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Da Physis à Filosofia Pré-Socrática

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Do mito ao Logos

Do mito ao Logos

FRENTE A

MÓDULO A03

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ASSUNTOS ABORDADOS

n Da Physis à Filosofia pré-socrática

Figura 01 - O Triunfo da Civilização, Pintura por Jacques Réattu, 1793.

FILOSOFIA

DA PHYSIS À FILOSOFIA PRÉ-SOCRÁTICA

A história da Filosofia antiga pode ser dividida em três fases, relacionadas a cada período histórico que as comportam. Como a historiografia padrão do mundo helênico nos reporta, a Grécia antiga é divida em cinco grandes períodos. A Filosofia, a seu turno, surge no terceiro deles (o arcaico) e atingindo seu apogeu nos subsequentes (clássico e helenístico). Dessa forma, sistematicamente, não podemos afirmar a existência da Filosofia em períodos antecedentes, como o pré-homérico e o homérico – nos quais predominavam a perspectiva mitológica. Como visto anteriormente, os mitos comportavam elementos de filosoficidade. Não obstante, a atividade propriamente filosófica surge, caracteriza-se e afirma-se apenas nos períodos posteriores.

O período arcaico data de aproximadamente os anos de 750 a 500 a.C. Sucessivo a uma época de intensas guerras internas e pouca estabilidade política, a idade arcaica da Grécia foi marcada pelo florescimento de uma perspectiva de cultura, sociedade e economia bem distintas. Com a crescente diluição das comunidades gentílicas e com o arrefecimento das guerras, a civilização encontrou um momento de aumento demográfico. Isso naturalmente acarretou numa necessidade de revisão dos paradigmas de organização social e de produção e circulação econômica. Das expansões marítimo-comerciais às formações citadinas (vulgarmente conhecidas como pólis), o período arcaico foi marcado por vários eventos que propiciaram uma transformação da sua cultura e sociedade. A Filosofia emergiu justamente nesse propício contexto.

Os primeiros filósofos - surgidos, portanto, no período arcaico - ficaram conhecidos como “Físicos da Jônia”. Destacam-se Tales, Anaximandro e Anaxímenes de Mileto. Jônia (Ιωνία) foi uma região da costa do sudoeste da Anatólia, hoje conhecida como Turquia. Ao contrário do que se pensa, não era banhada pelo mar jônico, e, sim, pelo Egeu. Doze cidades se formaram no círculo da grande região da Ásia Menor - compondo a circunscrição da Jônia - se destacando Mileto, Samos, Éfeso e Colofon. O suposto sobrenome dos primeiros filósofos faziam alusão à cidade que provinham, e não uma relação de parentesco, como se supõe. Eis a razão de nomes como Pitágoras de Samos, Heráclito de Éfeso, Xenófones de Colofan, etc., que também ganham destaque nesses séculos iniciais da Filosofia Grega.

Fonte: Wikimedia Commons

O termo “Físicos” que aparecia como alcunha para os primários pensadores do período arcaico deriva da palavra Physis (Φύσις): que significa, na língua grega, “natureza”. Tratava-se, portanto, de uma alusão ao objeto de investigação dos cosmólogos da época. Logo, pode se traduzir o nome dado aos filósofos da Ásia menor por “aqueles que buscavam, de forma racional, compreender os mecanismos que regem a natureza”. A Physis, portanto, era o objeto de investigação primal e que caracterizou a primeira fase da história da Filosofia antiga grega.

Importa considerar, entretanto, que a natureza enquanto objeto não havia sido exclusividade dos primeiros filósofos. O mito, a seu modo – e em momentos iniciais – já buscava ofertar narrativas para compreender a suposta ordem/motivação do mundo. Como vimos anteriormente, as Cosmogonias eram tentativas de se explicar a gênese, formação e regulação da natureza e do universo. Ocorre que o inusitado aparece no período arcaico como uma forma própria dos “Físicos da Jônia” em tentar compreender a natureza, em si (e por si) mesma, se valendo da observação (como mecanismo de investigação) e da razão (como instrumento de validação). Em outras palavras, mito e razão buscam explicar a natureza, embora a segunda – que caracteriza o exercício filosófico – se vale da observação e da atestação. A primeira se apoia no elemento da autoridade de quem narra e, supostamente, na experiência subjetiva de quem valia e toma para si a explicação mitológica. Nesse sentido, há uma ruptura significativa e não mais uma mera continuidade, como afirma Maria Lúcia de Arruda Aranha & Maria Helena Pires Martins (2009, p.41):

(…) existe uma ruptura entre mito e filosofia. Enquanto o mito é uma narrativa cujo conteúdo não se questiona, a filosofia problematiza e, portanto, convida à discussão. No mito a inteligibilidade é dada, na filosofia ela é procurada. A filosofia rejeita o sobrenatural, a interferência dos agentes divinos na explicação dos fenômenos. Ainda mais: a filosofia busca a coerência interna, a definição rigorosa dos conceitos; organiza-se em doutrina e surge, portanto, como pensamento abstrato.

Ainda, os “Físicos da Jônia” assim foram chamados até o aparecimento e consolidação do termo Filosofia, criado por Pitágoras de Samos, como vimos anteriormente. A cidade de Mileto apareceu como o ponto de convergência para os primeiros pensadores helênicos. A causa é estritamente geoeconômica e está adstrita ao contexto das expansões marítimo-comerciais. Mileto era a principal cidade portuária helênica a época do período arcaico. Dessa forma, o trânsito multiétnico era fluente e intenso, levando aos embates interculturais que propiciavam o contraste de ideias. Sobretudo no campo da religião, tais intercâmbios suscitavam uma revisão de crenças e, ao mesmo tempo, ampliação da percepção sobre outros modos de se perceber e dar sentido ao (e no) mundo. Dessa maneira, lá emergiu o pensamento filosófico.

Fundamentalmente, o que caracteriza a Filosofia em seu início? Em primeiro lugar foi uma tentativa de explicar raciona e sistematicamente a origem, a ordem e a transformação da natureza (Physis). A observação e a razão (dedutiva) compõem os instrumentos por excelência do exercício filosófico. Em segundo, na busca por um princípio natural, eterno e imperecível, causa primária e geradora de todos os seres. De caráter impessoal, essa matriz não pode ser confundida com um agente criador, uma divindade nos termos das cosmogonias. A esse princípio subjacente à Physis e que passa a ser o núcleo central de investigação era chamado de arché (ἀρχή). A esse respeito, o filósofo Diógenes de Apolônia afirma que esse conceito é caracterizado por:

(...) Todas as coisas são diferenciações de uma mesma coisa e são a mesma coisa. E isto é evidente. Porque se as coisas que são agora neste mundo - terra, água, ar e fogo e as outras coisas que se manifestam neste mundo -, se alguma destas coisas fosse diferente de qualquer outra, ele seria diferente e diferenciava sua natureza própria e se não permanecesse, então não permaneceria puro, e através disso descobriu que ocorreu muitas mudanças e diferenciações, então as coisas não poderiam, de nenhuma maneira, misturar-se umas as outras, nem fazer bem ou mal umas as outras, nem a planta poderia brotar da terra, nem um animal ou qualquer outra coisa vir a existência, se todas as coisas não fossem compostas de modo a serem as mesmas. Todas as coisas nascem, através de diferenciações, de uma mesma coisa, ora em uma forma, ora em outra, retomando sempre a mesma coisa.

Dos filósofos de Mileto, destacam-se três. E da Jônia, um conjunto de vários outros, embora venhamos a lidar apenas com quatro deles nesse módulo: Heráclito de Éfeso e Parmênides de Eleia. Da principal cidade portuária helênica, teremos:

Tales de Mileto. Primeiro filósofo a se ter registro. De origem fenícia, residiu em Mileto boa parte de sua vida, vindo a falecer em 548 a.C. Conhecido com um dos “sete sábios da Grécia”, seu pensamento se estende em igual medida e importância para a geometria e a astronomia. Seus estudos sobre o eclipse lunar ou seu famoso teorema homônimo ofertam seu grau de importância para as raízes históricas do pensamento filosófico (e da ciência ocidental). Para Tales, o principal fundamental (o arché) de todas as coisas era a água. Embora seja uma afirmação temerária, é possível encontrar a gênese da hipótese evolucionista na perspectiva cosmológica do filósofo de Mileto. Atribui-se a Tales os dizeres: “(...) O mundo evoluiu da água por processos naturais e sobrevive aquele que está mais bem capacitado”. Segundo o filósofo alemão Friedrich Nietzsche, na obra A filosofia na época trágica dos gregos (1973, p.16) afirma: “(...) quando Tales diz: ‘tudo é água’, o homem (…) pressente a solução última das coisas e vence, com esse pressentimento, o acanhamento dos graus inferiores do conhecimento”.

SAIBA MAIS

A cosmologia (κοσμολογία) é um termo grego composto de dois termos: cosmos (κόσμος=”cosmos”/”ordem”/”mundo”) + logos (λογία=”discurso”/”estudo”). É tomado em sentido moderno como o ramo da astronomia que estuda a origem, estrutura e evolução do Universo a partir da aplicação de métodos científicos. Não obstante, aparece pela primeira vez como uma contraposição às formas mitológicas de explicação (cosmogonia e teogonia), além de caracterizar o campo de investigação (e adjetivação) dos primeiros filósofos.

Anaximandro de Mileto viveu entre os anos de 610 a 547 a.C. Foi o primeiro filósofo a, de fato, compor uma teoria metafísica. Aqui o termo deve ser entendido em sua acepção primitiva (Meta: aquilo que se afasta + Física: natureza), e não somente na interpretação aristotélica que o consagrou na história da Filosofia como um campo a tratar do “ser enquanto ser”, isto é, do ser independente de suas particularidades determinantes, do ser absoluto e dos primeiros princípios. Aqui o conceito aparece enquanto perspectiva. Ou seja, era preciso “se afastar” da natureza para compreender o seu princípio ab initio: algo, portanto que desloca nossa intuição para algo não observável, porém indutivo a partir de seus efeitos. Contrário à tese de Tales, afirmava que o elemento primordial não poderia ser um dos elementos visíveis, teria que ser um elemento neutro, que está presente em tudo (e ao mesmo tempo precede tudo o que existe e é observável no presente). Diferente de todos os seus contemporâneos, Anaximandro afirmava que o arché não poderia ser um elemento determinado, material, portanto. A propósito, a criação do próprio termo arché se atribui a Anaximandro– concebido como algo ilimitado, sem contornos e definição (tal qual o fogo – elemento símbolo e dependendo da interpretação, literal): o apeiron (ἄπειρον). Também de forma incipiente, podemos afirmar que a teoria física do Big Bang encontra sua gênese nas especulações anaximândricas. Segundo o filósofo, o universo era eterno e infinito. Um número infinito de mundos existiram antes do nosso. Após sua existência, eles se dissolveram na matéria primordial (apeiron) e posteriormente outros mundos tornaram a nascer. O apeíron, enquanto massa gerativa, continha, em si mesmo, os elementos contrários que por um processo de associação e dissociação (corrupção) produziu a infinidade de seres, sujeitos aos ciclos das necessidades.

Anaxímenes de Mileto. Filósofo, nasceu em 588 e viveu até 524 a.C. Discípulo de Anaximandro, sua importância pôde ser percebida na Química e na Física. Segundo o naturalista romano Plínio em sua obra História Natural, Anaxímenes teria sido o primeiro a analisar geometricamente os aspectos das sombras para medir as partes e dividir o dia. Dessa forma, criou o protótipo do conhecido “relógio de sol”, denominado Sciothericon (σκιοθηρικόν). Quanto a arché, considerava que o ar era o elemento melhor que qualquer outra coisa, se prestava a variações, e também devido à necessidade vital deste para os seres vivos, como a respiração. A rarefação e condensação do ar formam o mundo. A alma é ar, o fogo é ar rarefeito. Quando acontece uma condensação, o ar se transforma em água, se condensa ainda mais e se transforma em terra, e por fim em pedra. Destacou-se por ser o primeiro a fornecer a causa dinâmica que faz todas as coisas derivarem do princípio uno (condensação e rarefação).

Heráclito de Éfeso. Proveniente da região homônima, o “filósofo da mutabilidade” viveu aproximadamente entre os anos de 535 a 475 a.C. Panta rei (πάντα ῥεῖ), traduzido por “tudo flui”, configura no lema central de sua doutrina. Atribui-se a esse pensador o aforismo que afirma: “(...)Tu não podes tomar banho duas vezes no mesmo rio, pois aquelas águas já terão passado e também tu já não serás mais o mesmo.” Em outro fragmento de seu pensamento, temos a assertiva: “(...) Não se pode percorrer duas vezes o mesmo rio e não se pode tocar duas vezes uma substância mortal no mesmo estado; por causa da impetuosidade e da velocidade da mutação, esta se dispersa e se recolhe, vem e vai”. Para Heráclito a única coisa de permanente no universo (“o ser das coisas”) era o movimento. A possibilidade de mudança (conhecido na linguagem filosófica como “Devir”) era a única constante e certeza que poderíamos aferir, sendo, portanto, a força que rege o universo. A alternância entre contrários: quente/frio, secas/ úmidas, etc., assim com os humores das pessoas, estão sujeitos às vicissitudes do tempo e sua contingência: a mudança. O filósofo de Éfeso é o primeiro pensador a propor questões que transcendiam a mera identificação do arché das cosmologias de Mileto. Importava para Heráclito o “Ser” e suas possibilidades de conhecê-lo. Seu pensamento constitui a base de um dos principais campos da Filosofia: a Ontologia (o “estudo do

Ser”). O conhecimento do “estudo do Ser” expressava aquilo que poderia ser tomado como algo verdadeiro e universal: tornando-se necessário, portanto, o desvencilhamento dos sentidos, pois o que é verdadeiro não pode ser percebido pelo nosso campo sensorial e sim, somente, interligado por nossa razão. Eis as bases de inspiração para o pensamento platônico, como veremos mais a frente.

Parmênides de Eleia. Pensador proveniente da região de Eleia, cidade grega situada na Magna Grécia. Figura ao lado de Heráclito como um dos fundadores da ontologia filosófica. Assim como o pensador de Éfeso, Parmênides busca os limites e possibilidades de se discutir e investigar a questão do Ser. Dos seus poemas restaram-nos 154 versos e eles dividem-se em três partes. Embora escritos sob uma estrutura que remonta ao estilo homérico, nem por isso não os investiu de rigorosos argumentos dedutivos. Toda sua filosofia está calcada num contraste entre o que denomina: verdade e aparência. A aparência é percebida pelos sentidos que nos mostram o Ser e o “Não Ser” - nos levando a diversos equívocos. A verdade, a seu turno, somente pode ser atingida por meio da razão. Não obstante, admite – e isso o difere substancialmente para Heráclito – a “mudança” não é o princípio que nos permite identificar o Ser. Ao contrário, o Ser é pura permanência: e isso diferencia a verdade da opinião (doxa, em grego). A razão, portanto acessa esse caráter de permanência, ao passo que os sentidos contemplam apenas a parte da natureza sujeita a mudanças e transformações, por isso não podem ofertar a verdade em si. Assim como Heráclito, suas formulações também despertaram interesse em Platão, que buscou – a seu modo – uma espécie de síntese entre as duas ontologias pré-socráticas.

O período arcaico marcou o surgimento da Filosofia. Os pensadores desse período, além do título de cosmólogos, ou simplesmente “físicos” - antes mesmo que o termo Philosophia fosse criado – também receberam a alcunha de “Pré-socráticos”. Como sugere o termo, por terem antecedido o pensamento socrático e toda a tradição desenvolvida a partir desse pensador ateniense. Assim sendo, tomando Sócrates (filósofo e tradição) como o divisor de águas na história da Filosofia Antiga, os pensadores que figuram o período helenístico (último da cronologia grega) são chamados, respectivamente, de pós-socráticos.

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Fonte: Wikimedia Commons A série americana Cosmos: uma odisseia do Espaço-Tempo é uma produção/documentário, de caráter científico, que dá sequência à homônima de 1980, apresentada pelo astrofísico Carl Sagan. Nesse novo formato, apresentado pelo físico Neil de Grasse Tyson. Em recente entrevista ao Wall Street Journal, o Tyson explica os objetivos da série: “[Cosmos] quer pegar a ciência que está por aí, e conectá-la a você e aos elementos do universo”, disse ele. “Trata-se de mostrar por que a ciência é importante para você. Até o final da série, nós gostaríamos de criar uma rede com você no centro, de modo que agora você conhece e compreende o seu lugar no universo. Isso é o que chamamos de perspectiva cósmica”.

Ficha técnica:

Título: Cosmos: A Spacetime Odyssey (Original) Ano de produção: 2014 Direção: Ann Druyan/ Bill Pope/ Brannon Braga Duração: 780 minutos Gênero: Documentário científico País de origem: Estados Unidos da América

Exercícios de Fixação

01. Em qual período surge a Filosofia na Grécia Antiga?

02. Por que os primeiros filósofos foram chamados de “Físicos da Jônia”?

A filosofia surge no período arcaico da História Grega, aproximadamente entre os séculos VI e VII a.C

Porque habitavam a região da Ásia Menor, chamada Jônia. Especificamente, a cidade de Mileto – donde deriva Tales, Anaximandro e Anaxímenes. Físicos, porquê o objeto de estudo era a natureza (do grego, physis). 03. Disserte sobre o conceito de Arché e como ele aparece na

Filosofia Pré-socrática.

O arché era o principio originário de todos os seres e coisas naturais. Algo como “natureza subjacente” ou “essência da natureza” do qual todos os elementos derivam. Tratou-se do objeto por excelência a caracterizar o sentido da cosmologia grega, em oposição às meras cosmogonias. 04. Exponha as principais definições dadas por diferentes filósofos acerca do que era o verdadeiro arché da physis.

05. Qual a distinção entre Parmênides e Heráclito relativo à natureza do Ser?

Para Tales, a água; Anaximandro, o Apeiron e para Anaxímenes, o ar.

Para Parmênides, o Ser era absoluto e imóvel, isto é, não sujeito a mudanças e sem possibilidade de existência de um não ser. Heráclito, a seu turno, atribuía o caráter de mudança a todas as coisas existentes: a mutabilidade e fluência (panta rei) é o princípio regulador da natureza.

Exercícios Complementares

01. (Uema MA) A Filosofia nasceu na Jônia no final do século

VII a.C. O conteúdo que norteia a preocupação dos filósofos jônicos é de natureza: a) Mitológica. b) Antropológica. c) Religiosa. d) Cosmológica. e) Política.

02. (Enem MEC)

A filosofia grega parece começar com uma ideia absurda, com a proposição: a água é a origem e a matriz de todas as coisas. Será mesmo necessário deter-nos nela e levá-la a sério? Sim, e por três razões: em primeiro lugar, porque essa proposição enuncia algo sobre a origem das coisas; em segundo lugar, porque o faz sem imagem e fabulação; e enfim, em terceiro lugar, porque nela embora apenas em estado de crisálida, está contido o pensamento: Tudo é um.

NIETZSCHE. F. Crítica moderna. In: Os pré-socráticos. São Paulo: Nova Cultural. 1999

O que, de acordo com Nietzsche, caracteriza o surgimento da filosofia entre os gregos? a) O impulso para transformar, mediante justificativas, os elementos sensíveis em verdades racionais. b) O desejo de explicar, usando metáforas, a origem dos seres e das coisas. c) A necessidade de buscar, de forma racional, a causa primeira das coisas existentes. d) A ambição de expor, de maneira metódica, as diferenças entre as coisas. e) A tentativa de justificar, a partir de elementos empíricos, o que existe no real.

03. (Uel PR) Leia o texto a seguir e responda.

De onde vem o mundo? De onde vem o universo? Tudo o que existe tem que ter um começo. Portanto, em algum momento, o universo também tinha de ter surgido a partir de uma outra coisa. Mas, se o universo de repente tivesse surgido de alguma outra coisa, então essa outra coisa também devia ter surgido de alguma outra coisa algum dia. Sofia entendeu que só tinha transferido o problema de lugar. Afinal de contas, algum dia, alguma coisa tinha de ter surgido do nada. Existe uma substância básica a partir da qual tudo é feito? A grande questão para os primeiros filósofos não era saber como tudo surgiu do nada. O que os instigava era saber como a água podia se transformar em peixes vivos, ou como a terra sem vida podia se transformar em árvores frondosas ou flores multicoloridas.

Adaptado de: GAARDER, J. O Mundo de Sofia. Trad. de João Azenha Jr. São Paulo: Companhia das Letras, 1995. p.43-44.

Com base no texto e nos conhecimentos sobre o surgimento da filosofia, assinale a alternativa correta. a) Os pensadores pré-socráticos explicavam os fenômenos e as transformações da natureza e porque a vida é como é, tendo como limitador e princípio de verdade irrefutável as histórias contadas acerca do mundo dos deuses. b) Os primeiros filósofos da natureza tinham a convicção de que havia alguma substância básica, uma causa oculta, que estava por trás de todas as transformações na natureza e, a partir da observação, buscavam descobrir leis naturais que fossem eternas.

c) Os teóricos da natureza que desenvolveram seus sistemas de pensamento por volta do século VI a.C. partiram da ideia unânime de que a água era o princípio original do mundo por sua enorme capacidade de transformação. d) A filosofia da natureza nascente adotou a imagem homérica do mundo e reforçou o antropomorfismo do mundo dos deuses em detrimento de uma explicação natural e regular acerca dos primeiros princípios que originam todas as coisas. e) Para os pensadores jônicos da natureza, Tales, Anaxímenes e Heráclito, há um princípio originário único denominado o ilimitado, que é a reprodução da aparência sensível que os olhos humanos podem observar no nascimento e na degeneração das coisas.

04. (Unicentro PR)

“A filosofia vai surgir ligada a esses dois tipos de palavras, isto é, à alétheia e à dóxa. Essa ligação é diferenciada, ou seja, não será sempre a mesma nos diferentes períodos da filosofia grega. Assim, na fase inicial, os filósofos procuravam falar nos dois campos: falam como poetas e adivinhos, isto é, no campo da palavra-verdade, e falam como chefes políticos, isto é, no campo da palavra persuasão. A seguir, com os filósofos Pitágoras de Samos e Parmênides de Eléia, afastam a dóxa e fortalecem apenas a alétheia. No entanto, a partir do desenvolvimento da democracia, sobretudo em

Atenas, um grupo de filósofos novos, os sofistas, afastam a alétheia e fortalecem exclusivamente a dóxa. Finalmente, com Sócrates e Platão, será feito um esforço gigantesco (decisivo para todo pensamento ocidental) para colocar a alétheia no lugar da dóxa. Será o momento em que a filosofia, em vez de ocupar-se com a origem do mundo e as causas de suas transformações, se interessará exclusivamente pelos homens, pela vida social e política”

(CHAUÍ, M. Introdução à História da Filosofia – Dos pré-socráticos a Aristóteles. Volume I. 1ª ed. – São Paulo: Brasiliense, 1994).

Com base no texto, e em seus conhecimentos sobre o tema, informe se é verdadeiro (V) ou falso (F) e, em seguida, assinale a alternativa correta. ( ) Essas observações sobre a alétheia e a dóxa nos ajudam a compreender por que a filosofia nascente, embora sendo uma cosmologia (isto é, uma explicação racional sobre a origem do mundo e as causas de suas transformações), emprega um vocabulário político e humano para referir-se o cosmos. É que a linguagem disponível para a filosofia é a linguagem da pólis e esta é projetada na explicação da natureza ou do universo. ( ) A palavra dóxa deriva do verbo dokéo, que significa: 1) tomar o partido que se julga o mais adaptado a uma situação; 2) conformar-se a uma norma; 3) escolher e decidir.

A dóxa pertence ao vocabulário político da decisão, deliberação e opinião. ( ) Exercício do pensamento e da linguagem, a filosofia nascente não irá diferenciar-se da palavra dos guerreiros e dos políticos, pois não possui uma pretensão específica, deseja apenas argumentar e persuadir. ( ) No pensamento mítico e na organização sociopolítica que antecede o surgimento da pólis, a alétheia possui uma relação intrínseca com os procedimentos oraculares e divinatórios: é a lembrança do que foi contemplado no oráculo e ouvido, ali, dos deuses, que é a verdade, alétheia.

a) F – V – F – V. b) V – F – V – F. c) V – V – F – V. d) V – V – F – F. e) V – F – F – V.

05. (Ufu MG) Heráclito de Éfeso viveu entre os séculos VI e V a. C. e sua doutrina, apesar de criticada pela filosofia clássica, foi resgatada por Hegel, que recuperou sua importante contribuição para a Dialética. Os dois fragmentos a seguir nos apresentam este pensamento.

“Este mundo, igual para todos, nenhum dos deuses e nenhum dos homens o fez; sempre foi, é e será um fogo eternamente vivo, acendendo-se e apagando-se conforme a medida.” (fragmento 30). “Para as almas, morrer é transformar-se em água; para a água, morrer é transformar- se em terra. Da terra, contudo, forma-se a água, e da água a alma.” (fragmento 36).

De acordo com o pensamento de Heráclito, marque a alternativa INCORRETA. a) As doutrinas de Heráclito e de Parmênides estão em perfeito acordo sobre a imutabilidade do ser. b) Para Heráclito, a ideia de que “tudo flui” significa que nada permanece fixo e imóvel. c) Heráclito desenvolve a ideia da harmonia dos contrários, isto é, a permanente conciliação dos opostos. d) A expressão “devir” é adequada para compreendermos a doutrina de Heráclito.

06. (Ufu MG) O trecho do fragmento seguinte constitui a mais célebre afirmação atribuída a Heráclito.

Em rio não se pode entrar duas vezes no mesmo, segundo

Heráclito, nem substância mortal tocar duas vezes na mesma condição...

HERÁCLITO. In: Os Pré-Socráticos. (PLUTARCO, De E apud Delphos, 8, p. 388 E.). São Paulo: Abril Cultural, 2000. p. 97. Col. Os Pensadores.

A partir do fragmento, escolha a explicação correta para a questão do “fluxo” na Filosofia de Heráclito: a) O fluxo do rio representa a condição mortal do homem e a metempsicose. Não se pode entrar duas vezes no mesmo rio, pois o homem, substância mortal, morre e renasce sucessivamente em vidas distintas. Só se pode entrar no mesmo rio uma única vez, na mesma condição, ou seja, com a mesma substância mortal. b) O fragmento enfatiza o fato de que todas as coisas, representadas pelo rio, mudam de maneira caótica e desordenada, fazendo com que o conhecimento seja totalmente impossível. Como nada permanece o mesmo, pode-se inferir que nada é, nem pode ser dito e nem mesmo pode ser pensado, visto que o Logos não existe. c) O fluxo, representado pelo rio, indica o parentesco de toda a Natureza com a substância mortal. Todas as coisas se tornam água, que, para Heráclito, é o princípio primordial no qual todas as coisas se convertem e que configura todas as mudanças. O fluxo do rio indica que a condição de todas as coisas é determinada pela água como substância mortal. d) O fragmento enfatiza que a estrutura e, portanto, a identidade de um rio se mantém a mesma, embora sua substância esteja em contínua mudança. Um aspecto unitário é mantido, enquanto o conteúdo material é constantemente perdido e trocado. A imagem do rio expressa a coexistência de uma estrutura contínua num processo de fluxo.

07. (Ufu MG) O fragmento seguinte é atribuído a Heráclito de Éfeso.

“O mesmo é em (nós?) vivo e morto, desperto e dormindo, novo e velho; pois estes, tombados além, são aqueles e aqueles de novo, tombados além, são estes.”

Os Pré-Socráticos. Trad. de José Cavalcante de Souza, 1ª ed. São Paulo: Abril Cultural, 1973, p. 93. (Os Pensadores)

A partir do fragmento citado, escolha a alternativa que melhor representa o pensamento de Heráclito. a) Não existe a noção de “oposto” no pensamento de Heráclito, pois todas as coisas constituem um único processo de mudança que expressa a concórdia e a harmonia do “fluxo” contínuo da natureza. b) A equivalência de estados contrários com “o mesmo” exprime a alternância harmônica de polos opostos, pela qual um estado é transposto no outro, numa sucessão mútua, como o dia e a noite. Todas as coisas são “Um”, toda a multiplicidade dos opostos constitui uma unidade, e todos os seres estão num fluxo eterno de sucessão de opostos em guerra. c) Se o morto é vivo, o velho é novo, e o dormente é desperto, então não existe o múltiplo, mas apenas o “Um”, como verdade profunda do mundo. A unidade primordial é a própria realidade da physis e a multiplicidade, apenas aparência. d) A alternância entre polos opostos constitui um fluxo eterno, regido pela “guerra” e pela “discórdia”, que ocorre sem qualquer medida e proporção. A guerra entre contrários evidencia que a physis é caótica e denota o fato de que o pensamento de Heráclito é irracionalista.

08. (Ufu MG) Heráclito de Éfeso (500 a.C.) concebia a realidade do mundo como mobilidade, impulsionada pela luta dos contrários.

Sobre sua filosofia, é correto afirmar que: I. A imagem do fogo, com chamas vivas e eternas, representa o Logos que governa o movimento perpétuo dos seres. II. A luta dos contrários é aparência que afeta apenas a sensibilidade humana. III. A mobilidade dos seres resulta no simples aparecer de novos seres. IV. A harmonia do cosmo é resultado da tensão eterna da luta dos contrários.

Assinale a) se as afirmações II e III são corretas. b) se as afirmações I e IV são corretas. c) se apenas a afirmação IV é correta. d) se apenas a afirmação I é correta.

09. (Ufu MG) De um modo geral, o conceito de physis no mundo pré-socrático expressa um princípio de movimento por meio do qual tudo o que existe é gerado e se corrompe. A doutrina de Parmênides, no entanto, tal como relatada pela tradição, aboliu esse princípio e provocou, consequentemente, um sério conflito no debate filosófico posterior, em relação ao modo como conceber o ser.

Para Parmênides e seus discípulos: a) A imobilidade é o princípio do não ser, na medida em que o movimento está em tudo o que existe. b) O movimento é princípio de mudança e a pressuposição de um não ser. c) Um Ser que jamais muda não existe e, portanto, é fruto de imaginação especulativa. d) O Ser existe como gerador do mundo físico, por isso a realidade empírica é puro ser, ainda que em movimento.

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