sacudir o jeito de ser de minhas irmãs, acomodadas, quietas e tão submissas às pressões da época. Certa vez, disse a elas que, se chegasse aos 25 anos sem casar, procuraria um homem simpático, de boa saúde, para ter com ele os meus filhos. Elas arregalaram os olhos, abobalhadas com mais essa”, lembra a mulher que só viria a ter o primeiro filho aos 28 anos, depois de casada com o poeta Carlos Moliterno, num parto “sofrido, escandalosamente gritado”.
A coragem, as inquietações sociais e a sensibilidade artística a levaram para a literatura e instituições como o Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Mulher, Federação Alagoana pelo Progresso Feminino, Departamento de Assuntos Culturais da Secretaria Estadual de Educação, Instituto Histórico e Geográfico de Alagoas e a Academia Alagoana de Letras. “Admiro a atriz, a mulher cidadã, mas a escritora me fascina. Pertence a esse grupo de mulheres que têm opinião própria, que olham para si mesmas e dizem: eu sou. Assim a descobrimos, autêntica e verdadeira ao narrar a infância travessa, a adolescência rebelde, a descoberta do primeiro amor e sensação de sentir-se mulher, o amor adulto e amadurecido por Moliterno, o desafio do casamento, a viagem à União Soviética, sua relação com a música, o teatro, o cinema e, sobretudo, com a literatura”, diz Enaura Quixabeira Rosa e Silva, também membro da Academia Alagoana de Letras. REGISTROS DE MUITOS TEMPOS Nas memórias lançadas em 2003, Eu, em Trânsito, Anilda Leão reafirma o seu amor não só a vida, mas o modo livre e ousado de viver. Não encontrou barreira intransponível e ao longo dos anos confirmou a vocação para intelectual polivalente,
multifacetada e, principalmente, engajada. “Amo tanto a vida que nem paro para pensar na morte. Nem mesmo quando estive por vezes hospitalizada. Sinto-me criança diante da vida. Brinco com as crianças como se fosse uma delas. Tenho uma alegria imensa de viver e não adianta o tempo passar, eu não sinto o peso da idade. Sempre quis ser eu mesma, e o meu mundo sempre se estendia para além dos domínios domésticos. Foi assim, quando menina, e continuei pela vida, sofrendo pela ousadia, inclusive por não fazer entender aos outros o meu modo de ser”. Hoje, a saúde fragilizada a impede das andanças nos teatros, reuniões da Academia Alagoana de Letras e visitas à legião de amigos poetas, atores, artistas plásticos, músicos e admiradores. A dança também ficou em segundo plano, o que lhe causa um misto de nostalgia e tristeza. “Amo intensamente a dança e nem sei se gosto mais do que de cantar. Na verdade, tanto cantando como dançando, sinto vibrar dentro de mim uma sensação gostosa de vida, de amor, de alegria, de todas as emoções bonitas que passam a existir no ser humano”, diz Anilda, que nunca teve medo de se aventurar por diversos ritmos, com ênfase no tango. “Dançando, certamente acordo dentro de mim a cigana que fui em outros tempos, ou séculos
Anilda Leão (segunda da esq. para a dir.) recebendo homenagem no 8º Baile dos Seresteiros da Pitanguinha, em Maceió
passados, com certeza”. Tanta intimidade com o universo artístico atrai gente de todas as idades para longas conversas na simpática casa no bairro do Farol. Anilda não gosta do papel de conselheira, apenas, como costuma dizer, conta suas experiências, os anos de amor com o poeta Carlos Moliterno e se energiza com os relatos dos mais jovens. E arremata: “Venci muitas batalhas nessa vida, algumas que aconteceram ainda na adolescência, outras naquela fase que deveria ser a melhor quadra na vida de uma mulher, porém nunca perdi a esperança de sair vencedora. As alegrias são fáceis de recordar e até desejar que voltem a acontecer. Mais importante, porém, é relembrar as tristezas sem mágoas, pois esse sentimento é danoso para o corpo e para a alma”.
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REPORTAGEM
A REBELIÃO DOS PINCÉIS Ousado e provocador, o Grupo Vivarte nasceu e morreu combatendo tudo o que ameaçava a liberdade de criação
ROBERTO AMORIM
Obra de Dalton Costa, um dos integrantes do grupo Vivarte, corrente artística que nasceu em Alagoas nos anos 1980
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Em qualquer conversa informal, palestra, debate ou pesquisa acadêmica sobre a produção pictórica alagoana nos últimos 100 anos, a palavra Vivarte está presente e, não raro, às vezes se torna o cerne da questão. Não à toa, o movimento artístico nascido da insatisfação com a rigidez da tradição cultural dominante em Maceió até
dade. Suas obras não seguiam os cânones da época. A direção seguida era o diálogo com as tendências experimentadas em diversas partes do Brasil desde a Semana de Arte Moderna de 1922. Antes do Vivarte, Alagoas se mantinha alheia e blindada contra a ebulição de ideias provocativas e questionadoras. São
Maceió, principalmente a das artes visuais, a entrar em uma nova fase do seu processo histórico. A justiça a eles ainda está por ser feita”, afirma Ricardo Maia, autor da dissertação de mestrado Um Grupo Chamado Vivarte – Um estudo dos espaços de autoposicionamentos minipolíticos na organização retrospectiva vivartista, defen-
Michel Rios
Os vivartistas marcaram uma geração, mudaram comportamentos e ajudaram esta Maceió, principalmente a das artes visuais, a entrar em uma nova fase do seu processo histórico Ricardo Maia
o começo da década 1980 ainda hoje é combustível para acaloradas discussões; referência e inspiração para o surgimento de novas propostas de ruptura nas artes visuais. Enquanto se manteve de pé, o chamado Grupo Vivarte se transformou em polo catalisador de pintores à margem das exposições oficiais da ci-
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os “cavaleiros” do Vivarte os primeiros a usarem os pincéis para tentar, de forma organizada, consciente e sistemática, desafiar o conservadorismo arraigado no poder econômico, político e religioso das tradicionais famílias alagoanas. “Os vivartistas marcaram uma geração, mudaram comportamentos e ajudaram esta
dida em 1999 na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Ele sabe muito bem o que está dizendo. Seu conhecimento da causa vai além dos livros. Ricardo Maia estava presente na histórica reunião da noite de 15 de junho de 1984, quando a artista Maria Amélia Vieira convocou outros artistas para se unir
Obra de Ricardo Maia. O artista era um dos principais entusiastas do movimento
e “combater tudo o que ameaçava a liberdade de criar”. Ela tinha acabado de chegar do Rio de Janeiro e começava a colocar em prática o hábito de discutir, coletivamente, o que estava sendo produzido, as tendências do mercado local e as perspectivas do eixo Rio-São Paulo. Além dela e Ricardo Maia, participaram do encontro Dalton Costa, Manoel Viana, Edgar Bastos e Edmilson Salles. A conversa só terminou por volta das cinco horas da manhã e os seis voltaram para casa com a certeza de continuidade. Eles nem imaginavam que, em pouco tempo, o grupo seria reforçado com a adesão de artistas e intelectuais e se tornariam os protagonistas do movimento artístico que deu um soco no marasmo das artes visuais e marcou profundamente
a história da produção pictórica alagoana. “Era uma época de escassez criativa. Os artistas não inovavam e o mercado era dominado pelas ‘madrinhas das exposições’. O Vivarte nasceu para mostrar que existiam outros caminhos e revelar talentos ignorados pelas regras da pintura clássica europeia, que predominavam em Alagoas”, conta Maria Amélia, que se tornou espécie de porta-voz e personagem referência do vivartismo. RUPTURA DAS REGRAS DA PINTURA CLÁSSICA EUROPEIA
Atraídos pelo caráter democrático, os artistas do Vivarte tinham duas regras básicas: inovação artística e liberdade de fazer e ouvir críticas que ajudassem no processo de ruptura
com a forma vigente de pintar, expor e discutir arte num Estado ainda dominado pela imensidão das plantações de cana-de-açúcar, os costumes e a cultura enraizada em torno dessa monocultura. Durante os quase 18 meses de vida, o Vivarte contabilizou 27 reuniões sistemáticas e itinerantes. A cada sexta-feira, um artista abria a casa ou o ateliê para a rodada de discussões. Desnudo de vaidade e receptivo aos julgamentos, a cada noitada o grupo escolhia uma obra para análises construtivas. “Era uma espécie de pequeno laboratório sociocultural na Maceió artística dos anos 80, onde se tentava observar diversas formas de criatividade ou de vida artística. Havia grandes talentos em potência e em potencial, e era preciso dar atenção a todos”, diz o
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Vanessa Mota
Os artistas Maria Amélia e Dalton Costa, que também integraram o Vivarte
professor universitário Ricardo Maia, que se tornou o mais entusiasta dos participantes. Ele está sempre pronto para ressaltar a importância do Vivarte através de artigos acadêmicos,
to), que reúne dez artigos do psicanalista Lincoln Villas Boas publicados em jornais da cidade. Em um dos textos, Villas Boas sintetiza o raio de alcance do Grupo Vivarte: “Entre quatro
O grupo nasceu para mostrar que existiam outros caminhos e revelar talentos ignorados pelas regras da pintura clássica europeia, que predominavam em Alagoas Maria Amélia | Artista plástica
projetos de pesquisa e palestras. Em agosto de 2006, por exemplo, organizou o livro Testemunhos do Vivartismo – Escritos da Intervenção Cultural na Maceió-artística da Pintura (116 páginas, editora Cataven-
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paredes, os vivartistas são videntes e áugures, pois ninguém percebeu antes até que ponto a miséria, e não apenas a miséria social, mas da mesma forma a artística, a cultural, a miséria dos interiores, das razões de
foro íntimo, das coisas escravizantes e escravizadas, é capaz de se transformar em niilismo revolucionário. Eles são os guardiões do saber (...). São os alquimistas da revolução e partilham inteiramente o desconcerto de ideias, as ideias fixas dos alquimistas antigos”. A inquietude artística e corajosa do Vivarte fisgou não só artistas de estilos, ideologias, classes sociais e idades diferentes, mas também abrigava gente curiosa de outras esferas. Além do psicanalista Villas Boas, participaram das reuniões a museóloga Cármen Lúcia Dantas, o poeta Jorge Cooper e a professora e crítica de arte Célia Campos. Todos queriam saber o que os artistas estavam tramando para sacudir a cena local da
Obra de Maria Amélia Vieira
pintura. As assinaturas nas atas das sessões só aumentavam. Na heterogênea lista estavam
total, obras de 13 artistas estampavam novas maneiras de representar o real. “A mostra é
O meu trabalho ficava mais contemporâneo a cada reunião. Todos queriam encontrar novas possibilidades e o Vivarte servia como seta Dalton Costa | Artista plástico
nomes como Lula Nogueira, Valéria Sampaio, Irene Duarte, Rosivaldo Reis, Fernando Bismark e Paulo Caldas. Juntos, fazem a primeira exposição coletiva no dia 17 de agosto de 1984 no hall da Caixa Econômica Federal. No
apontada pela imprensa como uma rebelião passiva contra o marasmo pictórico que domina há anos as telas dos artistas de Alagoas”, registra Celia Campos, no livro Uma Visualidade (Ed. Escrituras), que também ressalta o Vivarte como sendo
o grupo de artistas de mais longa duração na história das artes em Alagoas. O EMBATE ENTRE O FIGURATIVO DOMINANTE E O ABSTRACIONISMO PROVOCADOR Passados quase 30 anos, o espírito ousado e provocador parece não ter abandonado boa parte dos cavaleiros do Vivarte. Mesmo tendo mudado de trincheira, a maioria garante seguir as mesmas convicções solidificadas nas reuniões ocorridas entre junho 1984 e julho 1985. Rosivaldo Reis é um deles. A encarnação do espírito libertador do grupo estremeceu
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Obra de Paulo Caldas: para ele, o cenário das artes visuais em Alagoas está elitizado
sua sólida formação clássica na escola de Pierre Chalita. Com o antigo mestre, aprendeu o domínio do figurativo e ganhou passe livre para o circuito oficial das artes plásticas, garantindo a venda dos seus trabalhos e os elogios dos que dominavam o circuito de artes plásticas em Maceió.
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Mas, lembra o artista, não conseguia ficar sossegado, dormir tranquilo. Para ele, algo estava errado ou faltando. “Na época, estava cheio de vontade de experimentar, ousar, descobrir. Os encontros do Vivarte foram o espaço ideal para dar vazão à minha inquietude criativa, que dura até hoje graças
àquelas reuniões. Talvez sem essa experiência eu não tivesse tomado os rumos que tomei. Quando o Vivarte acabou, ficou um vazio coletivo que dura até os dias atuais”. O impacto do Vivarte na carreira da artista Valéria Sampaio não foi menor. Recém-chegada do Rio de Janeiro, trazendo um diploma da Escola de Belas Artes e muitas ideias, ela foi arrebatada pelos princípios do novo movimento artístico. Era o terreno fértil buscado para desenvolver sua tendência hiper-realista de pintar. Se não fosse o Vivarte, atesta Valéria, talvez tivesse caído no marasmo e no conformismo artístico que tomava conta de Maceió na década de 1980. “Sozinha eu não teria forças para fazer o que fiz e o que ainda ando fazendo. O Vivarte foi um movimento transformador. Meus trabalhos continuam com o mesmo espírito liberto e ousado daquela época”. Críticas ao grupo não faltaram e vinham de todos os lados, como lembra Maria Amélia: “Nós éramos bombardeados e boicotados o tempo todo. Muita gente deixou de falar conosco.
Obra de Edgar Bastos: já falecido, o artista também participou do movimento
Mas as pessoas que criticavam o grupo não participavam das reuniões e não sabiam o que acontecia lá. Era simplesmente o medo do novo”. O vivartista Dalton Costa não hesita em afirmar que sua produção traz fortes marcas daquela convivência artística. Assíduo frequentador das reuniões, presenciou e participou de muitas “brigas”. “O meu trabalho ficava mais contemporâneo a cada reunião. Todos queriam encontrar novas possibilidades e o Vivarte servia como seta. O resto ficava a cargo de cada artista”. Ricardo Maia analisa que o caráter permanente de inovação não foi abandonado pelos ex-participantes. “As intervenções vivartistas e as influências decorrentes delas foram
muitas, e quase todas ainda estão para serem percebidas e reconhecidas”. Aos 75 anos, o experiente artista Fernando Bismark diz nunca ter visto um movimento tão forte quanto o Vivarte. Animado com a união dos artistas em torno das ideias de mudança, chegou a fundar a Associação dos Artistas Plásticos de Alagoas, empreitada que não durou muito tempo, mas, segundo ele, foi um belo momento para as artes plásticas no Estado. “Já fui diretor de galeria e sei bem como a individualidade e a vaidade atrapalham a união dos artistas. É justamente por ter conseguido trabalhar a coletividade que o Vivarte tem lugar garantido na nossa história”. Outro artista de anos de batente, Paulo Caldas não faz
esforço para esconder o pessimismo em relação ao cenário das artes plásticas em Alagoas. Para ele, a situação só piora: o circuito de exposições e vendas está mais restrito e elitizado, as galerias fecharam e os artistas não conseguiram mais se mobilizar depois do Vivarte. Caldas também não economiza críticas a gente que participou ativamente do movimento. “Hoje é cada um por si. Muita gente que criticava os poderosos da arte daquela época, hoje está na mesma posição e não quer saber de transformação”. Para ele, o mais importante do Vivarte foi ver cerca de 30 artistas discutindo, trocando ideias e planejando estratégias para melhorar as condições para se viver de arte aqui. “Levei minha experiência e recebi
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Obra de Paulo Caldas
muita informação nova. Acho essa troca muito significativa para todos que participaram”. O FIM DO VIVARTE E O SURGIMENTO DAS CRUZADAS PLÁSTICAS Pouco mais de um ano após o início das entusiasmadas reuniões, os vivartistas começam a se dispersar e mudaram de rumo. O grupo se enfraquece e se desmancha. Já cambaleando, a última ação do Vivarte foi a exposição coletiva na Pinacoteca Universitária, em 29 de julho de 1985. Mas as lições não seriam esquecidas. Pelo contrário. Dois anos depois, os ex-vivartistas Paulo Caldas e Ricardo Maia iriam reunir os artistas em torno da chegada do abstracionis-
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mo em chão alagoano. Eles convocaram os vanguardistas para montar uma exposição coletiva chamada Cruzada Plástica. A exposição ocorreu em 12 de março de 1987, na extinta Galeria Miguel Torres. A 1ª jornada da Cruzada Plástica é intitulada de A Nova e Novíssima Pintura Alagoana, tendo a participação de novos nomes, como Lael Correa, Silvano Almeida, Álvaro Brandão e Ricardo Santana, além de muita gente do Vivarte, como Dalton Costa, Lula Nogueira, Edgard Bastos e Maria Amélia Vieira. No catálogo da mostra, Ricardo Maia afirma que o novo acontecimento nas artes plásticas de Alagoas “é fruto culturalmente colhido das ideias-estéticas semeadas pelo Vivarte no seu tempo fenomenal de exis-
tência (quase um ano e meio de reuniões!)”. As Cruzadas Plásticas ganham mais duas edições com grande repercussão na crítica e imprensa local. Para a pesquisadora Celia Campos, “o resultado final da agitação criada por manifestos, exposições e discussões no meio artístico, embora as exposições terminem bruscamente no início de 1988, é o lançamento de artistas jovens e a rearticulação histórica da produção pictórica alagoana”. E conclui: “A retrospectiva do ano de 1987 indica, portanto, não somente o ano de abertura da pintura alagoana a novas tendências artísticas; mas, parece indicar, principalmente, o momento exato da maturação de uma nova consciência artística iniciada nos primeiros anos da década”.
Obra de Dalton Costa
Obra de Lula Nogueira e Ricardo Maia
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ARTIGO
Portal do Porto de Embarque, local de entrada e saĂda de pessoas e mercadorias, em JaraguĂĄ
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MACEIÓ: DA ELEVAÇÃO A VILA ÀS TURBULENTAS PRIMEIRAS DÉCADAS REPUBLICANAS DOUGLAS APRATTO TENÓRIO*
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Praça D. Pedro II, no Centro da capital alagoana. À esquerda, Catedral Metropolitana de Maceió. No canto direito, prédio da Assembleia Legislativa de Alagoas
Como fazer um retrospecto da trajetória de Maceió em seus primeiros momentos de formação? Do século 19 ao início do século 20, quando se consolidou como capital e como infante metrópole? Creio que a sua certidão de batismo começa com a elevação à categoria de vila, um sonho de há muito acalentado pelos habitantes. Pelo alvará régio de 5 de dezembro de 1815, deu-se a esperada promoção, sendo-lhe doadas 7 léguas de costa desmembradas do distrito da antiga Vila de Alagoas. No ano de 1817 o ouvidor Batalha deu-lhe a maioridade, proclamando-a oficialmente como vila independente, calculando-se que tinha naquela ocasião cerca de 5 mil pessoas, pois a contagem realizada em 1825 registrou a existência de 9.109. Em 1833, nova promoção.
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O termo de Maceió era elevado à comarca. EMANCIPAÇÃO POLÍTICA E SUBLEVAÇÕES Por ocasião da emancipação política de Alagoas, Maceió não tinha a importância de Alagoas do Sul e de outras cidades como Penedo e Porto Calvo, mas já se fazia notar o seu florescimento. Nos embates que se seguiram à independência do Brasil, em 1822, o pequeno burgo já mostrava a vocação irredenta. Sua manifestação em favor da autonomia nacional era contundente. Portugueses e aliados não tiveram trégua. Em 1831, por exemplo, após abdicação de d. Pedro I, preocupada em retornar o Brasil à condição de colônia, uma multidão revoltada atacou um quartel de artilharia, apo-
derando-se de todo armamento e munição. Liderava a população o padre Francisco Badaia Rego, político e agitador popular que dirigia o jornal Federalista Alagoense. A sublevação conseguiu contagiar outras vilas. Exigia-se a demissão e a retirada de todos os portugueses das terras alagoanas. As manifestações antiportuguesas, verdadeira lusofobia, foram intensas em Maceió. Estes procuravam abrigos em suas casas, onde se trancavam, e buscavam refúgio nas matas e nas igrejas. Uma delas, a de Jaraguá, foi palco de lamentáveis acontecimentos, no trágico episódio que ficou conhecido como “mata-marinheiro”. As sequelas da transferência permaneceram por muitos anos. A imprensa recentemente desenvolvida acompanhou os ru-
mos do processo, engajando-se em um dos lados litigantes. O jornalismo iniciante era panfletário e porta-voz de governistas
Sinimbu, do outro por Tavares Bastos, incendiando a opinião pública. Na verdade, um choque entre clãs e oligarquias que não
Por ocasião da emancipação política de Alagoas, Maceió não tinha a importância de Alagoas do Sul e de outras cidades como Penedo e Porto Calvo queriam perder o poder político. Quando do início do funcionamento do Legislativo, provisoriamente instalado na Igreja do Rosário, houve uma séria crise. Em seguida, em 1844, quando o governo liberal nomeou
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e oposicionistas. As lutas pelo poder entre as duas facções se deram com disputas acirradas, como o conflito entre Lisos e Cabeludos, que gerou nova rebelião. Eram liberais e conservadores, liderados de um lado por
Bernardo Souza Franco presidente da província, no rodízio partidário que era comum no Império, nova sedição estourou em Maceió. Revoltosos entraram na nova capital e deu-se o combate em Bebedouro. Os sediciosos tomaram Maceió e Souza Franco refugiou-se num navio que estava ancorado em Jaraguá. Prometeu anistiar os rebeldes e fazer concessões, mas os combates continuaram na capital até que reforços vindos de Pernambuco conseguiram restabelecer a ordem. Outros movimentos sacudiram Maceió, onde a fermentação política sempre foi uma constante. Na Guerra dos Cabanos, no movimento dos Quebra-quilos, no recrutamento de
Avenida da Paz, onde situa-se a Praia da Avenida. À época, era a praia mais movimentada da cidade. À esquerda, o Palacete Arthur Machado, onde hoje funciona o Museu Théo Brandão
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Vista da ponte de embarque e desembarque do antigo Porto de Maceió. À frente, a Estátua da Liberdade, na Praça Dois Leões
voluntários para a guerra do Paraguai, na campanha abolicionista ou na campanha republicana, mais adiante. A CIDADE E OS ESTRANGEIROS
Apesar da turbulência política, Maceió atraía estrangeiros que passavam ou aqui se fixavam para fazer lucrativos negócios. Os ingleses, que tiveram a hegemonia dos negócios internacionais, participaram ativamente da vida local com seus investimentos. Trouxeram hábitos que se incorporaram à nossa herança, como futebol, a religião reformista e a modernização do comércio, e chegaram a ter um cemitério, perto do hoje canal Salgadinho, onde se enterravam os súditos de sua majestade britânica. Outros povos europeus emigraram para cá, como espanhóis, italianos e franceses, aqui se radicaram e constituíram famílias, deixando descendentes
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e alguns costumes de seu país. Chegamos a ter vários consulados e legações diplomáticas em Jaraguá. Alguns se foram logo, mas permanecem registradas em diários de viagens suas impressões, como Robert Avé Lalement, Mary Graham e Daniel Kidder. Este último assim descreveu a cidade: “Mesmo a mais bela ilha dos Mares do Sul dificilmente apresentaria aspectos mais pitorescos que o Porto de Maceió. A praia se alarga terra adentro, em semicírculo. A areia tem a alvura da neve e parece ter sido branqueada pelas espumas que as ondas atiram incessantemente sobre ela. Um pouco atrás, plantada sobre o flanco de uma colina, eleva-se a cidade, habitada por quase três mil almas...” De todas elas, a influência inglesa foi a mais poderosa. A sede da Estação Ferroviária, antiga Alagoas Railway, é uma
reminiscência desse período áureo. Mas a preeminência britânica entre nós, se trouxe benefícios, foi também um agente da política de dominação mansa e exploração sutil – o imperialismo econômico. Casas inglesas incentivavam e tutelavam o comércio. Maceió tinha navegação direta e regular com portos europeus como Liverpool, Falmouth, Gibraltar, Alexandria e Londres. O predomínio dos gêneros de exportação em detrimento dos gêneros alimentícios – cujo cultivo era posto de lado, provocando o aumento dos víveres básicos – causava dificuldades nas classes mais desfavorecidas, não vinculadas aos lucros das atividades de exportação. Por isso, a população ironizava com uma rima engraçada: “Não se pesca mai de rede não se pode mai pescá, qui já sube da notiça qui os ingrês comprou o má” INDÍGENAS E NEGROS A capital passa a ser cada vez mais multiétnica com a revolução comercial e a chegada de novos povos, vindos do Velho Mundo. Se os brancos europeus
gava em seu território. Em consequência, o elemento negro aqui estava, na cidade, nos distritos, nas fazendas. Na região norte, em lpioca e mesmo na região lagunar, algumas pequenas unidades de fabricar açúcar faziam parte da economia. Eram engenhos como o de Garça Torta, o dos familiares de Floriano Peixoto e o Boca da Caixa. A quantidade de escravos
número era bem maior. Quando, em meados do século 19, Maceió já contava com 53 ruas e povoações e arrabaldes em torno do seu perímetro urbano, a povoação de Ipioca, por exemplo, que fazia parte da freguesia de Maceió, mas era unidade independente, destacava-se por ter uma alta taxa de escravos: 3.326 deles para 10.668 homens livres, segundo
excedia, no Censo de 1870, em mais de 12% a da população livre. Ora, se naquele ano, já consolidada em sua função de centro administrativo ligado ao setor de exportação, ainda havia esse percentual, é de se imaginar que nos anos e séculos anteriores o
Tomaz Espíndola. Entre estes últimos contavam-se os alforriados, ou seja, aqueles que tinham conseguido comprar ou obter a liberdade. Lembremo-nos da mão de obra escrava como força de trabalho responsável por toda ri-
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pretendem esquecer as raízes nativas com seus modismos e distanciar-se das culturas indígena e negra, a força das nossas raízes resiste e se manifesta de várias formas, a começar pelo vocabulário e indo até a culinária, a música e todas as vertentes culturais. É absolutamente imperdoável falar da composição racial e da cultura maceioense e esque-
Rua do Comércio, no Centro de Maceió
cer a presença negra. Apesar da vocação portuária, industrial, Maceió teve o papel vanguardista de agente da urbanização tardia de Alagoas plenamente inserido na formação na chamada civilização senhorial, em função dos engenhos que abri-
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Fachada da tipografia Tavares Irmão & Cia, no bairro de Jaraguá, que se tornou, à época, o centro comercial de Maceió
PRIMEIRAS TRANSFORMAÇÕES URBANAS
queza produtiva e também das atrocidades do sistema escravista. A despeito da condição de escravo – que o limitava na medida em que lhe era arrancada a liberdade de transmitir
painho, mainha, netinho, filhinho? Da pimenta malagueta, do inhame, das lendas, da música, todos impregnados da nossa negritude? Nas ruas da capital, os negros
Tudo o que a nova era mundial apresentou de mais significativo podemos encontrar em Maceió dessa época, tendo como vitrine privilegiada o seu bairro portuário, convertido em city financeira na plenitude os valores da sua cultura –, a herança negra se faz presente em nossa vida na cultura, no vocabulário, nos hábitos alimentares, na dança, no folclore, no esporte. Foi além do processo de miscigenação, tão visível nos rostos dos nossos conterrâneos. Quem não gosta dos carinhosos diminutivos
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de ganho vendiam refrescos, guloseimas, anunciavam seus ofícios e, por força de uma formação histórica errônea que se perpetuou depois da abolição, continuaram como a grande parte da população excluída, abrigada nos bairros inóspitos e mais distantes, carente dos elementos básicos de cidadania.
Trapiche da Barra, Poço, Bebedouro, Comércio e Mangabeiras se consolidavam como áreas urbanas no período de grandes transformações que foi a segunda metade do século 19 e que tinha como epicentro Jaraguá, “porto e porta” dessas mudanças, como bem disse o poeta Lêdo Ivo. A era de melhoramentos materiais – que se abria para o Brasil e alterou o cenário urbano nas províncias – foi vivida pela capital alagoana com intensidade. A implantação do primeiro ramal ferroviário, com seis quilômetros, ligando a ponte de desembarque de Jaraguá ao Trapiche da Barra, em 25 de março de 1868 – e depois um outro, que ia da Rua do Livramento até Bebedouro -, foi a arrancada da chamada modernização da capital alagoana. Tudo o que a nova era mundial apresentou de mais significativo podemos encontrar em Maceió dessa época, tendo como vitrine privilegiada o seu bairro portuário, convertido
em city financeira, e o centro comercial: ruas iluminadas por lampiões a gás, calçamento das ruas principais, ponte de ferro de desembarque do porto, rede telegráfica, jardins nas praças, casas bancárias e seguradoras, navegação a vapor, trem e as principais repartições públicas instaladas em prédios sólidos e vistosos como o Consulado Provincial, Alfândega, Repartição do Selo, Capitania do Porto, Assembleia Legislativa, Palacete do Barão de Jaraguá – onde hoje funcionam o Arquivo e a Biblioteca Pública – Delegacia Fiscal etc. Navios de várias bandeiras zarpavam com regularidade do nosso porto principal levando algodão, açúcar, madeira, carne, couro, coco, azeite de mamona e gêneros exóticos como sebo em rama, vinhático, óleo de copaíba, paina de barriguda. Em compensação, o comércio foi inundado de artigos de lã e seda, tecidos de algodão, azeite de oliva, vinhos, ferragens, drogas medicinais, bacalhau, cigarros, brim de linho, chapéus franceses, chitas percalinas, chapéus de sol e paletós de casimira. Um acontecimento que marcou aquela época foi a visita do imperador d. Pedro II a Maceió, quando, acompanhado da imperatriz d. Teresa Cristina, em 31 de dezembro de 1859, presidiu a solenidade de inauguração da atual catedral e hospedou-se no palacete do barão de Jaraguá, ficando sua passagem marcada
com um monumento na Praça Pedro II. ABOLIÇÃO E INÍCIO DA REPÚBLICA Maceió, mais cosmopolita, acompanhou a intensa campanha abolicionista que redundou na libertação dos escravos em 13 de maio de 1888. As ideias libertárias eram defendidas na imprensa, em jornais como O Lincoln, Gazeta de Notícias, O Gutenberg e Correio de Maceió e instituições como o Instituto Histórico, fundado em 1868 na esteira das mudanças, e grêmios corporativos. O movimento contrapunha-se à resistência dos fazendeiros do interior, que não queriam perder o que investiram na compra dos negros
designado primeiro governador de Alagoas no novo regime. Mas o início republicano foi de muita turbulência política na capital. Pedro Paulino renunciou, Gabino Besouro foi destituído e o barão de Traipu também enfrentou sérias dificuldades. Ao governo tenso de Manuel Duarte sucedeu Euclides Malta, que inaugurou uma fase de tranquilidade, mas que ficou marcada como era oligárquica. Diz-se com muita propriedade que o século 20 começou realmente em 1912, com a derrubada de Euclides Malta e o advento das chamadas Salvações, liderado por Clodoaldo da Fonseca. Nos dias agitados, onde Maceió era uma verdadeira praça de guerra, houve um episódio triste: a perseguição aos terreiros da religião afro, uma espécie de inquisição
O movimento contrapunha-se à resistência dos fazendeiros do interior, que não queriam perder o que investiram na compra dos negros – que sustentavam, com o nefando instituto da escravidão, a economia local. A capital igualmente apoiou o movimento republicano que foi vitorioso em 15 de novembro de 1889, no Rio de Janeiro, chefiado por um ilustre alagoano, o marechal Manoel Deodoro da Fonseca. Seu irmão, Pedro Paulino, foi
alagoana. Violência, prisões, tiros, comícios e manifestações aconteceram com a população participando daquele movimento político. A morte do secretário do Interior e do estudante Bráulio Cavalcante, homenageado com uma praça onde hoje funciona a OAB, são tristes recordações da época.
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Clube Fênix Alagoana, ponto de encontro da sociedade maceioense
Os terreiros voltariam a funcionar anos depois com os seus muitos adeptos. Por outro lado, os católicos tiveram a alegria de ver a sua Diocese criada pelo papa Leão XIII, em 2 de julho de 1900, e a inauguração do prédio do Seminário quatro anos mais tarde. Outras religiões, como o kardecismo – que apareceu no fim do século 19 – e as chamadas igrejas reformadas se implantaram em Alagoas. Estas últimas com notável crescimento: Batista, em 17 de maio de 1885; Presbiteriana, em 11 de setembro de 1887 e a Assembleia de Deus, em 1910.
urbe moderna e incontestável centro político, econômico e administrativo. O alargamento das ruas, o surgimento das praças onde se reuniam os munícipes, deixando a reclusão de suas casas, e a construção do Palácio Floriano Peixoto, do Teatro Deodoro e do
URBE MODERNA: A BELLE ÉPOQUE
Tribunal de Justiça, em prédios monumentais, marcaram o ingresso de Maceió na chamada belle époque. Tempos urbanos, por excelência. Endireitavam-se as velhas vias cheirando a peixe frito, a tapioca, a arroz doce, vendidos nas esquinas em tabuleiros enfeitados por negras trajando vistosos xales
A capital alagoana, que no fim do século 19 ainda media forças com algumas cidades interioranas, como a aristocrática Penedo e a lacustre Pilar, consolidou-se definitivamente no início do século como
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e turbantes. Agora eram cavalheiros de chapéu coco e bengala postados solenemente nas calçadas, à porta da Maison Elegante, da Casa Zanotti, da High Life, da Casa Eugene Goestchel ou do Café Colombo. As damas não dispensavam coletes, mantilhas ou pequenos leques. Maceió ganhou até um hipódromo, o Prado Alagoano, que mais tarde se chamaria Jockey Clube e que deu origem ao bairro do Prado. Dançava-se nos intervalos das corridas de cavalos, ao som de conjuntos e orquestras. Apareciam os clu-
Maceió, estuário dos sonhos de grande parte da população alagoana, não oferece a todos suas benesses bes de futebol, CSA e CRB, outra novidade. O cinema atraía a atenção, mudo inicialmente, com músicos a entreter os frequentadores. Multiplicavam-se as sociedades recreativas, como o Clube Fênix, a Terpsychore Jaraguaense, o Montepio dos Artistas. Maceió, mais suscetível às novidades, ia abrindo
a maioria da população, a casa de tijolo e alvenaria era artigo inacessível. Ela constrói seus abrigos como mocambo de pescadores, em Pajuçara e Ponta da Terra ou, mais adiante, às margens da lagoa, ou nas encostas de Bebedouro. Próximo às áreas de movimento, como o embarcadouro da Levada, Jaraguá ou do Centro, em cortiços, galpões de madeira subdivididos internamente entre numerosas famílias que superlotam os cubículos e brigam por qualquer motivo. Gente sofrida, mestiça, descendente de escravos e índios, precocemente envelhecida, que lava e faz biscates para sobre-
viver. Eles são os clientes habituais do Asilo de Mendicância, as vítimas das altas taxas de mortalidade e doenças mentais. Pagavam pesado tributo a enfermidades como tuberculose, varíola, cólera, gripes; uma delas, a espanhola, trazida dos campos de batalha da Europa, dizimou milhares de maceioenses. A capital alagoana mudava com o novo século, inseria-se na bela época com sua beleza e miséria, ora em ritmo lento, ora mais veloz, mas sempre com o pensamento voltado para as mudanças surgidas no mundo e as novidades republicanas. *historiador e vice-reitor do Cesmac
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brechas na sociedade agrária, adotando inovações e tomando carona nas mudanças que o século 20 ia oferecendo. Nem tudo era festa. As senzalas tinham sido oficialmente extintas, mas permaneceu bem vivo o poder da casa-grande, a segregação nas relações sociais. A belle époque não chegara para todos, assim como as promessas igualitárias da república. Maceió, estuário dos sonhos de grande parte da população alagoana, não oferece a todos suas benesses. O mundo dos despossuídos não estava nos belos sobrados, entre os elegantes senhores de fraque, nos costumes refinados. Para
Palácio Marechal Floriano Peixoto, um dos marcos da transformação arquitetônica de Maceió
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Os cantores e compositores Macleim e Nelsinho Braga, participantes do 3º Festival Universitário de Música
CONEXÕES SONORAS A música desempenha papel fundamental quando se fala em memória. No decorrer dos séculos, a história do mundo desenha-se não apenas através de documentos e imagens, mas também por meio da criação musical. Compositores, cantores e instrumentistas têm
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o poder de captar o espírito de uma época e eternizá-lo. Um exemplo disso está na relação entre música e contestação, vivida pelo Brasil em plena ditadura militar, especialmente nos anos 60 e 70. Por outro lado, visitar as lembranças permite conhe-
cer as raízes da nossa música, seja através do chorinho ou das orquestras. Nesta edição, apresentamos quatro artigos sobre o tema. Em cada um, o relato particular de quem viveu a emoção de encontrar na música um bom motivo para trazer de volta o passado.
ARTIGO
NO RUMO DA MEMÓRIA MACLEIM*
Existe um momento no qual damos de cara com a nossa vocação. Este é um momento único. Bem diferente daquele em que descobrimos nossa aptidão, ou, como queiram, dom. Quando a vida nos concede esta dádiva, temos um instante de escolha, uma decisão a ser tomada. Não raro, carece certa dose de coragem para fazermos a opção pelo rumo a ser seguido, o desvio de rota necessário para toda uma vida. Quando, de fato, me deparei com o que considero ser minha vocação, corria os idos do século passado, no fim dos anos 70 e começo dos anos 80. Foi o palco sagrado do Teatro Deodoro que me deu o norte, a noção exata do meu propósito neste plano. Acontecia o III Festival Universitário de Música, o III FUM, patrocinado pelo DCE/Ufal. Cursava um dos últimos períodos de Arquitetura na Universidade Federal de Alagoas (Ufal) e, como diz a canção, “aquela altura, arquitetura era uma loucura”. Ainda vivíamos sob um regime político ditatorial, com pessoas sendo seques-
tradas, torturadas e mortas nos porões do aparato repressivo do regime militar. Lutávamos pela esperança de uma abertura democrática, onde a livre expressão, enfim,
ra vez, me vi no palco do Teatro Deodoro como um dos concorrentes do III FUM, defendendo o xote, de minha autoria, Sem Remédio e sem Doutor. Não precisei de engajamento
O cantor e compositor Ricardo Mota (ao centro) acompanhado dos músicos José Brandão (violão), e Manoel Viana (à dir.), que apresentavam a música em prol da campanha pelo voto direto para presidente da República. A canção não concorria à premiação
prevaleceria sem ter de passar pelo carimbo da censura. Foi nesse clima que, pela primei-
político-partidário – aliás, nunca tive e nunca terei – para perceber que aquele era o momen-
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to propício em que eu poderia, através da minha música pueril, posicionar-me ideologicamente e, ao mesmo tempo, tentar agregar à arte algo reflexivo e pertinente ao contexto social no qual vivíamos. Mas, claro, este era e é um ponto de vista meu, uma opção de cunho estritamente particular. Foi o que preferi fazer naquele momento, ao invés da suposta alienação pela qual alguns dos meus colegas, à época, optaram. Aliás, diga-se de passagem, todos com absoluto sucesso. Faço essa contextualização porque, em entrevista recente
Doutor, que está no disco do Festival – relançado em 2009 –, entre outros fatos pitorescos, me rendeu uma convocação para prestar esclarecimentos ao departamento de censura da Polícia Federal (PF), responsável pela liberação, ou não, das canções que seriam gravadas. Pois bem, o refrão do xote diz: “E chora fio, chora muié /e vem dizer que é Deus que qué /e me abuso sei que não é/se tá na cara que é coisa dos coroné”. A pronúncia, cantada, é exatamente a mesma que está grafada. Portanto, “coroné” não é o mesmo coronel de patente,
A música agora faz parte de um contexto histórico muito mais relevante que o seu significado ou pretenso valor musical a um programa de televisão local, um compositor contemporâneo desses festivais, capciosamente, deu a entender que o engajamento político dos compositores – com o que se convencionou chamar de “música de protesto” – era algo bitolado e que a opção pelo discurso alienado é que seria artisticamente inovador. É evidente que não vou discutir aqui o mérito dessa questão, apenas pontuo e não faço coro. O engajamento ideológico da canção Sem Remédio e sem
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não tem o mesmo significado. Fui bem recebido pelo agente da PF que, cordialmente, me pediu para sentar e até me ofereceu um cafezinho. Eu ainda não tinha lido O Capital nem o Manifesto Comunista, de Karl Marx, e nem precisava para entender o significado da ação do poder econômico sobre o proletariado. Eu vinha de Murici, vivi o tempo todo cercado pelas usinas de cana-de-açúcar e suas relações esdrúxulas com os trabalhadores. Conhecia de perto a exploração desumana, a cruel-
dade e arrogância dos usineiros e seus asseclas. Recordo-me que me preparei para a rebordosa na PF. No entanto, para minha surpresa, o agente foi direto ao assunto: “A que coronel o senhor se refere nessa letra? Da Marinha, do Exército ou da Aeronáutica?”. Bem, nem lembro mais qual foi mesmo a minha resposta. Porém, lembro-me, como se fosse hoje, que fiz um esforço tremendo para não cair numa gargalhada incontrolável, diante de tamanha besteira. A canção foi liberada, gravamos no LP do festival, e agora faz parte de um contexto histórico muito mais relevante que o seu significado ou pretenso valor musical. Porém, Sem Remédio e sem Doutor não foi a única a passar pelo crivo da censura. Aliás, acho até que foi a música de mais fácil liberação. Principalmente, se levarmos em consideração que a canção Raízes, do Chico Elpídeo e Eliezer Setton, que tratava da volta dos exilados, de tão polêmica, gerou um quiproquó dos infernos. Provocou até um infarto no conselheiro Roberto Pompeu de Souza (ABI), durante uma acalorada discussão, quando este defendia a liberação da música em uma sessão do Conselho Superior de Censura, em Brasília. Esse fato teve repercussão nacional em todos os noticiários das TVs, à época. Eram tempos difíceis, mas tínhamos objetivos, tínhamos criatividade e uma efervescên-
O cantor e compositor Carlos Moura, um dos finalistas do festival
cia cultural pulsante. Tínhamos ideologia para viver, aliás, como bem provocou e sintetizou Cazuza, tempos depois. Tínhamos também, já como consequência do Festival Universitário, o Beira Banda da Lagoa. Provavelmente, a primeira banda híbrida de Alagoas, que fazia uma mistura de rock e MPB. Nelson Braga, Jatiúca e eu – todos alunos do curso de Arquitetura –, fizemos do Beira Banda um prolongamento do Festival Universitário, com as mesmas esperanças e devaneios de quem goza os arroubos da juventude e decide, utopicamente, dar os primeiros passos concretos por este universo apolíneo, tão difícil e ao mesmo tempo prazeroso. Assim, sem o mínimo de
planejamento futuro e estrutura material, gravamos o que também deve ter sido o primeiro compacto duplo (veja como as coisas são cíclicas: hoje temos o CD, que bem poderia ser abreviação de compacto duplo) de uma banda alagoana. Bem, eu permaneço fiel – às vezes um tanto relapso – àquela trajetória de vida que me foi apontada pelo III Festival Universitário de Música da Ufal. Não tenho do que me arrepender. Caminhei e não me deixei enferrujar, cruzei fronteiras levando e sendo levado pela música que faço. Com ela e por ela conheci lugares e pessoas afins, aqui e alhures. Hoje, temos uma relação tranquila e eterna, que me per-
mite continuar tentando deixar um rastro. Eu seria mesmo um péssimo arquiteto se a música, generosamente, não houvesse me cooptado para um mundo que me leva a outros mundos. No entanto, usei régua e compasso – parafraseando o Gil – não para erguer edifícios, mas, sobretudo, para traçar o esboço da minha sina. Para isso, simplesmente, um pentagrama me foi suficiente delinear. A partir daí, a vida que escreva a melodia que me cabe e que foge ao meu alcance. Porém, sei que a origem está naquele Festival Universitário dos idos de 80, que foi grafitado no muro da capa do LP e, agora, sobrevive tatuado em minha existência. *é compositor e cantor
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ARTIGO Os músicos Zé Armando (voz e violão), Zé Barros (violão), Felix Baigon (baixo), Tony Batera (bateria) e Luciano (flauta), durante participação no 3º Festival Universitário de Música, realizado em Maceió
O “CANTO CHÃO”
DO 3º FESTIVAL UNIVERSITÁRIO DE MÚSICA
EDBERTO TICIANELI*
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Em meados dos anos 70, após o período mais repressivo da ditadura militar, os estudantes foram os primeiros a voltar às ruas, lutando por democracia. Mesmo ainda recebidos com cassetetes e bombas de gás lacrimogêneo, foram persistentemente retomando seus espaços. Nos campi universitários e nas escolas, mesmo com o
1962 lançou um compacto com quatro músicas, também tem essa marca. Para o DCE Ufal 81/82, da gestão Avançar na Luta, a decisão de voltar a realizar um festival não foi fácil. Aliada à falta de experiência, não havia segurança entre os diretores sobre como lidar com a censura exercida pela Polícia Federal (PF).
Em Alagoas, após terem sido interrompidos no final dos anos 60, os festivais foram retomados em 1982, pelo DCE da Ufal Decreto-Lei nº 477 tentando intimidar os estudantes e professores, os enfrentamentos ocorreram e o direito da livre manifestação foi reconquistado. Assim ressurgiram os festivais, para colocar o “cantando” ao lado do “caminhando”. Em Alagoas, após terem sido interrompidos no final dos anos 60, os festivais foram retomados em 1982, pelo Diretório Central dos Estudantes (DCE) da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), que conseguiu o feito histórico de gravar um LP com as 12 músicas finalistas. Esse disco tem a particularidade de ser o único LP (Long Play) produzido no Brasil por uma entidade estudantil. Só o Centro Popular de Cultura (CPC) da União Nacional dos Estudantes (UNE), que em
A dúvida era se cumpriríamos todas as exigências deles ou faríamos de conta que estávamos cumprindo e iríamos para o enfrentamento realizando um festival livre. A solução foi encaminhar as inscrições e esperar a reação da PF para tomarmos as
nossas posições. Quando, em abril de 1982, foram encerradas as inscrições, surgiu o primeiro problema: as quase 200 músicas inscritas ultrapassavam as expectativas e inviabilizavam a possibilidade de todas se apresentarem para julgamento. A saída veio com uma pré-seleção. Um júri especial foi montado e, noite após noite, todas foram ouvidas, a partir de um gravador conectado ao sistema de som do auditório da reitoria. Assim, foram selecionadas 60 músicas, 15 para cada uma das quatro semifinais. O número de músicas inscritas já anunciava que o festival não poderia mais ser tratado como mais um evento do DCE. A intensa mobilização das torcidas fez com que redefiníssemos o local das apresentações, trocando o auditório da reitoria pelo Teatro Deodoro. Outra iniciativa, provocada pela dimensão que o festival tomou, foi colocar à disposição dos selecionados uma
Capa do LP desenhada por Ênio Lins, com registros das músicas apresentadas na 3ª edição do Festival Universitário de Música, realizado em 1982. O disco foi o primeiro feito por uma entidade estudantil no Brasil
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O cantor César Rodrigues,intérprete da canção Canto Chão
banda base, que ensaiava numa sala do Clube Português. Tendo a mesma banda como base, se ganharia tempo nas mudanças das apresentações das músicas durante as semifinais. Quando tudo parecia definido, a direção do Teatro Deodoro informou que a velha estrutura do teatro não suportaria a lotação máxima, o que era previsível acontecer com o acesso gratuito. Depois de muita negociação, resolveu-se que haveria cobrança de ingressos e se limitaria a ocupação ao espaço térreo. Nas quatro noites em que foram realizadas as eliminatórias, muita gente, sob protesto, teve de acompanhar o festival do lado de fora. Para evitar mais descontentamentos, resolvemos realizar a final no Ginásio do CRB,
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na Pajuçara, que não tinha uma boa acústica, mas recebeu bem as mais de duas mil pessoas que aplaudiram a vitória da canção Canto Chão. Essa final foi transmitida, ao vivo, pela Rádio Gazeta. A CENSURA Com o festival ganhando repercussão, entendemos que já existiam condições de enfrentarmos a censura. Enviamos à Polícia Federal as cópias das 60 semifinalistas e, enquanto aguardávamos a liberação, encaminhamos a divulgação já com os nomes de todas as músicas concorrentes. A PF nos chamou a depor e nos avisou que não podíamos divulgar nada enquanto eles não autorizassem. Continuamos
normalmente com a divulgação. Com a aproximação do dia da primeira semifinal, voltamos ao Departamento de Censura para sabermos a situação das músicas e notamos que eles estavam segurando a liberação para inviabilizar o festival. No último momento, nos informaram que algumas músicas seriam vetadas em parte e uma delas não poderia ser executada. Como não haveria tempo hábil para mudanças, eles esperavam que o festival não acontecesse. Na primeira semifinal, lá estava, nos bastidores do Teatro Deodoro, o policial censor acompanhando tudo o que se fazia e se dizia no palco. Com o anúncio das músicas, ele percebeu que iríamos desrespeitar a censura e ameaçou paralisar o festival. Era o momento esperado, em que saberíamos se a ditadura militar estava disposta a enfrentar o desgaste de ter de impedir um festival universitário. Jogamos duro e desafiamos o policial a subir no palco e anunciar as músicas que não poderiam ser apresentadas. Ele recuou e saiu do local afirmando que iria procurar o seu superior para tomar as providências. Continuamos com as apresentações e ficamos aguardando uma possível ação policial. Nada aconteceu. Encerrado o festival, teve início o processo de gravação do LP. O DCE acertou com a Rozenblit, em Recife, que o disco seria gravado nos fins de semana, pe-
ríodo em que todos os músicos podiam participar. A gravação durou meses e só foi possível pelo esforço dos músicos, que saíam direto dos bares e restaurantes onde trabalhavam, para um ônibus. Passado o período de gravação, vieram os problemas para a prensagem dos discos. Era preciso uma autorização do De-
mais absoluto segredo. De tempos em tempos, por segurança, havia uma mudança de esconderijo, e novamente se organizava sigilosamente o transporte dos discos. Somente no dia 25 de fevereiro de 1983 foi que o Conselho Superior de Censura liberou a música Canto Chão para ser gravada. A decisão nº 28/83 foi
Na primeira semifinal, lá estava, nos bastidores do Teatro Deodoro, o policial censor acompanhando tudo o que se fazia e se dizia no palco partamento de Censura da PF, coisa que, obviamente, eles não deram. Apelamos para a instância regional, em Recife, que também negou a autorização. A última chance era no Conselho Superior de Censura (CSC), em Brasília, que agia muito lentamente. Enquanto aguardávamos a decisão do CSC, com muito jeito conseguimos convencer a Rozenblit a adiantar a prensagem dos discos, com o compromisso de só distribuí-los após a liberação da censura, sob pena de prejudicar a empresa. Com os mil discos nas mãos e temendo a sua apreensão, montamos uma verdadeira operação de guerra para transportá-los para Maceió e escondê-los sob o
publicada na página 30, seção 1 do Diário Oficial da União (DOU) de 4 de março de 1983. O fato que marcou essa decisão foi a defesa contundente da liberação da música feita pelo conselheiro e jornalista Roberto Pompeu de Souza, então presidente da Associação Brasileira de Imprensa – ABI. A veemência do jornalista o levou a sentir um mal-estar cardíaco, sendo socorrido em um hospital local. Esse episódio ganhou o noticiário de vários jornais de circulação nacional, o que terminou por criar uma pressão favorável à liberação do disco, que foi distribuído já na gestão 82/83 do DCE Ufal. Em 2006, o disco foi digitalizado em São Paulo e, em 2009, a
Ufal distribuiu mil cópias do CD, que tem uma nova faixa com o pronunciamento de abertura do festival em 1982. São essas as músicas do disco: Canto Chão, de José Edson, César Rodrigues e Francisco Elpídio; Sebo nas Canelas, de Pedro Rocha Fortes; Matança do Boi, de Antônio Carlos; Sem Remédio, sem Doutor, de Macleim C. Damasceno; Allea Jacta Est, Antônio Carlos; Samba da Ilusão, de João Melo e Zailton Sarmento; A História da Concha do Mar, de Nelson Braga; Raízes, de Francisco Elpídio e Eliezer Setton; Renegados, de José Gomes Brandão; Legião dos Condenados, de Ricardo Mota; Vai e Vem, de Maria Amélia Pessoa e Tentação, de Francisco D. Nunes e Izabel Brandão. Após o 3º Festival Universitário de Música, o DCE Ufal ainda realizou outros, mas sem gravar discos. Eles não tiveram a mesma dimensão do festival de 1982, que foi o desaguadouro da produção musical universitária represada. Com o enfraquecimento da censura e o fim do regime militar, em 1985, também deixou de existir a motivação política de se cantar a liberdade e denunciar o arbítrio, tirando dos festivais o seu discurso mais importante. Para mim, que era o presidente do DCE de 1981/82, o festival foi uma das realizações mais gratificantes da minha passagem pelo movimento estudantil. *ex-secretário estadual de cultura
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ARTIGO
O compositor e instrumentista carioca Pixinguinha, autor de músicas como Carinhoso e Lamentos, é considerado o maior nome do choro
AQUI, PIXINGUINHA E OUTROS CHORÕES MARCOS DE FARIAS COSTA*
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Há indícios de atividade chorística aqui em nosso Estado, pelo menos, desde 1922, quando ocorreu a Semana da Arte Moderna, coincidentemente o ano em que Pixinguinha e seu grupo Oito Batutas estiveram em Maceió e também excursionaram a Paris e Buenos Aires. Infelizmente, a passagem desses artistas ainda não foi devidamente avaliada, sobretudo pela escassez bibliográfica acerca da
anos antes: “Cantava o moleque de rua, do Trapiche da Barra à Mangabeiras, da Pajuçara ao Bebedouro, da Levada ao Alto do Farol. Assobiava o colegial despreocupado. Cantarolava a moça nos seus afazeres caseiros.” O depoimento do escritor carioca corrobora que havia movimentação musical em Maceió, nas primeiras décadas do século 20. E, bem antes, atesta o grande sábio e historiador vi-
violinos, flautas, violões (grifo meu) e violas.” Se onde há fumaça há fogo, do mesmo modo, onde tem violão há prenúncio de atividade musical. Moacir Sant’Ana, em sua preciosa História do modernismo em Alagoas (Maceió: Edufal, 1980) relata que “A vinda do conjunto Batutas Pernambucanos, despertou enorme entusiasmo na província, a ponto de suscitar seguidores e imitadores.” É
O grupo Oito Batutas (foto), do qual Pixinguinha fez parte, esteve em Maceió em 1922, mesmo ano em que excursionou a Paris e Buenos Aires
música popular alagoana. Mas é ponto pacífico que o choro ganhou adeptos entre os compositores alagoanos. Um cronista da época, Sales Cunha, carioca que residia em Maceió desde 1919, em seu livro Aspectos do folclore alagoano (Rio de Janeiro; 1956), comenta, rememorando sua vida aqui, 37
çosense Alfredo Brandão, havia vida musical intensa, mesmo quando ainda dependíamos de Pernambuco. Em suas deliciosas Crônicas alagoanas (Maceió: Casa Ramalho Editora, 1939), reportando-se à vida social nos velhos tempos coloniais, afirma o cronista: “Ainda não havia os pianos, mas os moços tocavam
ainda Moacir Sant’Ana a nos informar que, em 1923, no dia 20 de setembro, apresentou-se no palco do Teatro Deodoro o conjunto Choro Flor do Abacate, “composto de oito elementos da terra” ao que, de imediato, a imprensa local apelidaria de 8 Batutas Alagoanos, naturalmente reportando-se ao grupo recifen-
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A dupla de cantores, compositores e humoristas Jararaca e Ratinho, autores do choro Dolorosa Saudade
se. Informa ainda Moacir que no repertório constava um choro intitulado Anjinho de Israel, sem dúvida a primeira composição alagoana batizada com este nome. Uma década antes, Maceió fora palco de inúmeros grupos de dançarinos de maxixe, a dança excomungada, segundo o pesquisador Jota Efegê, e até
síssimo relato: a estrela Bela Zazá interpretara no Cinema Floriano, a 15 de março de 1916, o samba O Azeite, talvez a referência mais antiga a este ritmo carioca apresentado em Maceió, na mesma data da criação do Pelo Telefone, que é oficialmente o primeiro samba brasileiro, de autoria de Ernesto dos
Outro nome importante do choro em Alagoas é o do maestro Fon-Fon, autor da música
fomos brindados pela presença da famosa (e formosa) artista Alda Garrido, hoje brutalmente esquecida. E citaremos mais uma vez o historiador Moacir Sant’Ana, que nos faz um curio-
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Santos, o Donga. E consta como de 1927 o “sambinha” Sanhaço, do alagoano Antonio Passinha. Podemos extrair destas informações que o samba e o choro, desde as primeiras décadas do
século 20, faziam parte do imaginário musical alagoano. Numa relação de compositores de choro jamais seria esquecido o nome de Jararaca, parceiro de Ratinho em Dolorosa Saudade (1929), na voz de Augusto Calheiros ou de Lula (1930), peça musical interpretada pelo próprio Jararaca. O pesquisador carioca Ary Vasconcelos refere-se a determinado flautista e compositor chamado Nola, possivelmente alagoano, nascido por volta de 1891, em Maceió, e falecido no Rio de Janeiro, provavelmente no ano de 1970, e que teria tocado com Pixinguinha. Falta comprovar se, de fato, Nola nasceu mesmo em Maceió, tarefa que sugerirei aos pesquisadores e curiosos presentes. Otaviano Romeiro, mais conhecido pelo apelido de Fon-Fon, filho de Santa Luzia do Norte, é outro nome respeitável, com seu belo choro Murmurando (1930), uma década depois associado à letra de Mário Rossi. A cantora Wilma Araújo, sempre afinada e de voz intimista, regravou esta obra-prima (no CD Beleza Delicadeza, 2006) de Fon-Fon, tão merecidamente inesquecível. Sadi Cabral foi outro composi-
tor a transitar pelo choro, como em Sapoti (1945) e Cachorro Vagabundo (1945), ambos em parceria com Davi Raw. O viçosense Zé do Cavaquinho, cuja obra recentemente ganhou registro em CD, escreveu jongos e choros, dominando bem os sortilégios do seu instrumento. E no município esquecido de Pão de Açúcar nasceu o compositor cego Manoel Bezerra Lima, que tocava violão de doze cordas, participou do conjunto Turunas da Mauricéia, e “foi considerado o maior violonista do Brasil” e que ao ouvir mestre Canhoto interpretar Abismo de Rosas, de improviso ele compôs Rosas do Abismo. Como referência cito Noite Alegre, deste músico cego que tirava melodia até do arame de uma cerca, antecipando a arte polimorfa do arapiraquense Hermeto Pascoal, autor de Chorando pra Ele. E temos instrumentistas de choro fora de Maceió, operando nos grandes centros, como João Lyra, Billy e Zé Barbeiro, ou multinstrumentistas que permaneceram na terrinha e aqui fizeram fama (felizmente ainda fazem), como Zaílton Sarmento e Wellington Pinheiro, que são choristas pra carioca nenhum botar defeito. Vale informar que o compositor e multinstrumentista João Lyra participou do CD Pisando em Brasa, tocando ao lado dos mestres Canhoto da Paraíba, Raphael Rabello, Paulinho da Viola e Bozó 7 Cordas. O próprio Bozó possui sangue
alagoano, pelo lado paterno. O violonista Yamandú Costa morou em Maceió alguns anos e, impregnado pela geografia sentimental de suas lagoas e da orla marítima da sensual Pajuçara, aqui veio a se interessar pelo violão. Ele mesmo afirma que seu dom de improviso foi assi-
nota de afogadilho, mas cito de memória os instrumentistas e compositores Everaldo Borges e José Cláudio da Silva (autor de Tarde em Pajuçara e Carícia de mulher), uma dupla que sabe executar com virtuosismo, seja no saxofone, na flauta transversal ou no clarinete. Outros no-
O músico alagoano Hermeto Pascoal, reconhecido mundialmente, autor da música Chorando pra Ele
milado em Maceió, não sendo alagoano por nascimento, mas gaúcho como Radamés Gnatalli, aqui recebendo o batismo de fogo de sua futura arte. Uma relação exaustiva e minuciosa de todos os chorões alagoanos demandaria um texto que não se encaixa nesta
mes exigem que sejam também referendados. No LP Convite (1981; homenagem ao sambista Juvenal Lopes, com arranjos do Grupo Chorinho Novo e o Quarteto Vozes), o flautista e piloto de avião Jorginho Quintela apresenta Chorinho Novo e José Gomes Brandão execu-
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ta seu Tributo a Abel Ferreira, sem esquecer Zaílton Sarmento, que participou com o chorinho Zé do Cavaquinho (Zaílton recentemente compôs o chorinho Tela Fria). Curiosamente, o grande sambista Juvenal Lo-
“Almeidinha”, cujos inspirados choros Dúvida, De brincadeira, Saudade, Por esse mundo afora, 13 Chaves e, sobretudo, De Passagem em Caravelas, foram registrados no CD Minha Vida (2000), e que mal nenhum faria
choros belíssimos registro aqui e agora Teimosia, Choro da Despedida (com Marcondes Costa) e Choro Desvalido, obras-primas de Ibys Maceioh. Alguns redutos de bambas e rodas de choro como o Bar do Milton e
Em Maceió, alguns redutos de bambas e rodas de choro estão em plena atividade, sendo frequentados por entusiastas, instrumentistas e intérpretes Ibys Maceioh, autor da canção Choro Desvalido, é considerado um dos maiores compositores alagoanos de choro em atividade
pes não compôs choro, mas era um sambista de qualidade. Não me consta que Antônio Paurílio (autor da sentimental polca Manuela) e Reinaldo Costa (compositor inspirado e grande violão 6 cordas) tenham escrito choros. De formação jurídica, mas com alma de chorão é o bandolinista Danilo Gama, juiz de direito aposentado, que registrou em CD seus sambas e chorinhos com muita propriedade artística, a exemplo de Arrojado. Esquecido andava o clarinetista e saxofonista José Almeida dos Santos, popularmente conhecido como
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se fosse reconhecido pelos seus patrícios. O abstêmio pistonista Edson Ferro teve um irmão de nome Valdomiro Ferro (ambos viçosenses), que era boêmio desbragado e farrista contumaz, morrendo jovem e nos legando um choro belíssimo, de nome Degenerado. Finalizando, não poderia esquecer o nome de Ibys Maceioh, sem dúvida um dos maiores compositores vivos de choros e sambas do Estado de Alagoas, parceiro de Zé Kéti e de outros monstros sagrados da música popular brasileira. Entre outros
o restaurante Cantoria estão em plena atividade, sendo frequentado por entusiastas, instrumentistas e intérpretes de primeira água. André Diniz, em seu livro Almanaque do Choro, cita a Choperia Orákulo, onde aos sábados pontifica o grupo Confraria do Choro e onde os frequentadores e apreciadores do gênero enchem generosamente a cara. O pianista Antonio Carmo tem a pegada clássica do chorista brasileiro, pois antes de dedicar-se de corpo e alma ao piano, estudando em Recife harmonia e técnicas de compo-
sição, conhecia bem as artimanhas e manhas do violão. O maestro Almir Medeiros e o jornalista Ricardo Mota — espécies de chorões bissextos — compuseram uma bela página intitulada De geração em geração, gravada em CD, na voz privilegiada de Kelly Rosa, cujo marido Sabata foi proprietário dos restaurantes Aroeiras e Gerações, onde o choro era o prato principal, aos sábados pela manhã ou diariamente, noite adentro. Kelly Rosa sabe cantar qualquer gênero musical com a mesma fluência, mas se consagrou como intérprete de chorinhos, onde imprime a exuberante personalidade artística. O psiquiatra e compositor Marcondes Costa fez o seu Chorinho Simples, na interpretação sentida e contida de Telma Soares, artista consagrada e conhecida como a “musa da bossa nova”, afinal é uma cantora que dispensa adjetivos. Percebe-se que o choro encanta e comove os músicos alagoanos da novíssima geração, despontando nomes e valores que darão continuidade ao mais complexo gênero instrumental do Brasil. Autor de valsas comoventes e chorinhos delicados é o violonista e compositor Robson Amaral Amorim, que morou quatro décadas em São Paulo, mas exala nordestinidade em suas músicas, sendo ele um recifense de pais alagoanos. Uma última referência não poderá ser esquecida: o compositor
alagoano Edinaldo Vieira Lima, codinome Índio do Cavaquinho. Sua trajetória é interessante. Estreou como músico em 1938, numa banda em Alagoas, em seguida foi para o Rio de Janeiro, já na década de 40, integrando
tamente, inscrevo meu próprio nome como autor do chorinho Tributo a Pixinguinha (tenazmente interpretado nas noites boêmias alagoanas pelo seresteiro e grande intérprete Agildo Alves), em parceria com o meu
O choro encanta e comove aos músicos alagoanos da nova geração, despontando nomes e valores que darão continuidade ao mais complexo gênero instrumental do Brasil a prestigiosa orquestra da Rádio Nacional. Gravou nos melhores selos: Polydor, Albatroz e Colúmbia, mas somente aos 76 anos conseguiu produzir o seu primeiro CD, pela Acari Records. São 16 composições, doze choros, um schottisch e três forrós, exclusivamente de sua autoria. Os músicos que o acompanharam são, todos eles, de primeira pana: Luciana Rabello, fazendo o cavaquinho de centro; Mauricio Carrilho, no violão de sete cordas e Celsinho Silva no pandeiro, entre outros participantes. Grupos como Chorinho Novo, Confraria do Choro, Cantoria, Companhia do Choro e Eterno Choro mantêm a chama viva e são prova cabal de que, desde o início do século, se faz boa música em Maceió e se continuará fazendo, a exemplo de outros estados brasileiros que capricham no gênero. Modes-
amigo Ibys Maceioh. Também de minha autoria é o choro Gerações, com arranjo de Zaílton Sarmento, que o executou ao piano, no CD Chorano (2006; bancado pela Chesf), homenagem às horas de intensa boemia farrista no bar de meu companheiro de copo Sabata, ex-proprietário do botequim-restaurante homônimo. O choro sempre teve excelente receptividade entre nós, embora não tenha sido, até o momento, objeto de estudo teórico sério por parte dos pesquisadores alagoanos. ABSORÇÃO ANTROPOFÁGICA
Dos ritmos urbanos que se foram fixando no Brasil, a partir do começo do século 20, o mais importante do ponto de vista musical é o choro, cuja origem
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O alagoano Otaviano Romeiro (ao centro), mais conhecido como Maestro Fon-Fon, acompanhado por seus músicos durante apresentação em Londres
remonta às três últimas décadas do século 19, ainda impregnado do visgo da polca (introduzida no Brasil pela porta de frente do Teatro São Pedro, em 1845) e outras manifestações musicais europeias, ganhando marcante identidade nacional a partir da adesão de grandes compositores como Joaquim Antônio da Silva Callado, Chiquinha Gonzaga, Anacleto de Medeiros, Patápio Silva, Viriato
cana, através de suas danças, cantorias e outros babados. Fator fundamental para a divulgação do choro, como também do samba e dos ritmos populares em geral, foi a invenção do fonógrafo por Charles Cross e Thomas Edison, e que daria, nas palavras do pesquisador Ary Vasconcelos, “um novo e assombroso impulso à nossa música popular”. Como esclarece José Ramos Tinhorão, “o
A invenção do fonógrafo foi um fator fundamental para a divulgação do choro, como também do samba e dos ritmos populares em geral Figueira da Silva, Ernesto Nazareth e outros, que, abrasileirando a oferta musical europeia, numa absorção antropofágica, exprimiram a alma lírica e sonora do Rio de Janeiro. Mas não esqueçamos que o choro também deve tributo à música afri-
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aparecimento do choro, ainda não como gênero musical, mas como forma de tocar, pode ser situado por volta de 1870”. Nesta época, havia uma grande efervescência musical e o Rio de Janeiro com seus pianos, onde dondocas prendadas marte-
lavam no teclado o dia inteiro, muitas vezes ofendendo os ouvidos dos viajantes e músicos autênticos, demonstrando que o barulho musical precisava ser contido pela nova arte sofisticada do choro. Havia uma grande concentração de músicos de qualidade e o novo gênero despontava e se consolidava. Mas não fosse pelo livro O Choro, de Alexandre Gonçalves Pinto (cujo cognome era “Animal”), publicado em 1936, nada saberíamos sobre inúmeros artistas e instrumentistas dessa fase heróica que despontava nos umbrais do Novecentos. ORIGEM DO TERMO A origem do termo “choro” suscita diversas interpretações, a começar pelo folclorista Câmara Cascudo, apostando que a palavra proviria de xolo, espécie de baile improvisado pelos escravos nas propriedades rurais e, aos poucos, se subvertendo em choro. Já o pesquisador Ary Vasconcelos entende que a origem decorreria dos choromeleiros, corporação de músicos e instrumentistas da época colonial, que executavam suas melodias em charamelas (instrumento de palheta, à maneira do clarinete) e, assim, gradativamente, os choromeleiros passaram a ser chamados de chorões, seguindo a lei linguística do menor esforço. José Ramos Tinhorão, um dos mais lúcidos historiadores
da MPB, desenvolve a tese que a expressão adviria da maneira melancólica de se executar as baixarias dos violões e a impressão causada nos ouvintes, pelas modulações desses instrumentos. O doublé de cavaquinista e pesquisador Henrique Cazes descarta todas essas interpretações, declarando que a tese de Tinhorão é infundada, pois as gravações de choro, até “por volta de 1907” careciam desta baixaria chorosa. Segundo Henrique Cases, “o violão ainda não era usado com a exuberância com que hoje estamos habituados”. Para Oneyda Alvarenga, musicista e dileta discípula de Mário de Andrade, muito se divulgou a expressão chorinho pela mania “luso-brasileira de usar e abusar do diminutivo”. Bom, sem salgar a feijoada, diríamos que choro, chorão, chorinho são expressões brasileiras que dizem respeito ao gênero musical instrumental (e popular, ou semipopular) mais harmonicamente rico do Brasil, que teve adeptos entre a música chamada erudita, como Heitor Villa-Lobos, autor de choros deslumbrantes e de harmonia sofisticada, e Francisco Mignone, com suas valsas de esquinas que não passam de chorinhos sutilmente disfarçados. Recapitulando, o choro começa como “forma de tocar”. Depois, com Pixinguinha, se consolida enquanto gênero (com três movimentos, embora o Carinhoso possua apenas dois), além da
Ao piano, Pixinguinha sendo observado por Vinicius de Moraes, seu parceiro em algumas composições
característica de modulação (que é um principio psicológico) e o corte rítmico para o fraseado livre da improvisação. O choro, ao ganhar letra, perde em substância e descamba no samba-canção, provocando a ira dos puristas. Quanto ao samba-choro, menos irritante aos ouvidos tradicionais, conseguiu alforria musical entre os radicais cultores do gênero. O choro passou por maus bocados nas décadas de 50-70, mas ressurgiu, com força total, a partir de 1975, com o grupo Os Carioquinhas, tendo à frente o extraordinário Rafael Rabello com o seu violão de 7 cordas. Daí
apareceram novas formações, como o Galo Preto e Nó em Pingo D’ Água, atraindo instrumentistas de peso, como Luiz Otávio Braga e Mauricio Carrilho. Para encurtar a conversa, diríamos que somente a partir da contribuição milionária de Pixinguinha o gênero se consolida como expressão musical, mas não devemos esquecer dezenas de outros autores que também contribuíram para modular a face do choro. Famosa ficou a frase do compositor e maestro gaúcho Radamés Gnattali: “Choros, só os de Pixinguinha!” *é escritor, compositor e livreiro
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REPORTAGEM
A DINASTIA DAS SOCIEDADES MUSICAIS EM ALAGOAS Tradição das bandas e filarmônicas remonta aos tempos da visita de d. Pedro II a Piaçabuçu, numa trajetória secular de sacrifícios e paixão pelo ofício de músico ROBERTO AMORIM
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Orquestra Filarmônica Santa Cecília, de Marechal Deodoro, um dos principais grupos em atividade no Estado
Tércio Capello
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Banda de música Guarany, de Pão de Açúcar, comandada pelo regente Petrúcio Ramos
Num dueto bem ensaiado, Valmir Santos, 16 anos, e Janeclécia Silva, de apenas 12, contam muitas histórias aos turistas que chegam ao município de Piaçabuçu em busca do passeio até a foz do Rio São Francisco. Enquanto os visitantes tiram fotos, eles disparam: “Grande produtor de coco e maior banco natural de camarões do Nordeste, Piaçabuçu tem sua história ligada à exploração do São Francisco. Através dessas águas, o imperador dom Pedro II chegou para visitar a nossa pequena vila” , conta Janeclécia, passando a palavra para Valmir. “Foi uma festança como nunca se viu na região. Mataram mais de 100 bois e as ruas foram lavadas com perfume. A banda de mestre Euclides recebeu instrumentos novos vindos de
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Penedo e tocou durante todo o tempo”, diz Walmir. Descontados os exageros da imaginação dos jovens guias turísticos, os registros da tradição musical na cidade começam com a passagem de sua majestade, como documentou Abelardo Duarte no livro Dom Pedro II e Dona Teresa Cristina nas Alagoas, publicado em 1975 e reeditado em 2010 pela Imprensa Oficial Graciliano Ramos/ Cepal: “Receberam-me com laços de diversas cores atados em varas e músicas de rabecas e outros instrumentos. Piaçabuçu que, ainda há pouco, foi criada freguesia, tem bastante casas, porém a maior parte de pau a pique e cobertas de sapé”, anotou d. Pedro II em seu diário sobre a viagem pelo Rio São Francisco até a cachoeira de Paulo Afonso.
O episódio real de Piaçabuçu é o mais emblemático da secular tradição das filarmônicas espalhadas pelo território alagoano. É impressionante a resistência e a renovação dessas sociedades musicais. Elas têm sido responsáveis pela formação de várias gerações de músicos com destaque dentro e fora do Estado. Mas a trajetória musical em alguns lugares nem sempre tem final feliz. Cidades como Viçosa, Palmeira dos Índios, Arapiraca, Santana do Ipanema e Rio Largo deixaram morrer suas tradicionais filarmônicas. Nem mesmo Maceió resistiu ao descaso dos governantes e, na década de 80, abandonou e viu definhar a Orquestra Filarmônica de Alagoas, formada por músicos profissionais de várias partes do Estado
e que tinha como sede o prédio do Teatro Deodoro. No caminho inverso, cidades às margens do Rio São Francisco e das lagoas Mundaú e Manguaba seguem firme como polos de resistência musical. O exemplo mais notório é o do município de Marechal Deodoro, abrigo das famosas Filarmônica Santa Cecília – em ação desde 1910 – e Sociedade Musical Carlos Gomes, fundada em 1915. A “trilha sonora” alagoana é extensa e também passa por Coqueiro Seco, Santa Luzia do Norte, Traipu, Piaçabuçu, Pão de Açúcar, São Braz e Piranhas. Em
deixou de cumprir o papel de escola livre de música, verdadeiro conservatório do povo. Notadamente, em pequenas cidades interioranas, desenvolve importante trabalho educativo e social, propiciando oportunidade de uma vida mais digna a centenas de jovens carentes”, afirma o pesquisador Wilson Lucena, provavelmente a pessoa que mais detém o saber da trajetória das filarmônicas em solo alagoano. Segundo ele, a “época das filarmônicas” em Alagoas começou em 15 de agosto de 1876, com a fundação, em Maceió, da
A banda de música ainda é a mais antiga instituição ligada à criação e à preservação da tradição musical brasileira Wilson Lucena | Historiador
cada um desses lugares existe o esforço quase solitário de maestros dispostos a manter viva a música iniciada no século passado. Entre eles estão Petrúcio Ramos, Antônio Basílio e mestre Silvestre. Não são raras as vezes em que tiram dinheiro do próprio bolso para consertar instrumentos, comprar partituras e fardamento para dezenas de iniciantes. “A banda de música ainda é a mais antiga instituição ligada à criação e à preservação da tradição musical brasileira. Nunca
Sociedade Recreio Filarmônico dos Artistas, regida pelo ortodoxo maestro Valério Pinheiro. Depois surgiu a Sociedade Filarmônica Minerva, comandada pelo maestro Benedito Silva, o “Benedito Piston”, autor do hino de Alagoas. “A partir daí, no período compreendido entre o último quartel do século 19 e as primeiras décadas do século 20, ocorreu uma verdadeira febre musical em Alagoas. Embora Maceió tenha sido uma das precursoras do ‘surto das furiosas’, a genuína tradição alagoana em
bandas de música, que perdura até hoje, sempre foi uma peculiaridade de municípios do interior do Estado”, explica Lucena, que prepara robusto livro sobre o assunto. O SOM ÀS MARGENS DAS LAGOAS MUNDAÚ E MANGUABA A vocação musical de Marechal Deodoro é tanta que os moradores mais antigos contam que o destino dos recém-nascidos era decidido num monte de barro molhado arremessado na parede da casa. Se o barro caísse no chão, a criança seria pescador, se ficasse grudado na parede, sua sina seria de músico. Por isso, não é exagero afirmar que a primeira capital de Alagoas acorda e vai dormir pensando e produzindo música. Considerada por muitos pesquisadores como um dos maiores celeiros de músicos do Brasil, até hoje, a cidade às margens da lagoa Manguaba resiste bravamente às dificuldades e mantém funcionando duas sociedades musicais centenárias: a Filarmônica Santa Cecília e a Carlos Gomes. Em 1966, ainda gerou a Sociedade Musical Manoel Alves de França, antigo maestro que até os 84 anos ensinava teoria e prática a crianças da periferia da cidade. Sob a proteção e as bênçãos da Igreja Matriz de Nossa Senhora da Conceição, a casa verde da Sociedade Filarmônica
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Filarmônica Lira Traipuense, regida pelo maestro Antônio Basílio, conta com mais de 70 músicos
Santa Cecília impressiona pelo orgulho dos seus habitantes. Músicos e alunos fazem questão de vestir o fardamento que os ligam à instituição musical mais antiga em atividade no território alagoano. São 100 anos de atividades ininterruptas e incontáveis nomes de músicos que saíram da escola fundada pelo padre José Belarmino Barbosa, que na época tinha como missão alegrar a procissão do Sagrado Coração de Jesus, realizada na última sexta-feira do mês de setembro. Durante um século de vida, a Santa Cecília nunca se livrou da dor de cabeça da falta de recursos financeiros. O pouco dinheiro para manter a escola de 100 alunos e os 80 músicos vem da prefeitura, das apresentações
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em eventos e do bolso dos sócios. “É pouco, muito pouco. Só conseguimos renovar alguns instrumentos graças à parceria com a Funarte”, diz João Paulo, vice-presidente da filarmônica. Ex-aluno de clarinete, o hoje engenheiro civil está desde 2008 com o projeto pronto para transformar a histórica sede da Santa Cecília em centro cultural, com a construção de um anexo, onde vai funcionar biblioteca, sala para ensaio, auditório para apresentações, salas de aula e um espaço digno para conserto e guarda dos instrumentos. “Encaminhamos o projeto para o Banco do Nordeste e o Ministério da Cultura. Estamos esperando respostas positivas”, torce João Paulo. “Além das questões histórica, cultural e social, também contribuímos
para a economia de Marechal Deodoro, uma vez que formamos músicos profissionais que se espalham por bandas de todo o País”. As histórias de sacrifícios e dedicação à música se repetem na Sociedade Musical Carlos Gomes, que se destaca pelo talento e inovação musical em Marechal Deodoro. “De forma incontestável, certamente é uma das maiores e melhores filarmônicas de todos os tempos, na qual se concilia o avanço harmônico com a expressiva quantidade de instrumentos”, ressalta o pesquisador Wilson Lucena. Na outra lagoa, a Mundaú, há mais de 50 anos a música vem da Sociedade Musical Professor Francisco Pedrosa, ou a “Furiosa Banda de Música de Coqueiro Seco”. A fama da vitória do campeonato estadual, realizado pela Federação das Bandas de Música e Fanfarras de Alagoas. “Também subimos no pódio em competições de Brasília e João Pessoa”, conta, todo orgulhoso, o maestro Silvestre, 42 anos de idade, 17 deles dedicados à regência e 34 ao saxofone. “Entrei aqui pela primeira vez aos oito anos e não saí mais. Já trouxe meus dois filhos e tenho fé em Deus de ver meus netos tocando na banda de Coqueiro Seco”. São dele também as preocupações. A lista é grande e de tirar o sono: conseguir dinheiro para terminar uma reforma iniciada há 20 anos; manter aberta
a escola gratuita para dezenas de crianças e adolescentes; consertar e comprar novos instrumentos. Mas Silvestre não desanima. “Sou policial militar e vejo o que está acontecendo com a juventude que não encontra o caminho do bem. Aqui na banda nossas crianças estão afastadas da violência, do roubo e das drogas e seus familiares vivem em paz. Por isso, vamos continuar lutando pela sobrevivência da nossa sociedade musical”. A MÚSICA NO CAMINHO DE UM RIO Há mais de um século, de Piranhas até Piaçabuçu, o Rio São Francisco encontra muita
ral, Euterpe Ceciliense e Carlos Gomes. Os tempos mudaram e, aos poucos, as bandas foram sumindo. Os mais importantes focos de resistência estão nos municípios de Piaçabuçu, Pão de Açúcar e Traipu. Na quinta geração de músicos, a Filarmônica Euterpe São Benedito descende da banda de rabecas que tocou para o Imperador d. Pedro II no século 19. Nos últimos 50 anos, só continua existindo pela devoção dos maestros Euclides, Francelino e João Ferreira, que morreu em atividade musical, aos 87 anos. Agora, a missão de continuidade é do seu filho João Vicente. Técnico em enfermagem, não herdou do pai a vocação musical, mas garante ter a força
Os tempos mudaram e, aos poucos, as bandas foram sumindo. Os mais importantes focos de resistência estão nos municípios de Piaçabuçu, Pão de Açúcar e Traipu música. Em praticamente todas as cidades margeadas por ele existiu, pelo menos, uma banda de música, segundo o pesquisador Wilson Lucena. A cidade de Penedo, por exemplo, já vivenciou um passado de esplendor cultural. Existem referências da existência de quatro: Lyra Operária 6 de Novembro, União Caixe-
necessária para administrar, superar a falta de dinheiro e evitar o fechamento. Ao lado dele estão 45 jovens músicos da pequena Piaçabuçu. Eles são apaixonados pela filarmônica da cidade onde nasceram, cresceram e aprenderam a tocar. A dedicação é tanta que muitos chegam a comprometer 25% do salário para evitar o
silêncio dos instrumentos. Tocador de trombone, o vigilante José Antônio, 31 anos, é um dos abnegados. Parte da renda da família vai parar no caixa da filarmônica, que precisa pagar água, energia, limpeza, conserto dos instrumentos e manter aberta a escola de música Mestre Francelino. Rio acima, já nas terras do Sertão, impressiona o trabalho do rígido Petrúcio Ramos. Oficial-regente reformado da banda da Base Aérea de Salvador, em 1999, ele decidiu voltar para a cidade de Pão de Açúcar e ressuscitar a Banda de Música Guarany. “Minha missão não é apenas formar músicos profissionais, mas oferecer a eles um caminho de disciplina, respeito e cidadania. Eu os preparo para a vida”, garante o maestro conhecido no cenário musical alagoano pela rigidez e busca da perfeição. À sua maneira sisuda, o maestro Petrúcio não cansa de repetir: “Uma cidade sem banda é uma banda de cidade. Menino que pede licença e dá muito obrigado, certamente pertence a uma banda de música”. O exemplo de Pão de Açúcar serve de inspiração para cidades como Piranhas, Traipu e São Braz. Com poucos músicos e muita vontade, as bandas desses municípios lutam diariamente para continuar fazendo parte da dinastia musical de Alagoas.
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ARTIGO
DAS VÁRIAS FORMAS DE LER, EXPOR, VENDER E APRECIAR LIVROS EM MACEIÓ:
MEMÓRIAS GERALDO DE MAJELLA* FOTOS: MICHEL RIOS
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Denominado “Paredão da Assembleia” o corredor situado nas ruas Dr. Pontes de Miranda, Marechal Roberto Ferreira, do Imperador e Barão de Atalaia, no Centro de Maceió, abriga a maior concentração de sebos da cidade
SOBREVIVENTES DAS ALAGOAS: OS SEBOS DE LIVROS Os sebos em Maceió têm crescido nos últimos anos e vêm se tornando um mercado promissor. Fazem-se visíveis as livrarias de usados em um improviso generalizado, funcionando em logradouros públicos. São locais onde se vendem livros, dicionários, almanaques, discos, CD-ROM, DVDs, revistas e outros produtos culturais. A maioria deles está localizada nas ruas Dr. Pontes de Miranda, Marechal Roberto Ferreira, do Imperador e Barão de Atalaia. São dezenas de barracas encos-
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tadas no gigantesco paredão da Assembleia Legislativa e alhures. Nessa área, concentra-se a maioria dos sebos da cidade, mas há os diferenciados. UM DOS PRIMEIROS SEBOS DA CIDADE O crescimento dessa atividade em Maceió tem contribuído para a difusão da cultura, mas por ironia do destino o aparecimento, da forma descrita por mim, ocorreu de uma maneira não usual – pela singularidade. Um dos primeiros comerciantes nesse tipo de atividade foi uma pessoa simples, do povo, “de poucas letras”, que havia fre-
quentado alguns poucos anos de salas de aula, e que antes de descobrir esse filão exercia uma atividade profissional típica dos excluídos, dos pobres: a de carroceiro. Benedito Ferreira Lima, o Biu, como era conhecido, se tornou o primeiro, creio, vendedor de livros usados estabelecido no paredão da Assembleia Legislativa, em meados da década de setenta. O livro, para Biu, não passava de uma mercadoria que ele comercializava a preço baixo em relação aos das livrarias legalmente estabelecidas. Dessa forma, o ex-carroceiro sustentou sua família. O livro evolui como parte do
processo de desenvolvimento das civilizações, até chegar ao que atualmente conhecemos, passando por várias fases: a do papiro, a do pergaminho, chegando ao papel manufaturado, confeccionado a partir de trapos, e alcançar a fase do papel industrializado, feito de pasta de madeira, para hoje tornar-se virtual. O nosso livreiro jamais soube desta longa e difícil trajetória, mesmo que de forma remota ou ilustrativa, mas o fato é que ele conseguiu involuntariamente estimular o que hoje podemos denominar de corredor cultural do “Paredão da Assembleia”. O SURPREENDENTE INÍCIO No começo, Biu negociava com papel velho, garrafa, lata e outros objetos, hoje em dia de-
ro sem rabo”. Cansado, parou na Praça Dom Pedro II, em frente à estátua do imperador, um belo monumento construído em homenagem a sua majestade. Ao arriar a carroça, pesada, cheia de livros, os transeuntes, vendo a inusitada cena, foram parando e aglomerando-se em torno da carroça: iniciava-se ali mesmo a venda dos livros, adquiridos inicialmente como papel imprestável, destinado a embrulho. Ao despertar o interesse dos clientes que transitavam apressados pela praça, Biu percebeu sua nova e repentina aptidão, sem sequer saber ao certo como deveria chamá-la, mas o fato inquestionável é que agora ele inaugurara nova atividade comercial. O destino da carga foi subitamente alterado, e a “montanha” de livros comprados das
O destino da carga foi subitamente alterado, e a “montanha“ de livros comprados das famílias ilustres de nossa capital teria destino glorioso: a difusão da cultura nominados “recicláveis”. Certo dia comprou, a preço módico, uma biblioteca de uma tradicional família alagoana, desejosa de se livrar, finalmente, daquele estorvo. Biu iniciou o transporte em sua carroça, puxada por ele próprio – conhecida como “bur-
famílias ilustres de nossa capital teria destino glorioso: a difusão da cultura. Não mais papel para embrulhar mercadorias vendidas no Mercado Público, em bancas fedorentas de peixes, mariscos, verduras, frutas, crustáceos, além dos embru-
lhos de sabão, prego, material de construção etc. Passados mais de 10 anos de sua morte, acontecida quando contava ainda 48 anos de idade, percebemos hoje que ele nos deixou a perseverança como legado cultural – os sebos do Centro de Maceió cresceram e se tornaram referência –, e uma nova geração de livreiros surgiu. Nesse contexto, a segunda geração de sua família deu continuidade, através do seu filho, José Augusto da Silva Lima, que desde os oito anos de idade trabalhava na banquinha do pai, estabelecendo-se posteriormente como proprietário de uma livraria de usados. O livro está distante de se tornar um produto essencial à vida da população, que não o considera gênero de primeira necessidade. Os preços proibitivos transforma-os em produtos para poucos. Talvez esse seja o motivo do crescimento de frequentadores de sebos: o preço relativamente acessível se comparado aos das livrarias estabelecidas. Na falta de alfarrábios mais sofisticados, com raridades bibliográficas, os sebos improvisados do “Paredão da Assembleia” e das ruas adjacentes vão sobrevivendo às intempéries: enfrentam sol, chuvas e enchentes, a voracidade dos roedores, inimigos declarados dos impressos, esses convivas folgados que transitam pelos logradouros da capital causando
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Bancas do “Paredão“comercializam livros e revistas usados
prejuízos aos proprietários de lojas e bancas. A pouca visibilidade que este comércio tem deve-se, talvez, ao fato de que os seus consumidores são oriundos de classes sociais pauperizadas ou mesmo a baixa classe média, que velozmente se proletariza. Porém, diante da pobreza material da população e das altas taxas de desemprego, os que ainda conseguem manter seus negócios, pela persistência laboriosa e enfrentado as pesadas peculiaridades e preconceitos de toda ordem, merecem nosso respeito e elogio pela dignidade com que exercem o seu ofício. AS LIVRARIAS E OS LIVREIROS Há entre as profissões uma que, particularmente, me seduz: a de livreiro. Comercializar livros é disponibilizar um bem cultural
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que contribui para transformar as pessoas e o mundo. É recorrente lembrarmos de livreiros e livrarias. Monteiro Lobato foi múltiplo, criou a livraria Brasilense, foi editor, jornalista e um extraordinário escritor. Outro nome que sobressai no cenário nacional é o de José Olympio, editor e livreiro. Na sua famosa livraria, os principais intelectuais do Brasil se reuniam. Entre esses, o alagoano Graciliano Ramos, junto a Jorge Amado, José Lins do Rego, Raquel de Queiroz, Manuel Bandeira, Carlos Drummond de Andrade e tantos mais. Os encontros diários na livraria José Olympio se tornaram célebres e marcaram definitivamente a história da literatura brasileira. Não é raro ouvirmos referências às livrarias que foram importantes, mas que por motivos outros fecharam suas portas. Essas lembranças surgem
num clima de certa nostalgia, seja entre jovens intelectuais, estudantes, ou entre antigos leitores que frequentaram ambientes agradáveis como são os das livrarias. Por mais simples e singelas que sejam, paira nas livrarias uma aura de saber sobre os livros e prateleiras. As gerações que adquiriram o hábito da leitura e estabeleceram com o livro uma relação de amor sentem pelas livrarias uma atração indescritível, diferentemente dos que estão se formando em contato direto com o mundo virtual. O livro em papel é algo menos prazeroso, imagino. As janelas que se abrem ao mundo através da tela de computador vêm via conexão à rede mundial, onde é possível acessar as megalivrarias virtuais que disponibilizam milhões de títulos em todos os idiomas e dialetos. Algo impensável até bem pouco tempo. Isso evidencia que o livro no formato tradicional continuará sua trajetória secular e insubstituível. ANTIGAS LIVRARIAS DE MACEIÓ Livraria em Maceió sempre foi uma atividade econômica de pouca expressão. No entanto, esse tipo de negócio marcou época na cidade e na vida cultural de Alagoas. A livraria Casa Ramalho, fundada por Manoel Joaquim Ramalho, foi um grande marco na vida cultural de Alagoas no século 20. Estabelecida
na Rua do Comércio, funcionava também como editora. Pela Ramalho, nomes como Jayme de Altavila, Humberto Bastos, Alfredo Brandão, Craveiro Costa, Théo Brandão, Abelardo Duarte, Felix Lima Júnior, Humberto de Araújo Cavalcanti e tantos outros importantes intelectuais foram editados e tiveram seus livros vendidos por mais de 70 anos. A Rua do Comércio era o principal logradouro da “Maceió de Outrora”. Nessa mesma rua funcionou, por muitos anos, a livraria José de Alencar, propriedade do Enéas, local que também aglutinou intelectuais nas décadas de 50, 60, 70 na cidade. Já na Moreira Lima reinava a livraria Castro Alves, do livreiro José Barros. Em Maceió, na década de 1970, instalou-se a Livro 7, livraria originária de Recife que fun-
Clássicos da literatura estão entre as obras que podem ser encontradas nos sebos
vros que aos olhos dos ditadores eram tidos como subversivos. A intensa censura aos meios de comunicação, as artes em geral ampliava o terror, intimidava, para dizer o mínimo. Os editores mais ousados corriam os riscos e colocavam pequenas edições no mercado.
Quando o País vivia as agruras de uma ditadura militar, o mercado editorial se ressentia em não poder editar livros que aos olhos dos ditadores eram tidos como subversivos cionou de 1976 a 1983, e ajudou durante esse período na ampliação do horizonte de leitura na cidade. Quando o País vivia as agruras de uma ditadura militar, o mercado editorial se ressentia em não poder editar li-
A Livro 7 era uma dessas livrarias que ousava e corria os riscos necessários para difundir os bons livros e arejar o ambiente pesado e turvo da cidade. Comercializar livros que expressassem o pensamento filosófico
e político de esquerda ou simplesmente de adversários do regime militar era um ato de ousadia e uma maneira de resistir à tirania. Localizada na Rua Cincinato Pinto, a Livro 7 tornou-se um ponto frequentado pela intelectualidade de esquerda e democrática. Em torno dos livros, nos fins de tardes, reuniam-se jovens ativistas, estudantes, professores universitários, profissionais liberais. Era o point de que a rapaziada necessitava. Os encontros serviam para discutir, resenhar o último livro lido, comentar o filme da semana – não eram muitos, pois o cinema andava em baixa –, falar mal do governo militar e marcar o encontro para a farra no fim de semana no Bar do Alípio, à beira da Lagoa Mundaú ou no Ipaneminha, na Pajuçara. O leitor que desejasse adquirir os clássicos da economia
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política do filósofo alemão Karl Marx, por exemplo, não teria outro local mais apropriado que a Livro 7. O teatro do dramaturgo alemão Bertold Brecht, a poesia russa e universal de Maiakovski, a de Ferreira Gullar, o teatro de Dias Gomes ou do “marginal” Plínio Marcos: perderia tempo quem fosse a outro local que não a Livro 7. A livraria tornou-se o ponto de encontro da esquerda dos anos 1970 e 1980 em Maceió. Durante certo
Argumento forte para qualquer cidadão pensar muito ao decidir instalar uma livraria ou editora e se perguntar: quem compraria livros nessa terra? O Brasil tem apenas 2.008 livrarias e uma população que ultrapassa os 180 milhões de habitantes, o que dá, em média, um estabelecimento para cada 89,6 mil habitantes. A Argentina, nosso vizinho ao sul do continente, chegou a ter 950 livrarias para uma população de
Considerada uma das principais livrarias de Maceió nos anos 1980, a Livro 7 ousava e corria os riscos necessários para difundir os bons livros tempo, na década de 1980, quem se tornou vizinho da Livro 7 foram os comunistas do PCdoB, o que fez aumentar ainda mais a aglomeração de militantes da esquerda alagoana na livraria. A razão social da Livro 7, a partir de 1983, muda, passando a se chamar Caetés, nome que permanece até hoje, no mesmo local, sob a direção do João Pereira. Alagoas, durante boa parte do século 20, teve altas taxas de analfabetismo, rivalizando com o Piauí. Se levarmos em consideração as estatísticas do Censo de 1950, Alagoas tinha 77,9% e o Piauí 78,4% de analfabetos.
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37 milhões de habitantes, o que dá, em média, 34,9 mil habitantes para cada estabelecimento. Cerca de 250 livrarias fecharam com a crise econômica. Mesmo assim ainda há 700 livrarias. O que dizer de Paris, que tem duas mil livrarias apenas na capital francesa? Entanto, não há por que desanimar. Como nem tudo está perdido, muitas livrarias nas últimas décadas abriram e fecharam em Maceió (mas isso faz parte de outra história). É crescente a profissionalização e o empenho de livreiros, editores e escritores, o que gera um significativo incremento na venda de livros em nosso Estado.
A CIDADE E SUA ORIGEM
As cidades surgem em lugares muitas vezes inesperados, à beira-mar, ou próximo a lagos, restingas. Maceió é um exemplo: bate com os costados no Oceano Atlântico, mas não deixou por menos, abriu o seu coração para os canais e manguezais da Mundaú; outras foram construídas em topo de montanhas, depressões vulcânicas, às margens de rios, como Anadia, banhada pelo São Miguel. Maceió, para o historiador Craveiro Costa, “nasceu espúria (...) no pátio de um engenho colonial, sem ascendência conhecida e assentamento autorizado nas crônicas do período histórico da luta pelo domínio do gentio e conquista da terra”. O sítio histórico tido por Craveiro Costa como sendo o núcleo formador de nossa cidade conserva, apesar de maltratado, um conjunto arquitetônico importante. As construções remanescentes dos séculos 19 e 20 localizadas na Praça Pedro II resistem, não sabemos como e de que maneira, à fúria da demolição do patrimônio histórico formado ao longo dos séculos. Abstenho-me de encampar a polêmica versão sustentada por Craveiro Costa, que defendeu a tese de que a cidade surgiu a partir do engenho Massayó, que moeu cana e fabricou açúcar onde hoje se localiza a
Biblioteca do Sesc Poço, a única da cidade que empresta livros à população
Assembleia Legislativa e suas adjacências. Décadas depois, essa tese foi contraditada pelo pesquisador Moacir Sant’Ana, que afirma, baseado em documentação, haver Maceió nascido à beira-mar, na enseada de Jaraguá. No quadrado onde foram erguidos os prédios da Assembleia Legislativa, da Catedral metropolitana, da sede do Ministério da Fazenda, do Arquivo e da Biblioteca Pública estadual, além da majestosa estátua do imperador Pedro II, que do centro da praça a tudo impávido observa, antes existia um bem cuidado jardim; restaram apenas as árvores centenárias, oitizeiros e palmeiras imperiais que continuam a ornamentá-lo, oferecendo sombra ao cidadão
que ao passar pelo antigo logradouro pode se livrar do sol escaldante do verão alagoano. As cidades cada vez mais se tornam conhecidas através dos seus símbolos econômicos, intelectuais e culturais. Em Maceió, ocorre o oposto: a representação do passado é o canal que a todo instante denuncia a ignorância e o obscurantismo, por não ser preservada. É fácil constatar isso ao caminhar pelas ruas centrais da cidade e com atenção olhar o casario abandonado ou já destruído. BIBLIOTECAS DE MACEIÓ A Biblioteca Pública Estadual é a voz necessária encravada no Centro de Maceió. Ao ser transferida da Rua do Comércio,
na década de 1960, para o atual prédio, ganhou espaço e pompa ao ser instalada no novo edifício, ajudando, portanto, a manter o clima de efervescência intelectual na cidade. Teve o acervo ampliado e ganhou melhores acomodações. A criação da Universidade Federal de Alagoas foi decisiva e, daí em diante, outras escolas de ensino superior foram abertas em Maceió. As mudanças no mundo cultural são expressivas, mas um dado é preocupante nesse contexto: a Biblioteca Estadual continua a ser a única a prestar serviços à comunidade e a preservar um acervo que a cada dia se deteriora pela falta de recursos destinados à manutenção e à modernização desse imprescindível equipa-
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mento cultural público. Atualmente, seus frequentadores são os estudantes da rede pública de ensino, moradores de bairros distantes. Os avanços tecnológicos têm modificado hábitos de pesquisadores e de estudantes: a facilidade de se obter informações através da rede mundial de computadores, a internet, é o diferencial em relação ao que se realizava no passado recente, quando a biblioteca, enquanto instalação física, era determinante. Ao conectar-se, qualquer
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um entra nas principais bibliotecas do Brasil e do mundo. Localizado no centro da cidade, Rua do Sol com a Ladeira do Brito, o Instituto Histórico e Geográfico de Alagoas (IHGAL), fundado em 1869, mantém extraordinário acervo onde a história, a geografia e a cultura da gente alagoana estão efetivamente preservadas e postas à disposição dos que têm interesse em pesquisar esses temas. A biblioteca do IHGAL tem milhares de volumes, muitos desses, raros; há ainda coleções de
periódicos em sua hemeroteca, que vem sendo formada desde o século 19 até os nossos dias. O IHGAL é, na atualidade, o principal guardião da memória alagoana e, certamente, por ser uma instituição privada, é que pôde ao longo de 136 anos manter em excelentes condições de conservação o rico acervo formado essencialmente pelas doações de seus sócios. A Academia Alagoana de Letras, também localizada no centro da cidade, é outra instituição que tem se preocupado
em organizar uma biblioteca e em dar acesso ao público, principalmente aos pesquisadores. E pode-se afirmar que o acervo já catalogado é uma das referências na cidade na área de literatura, muito embora pouco conhecida. A Fundação Jayme de Altavila – Fejal, mantenedora do Cesmac, tem surpreendido a todos com a organização e com o crescimento do acervo bibliográfico. Há uma nova concepção em prática naquela instituição, na qual a biblioteca central tem
sucateamento da universidade pública brasileira, obra que ardilosamente vem sendo executada durante as últimas décadas. A alegação para tal descaso é a crônica falta de recursos financeiros. Mas o mundo encantado das bibliotecas pode ser visualizado no bairro do Poço, na biblioteca do Serviço Social do Comércio (Sesc), pela movimentação de milhares de jovens, principalmente, que para ali acorrem. É, creio, a única biblioteca da cidade que empresta livros à po-
A biblioteca do Instituto Histórico e Geográfico de Alagoas mantém um dos maiores e mais importantes acervos de Alagoas recebido investimentos na modernização e na ampliação do seu acervo, inclusive tendo sido incorporada parte considerável da biblioteca do historiador Jayme de Altavila, que empresta seu nome à instituição. Infelizmente, o mesmo não podemos dizer do enorme acervo bibliográfico, patrimônio valioso da Biblioteca Central da Ufal. São milhares de volumes em situação precária, sem falar de outros tantos milhares de livros amontoados em depósitos, ainda não catalogados e postos à disposição dos alunos e dos pesquisadores. É o sinal do
pulação há quase três décadas, contribuindo assim para a formação de leitores daquele bairro popular e de outros que para lá se dirigem com esse fim. O LEITOR ESSENCIAL A magia da leitura e o encantamento das bibliotecas atraem milhares de leitores. Desde a década de 1970, consta como usuário assíduo Walfrido Pedrosa de Amorim, o Nô Pedrosa, como é conhecido, personagem tradicional da esquerda alagoana. A carteirinha de usuário da biblioteca é talvez a identidade desse
velho e irrequieto leitor. A figura pública de Nô Pedrosa, ex-militante do PCB na juventude, é sempre associada ao anarquismo, militância que abraçou como opção de vida. De uma coisa ele não pode ser acusado: de que não gosta de livros e de bibliotecas. Fez disso um sacerdócio. Digo isso consciente de que estou proferindo uma heresia, já que o incrédulo anarquista talvez não entenda que o seu modo de viver seja um sacerdócio. Esse personagem é uma raridade em nossos tempos, despojado de qualquer apego a bens materiais. Assim é conhecido, mas para muitos é tido como louco; para outros, é um ser integrado à paisagem urbana de Maceió e umbilicalmente vinculado à Biblioteca Pública Estadual. Foi a partir desse local que chegou a formar seguidores durante a década de 1970, quando resistir à ditadura militar era, também, frequentar o grupo do Nô Pedrosa, em frente à BPE. O fato de nunca ter vendido a sua força de trabalho a qualquer patrão o torna um ser que vive livre das amarras da sociedade capitalista. Encantado com os livros, continua a viver como nasceu: livre. Devemos manter a luta para que seja criada, em Maceió, uma rede pública de bibliotecas. Assim, iniciaremos a grande caminhada em direção ao futuro, quando os livros passarão a ser um bem essencial e disponível a todos. *é historiador
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ENTREVISTA
HOMEM DE PENSAR E FAZER TEATRO Discípulo de Linda Mascarenhas, Ronaldo de Andrade lembra do nascimento da Associação Teatral das Alagoas (ATA) e das transformações nas três primeiras décadas de vida do grupo de teatro mais antigo em atividade em solo alagoano ROBERTO AMORIM
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Michel Rios
O professor, ator e dramaturgo alagoano Ronaldo de Andrade, presidente da Associação Teatral das Alagoas, grupo fundado por Linda Mascarenhas
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Linda Mascarenhas, ícone do teatro alagoano
Há mais de meio século, a Associação Teatral das Alagoas (ATA) teima em praticar artes cênicas no chão alagoano. A teimosia foi herdada da sua fundadora, a atriz e diretora Linda Mascarenhas. Mulher mais importante do teatro alagoano no século passado, ela nunca questionou sua fé na capacidade alagoana de produzir teatro de qualidade. Não à toa, dedicou a maior parte da vida à formação de atores e grupos teatrais. Um dos discípulos mais fiéis ao legado do teatro de Linda Mascarenhas é o professor, ator e dramaturgo alagoano Ronaldo de Andrade. Numa conversa
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rápida enquanto se preparava para mais uma reunião com os novos atores da ATA, ele destaca as principais transformações do grupo desde a fundação, na década de 1950 até os anos 80, quando a ATA decide se renovar e tomar as rédeas do processo criativo. GRACILIANO - Em que contexto artístico nasceu a Associação Teatral das Alagoas? RONALDO DE ANDRADE - Linda Mascarenhas é a grande responsável. Ela e outras pessoas na Maceió da década de 1940 tentavam fazer teatro. É o momento marcado pelo Teatro Deodoro fechado e o início do movimento do moderno teatro em Alagoas. Em 1944, Linda Mascarenhas inicia a montagem do espetáculo Miragem, Fantasia pela Federação Alagoana Pelo Progresso Feminino. Em seguida, ao lado de Aldemar de Paiva e Nelson Porto, funda o grupo Teatro de Amadores, que estreia em 23 de outubro de 1944, com o espetáculo A Cigana me Enganou, de Paulo de Magalhães. Esse grupo se manteve produtivo durante quase uma década, nos últimos anos graças ao pulso firme de Linda. Em 1954, ela volta dirigindo o espetáculo Terra Natal, de Oduvaldo Viana. A montagem fazia parte do recém-criado Teatro de Amadores de Maceió, o TAM. É nesse momento que se instala o teatro renovado brasileiro em Alagoas. Um ano depois, Linda Mascarenhas decide fundar a Associa-
ção Teatral das Alagoas. Como a sociedade alagoana reagiu a um grupo de teatro comandado por uma mulher? Linda escreveu o texto e dirigiu o primeiro espetáculo da ATA, a comédia Conflito Íntimo. A estreia foi no palco do Teatro Deodoro e a recepção do público foi a mais reticente possível. Foi uma estreia cheia de suspense, dificuldades e muitas críticas. Aí começa, mesmo, a trajetória da ATA. Alheia ao falatório, aos 61 anos Linda monta a segunda peça da ATA e decide estrear como atriz. Todos correm para vê-la no palco e ela se mostra ainda mais vigorosa e determinada. Ela continuou nos palcos? Nessa década de 60, já temos uma consagração pontual de Linda, com interpretações de Romana e Dona Xepa. Ela é ovacionada e suas atuações têm repercussão extraordinária. Participa de festivais de teatro em outros estados, sendo premiada como melhor atriz. Quando apresentou Dona Xepa na cidade alagoana de União dos Palmares, o entusiasmo da plateia foi tanto que ela saiu carregada pelo público. Qual a diferença da ATA em relação aos outros grupos de teatro da época? A ATA tinha, na autonomia de pensar os espetáculos que queria fazer, uma característica muito própria. Linda usava como paradigma de referência as grandes companhias do Rio
de Janeiro. Também trouxe mulheres diretoras para Maceió, como Rosa Borges, Margarida Cardoso e Maria José Campos de Lima. Linda também criou o núcleo de teatro infantil. A ATA estava sempre inquieta, borbulhando novas ideias. E aí uma questão muito interessante: acho que os jovens que faziam teatro não tinham consciência, na época, da importância do que estavam fazendo. A década de 70 foi produtiva para a ATA? É um novo momento para a ATA. É quando chegam atores como Zé Márcio Passos, Milton Azevedo, Tereza Cabral e Homero Cavalcante. Todos se juntam no espetáculo Procura-se um Rosa. Nesse contexto, em 1971, Linda lança uma alternativa de sobrevivência: a Sociedade dos Amigos da ATA. Era preciso dinheiro para as montagens e Linda tinha o salário modesto de professora. Sua casa já servia de palco para ensaios e sede provisória da ATA. Mas o negócio não deu certo devido à administração amadora. Linda gostava mesmo da parte artística dos espetáculos. Tantas dificuldades e a mão de ferro da ditadura militar enfraqueceram os grupos de teatro de Alagoas. Muitos desapareceram, mas a ATA continua firme fazendo teatro. Quando Linda Mascarenhas entrou na sua vida? Vi a fotografia dela num jornal de Recife e decidi que iria fazer
Em 1978, os atores Ronaldo de Andrade (Pedro) e Thalmann Bernardes (Zeca) no espetáculo Pano de Boca, de Fauzi Arap, com direção de Lauro Gomes
teatro e fazer teatro com ela. Vim para Maceió e um dia tomei coragem e fui até a casa de Linda, na ladeira da Catedral. Bati palmas, ela veio atender e eu disse que queria fazer teatro. Na noite do mesmo dia participei da leitura de O Jacaré Azul, uma peça infantil. Era o início da minha história não apenas com Linda, mas também com a ATA, que dura até hoje. Como era a relação dela com os atores? Num determinado momento, Linda começou a nos preparar para assumir várias responsabilidades na ATA. Eu e Homero fomos escrever peças e Zé Márcio Passos começou a dirigir com a experiência que trouxe do Rio de Janeiro. Linda já estava com idade avançada e tinha dificuldade para tantas atividades. Nos últimos anos, ela ficou apenas trabalhando como atriz, fazendo monólogos e participa-
ções em peças como Hoje É Dia de Rock e Hipólito. Nos anos 80 a ATA se renovou? Realmente a ATA viveu outra fase criativa na década de 1980. Nós começamos a ter autonomia criativa como grupo. Além de amigos, os participantes da ATA também são comprometidos com o teatro e assumem o papel de profissionais de teatro. A partir daí, montamos espetáculos exclusivamente nossos, porque passamos a escrever os textos, assumir a direção, cenário, trilha sonora e todo o resto do processo de montagem de uma peça. Não tem mais essa história de trazer diretor do Rio de Janeiro. Tudo fica por nossa conta. É um momento muito especial que se transformou na base para a ATA ser o que é hoje. A ATA agora vive mais um momento de renovação com atores novos e com a mesma garra tão admirada por Linda Mascarenhas.
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A ÉPOCA DE OURO DO CINEMA EM MACEIÓ Anos após desaparecerem da capital alagoana, cinemas de bairro são relembrados com saudade por quem viveu o apogeu da sétima arte na cidade VANESSA MOTA
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Acervo particular: Inês Amorim Fachada do Cine São Luiz. O prédio, situado na Rua do Comércio, hoje abriga uma loja de eletrodomésticos
Os cinemas de bairro de Maceió eram a forma de entretenimento mais popular nos anos 50. Os fins de semana eram, tradicionalmente, marcados pelas matinês que lotavam as salas espalhadas por toda a cidade. No Poço, havia o Plaza. Na Ponta Grossa, o CineLux. Na Pajuçara, o luxuoso Rex. O Centro abrigava talvez o mais famoso deles: São Luiz. Já no Prado, ficava o Ideal. Mas o movimento cinematográfico na cidade começou muito antes do nascimento das salas de exibição propriamente ditas. Em 1908, no prédio onde funcionava o Telégrafo Nacional, na Praça dos Martírios, ocorreram exibições de imagens
em movimento utilizando um aparelho movido por uma fonte luminosa, chamada de luz oxietérica. Pouco depois, este equipamento foi levado para o Teatro Maceioense, que passou a abrigar estas exibições, ganhando o nome de Cine-teatro Delícia, de propriedade de Moacyr Miranda que, posteriormente, viria a erguer o Lux. Algum tempo depois, apareceram vários cinemas na Rua do Comércio. Todos sumiram pouco após sua abertura. Outros, como o São Luiz, tiveram vida longa, passando por vários administradores. Quando surgiu, em 1913, o cinema, que se chamava Cine-theatro Floriano, ainda em
tempos de cinema mudo, contava com uma orquestra que executava músicas ao vivo durante as exibições. Em 1933, ele muda de dono e passa a chamar-se Capitólio, sem alterações em sua estrutura. A partir de 1941, foi negociado com a empresa recifense Filizola, que modernizou o espaço – os assentos, que eram 1.800 passaram a 1.000, foi instalado um palco para apresentações teatrais e caixa acústica – e passou a ser chamado de Cinearte. Após protestos, em 1957, por melhorias na estrutura, como instalação de ar- condicionado e cadeiras mais confortáveis, o cinema foi fechado, só reabrindo dois anos depois,
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quando passou a ser administrado pelo Grupo Severiano Ribeiro, ganhando seu quarto e mais popular nome: Cine São Luiz, em homenagem ao fundador do grupo. Por trás do Teatro Deodoro, no Centro, surgiu o Cine Roial, conhecido popularmente como “poeirinha”. Este cinema teve vida breve e, após seu fechamento, em 1959, deu lugar ao
Na Pajuçara, foi criado o Cine Glória, que depois se transformou em Rex. Era o cinema mais luxuoso de Maceió. Nos anos 60, ficaram famosas suas sessões de arte, que ocorriam nas sextas-feiras à noite, sempre seguidas por discussões sobre os filmes. Tais sessões passaram a ocorrer também numa versão matinal, no São Luiz. Anos depois ficaram somente neste úl-
1950, exibiu, nos primeiros anos de funcionamento, clássicos europeus e norte-americanos. A sala foi a introdutora do cinemascope na cidade, tecnologia de filmagem e projeção que utilizava lentes anamórficas, marcando o início do formato moderno tanto para a filmagem quanto para a exibição de filmes. Em seu período decadente, já nos anos 1980 e 1990, o Plaza
Vanessa Mota
Eu vivi a época de ouro dos cinemas da capital. Passavam sempre filmes bons, interessantes Elinaldo Barros | Crítico de cinema
escritório do Grupo Severiano Ribeiro. Nos anos 30, nasceu o Ideal, onde hoje estão concentradas diversas barracas de camelô, nas proximidades do Mercado Público da Levada. Assim como o Lux, que deu lugar a uma igreja, o Ideal teve seu apogeu nos anos 60, quando eram exibidos filmes italianos de diretores consagrados, como Fellini e Antonioni.
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timo, nas noites de sexta-feira. A glória do Rex teve fim em 1978. No bairro, numa galeria comercial situada no térreo do edifício Ana Maria, surgiu então o Art Pajuçara que, após alguns anos fechado, deu lugar ao Cine Sesi, único cinema que Maceió possui, atualmente, fora dos shoppings centers. No bairro do Poço ficava o Plaza, do empresário Hermann Voss. Inaugurado na década de
tornou-se o cinema especializado em filmes pornográficos. A tendência se espalhou por todos os demais cinemas, e foi, possivelmente, a principal causa do fechamento da maioria deles. Assim como o Roial, surgiram vários outros “poeirinhas” pela cidade. Estes cinemas sem conforto e de vida breve espalharam-se por bairros da periferia de Maceió como o Vergel, Bebedouro e Tabuleiro dos Mar-
tins, concorrendo com o brilho das salas já tradicionais. Segundo o escritor e crítico de cinema Elinaldo Barros, quando menino, ele costumava frequentar os cinemas de bairro, especialmente o Lux, que se tornou tema de um de seus livros, Cine Lux: Recordações de um cinema de bairro, lançado em 1989. As sessões de filmes famosos sempre lotavam as salas de cinema. “Eu vivi a época de ouro dos cinemas da capital. Passavam sempre filmes bons, interessantes. Quando era um filme famoso, o dono do cinema corria até a bilheteria e dizia: ‘Ainda tem lugar. Só na frente, mas ainda tem lugar’. E voltava para dentro das salas”, relembra. Elinaldo relata, com carinho, as “aventuras” que vivia para ir às sessões. Quando algum filme que estava em cartaz no Plaza chamava sua atenção, ele e os colegas iam andando até o bairro do Poço para assisti-lo. Depois, voltavam caminhando e discutindo sobre o que acabaram de assistir. O cinéfilo que dedicou sua vida a estudar e ensinar sobre o tema, não esquece quando, durante as sessões, os garotos vibravam e aplaudiam ao verem cenas de beijos nos filmes. “Quando havia uma cena de beijo, a gente gritava ‘1 a 0’. Se tivesse um segundo, ‘2 a 0’. Quando eram cinco, era uma goleada. Naquela época, a censura era generosa. A própria
Cine Theatro Floriano Peixoto, que deu origem ao Cine São Luiz
conduta das pessoas era de uma sociedade reprimida. A gente berrava”, conta. Elinaldo conta ainda que a bagunça nas salas de exibição não parava por aí. “Fazíamos campeonatos de ‘pum’. No meio da sessão, alguém soltava uma ‘bomba’, aí era a gritaria. Contavam também de um rapaz que era muito gaiato. Ele pegou um gato pequeno, amarrou e colocou numa caixa de sapato. Depois, entrou no cinema, subiu pela galeria e quando chegou no alto, cortou o cordão e soltou o gato”. Os jovens que moravam nas proximidades dos cinemas queriam assistir a todos os filmes que entravam em cartaz. Algumas vezes, chegavam a falsificar documentos para burlar a classificação dos filmes. A prática de entrar no cinema sem pagar – conhecida, à época, como “maiar” – também era frequente entre a juventude. Embora relembrar as brincadeiras seja uma diversão para Elinaldo, sua lembrança prefe-
rida está nos clássicos exibidos naquelas telas. “Assisti vários filmes muito bons. Vidas Secas, de Nelson Pereira dos Santos, foi muito bonito. A Hora e a Vez de Augusto Matraga, que vi no São Luiz. Também vi dois dos Beatles: Help e Os Reis do Iê-iê-iê. Fui ao cinema caminhando da Ponta Grossa até o Poço, numa matinal, às 08h30. Uma vez, fui ver um filme de Elvis Presley, o rei do rock. As meninas ficaram extasiadas com o cantor sem camisa. Teve uma que pegou no joelho da outra e disse: ‘Ai, neguinha!’. Foi uma das situações mais cômicas que vivi num cinema”, conta Elinaldo. Passado o apogeu dos cinemas de rua, alguns tiveram suas programações invadidas por filmes pornográficos. Ao mesmo tempo, a televisão substituía a ida às salas de exibição e, com o crescimento da violência, as pessoas começaram a optar por ficar em casa. Hoje, resta só o saudosismo das histórias vividas por aqueles que frequentavam as sessões.
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ARTIGO
ARNALDO GOULART, IMAGENS DE UM LEGADO FOTOGRテ:ICO
EDUARDO ROSS*
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Praia de Sete Coqueiros, na Pajuรงara, registrada por Goulart: cartรฃo postal de Maceiรณ
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Catedral Metropolitana de Maceió
As sombras brandas do coqueiral pareciam até mais convidativas do que as frescas e calmas águas do mar em frente. Um halo de luz solar entrecortava as nuvens, enquanto a espuma chegava até a areia da praia em uma visão aparentemente profética. Na beira da água, a cabeça protegida por um pano tal qual um turbante, a negra lavadeira limpa suas roupas. Alheio a tudo, a esse e outros cenários, em ambiente recluso, envolto na penumbra, o branco e o preto se contrastam no tabuleiro de xa-
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drez manuseado por duas mãos: uma jovem e delicada, a outra, enrugada e velha, as veias aflorando na pele. As imagens, capturadas em papel amarelado pelo tempo, remetem às impressões de uma Maceió de décadas atrás. A Alagoas dos olhos de Arnaldo Goulart. Eram olhos amadores, é verdade, mas capazes de enxergar a composição de uma imagem, a sensibilidade por trás da paisagem. Seria difícil imaginar tais habilidades vindas de um bancário do Bank
of London. Nem sempre o ofício faz o homem. E por ter tido a vida de 64 anos (1904-1968) pode-se apenas imaginar sua paixão pela fotografia como uma esquiva para a monótona rotina do mundo burocrático, mas não. Considerar apenas esta possibilidade seria desmerecimento à sua memória. Sua introdução à vida artística começou desde cedo. Vivia cercado por intelectuais e outros homens que deviam usar monóculos, relógios com correntes de ouro e finos bigodinhos de
Além de paisagens, Goulart registrava também o modo de vida dos alagoanos
pontas enroladas. Isso porque seu pai, Ranulpho Goulart, era membro da Academia Alagoana de Letras e estava sempre em volta de outros literatos e artistas. Se as fotografias de Arnaldo retratassem esses momentos, talvez ele pudesse ser visto em elegantes saraus, contemplando alguma senhorita tocar um piano de cauda no centro do salão. Talvez deslumbrar donzelas em seus devaneios fosse monótono, às vezes. Pois, além da “agitada” vida cultural, foi do
próprio Ranulpho que Arnaldo herdou o inicial interesse pela fotografia. Para o pai era apenas mais um hobby, algo que ocupasse os momentos de bloqueio criativo em suas poesias, mas para o filho Arnaldo se tornaria motivo de fixação amadorista no futuro. De fato, e talvez seja redundante dizer, se tornou o seu maior prazer, levando-o a estudar as técnicas mais a fundo. Inclusive não era à-toa que fazia parte de um clube de fotógrafos amadores em Maceió (o Fotoclube). Regularmente, o
grupo se encontrava para discutir suas trivialidades fotográficas. Como caçadores em busca de suas presas, saíam pela cidade à procura de eternizar o momento perfeito. Aliás, Arnaldo também sabia criar este momento perfeito: era um dos precursores do Photoshop. Claro, poderia estar aqui a enaltecer o homem a troco de nada, mas o fato é que utilizava técnicas que hoje são feitas por um computador. Sem exageros. Fazia sobreposição de imagem, colocava os contornos em relevo e até usava
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Coreto de Jaraguá, na Praia da Avenida
técnica de pintura para colorir suas fotos em preto e branco. Manipulava cuidadosamente cada fotografia, criando as
chegou a escrever as próprias poesias. Era mais um de seus passatempos artísticos, um dom ou aptidão, ou qualquer ou-
Eram olhos amadores, é verdade, mas capazes de enxergar a composição de uma imagem, a sensibilidade por trás da paisagem próprias montagens. Aparentemente pode-se imaginar de onde a Adobe Systems e a Microsoft tiraram sua inspiração. Bem, talvez seja exagero. Obviamente que, como o meio em que vivia realmente o influenciou, não se limitava apenas à fotografia. Também
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tra desculpa para justificar sua polivalência, pois também se dedicava à pintura (autodidata, diga-se de passagem). Gostava mais de pintar em cerâmica do que em telas. A leveza que exigia das mãos para adornar em tinta vasos, pratarias e afins, servia como terapia e – por que
não? – como forma de expressão. E para não dizer que era mais uma forma de mera distração, ele chegou a expor algumas de suas obras. Então, como se no Brasil houvesse algum incentivo à cultura e à arte, Arnaldo fazia a parte dele para influenciar seus descendentes. Sua única filha, Maria Helena Goulart, tendo o avô e agora também o pai como bem relacionados a pessoas influentes, sabia que sempre poderia esperar por lugares reservados no teatro. Maria Helena lembra-se de como os presentes que sempre esperava do pai eram livros. Coleções completas, obras de Monteiro Lobato e outras coisas que pudessem despertar a vertente artística. Entretanto, nem sempre orgu-
Lagoa da Anta, na JatiĂşca. Hoje, o local abriga um dos maiores hotĂŠis da cidade
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FAMÍLIA DE ARTISTAS O artista Arnaldo Broad Goulart, que nos deixou importante legado de fotos antigas sobre a bela Maceió, era filho de Ranulpho Goulart e Eliza Broad Goulart. Nasceu nesta capital a 13 de janeiro de 1904. Faleceu, em consequência de um infarto fulminante, aos 64 anos, na sua residência de Maceió, a 14 de fevereiro de 1968. Pertencia a uma família de artistas autodidatas. O pai, Ranulpho Goulart, era escritor – poeta e contista – pertencente à Academia Alagoana de Letras e tinha como patrono Guimarães Passos. Também era fotógrafo amador. Os irmãos: Alzira, pianista e compositora; Arthur, pintor; Armia, pintora; Arnulpho,
Odontologia. Hoje, viúva, reside
contador, o único que não se
em Salvador, para onde se
dedicou à arte. Arnaldo e Arthur
mudou em janeiro de 1972, com
trabalharam profissionalmente
o marido, Fernando Motta da
como bancários. A 30 de junho
Silva Rosa. Por ter tido apenas
de 1928, Arnaldo casou-se
uma filha, Arnaldo deixou poucos
com Maria José Moura de
descendentes, todos vivendo em
Araújo (Marily), de Viçosa
Salvador. Os netos são: Rosana,
e descendente, pelo lado
54 anos, casada com Heraldo
materno, da família Brandão. Do
Quadros, 56 anos, que são pais
casamento tiveram dois filhos:
de Eliza, casada com Marcelo
Maria Helena, hoje com 81 anos,
Valente (pais de Lara,1 ano) e de
e Carlos Rubens, falecido dias
Bruno; depois, a neta Flávia, 52
após o nascimento.
anos, casada com Jayme Garcia
Maria Helena estudou na
Rosa Filho, 55 anos, pais de
Faculdade de Medicina,
Eduardo, e dos gêmeos Ricardo e
Odontologia e Farmácia
Leonardo (17 anos). Finalmente,
da Universidade do Recife,
Fernando, 48 anos, casado com
formando-se em 1949, em
Rosane, 43 anos, sem filhos.
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Arnaldo Goulart pertencia a uma família de artistas autodidatas
Praça dos Martírios. Ao fundo, o Palácio Marechal Floriano Peixoto, antiga sede do governo estadual, hoje transformado em museu
lhamos nossos pais da exata forma que eles esperam. Jamais Arnaldo questionou as escolhas da filha. Porém, infelizmente, se perdeu e acabou se formando em Odontologia. Mas ainda assim os ensinamentos de Arnaldo perduraram em sua mente. Depois, foi a vez dos netos. Ainda havia alguma esperança. Sempre de forma prazerosa, ele os ensinava (Rosana, Flávia e Fernando) sobre como usar uma câmera. Arnaldo jamais precisou impor que gostassem ou se interessassem pela fotografia. Não era necessário. O fantástico de tentar eles próprios, ainda crianças, desvendarem seus mundos através de um diafragma prescindia de qualquer obrigação. Além do
mais, era uma relação de mútua diversão. O avô acompanhava e guiava as mãos inexperientes no manuseio da câmera ao tempo em que duas gerações se uniam em torno de uma mesma arte. Entretanto, Arnaldo não viveu muito mais tempo para ver seus netos crescerem e poder continuar com suas lições. Não pretendia transformá-los no próximo Pierre Verger, apenas, como tentara fazer com Maria Helena, incentivar sua criatividade. O fato é que nenhum deles realmente se enveredou por caminhos mais artísticos. Rosana, a mais velha, (tinha 13 anos quando Arnaldo morreu) até se aproximou dessa perspectiva ao se formar em Arquitetura,
porém, lamentavelmente, acabou preferindo ensinar Matemática. Flávia também chegou perto, afinal jornalistas precisam de impulsos criativos e, por vezes, artísticos. Fernando aproveitou pouco o avô, pois este morreu quando ainda era muito novo (provavelmente por isso tenha se tornado administrador). Como todo legado, suas influências podem ser resgatadas. Os bisnetos, e até seus ainda inexistentes trinetos, quando olharem uma foto e enxergarem através dos olhos do avô, quem sabe, não despertem aptidões ainda adormecidas. *é bisneto de Arnaldo Goulart, concluinte do curso de Jornalismo na Universidade Federal da Bahia
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ARTIGO
O INESQUECÍVEL
GOGÓ DA EMA LUIZ CARLOS FIGUEIREDO*
Gogó da Ema retratado por Arnaldo Goulart
No ano de 2010 ocorreu o centenário do nascimento de dois grandes e famosos sambistas brasileiros: Adoniran Barbosa e Noel Rosa. Em 1910, também nascia um coqueiro que cresceu torto e cada vez mais bonito, num sítio onde hoje é a atual Ponta Verde. Ele se tornou famoso em todo o Brasil, tornando-se importante símbolo de Maceió: o Gogó da Ema. Infelizmente, tombou há mais de 50 anos, deixando muitas saudades, mas se tornou inesquecível, continuando a representar Maceió. O local onde ele cresceu, hoje é a Praça Gogó da Ema. A morte do coqueiro significou uma grande perda e provocou diversas emoções, de revolta e de tristeza. Reproduzimos abaixo um artigo do historiador Luís Veras Filho, publicado em
Maceió – História e Costumes, folhetim editado pela Fundação Teatro Deodoro em 1990, contando como aconteceu. Confira. Uma onda de tristeza, lamentos e protestos invadiu Maceió na manhã do dia 28 de julho de 1955, ao ser divulgado, amplamente, o tombamento – no sentido drástico do vocábulo – do Gogó da Ema. Lá estava, deitado, moribundo, na areia alva da Ponta Verde, a palmácea poética da cidade. Há muito que se esperava o espetáculo. Os jornais e a população clamavam por uma proteção mais segura ao coqueiro. Desprezado pelas autoridades, apesar de gabado e sempre apresentado por todos os maceioenses aos visitantes da cidade, o Gogó da Ema, às 16h30 do dia 27 de julho de 1955, teve sua proteção for-
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temente invadida pelas águas impetuosas do Atlântico; e, finalmente, sem mais se conter em suas raízes, caiu, naquela encantadora hora de início de crepúsculo, como são os fins de tarde da Pajuçara e da Ponta Verde. O Gogó da Ema desafiava a lei da gravidade, o que fazia com que houvesse a necessidade do máximo de fixação ao solo para que permanecesse de pé. Mas o que ele mereceu das autoridades foi apenas um punhado de barro em sua base e um cais de proteção de troncos
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e coqueiros, estacas de madeira e pedaços de arrecifes extraídos do local, juntados com cimento, de pouca resistência, que a preamar, sempre debelando, aos poucos foi tornando sua queda iminente. Nunca se pode compreender o esquecimento a que o governo relegou o coqueiro-aleijão, cujo defeito o tornou motivo histórico para nossa capital. Estranhável o descuido do poder público, depois que a fama da inditosa palmeira atravessou os limites do Estado para torná-la conhecida
no País e no estrangeiro, através de postais, gravuras, fotografias, panfletos e “posters”, nos interessantes aspectos colhidos pela habilidade dos fotógrafos amadores e profissionais, nas manhãs tranquilas e cheias de luz, como nas noites poéticas, com a lua a surgir dentre as nuvens, através da sua fronde majestosa a dominar a paisagem. O Gogó da Ema vivia por todas as partes: na vitrine dos estúdios; nos álbuns de seus mostruários; na bela coleção de fotografias colorizadas que enriqueciam
Ilustração de Pedro Lucena
e encantavam o atelier de Arnaldo Goulart; nas telas de José Paulino; nas luxuosas latas dos biscoitos “Brandim” . Por toda parte estava o Gogó da Ema. O local onde ele dominava tornara-se o ponto de encontro escolhido dos namorados e das conquistas arriscadas. Nas tardes amenas, era o passeio preferido pelo encanto maravilhoso da paisagem marítima e pelos que se deliciavam com a água saborosa do coco verde. Nas noites de luar, o Gogó da Ema foi testemunha discreta
e muda dos encontros felizes, das confissões apaixonadas que ouvia, dos devaneios, dos íntimos aconchegos amorosos a que assistia impassível. Ele atraía, com um estranho magnetismo, os namorados, como se fosse tal como Vênus da mitologia, inspirando mais o amor, lançando nos pensamentos palavras carinhosas que transmitimos àqueles que amamos... Lembro-me, quando menino, vi o Gogó da Ema pela primeira vez: o dia era claro e a luminosidade cobria a terra;
e eu, boquiaberto, admirava aquela silhueta que se lançava ao mar e ao firmamento. Fiquei deslumbrado por algum tempo, olhando aquela paisagem maravilhosa que mais parecia imaginária... Veio o entardecer, uma brisa suave agitava os meus cabelos salgados, o vento tornava-me sonolento, o manto escuro começava a substituir a luminosidade do sol que se tornava rubro cada vez mais, tornando a paisagem tão bonita que nenhum pintor deste universo, por gênio que fosse, con-
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seguiria transpor para sua tela. Era o Gogó da Ema, o coqueiro fenomenal que, acidentalmente, cresceu – a natureza, para ser retilínea, às vezes entorta – daquela forma: na parte inferior da curva pronunciada do ‘Gogó’, havia cicatrizes de traumatismos causados por pequenos insetos que, com cer-
teza, afirmaram agrônomos da época, deram-lhe aquela forma. Era uma espécie de monumento da natureza, o qual, naquela solidão, vivia confortado pela lembrança de todos os que o visitavam para ver se, de fato, aquele vegetal tinha mesmo, no tronco, a curva parecida com a do pescoço dos pernaltas. Ele ficava na
ponta do semicabo que conhecemos como Ponta Verde, como se fosse um farol, mostrando as adjacências dos pontos de partida dos destemidos jangadeiros. E, naquele recanto, ele era como se fosse uma pessoa contando-nos uma história que só terminava quando se saía de lá. O coqueiro amigo era como
Há uma lenda sobre o
Pediu para lutar e venceu três
doce para matar a sede à sua
nascimento do Gogó da Ema.
embates. Não se mata um herói
amada, polpa para mitigar-lhe a
É contada pela professora de
entre os índios. Só os civilizados
fome, óleo para untar seus pés
música Maria Aída Wucherer
têm medo da coragem e do
cansados e palmas longas para
Braga, no Boletim Alagoano de
heroísmo dos outros. A virgem
abrigar na sombra seu corpo
Folclore, nº 11, de 1987. Confira.
caeté apaixonou-se pelo índio
franzino.
A LENDA DO GOGÓ
prisioneiro e fugiram na calada
Tupã atendeu. Transformou-o
Era uma vez uma índia morena,
da noite. Andavam sol a sol. À
em coqueiro, o primeiro coqueiro
virgem de corpo e de coração.
noite, deitavam-se na terra e
que houve sobre a terra. Na
Habitava a taba dos guerreiros
suas bocas sedentas de água
ânsia de crescer, ele elevou o
caetés, tecia redes e se enfeitava
e de amor se encontravam na
tronco muito acima das areias
de penas. Mirava o rosto nas
escuridão. Recomeçavam a
brancas, e ela não alcançou seus
águas claras da lagoa e corria
caminhada com a aurora. A
frutos pendentes. Então, num
pela mata, ouvindo o grito da
índia definhava. Seus passos já
esforço gigantesco, ele se curvou
araponga e respondendo ao
não eram ágeis, seus membros
para a praia, abaixando o tronco
canto da cauã. Um dia, ouviu-
pesavam, seus olhos ofuscados
poderoso. A índia já não resistia.
se um brado de guerra e os
pela claridade dos dias de sol
Com as mãos estendidas para
guerreiros partiram manejando
procuravam a terra e a cabeça
colher os frutos de água doce e
os tacapes. Os arcos retesados
pendia-lhe no peito. A marcha
polpa macia, sua alma voara em
expediam flechas, e eram tantas
prosseguia em busca de outras
direção às nuvens. Novamente,
que se confundiam no ar. Três
terras. Um dia viram água,
num esforço supremo, ele
sóis lutaram sem descanso e
muita água. Era a imensidão
movimentou o tronco para o alto
sem cansaço. Ao alvorecer do
do mar. Exausta, ela se deitou
e ergueu a copa verde carregada
quarto dia, voltaram triunfantes.
na beira da praia deserta.
de frutos para o céu. Até morrer
Entre os troféus, traziam preso
Suas forças chegavam ao fim.
ele ficou ali numa praia de
um inimigo. Começaram os
Desesperado, ele pediu a Tupã
Alagoas, embalando nas palmas
festejos. O índio era forte e belo.
que o transformasse em uma
adejantes, a alma fugitiva de sua
Não queria ser sacrificado.
árvore cujo fruto tivesse água
amada.
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recanto para todas as idades, porque era o recanto para todas as mocidades. Quando foi plantado e quem o plantou, isso ninguém descobriu. Quem o batizou, ninguém o sabe; mas, segundo Roberto Stuckert, um repórter-fotográfico que foi quem mais o retratou, quem oficializou o nome foi o então deputado e escritor Mendonça Júnior, que havia, também, sido diretor do Departamento Estadual de Cultura. Segundo se afirmava, o coqueiro-símbolo de Maceió existia desde os meados dos anos 1910, no sítio outrora pertencente a
res ainda estão lá até hoje. Com isso, o mar começou a avançar, derrubando vários coqueiros, fazendo com que se pudesse divisar o “Gogó” ao longe, quer da Praia de Pajuçara, quer do mar. Mas o mar continuava a avançar, pondo em risco a famosa palmeira. Veio então a construção do Porto de Jaraguá, que ocasionou mais acentuadamente a invasão marítima, quando a Prefeitura construiu o bisonho cais de proteção, que não resistiu à fúria do mar. José Dias de Oliveira, empregado na propriedade onde ficava o Gogó, que já pertencia ao sr. Álvaro
A queda do Gogó chegou a merecer uma ampla reportagem em , ilustrada com fotografias dele, imponente, majestoso e, depois, sucumbido
Francisco Venâncio Barbosa, mais conhecido como Chico Zu. No início era pouquíssimo conhecido, e quem o fosse ver arriscava-se a ser mordido por cães que guardavam o local. Além do descaso das autoridades, outro motivo que provocou sua morte, segundo consta, se deu a partir de 1930, quando, próximo ao local, uma empresa norte-americana perfurou vários poços em busca de petróleo; os alicerces de uma das tor-
Otacílio, foi quem viu o coqueiro cair: “... Ele não caiu de uma vez. Foi aos pouquinhos. Foi caindo e, já embaixo, despencou com mais violência, com um barulho seco.” A queda do referido vegetal chegou a merecer uma ampla reportagem em O Cruzeiro, a melhor revista brasileira da época, ilustrada com fotografias dele, imponente, majestoso e, depois, sucumbido. Tentaram ressuscitar o coqueiro, com a
participação de centenas de pessoas, autoridades e agrônomos, além de soldados do Corpo de Bombeiros, o qual, com a ajuda de um guindaste, ergueram a árvore. Essa iniciativa foi encabeçada pelo jornalista Clarivaldo Brandão. Mas, em 1956, foi, o Gogó da Ema, dado como morto definitivamente. Sobre ele, é importante transcrever, aqui, palavras do ilustre folclorista Théo Brandão: “É verdade que o Gogó da Ema é um aleijão. Mas há harmonia em suas linhas. Quanto ao mais, o povo já o elegeu como símbolo da cidade. Significa uma preciosidade da terra. Como folclorista, temos obrigação de zelar pelos que, mesmo sem serem feitos pelo povo, são entronizados como símbolos pelas camadas populares. Aliás, no material da Comissão de Folclore de Alagoas, o Gogó da Ema aparece como símbolo”. O saudoso coqueiro, como já foi dito, sempre foi muito querido pelos namorados, a quem acolhia nas manhãs e tardes ensolaradas, ou nas noites de luar. Talvez por isso, tantas visitas teve depois de moribundo. A solidariedade foi tamanha, que parecia que todos eram parentes do coqueiro. E, mesmo sendo o Gogó da Ema o recanto predileto dos namorados, que lá se encontravam cheios de amor, por incoerência morreu por falta desse sentimento. *é jornalista e escritor
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SAIBA MAIS
Para saber mais sobre o passado de Alagoas – seja na história ou nas artes – um roteiro de livros, filmes e instituições de pesquisa.
LIVROS
ABC DAS ALAGOAS: DICIONÁRIO
MACEIÓ
CARTOFILIA ALAGOANA
BIOBIBLIOGRÁFICO, HISTÓRICO E GEOGRÁFICO
O livro retrata a história dos primórdios de Maceió e sua
O estudo das imagens de cartões-postais do Estado de
DE ALAGOAS
evolução até a década de 1930, passando por engenho,
Alagoas desvenda a fisionomia arquitetônica, social e
Dividida em dois volumes, a publicação conta com mais
povoado, vila, até a transformação em cidade.
cultural do início do século 20.
de 6.000 verbetes, todos referentes a personagens e
Autor: Craveiro Costa
Autores: Carmem Lúcia Dantas e Douglas Apratto
aspectos da história de Alagoas, onde são listadas desde
Sergasa, 219 págs.
Massangana e Fundação Joaquim Nabuco, 118 págs.
autoridades políticas a personalidades históricas.
Onde encontrar: no site de sebos virtuais Estante
Onde encontrar: no site da Livraria Cultura
Autor: Francisco Reinaldo Amorim de Barros
Virtual (www.estantevirtual.com.br)
(www.livrariacultura.com.br) ou através de contato com
Editora do Senado Federal, primeiro volume: 570 páginas,
a editora Massangana, pelo e-mail editora@fundaj.gov.br.
segundo volume: 695. Onde encontrar: disponível para download no site da Biblioteca Digital do Senado Federal ou através do site www.abcdasalagoas.com.br, onde os verbetes podem ser consultados individualmente.
ONDE PESQUISAR
FILMES
INSTITUTO HISTÓRICO E GEOGRÁFICO DE
ARQUIVO PÚBLICO DE ALAGOAS
HISTÓRIA BRASILEIRA DA INFÂMIA (doc., 55 min.)
ALAGOAS (IHGAL)
No acervo do Arquivo Público de Alagoas podem ser
O documentário propõe uma reflexão sobre a escrita da
Fundado em 1869, abriga peças históricas, além de
encontradas edições de jornais já extintos, mais de
história ao defrontar versões para a morte do 1º Bispo do
inúmeras publicações que tratam da história do Estado.
3.000 livros, documentos do século 17 até os dias
Brasil, dom Pero Fernandes Sardinha, ocorrida há mais
A biblioteca da instituição é uma das mais completas e
atuais, além de catalogação para consulta do Diário
de 450 anos. A história é submetida à revisão a partir
organizadas de Alagoas.
Oficial desde 1912. Com sede recém-inaugurada, a
de contraditórias versões oferecidas por historiadores,
Endereço: Rua João Pessoa, 382, Centro, Maceió, AL
instituição conta com laboratório de restauração e
antropólogos e padres, que ora ratificam a “versão
Mais informações: (82) 3223-7797
conservação e ambiente para gestão eletrônica.
oficial”, ora sugerem uma conspiração da fidalguia
Horário de funcionamento: de segunda a sexta-feira,
Endereço: Rua Sá e Albuquerque, s/n, Jaraguá,
portuguesa que governava a Colônia.
das 8 às 11h30
Maceió, AL
Ano de lançamento: 2005
Mais informações: (82) 3315-7879
Direção: Werner Salles
Horário de funcionamento: segunda a sexta-feira,
Mais informações: (82) 3311-8034
das 9 às 16 horas
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