Coleção 10 V - Livro 8 - Português - Professor

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Murilo Amaral Shyrley Bernadelli


FRENTE

A


PORTUGUÊS Por falar nisso A análise sintática da língua portuguesa no Brasil pode ser dividida, basicamente, em dois níveis analíticos: o período simples e o período composto. Por definição, o período simples é aquele que é constituído por uma só oração, isto é, que contém apenas um verbo ou locução verbal. Já o período composto é aquele que é constituído por mais de uma oração. Nesse sentido, a análise sintática do período composto é compreendida a partir de uma perspectiva distinta da análise do período simples, uma vez que não se trata mais de uma análise intraoracional (dentro da oração) e, sim, uma análise interoracional (entre as orações). Desse modo, as relações interoracionais que podem estabelecer um par de orações em um período composto são estabelecidas por uma relação coordenativa- na qual há independência sintática entre as duas orações que formam o período, ou por uma relação subordinativa - na qual uma oração, a subordinada, exerce a função sintática de outro termo da outra oração – a principal. Trata-se, pois, de um estudo fundamental para compreender os ramos sintagmáticos de estruturação da Língua Portuguesa. Nas próximas aulas, estudaremos os seguintes temas

A09 A10 A11 A12

Crase I............................................................................................ 602 Crase II........................................................................................... 606 Introdução ao período composto ................................................. 611 Orações coordenadas ................................................................... 618


FRENTE

A

PORTUGUÊS

MÓDULO A09

ASSUNTOS ABORDADOS n Crase I n Regras gerais

CRASE I A palavra ‘crase’ provém do grego krásis e significa mistura. A crase na Língua Portuguesa, isto é, a fusão entre uma preposição e um artigo ou uma preposição e um pronome demonstrativo, é indicada por um acento grave (`). Para conseguir usar adequadamente o acento indicador de crase, é necessário que você se valha dos conhecimentos adquiridos no livro anterior, acerca de regência verbo-nominal. O estudo dos termos regentes e regidos na nossa língua se dá a partir de uma relação mediada por uma preposição. Conhecer, portanto, a regência de um verbo ou de um nome e a preposição adequada exigida por eles é fundamental para entender quando é necessário o uso do acento indicador de crase. Preposição

Artigo

Contração

a

o

ao

a

a

à

a

os

aos

a

as

às

Preposição

Pronome demonstrativo

Contração

a

aquele

àquele

a

aquela

àquela

a

aqueles

àqueles

a

aquelas

àquelas

Regras gerais 1ª regra Ocorre crase, geralmente, diante de palavras femininas. Logo, nunca use o acento grave indicativo de crase diante de palavras que não sejam femininas. n n n

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O sol estava a pino. (Sem crase, pois ‘pino’ não é palavra feminina.) Ela recorreu a mim. (Sem crase, pois ‘mim’ não é palavra feminina.) Estou disposto a ajudar você. (Sem crase, pois ‘ajudar’ não é palavra feminina.)


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Como a crase é a união de uma preposição a e um artigo feminino, não há como haver o acento indicador de crase antes de palavras masculinas, pois, antes destas, usa-se propriamente um artigo masculino. Lembre-se de que a combinação entre a preposição a e um artigo masculino é a contração: ao. Não se utiliza acento indicador de crase antes de pronomes pessoais. Mesmo que o pronome refira-se, ao retomar uma palavra de valor substantivo ou adjetivo, uma palavra feminina, a ele nunca antecede uma contração com acento indicador de crase, pois a maioria dos pronomes, inclusive os pronomes pessoais, não exigem artigo. Não se usa acento indicador de crase antes de verbos porque são palavras que não possuem gênero. Logo, não há verbos para serem antecedidos por artigos femininos. Trata-se, pois, de palavras que denotam ação, estado ou fenômeno da natureza de modo que as desinências que os compõem no seu paradigma de conjugação são desinências modo-temporais e desinências número-pessoais. 2ª regra Troca-se a palavra feminina por outra masculina. Se diante da palavra masculina surgir ‘ao (s)’, diante da feminina ocorrerá crase. Caso contrário, não ocorrerá crase. n n n

Assisti à peça. (Com crase, pois “Assisti ao filme”.) Paguei à cabeleireira. (Com crase, pois “Paguei ao cabeleireiro”.) Eu respeito as regras. (Sem crase, pois “Eu respeito os regulamentos”.)

Ao substituir o termo regido feminino por uma palavra masculina, o falante nativo de Língua Portuguesa pode compreender melhor a união entre a preposição e o artigo. Como a alteração fonológica da fusão entre a preposição a e um artigo feminino não é clara, ao substituir o artigo feminino por um masculino fica evidente a presença da preposição e do artigo, o que faz com que o acento indicador de crase seja necessário. Note que, no primeiro exemplo, o termo regido é “a peça”, palavra feminina que exige artigo feminino. No entanto, essa palavra está sendo regida pelo verbo “assistir”, que, quando significa “ver” ou “presenciar”, é transitivo indireto e exige a preposição a. Como você estudou regência verbal no livro anterior, você sabe que, ao trocar a palavra feminina “a peça” pela palavra masculina “o filme”, haverá a contração “ao”, de modo que, a crase “à” seja necessária. 3ª regra Se a preposição a vier de um verbo que indica destino (ir, voltar, chegar, cair, comparecer, dirigir-se...), troque o verbo por outro que indique procedência (vir, voltar, chegar...). Se, diante do que indicar procedência, surgir ‘da’, diante do que indicar destino, ocorrerá crase. Caso contrário, não ocorrerá crase. Para memorizar: Se vou a e volto da... , crase há; Se vou a e volto de... , crase pra quê?

n

Vou a Porto Alegre. (Sem crase, pois “Venho de Porto Alegre”.) Vou à Bahia. (Com crase, pois “Venho da Bahia”.)

A09  Crase I

n

603


Português

Os topônimos da Língua Portuguesa, ou seja, nomes próprios de lugar, são palavras que podem admitir artigo ou não, a depender da constituição histórica da palavra. Observe as frases a seguir: n n n

O Governo norte-americano venceu a guerra no Iraque. O Governo norte-americano venceu a guerra na Coreia do Norte. O Governo norte-americano venceu a guerra em Portugal.

Perceba que a presença do artigo definido varia de acordo com a exigência do nome próprio de lugar. Nos exemplos acima, a palavra “Iraque” exige antecedência de um artigo masculino; a palavra “Coreia do Norte” exige antecedência de um artigo feminino; e a palavra “Portugal” não exige antecedência de um artigo. Logo, essa situação atípica de uso do artigo altera profundamente a lógica de uso da crase na Língua Portuguesa. Nesse sentido, a regra de uso de verbos de procedência é bastante colaborativa para evidenciar a presença do artigo. Caso haja a contração “da” (de + a) ou “das” (de + as), será exigido o acento indicador de crase, pois o artigo feminino antecede o topônimo.

Exercícios de Fixação 01. (UEL PR) Assinale a letra correspondente à alternativa que preenche corretamente as lacunas da frase apresentada. O relatório refere-se ...... últimas prestações de contas, e chega ...... insinuar que erros existem ...... muito tempo. a) às - à - há b) às - a - há c) as - à - à d) às - a - à e) as - a - a 02. (Mackenzie SP) Assinale a alternativa que preenche com exatidão as lacunas. Estou aqui desde ______ 8 h, mas só poderei ficar até ______ 9h30min, porque ______ 10h30min assistirei ______ sessão solene de abertura de uma importante exposição de arte moderna, precisando, para isso, dirigir-me ______ Rua 7 de abril e ir _____ Galeria “Sanson Flexor”.

A09  Crase I

a) às - às - às - a - a - a b) às - as - às - à - à - à c) as - as - às - a - à - à d) as - as - às - à - à - à e) às - as - as - à - à - à 03. (Mackenzie SP) Aponte a alternativa que completa adequadamente as lacunas. IFoi ofendido, mas não conseguiu dar importância _____ II - Quando ia _____ pé à cidade mais próxima, olhava demoradamente as pessoas cara _____ cara.

604

III IV V-

Como não damos ouvido _____ reclamações, a polícia fica _____ distância. Pôs-se _____ falar _____ toda pessoa seus mais íntimos segredos. Sei _____ quem puxaste, pois temes lançar-te _____ novas conquistas.

a) I - aquilo; b) I - àquilo; c) I - àquilo; d) I - aquilo; e) I - àquilo;

II - à, à; II - a, a; II - a, a; II - à, a; II - a, à;

III - à, à; III - a, à; III - a, a; III - à, a; III - a, à;

IV - a, a; IV - a, a; IV - a, a; IV - à, a; IV - à, à;

V - a, a V - à, a V - a, a V - a, à V - à, a

04. (UECE) Empregou-se corretamente o sinal indicativo de crase em: a) Sobre a visita à Quixadá, os moradores nos mostraram os pontos turísticos. b) Sou favorável à uma suspensão temporária do namoro. c) A garota à cuja vida aludimos tem um comportamento excelente. d) A relação à qual nos referimos já dura muitos anos. 05. (Cesgranrio RJ) Assinale a frase em que à ou às está mal empregado: a) Amores à vista. b) Referi-me às sem-razões do amor. c) Desobedeci às limitações sentimentais. d) Estava meu coração à mercê das paixões. e) Submeteram o amor à provações difíceis.


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Exercícios Complementares

02. (IME RJ) Assinale a opção que completa corretamente as lacunas das frases a seguir: ISaíram daqui______ pouco, mas voltarão daqui______ pouco, pois moram apenas______dois quilômetros de distância. II_______foram suas amigas? _______ estarão agora? a) há - a - a - Aonde - Onde b) há - há - à - Onde - Onde c) há - a - a - Aonde - Aonde d) a - a - à - Para onde - Por onde e) a - há - há - Por onde - Aonde 03. (Fuvest SP) Assinale a alternativa que preenche adequadamente as lacunas do texto. “Chegar cedo ...... repartição. Lá ...... de estar outra vez o Horácio conversando ...... uma das portas com Clementino.” a) à - há - a b) à - há -à c) a - há - a d) à - a - a e) a - a - à 04. (UEL PR) Assinale a letra correspondente à alternativa que preenche corretamente as lacunas da frase apresentada. O aluno recorreu ..... escondidas ..... várias autoridades, para chegar ..... situação mais cômoda. a) as - a - àquela b) as - à - aquela c) às - a - àquela d) às - à - aquela e) as - à - àquela 05. (FEI SP) Assinalar a alternativa que preenche corretamente as lacunas das seguintes orações: I. Precisa falar____cerca de três mil operários. II. Daqui____alguns anos tudo estará mudado. III. ____dias está desaparecido.

IV.

Vindos de locais distantes, todos chegaram____tempo____reunião.

a) a - a - há - a - à b) à - a - a - há - a c) a - à - a - a - há d) há - a - à - a - a e) a - há - a - à - a 06. (Puc Campinas SP) A frase em que o acento grave indica corretamente a ocorrência de crase é: a) Ele deve muito aos pais, que sempre lutaram ombro à ombro para garantir-lhe um bom tratamento médico. b) Puseram a vítima e o acusado frente à frente, para o possível reconhecimento do agressor. c) Acompanhou-o passo à passo durante sua estada no Brasil. d) Quero que você fique bem à vontade para negar meu pedido, se não puder atendê-lo. e) Ele sempre vem à pé, por isso costuma atrasar-se. 07. (UEL PR) Assinale a letra correspondente à alternativa que preenche corretamente as lacunas da frase apresentada. Uma ..... uma, todas as alunas prestarão contas ..... diretora daquilo que fizeram ..... pouco. a) à - a - a b) a - à - há c) à - à - a d) a - a - há e) à - à - há 08. (UEL PR) Assinale a alternativa que preenche corretamente as lacunas da frase apresentada. Daí ...... poucos instantes, o menino entregou-se ...... reflexões mais sérias e colocou-se ...... disposição do diretor. a) há - à - à b) a - à - a c) há - a - à d) à - a - a e) a - a - à 09. (UEL PR) Assinale a alternativa que preenche corretamente as lacunas da frase apresentada. Dada ...... falta de recursos, solicitamos ...... Diretoria ...... suspensão da campanha. a) a - à - a b) a - à - à c) a - a - à d) à - à - a e) à - a - a

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A09  Crase I

01. (UEL PR) Assinale a letra correspondente à alternativa que preenche corretamente as lacunas da frase apresentada. Não compreendo, ...... vezes, esse seu comportamento; ...... mim mesma você prometeu não voltar ...... falar nesse assunto. a) às - a - a b) às - a - à c) as - à - à d) às - à - a e) as - a - a


FRENTE

A

PORTUGUÊS

MÓDULO A10

ASSUNTOS ABORDADOS n Crase II n Crase facultativa n Casos especiais n Pronome demonstrativo

CRASE II Na aula anterior, nós estudamos as regras gerais de uso do acento indicador de crase e compreendemos a estrutura formadora desse fenômeno grafocêntrico, que é constituído da união entre uma preposição a e um artigo feminino. Nesta aula, estudaremos algumas situações em que a crase é facultativa, como também casos especiais em que a crase é exigida.

Crase facultativa Pronomes possessivos femininos Diante de pronomes possessivos femininos, é facultativo o uso do artigo, então, quando houver a preposição a, será facultativa a ocorrência de crase. n n

Referi-me a sua professora. Referi-me à sua professora.

Nomes próprios femininos A crase é facultativa diante dos nomes próprios femininos. Assim, ela não ocorrerá se o nome da pessoa for usado em situação formal, ou se se tratar de personalidade pública, pois nesses casos não se utiliza artigo. n n n n

Ele fez referência à (ou a) Sandra. Enviei as flores à (ou a) Sílvia. Envie a proposta a Sílvia de Araújo. (Envie a proposta a Sílvio de Araújo.) Fez referências elogiosas a Clarice Lispector. (Fez referências elogiosas a Machado de Assis.)

Preposição “até” Após a preposição ‘até’, é facultativo o uso da preposição ‘a’. Portanto, caso haja substantivo feminino à frente, a ocorrência de crase será facultativa. n n

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Fui até a secretaria. Fui até à secretaria.


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Locuções adverbiais e prepositivas Nos adjuntos adverbiais femininos de modo, de lugar e de tempo, ocorre crase. n

à tarde, à noite, às pressas, às escondidas, às escuras, às tontas, à direita, à esquerda, à vontade, à revelia.

Nos adjuntos adverbiais femininos de instrumento, pode-se usar ou não acento indicador de crase. n

barco à vela (ou barco a vela).

Nas locuções prepositivas e conjuntivas femininas ocorre crase. n

à maneira de, à moda de, à custa de, à procura de, à espera de, à medida que, à proporção que.

Palavras “casa”, “terra” e “distância” A palavra “casa” só terá artigo se estiver especificada. Portanto, só ocorrerá crase diante da palavra “casa” nesse caso: n n

Cheguei a casa antes de todos. Cheguei à casa de Ronaldo antes de todos.

A palavra “terra”, significando planeta, é substantivo próprio e terá artigo. Consequentemente, quando houver a preposição a, ocorrerá a crase. Por outro lado, significando chão firme, solo, só terá artigo quando estiver especificada. Portanto, só nesse caso poderá ocorrer a crase. n n n

Os astronautas voltaram à Terra. Os marinheiros voltaram a terra. Irei à terra de meus avós.

Diante da palavra “distância”, só ocorrerá crase se houver a formação de locução prepositiva, ou seja, se não houver a preposição de, não ocorrerá crase. n n

Reconheci-o a distância. Reconheci-o à distância de duzentos metros.

Entre palavras iguais Não ocorrerá crase nas expressões formadas por palavras repetidas. n

cara a cara; gota a gota; face a face; frente a frente; corpo a corpo; lado a lado; passo a passo etc.

Moda e maneira Diante das palavras “moda” e “maneira”, das expressões adverbiais ‘à moda de’ e ‘à maneira de’, mesmo que as palavras ‘moda’ e ‘maneira’ fiquem subentendidas, ocorre crase. n n n

Fizemos um churrasco à gaúcha. Comemos bife à milanesa e espaguete à bolonhesa. Joãozinho usa cabelos à Príncipe Valente.

Pronome demonstrativo O uso do acento indicador de crase em pronomes demonstrativos dá-se pela mesma lógica de uso do acento indicador de crase em artigos femininos. Observe os exemplos a seguir: n n n n

Ontem, pela manhã, fui àquela feira perto de casa. Carlos e Joaquina saíram correndo de casa e foram àquele restaurante da esquina. O desembargador referiu-se, na sessão de ontem, àquele documento. Entre banana e maçã, eu prefiro esta àquela.

Perceba que, mesmo quando o pronome demonstrativo tem gênero masculino, ainda pode haver a contração e ser necessário o acento indicador de crase. Dessa maneira, é por isso que no exemplo: “foram àquele restaurante”, embora restaurante seja uma palavra masculina, o pronome demonstrativo aquele(a)(s) exige o acento indicador de crase diante de uma preposição a. Para que você, estudante, saiba como utilizar corretamente o acento indicador de crase em pronomes demonstrativos, valha-se da seguinte regra: substitua o pronome demonstrativo “aquele” pelo pronome demonstrativo “este”. Caso a construção evidencie a preposição a, “a este”, por exemplo, haverá crase no pronome “àquele”. Veja: n n n n

Ontem, pela manhã, fui a esta feira perto de casa. Carlos e Joaquina saíram correndo de casa e foram a este restaurante da esquina. O desembargador referiu-se, na sessão de ontem, a este documento. Entre banana e maçã, eu prefiro aquela a esta.

A10  Crase II

Casos especiais

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uida

bito, marenhe-

Português

m si m miuxi) unaiheia Pa-

Exercícios de Fixação 01. (Ibmec SP) Nada além O amor bate à porta e tudo é festa. O amor bate a porta e nada resta.

a) O jantar desta noite será um delicioso filé à Chatô. b) Voltarei daqui à uma hora. c) O fórum ocorrerá de 15 à 20 deste mês de janeiro. d) Nosso curso começará à partir da próxima semana. e) Irei à casa logo depois do treino.

Cineas Santos. Disponível em: http://www.jornaldepoesia.jor.br/cin01.html. Acesso em 03/08/2015.

Em relação ao jogo de ideias presente no par “bate à porta” e “bate a porta” nos versos acima, é correto afirmar que o emprego do acento grave está associado a a) fatores sintáticos que determinam diferentes significados. b) opções estilísticas que conferem sonoridade e ritmo ao poema. c) elementos morfológicos que acarretam mudança de classe gramatical. d) mecanismos fonológicos que promovem a tonicidade das palavras. e) recursos argumentativos que explicitam efeitos de subjetividade nos textos. 02. (FGV SP) Havia já quatro anos que Eugênio se achava no seminário sem visitar sua família. Seu pai já por vezes tinha escrito aos padres pedindo-lhes que permitissem que o menino viesse passar as férias em casa. Estes porém, já de posse dos segredos da consciência de Eugênio, receando que as seduções do mundo o arredassem do santo propósito em que ia tão bem encaminhado, opuseram-se formalmente, e responderam-lhe, fazendo ver que aquela interrupção na idade em que se achava o menino era extremamente perigosa, e podia ter péssimas consequências, desviando-o para sempre de sua natural vocação. Uma ausência porém de quatro anos já era excessiva para um coração de mãe, e a de Eugênio, principalmente depois que seu filho andava mofino e adoentado, não pôde mais por modo nenhum conformar-se com a vontade dos padres. Estes portanto, muito de seu mau grado, não tiveram remédio senão deixá-lo partir.

A10  Crase II

(Bernardo Guimarães. O Seminarista, 1995)

Observe as reescritas do texto e responda conforme solicitado entre parênteses. Seu pai já por vezes tinha escrito aos padres pedindo-lhes à permissão para que o menino viesse passar as férias em casa. / ... opuseram-se formalmente à ideia, e responderam de forma negativa inicialmente. (Justifique se os usos do acento indicativo da crase estão ou não de acordo com a norma-padrão.) 03. (IFCE) Assinale a alternativa que exemplifica o uso correto da crase.

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04. (IFCE) Os dois viajantes na Macacolândia Monteiro Lobato Dois viajantes, transviados no sertão, depois de muito andar, alcançam o reino dos macacos. 2 Ai deles! Guardas surgem na fronteira, guardas ferozes que os prendem, que os amarram e os levam à presença 3 de S. Majestade Simão III. 4 El-rei examina-os detidamente, com macacal curiosidade, e em seguida os interroga: 5 - Que tal acham isto por aqui? 6 Um dos viajantes, diplomata de profissão, responde sem vacilar: 7 - Acho que este reino é a oitava maravilha do mundo. Sou viajadíssimo, já andei por Seca e Meca, mas, palavra de 8 honra! Nunca vi gente mais formosa, corte mais brilhante, nem rei de mais nobre porte do que Vossa Majestade. 9 Simão lambeu-se todo de contentamento e disse para os guardas: 10 - Soltem-no e deem-lhe um palácio para morar e a mais gentil donzela para esposa. E lavrem incontinenti o 11 decreto de sua nomeação para cavaleiro da mui augusta Ordem da Banana de Ouro. 12 Assim se fez e, enquanto o faziam, El-rei Simão, risonho ainda, dirigiu a palavra ao segundo viajante: 13 - E você? Que acha do meu reino? 14 Este segundo viajante era um homem neurastênico, azedo, amigo da verdade a todo o transe. 15 Tão amigo da verdade que replicou sem demora: 16 O que acho? É boa! Acho o que é!… 17 - E que é que é? — interpelou Simão, fechando o sobrecenho. 18 - Não é nada. Uma macacalha… Macaco praqui, macaco prali, macaco no trono, macaco no pau… 19 - Pau nele — berra furioso o rei, gesticulando como um possesso. Pau de rachar nesse miserável caluniador… 20 E o viajante neurastênico, arrastado dali por cem munhecas, entrou numa roda de lenha que o deixou moído por 21 uma semana. 1

No trecho “Guardas surgem na fronteira, guardas ferozes que os prendem, que os amarram e os levam à presença de S. Majestade Simão III”, existe crase pela mesma razão que em a) Voltou à casa dos pais. b) O garoto deu o recado à mãe. c) Regressou à terra natal. d) Serviu o frango à cubana. e) Foi morto à bala.

Questão 02. Na primeira passagem, o sinal indicativo da crase não está de acordo com a norma-padrão, pois não se trata de objeto indireto do verbo, mas sim de objeto direto. O objeto indireto está marcado no pronome “lhe”. Tem-se a ideia: pedir alguma coisa (objeto direto) a alguém (objeto indireto), que são na oração, respectivamente, “permissão” e “lhes”. No segundo caso, a crase está correta, pois o verbo “opor-se” rege objeto indireto iniciado pela preposição “a”, e este objeto, por sua vez, tem um nome feminino como núcleo, precedido pelo artigo “a”.


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Exercícios Complementares

Museu do café abre às segundas nas férias O Museu do Café, em Santos (litoral de SP), vai funcionar às segundas-feiras de dezembro até abril de 2017. O objetivo é atender aos turistas que visitam a cidade durante as férias e a temporada de cruzeiros. A exposição ‘‘Café, Patrimônio Cultural do Brasil: Ciência, História e Arte’’ é uma das opções para os

visitantes com atividades educativas e eventos culturais. O museu fica na rua 15 de Novembro, 95, no centro histórico da cidade. De segunda a sábado, o horário de funcionamento é das 9h às 17h. Os ingressos custam R$6. A visitação é gratuita aos sábados. Site: museudocafe.org.br

Fonte: Folha de São Paulo – 27/10/2016 – Turismo.

O uso da crase em “das 9h às 17h.” justifica-se pela seguinte regra: a) O horário está grafado antes de palavra masculina – “funcionamento”. b) O horário está grafado antes de verbo – “é”. c) Foi escrito entre números – “9-17”. d) O artigo definido está no plural – “às”. e) Os números fazem referência à hora. 02. (IFPE) Briga à toa – Jorge de Altinho Se você quer voltar pra mim Tem que me dizer agora Meu amor, vamos embora Pois quem ama, não demora A gente perde tempo à toa Não tem briga boa, bom mesmo é amar Você sofrendo, me querendo E eu aqui roendo, doido pra voltar Não adianta mais fingir Que não dá mais pra ir na mesma direção É bom a gente se entender Pra depois não sofrer com a separação Disponível: < https://www.letras.mus.br/jorge-de-altinho/briga-a-toa/>. Acesso em: 10 maio. 2017.

No título da música “Briga à toa” do compositor pernambucano Jorge de Altinho, transcrita no texto, há um acento grave indicativo de crase que se justifica pelo fato de “à toa” ser uma locução adverbial de modo. Assinale, entre as alternativas a seguir, aquela em que a afirmativa acerca da omissão ou o do uso da crase está CORRETA. a) No período “Ela foi-se animando à medida que a dor passava” o acento grave indicativo de crase é facultativo, uma vez que a expressão em negrito se trata de uma locução prepositiva. b) Em “Todas as questões devem ser respondidas a caneta”, não se usa acento grave indicativo de crase, pois “a caneta” é uma locução adverbial de instrumento.

c) Na frase “Meu filho, entregue isso à Paula, nossa vizinha”, o uso do acento grave indicativo de crase é obrigatório por se tratar de um nome próprio feminino. d) Em “Diziam que ela dançava samba à Carlinhos de Jesus.”, não se deve usar acento grave indicativo de crase, visto que se refere a um nome próprio masculino. e) Na frase “Dirijo-me, respeitosamente, à Vossa Senhoria.”, o uso do acento grave indicativo de crase justifica-se por anteceder um pronome de tratamento. 03. (IFSC) Considerando o emprego do acento grave indicativo de crase, assinale (V) para as frases que estão de acordo com a norma padrão escrita da língua e (F) para aquelas que não estão. ( ) Mesmo com muita chuva, Jean preferiu ir à pé. ( ) Às vezes, Ana recorria às recomendações da mãe. ( ) Sempre sai para o trabalho às sete horas. ( ) Guilherme foi à Itália, à Espanha e à Áustria. ( ) Raquel foi à cidade enquanto o marido foi à praia. Assinale a alternativa que contém a sequência CORRETA das respostas, de cima para baixo. a) F, V, V, V, V d) V, F, F, F, F b) V, V, F, V, F e) F, F, V, V, V c) F, V, F, V, V 04. (Unitau SP) “‘Se a minha vida não vale, que produzam sem mim’. A frase do cartaz de uma manifestante nas ruas de Buenos Aires, em 19 de outubro, expressa um ponto de inflexão nos protestos contra a violência sofrida pelas mulheres. Não são apenas mulheres no lado de dentro das ruas, mas mulheres fora da produção. Ao relacionar corpos violados com corpos que se recusam a produzir, pela declaração de greve geral, o potencial de questionamento e de rebelião amplia-se. Não é uma fagulha, mas um incêndio. Este não é um outubro qualquer no campo dos feminismos.” BRUM, E. Mulheres, corpo e insurreição. Disponível em: http://brasil.elpais. com/brasil/2016/10/24/opinion/1477313842_805785.html. Acesso em 09 de nov. de 2016.

No trecho “[...] protestos contra a violência sofrida pelas mulheres”, o termo em destaque não leva acento indicativo de crase. Em relação a esse não uso, é CORRETO afirmar: a) Há, apenas, presença da preposição “a”, o que justifica o não uso do acento. b) A presença da preposição “contra” justifica o não uso do acento. c) A presença do termo masculino “protestos” justifica o não uso do acento. d) Há, apenas, presença de artigo, sem acompanhamento de preposição, o que justifica o não uso do acento.

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A10  Crase II

01. (Fundação Instituto de Educação de Barueri SP)


Português

e) O fato de o “a” se referir também à expressão escrita no plural “pelas mulheres” justifica o não uso do acento. 05. (Unitau SP) “Atualmente, muitos são os abusos e os crimes cometidos na internet, no que diz respeito aos cronistas, articulistas e escritores em geral. Os mais comuns são os textos atribuídos ou deformados que circulam por aí e que não podem ser desmentidos ou esclarecidos caso a caso”. Carlos Heitor Cony. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/folha/pensata/ult505u246.shtml>. Acesso em nov. de 2016. Adaptado.

A expressão em destaque no texto não pode ser apresentada com o acento indicativo de crase. Isso porque a) a palavra “caso” é masculina, portanto repele o artigo feminino “a”. b) expressões compostas por repetição de palavras idênticas dispensam o uso do acento indicativo de crase, por apresentarem apenas preposição. c) expressões compostas por repetição de palavras idênticas dispensam o uso do acento indicativo de crase, por apresentarem apenas artigo definido. d) o termo que antecede a expressão é um verbo, não havendo, portanto, presença de preposição. e) o termo que antecede a expressão é um verbo, não havendo, portanto, presença de artigo. 06. (Cefet PR) O MITO DO TEMPO REAL

A10  Crase II

O descompasso entre a velocidade das máquinas e a capacidade de compreensão de seus usuários leva a um quadro de ansiedade social sem precedentes. Em blogs, redes sociais, podcasts e mensagens eletrônicas diversas todos pedem desculpas pela demora em responder às demandas de seus interlocutores, impacientes como nunca. E-mails que não sejam atendidos em algumas horas acabam encaminhados para outras redes, em um apelo público por uma resposta. No desespero por contato instantâneo, telefones chamam repetidamente em horas impróprias, mensagens de texto são trocadas madrugada adentro, conversas multiplicam- se por comunicadores instantâneos e toda ocasião – do trânsito ao banheiro, do elevador à cama, da hora do almoço ao fim de semana – parece uma lacuna propícia para se resolver uma pendência. [...] A resposta imediata a uma requisição é chamada tecnicamente de “tempo real”, mesmo que não haja nada verdadeiramente real nem humano nessa velocidade. O tempo imediato, sem pausas nem espera, em que tudo acontece num estalar de dedos é uma ficção. Desejá-lo não aumenta a eficiência. Pelo contrário, pode ser extremamente prejudicial. Muitos combatem a superficialidade nas relações digitais pelos motivos errados, questionando a validade dos “amigos” no Facebook ou “seguidores” no Twitter ao compará-los com seus equivalentes analógicos. O problema não está na tecnologia, 610

mas na intensidade dispensada em cada interação. Seja qual for o meio em que ele se dê, o contato entre indivíduos demanda tempo, e nesse tempo não é só a informação pura e simples que se troca. Festas, conversas, leituras, relacionamentos, músicas e filmes de qualidade não podem ser acelerados ou resumidos a sinopses. Conversas, ao vivo ou mediadas por qualquer tecnologia, perdem boa parte de sua intensidade com a segmentação. O tempo empenhado em cada uma delas é muito valioso; não faz sentido economizá-lo, empilhá-lo ou segmentá-lo. O tempo humano (que talvez seja irreal, se o “outro” for provado real) é bem mais lento. Nossas vidas são marcadas tanto pela velocidade quanto pela lentidão. [...] Essa quebra da sequência histórica faz com que muitos processos pareçam herméticos ou misteriosos demais. Quando não há uma compreensão das etapas componentes de um processo, não há como intervir nelas, propondocorreções, adaptações ou melhorias. Tal impotência leva a uma apatia, em que as condições impostas são aceitas por falta de alternativa. Escondidos seus processos industriais, os produtos adquirem uma aura quase divina, transformando seus usuários em consumidores vorazes, que se estapeiam em lojas à procura do último aparelho eletrônico que se proponha a preencher o vazio que sentem. Incapazes de propor alternativas ou sugerir mudanças, os consumidores são estimulados pela publicidade a um gigantesco hedonismo e pragmatismo. A facilidade de acesso à abundância leva a uma passividade e a um pensamento pragmático que defende a ideia de “vamos aproveitar agora, pois quando acontecer um problema alguém terá descoberto a solução”, visível na forma com que se abordam problemas de saúde, obesidade, consumo, lixo eletrônico, esgotamento de recursos e poluição ambiental. Em alta velocidade há pouco espaço para a reflexão. Reduzidos a impulsos e reflexos, corremos o risco de deixar para trás tudo aquilo que nos diferencia das outras espécies. (Luli Radfahrer. Disponível em: http:// www1.folha.uol.com.br/colunas/ luliradfahrer/ 1191007-o-mito-do-tempo-real.shtml.)

Analise o uso da crase no fragmento: “Escondidos seus processos industriais, os produtos adquirem uma aura quase divina, transformando seus usuários em consumidores vorazes, que se estapeiam em lojas à procura do último aparelho eletrônico.” Assinale a alternativa em que o emprego da crase se justifica pelo mesmo uso que no fragmento acima. a) Ela ficou parada à espera de uma oportunidade para dar sua opinião. b) Os imigrantes sírios voltaram à terra de seus antepassados. c) Todos os funcionários do jornal foram à Lapa inaugurar a gráfica. d) Dirigia-se àquela população como seu reduto eleitoral. e) A placa indicava que era proibido virar à esquerda nesta rua.


FRENTE

A

PORTUGUÊS

MÓDULO A11

INTRODUÇÃO AO PERÍODO COMPOSTO Por definição, período composto é aquele que possui duas ou mais orações, o que significa que nele há dois ou mais verbos/locuções verbais. O centro da análise sintática de orações escritas em Língua Portuguesa é o verbo. A partir dele, tem-se o referente oracional imediato, isto é, o sujeito, e os complementos desse mesmo verbo, que podem ser objetos e/ou adjuntos adverbiais.

ASSUNTOS ABORDADOS n Introdução ao período composto n Relações intraoracionais e interoracionais n Tipos de orações

Em nível de período simples, a análise sintática recai sobre o verbo e todos os termos que se associam a ele e, por sua vez, também sobre os termos que se associam a algum termo relacionado ao verbo. Em período simples, a partir de uma análise sintática, têm-se os fragmentos de oração que constituem os sintagmas compositores do enunciado verbal. Em nível de período composto, por haver mais de uma oração, a análise sintática recai sobre a relação que essas orações estabelecem entre si, de modo que uma influencie no sentido da outra. Essa influência pode ser mutualística, no sentido de que uma dependa da outra, ou pode ser apenas cooperativa, já que pode não ser causadora de uma dependência sintática.

Relações intraoracionais e interoracionais Análise intraoracional Fazer uma análise intraoracional significa analisar os constituintes que estão no interior de uma única oração. Trata-se, portanto, da análise sintática do período simples, que desenvolvemos ao longo do nosso estudo sobre a morfossintaxe da Língua Portuguesa brasileira. Observe:

Fonte: Wikimedia Commons

O imperador do Brasil D. Pedro I proclamou a independência do país em 1822. n

Sujeito: O imperador do Brasil D. Pedro I n Núcleo do sujeito: imperador n Adjuntos adnominais: O / do Brasil n Aposto especificativo: D. Pedro I

n

Verbo transitivo direto: proclamou

n

Objeto direto: a independência do país n Núcleo do objeto direto: independência n Adjuntos adnominais: a / do país

n

Adjunto adverbial de tempo: em 1822.

Figura 01 - Às margens do rio Ipiranga, D. Pedro I proclama a independência do Brasil

611


Português

Análise interoracional Por outro lado, realizar uma análise interoracional significa analisar as relações estabelecidas entre duas ou mais orações. Trata-se da análise sintática do período composto, que desenvolveremos ao longo das próximas aulas. D. Pedro I, que foi imperador do Brasil, proclamou a independência em 1822. n Oração 1: D. Pedro I proclamou a independência em 1822. n Sujeito: D. Pedro I n Verbo transitivo direto: proclamou n Objeto direto: a independência n Adjunto adverbial de tempo: em 1822 n Oração 2: que foi imperador do Brasil n Sujeito: que n Verbo de ligação: foi n Predicativo do sujeito: imperador do Brasil

Tipos de orações Em nossa língua, existem dois tipos de relações entre as orações: orações coordenadas e orações subordinadas. Orações coordenadas

SAIBA MAIS

A11  Introdução ao período composto

A palavra sindética é de origem grega e significa síndeto, ou seja, conectivo ou conjunção. Portanto, as orações sindéticas são aquelas que possuem conjunção e as orações assindéticas são aquelas que não possuem conjunção.

612

As orações coordenadas são aquelas que possuem independência sintática recíproca. Isto significa que qualquer uma dessas orações poderia aparecer sozinha sem perda de sentido, a depender apenas do contexto de enunciação. As orações coordenadas dividem-se em dois grupos: sindéticas e assindéticas. Orações coordenadas assindéticas Observe a seguir as orações e perceba que não há, entre elas, nenhum conectivo que as una e tampouco dependência sintática. n n n

O bebê gritou, esperneou, chorou, dormiu... Os adultos bebem cerveja no bar; as crianças brincam no playground. Eu queria viajar pelo mundo, eu queria conhecer novas pessoas, eu queria poder deixar de sonhar.


Linguagens, Códigos e suas Tecnologias

Orações coordenadas sindéticas Observe as orações a seguir e perceba que, embora entre elas haja um conectivo que as una, ainda assim persiste a independência sintática. n n n

Antonio Candido é um dos mais brilhantes críticos literários brasileiros e influenciou toda uma geração. O dia amanheceu nublado, mas ainda nadarei no clube. Eu saí mais cedo de casa, porque tinha prova de Biologia.

Orações subordinadas As orações subordinas possuem dependência sintática entre si, o que significa que em um período composto por subordinação, haverá uma oração principal e uma oração subordinada, que exercerá uma função sintática da primeira. Existem três tipos de orações subordinadas: orações substantivas, orações adjetivas e orações adverbiais. Orações subordinadas substantivas As orações substantivas são orações introduzidas por uma conjunção integrante (que ou se) e exercem uma função sintática de valor substantivo da oração principal. Podem ser: sujeito, objeto direto, objeto indireto, complemento nominal, predicativo e aposto. Observe os exemplos: n n n

Eu sei que você voltou tarde para casa ontem. Maria perguntou-me se eu tinha saído bem na prova. É importante que você estude muito.

Orações subordinadas adjetivas As orações adjetivas são introduzidas por um pronome relativo (que, quem, o (a)(s), qual (is), onde, quando, quanto (a)(s), cujo (a)(s), como) e exercem uma função sintática de valor adjetivo da oração principal. Analise os exemplos: n n n

Carlos Alberto é o garoto por quem eu sou apaixonada. Goiânia, onde eu nasci, é uma cidade grande de tradições interioranas. Getúlio Vargas, cuja política de Governo tinha um viés populista, suicidou-se em 1954.

Orações subordinadas adverbiais As orações adverbiais são introduzidas por uma conjunção adverbial (se, caso, embora, quando etc.) e exercem uma função sintática de valor adverbial da oração principal. Veja os exemplos: n n n

Quando eu cheguei nesta cidade, eu senti que trabalharia arduamente. Se amanhã fosse ontem, hoje seria depois de amanhã? Embora esteja muito frio lá fora, eu quero tomar sorvete.

A11  Introdução ao período composto

Fonte: Wikimedia Commons

Figura 02 - Imagem do presidente Getúlio Vargas

613


a

e de hureal, ios 4 tífica écnirmamos m ser

Português

Exercícios de Fixação 01. (Famema SP) Em 2010, cientistas realizaram um experi-

b) Dei dinheiro ao mendigo porque isso evitaria as sensa-

mento especialmente tocante com ratos. Eles trancaram um rato numa gaiola minúscula, colocaram-na dentro

ções desagradáveis que sua presença me provocava. c) Assim que dei dinheiro ao mendigo, evitei as sensações

de um compartimento maior e deixaram que outro rato

desagradáveis que sua presença me provocava.

vagasse livremente por esse compartimento. O rato en-

d) Caso tivesse dado dinheiro ao mendigo, teria evitado

gaiolado demonstrou sinais de estresse, o que fez com

as sensações desagradáveis que sua presença me pro-

que o rato solto também demonstrasse sinais de ansiedade e estresse. Na maioria dos casos, o rato solto tentava

vocava. e) Dei dinheiro ao mendigo para evitar as sensações desa-

ajudar seu companheiro aprisionado e, depois de várias tentativas, conseguia abrir a gaiola e libertar o prisioneiro. Os pesquisadores repetiram o experimento, dessa vez

gradáveis que sua presença me provocava. 02. (UECE) Envelhecer

pondo um chocolate no compartimento. O rato livre tinha

Arnaldo Antunes

de escolher entre libertar o prisioneiro e ficar com o chocolate só para ele. Muitos ratos preferiram primeiro soltar o companheiro e dividir o chocolate (embora uns poucos tenham mostrado mais egoísmo, provando com isso que alguns ratos são mais maldosos que outros). Os céticos descartaram essas conclusões, alegando que o rato livre liberta o prisioneiro não por ser movido por empatia, mas simplesmente para parar com os incomodativos sinais de estresse apresentados pelo companheiro. Os ra-

01 02 03

A coisa mais moderna que existe nessa vida é envelhecer A barba vai descendo e os cabelos vão

04 05 06 07 08

caindo pra cabeça aparecer Os filhos vão crescendo e o tempo vai dizendo que agora é pra valer Os outros vão morrendo e a gente aprendendo a esquecer

09 10

Não quero morrer pois quero ver Como será que deve ser envelhecer

11 12

Eu quero é viver pra ver qual é E dizer venha pra o que vai acontecer

13 14 15 16 17 18 19 20

Eu quero que o tapete voe No meio da sala de estar Eu quero que a panela de pressão pressione E que a pia comece a pingar Eu quero que a sirene soe E me faça levantar do sofá Eu quero pôr Rita Pavone No ringtone do meu celular

21 22 23 24

Eu quero estar no meio do ciclone Pra poder aproveitar E quando eu esquecer meu próprio nome Que me chamem de velho gagá

25 26 27 28

Pois ser eternamente adolescente nada é mais démodé Com uns ralos fios de cabelo sobre a testa que não para de crescer

tos seriam motivados pelas sensações desagradáveis que sentem e não buscam nada além de exterminá-las. Pode ser. Mas poderíamos dizer o mesmo sobre nós, humanos. Quando dou dinheiro a um mendigo, estou reagindo às sensações desagradáveis que sua visão provoca em mim? Realmente me importo com ele, ou só quero me sentir melhor? Na essência, nós humanos não somos diferentes de ratos, golfinhos ou chimpanzés. Como eles, tampouco temos alma. Como nós, eles também têm consciência e um complexo mundo de sensações e emoções. É claro que todo animal tem traços e talentos exclusivos. Os humanos têm suas aptidões especiais. Não deveríamos humanizar os animais desnecessariamente, imaginando que são apenas uma versão mais peluda de nós mesmos. Isso A11  Introdução ao período composto

não só configura uma ciência ruim, como igualmente nos impede de compreender e valorizar outros animais em seus próprios termos. (Homo Deus, 2016.)

Assinale a alternativa em que a oração subordinada indica uma finalidade. a) Mesmo que tivesse dado dinheiro ao mendigo, não teria evitado as sensações desagradáveis que sua presença me provocava.

614


Linguagens, Códigos e suas Tecnologias

29

Não sei por que essa gente vira a cara pro

a transferência beneficia a 69 imagem do Catar. “Um pequeno

30

presente e esquece de aprender

país 70 riquíssimo em petróleo, do Golfo, que bota 71 tanto di-

31 32

Que felizmente ou infelizmente sempre o tempo vai correr

nheiro para dar alegria a uma torcida, 72 ou a milhões de torcedores espalhados pelo 73 mundo... você tem uma volta disso na 74 imagem do Catar, que é muito grande”, disse 75 à GloboNews. “É uma grande jogada de 76 marketing do Catar como um todo”,

No enunciado “Eu quero que o tapete voe“ (Ref. 13), tem-se

77

a) uma estrutura sintática e semântica semelhante à do enunciado “Eu quero estar no meio do ciclone” (Ref. 21), o qual

78

apresenta, na ordem, uma oração principal, outra subordinada substantiva reduzida, expressando a ideia de que, mesmo na velhice, é possível ainda querer realizar e aproveitar certas atividades. b) uma estrutura sintática formada por uma primeira oração, chamada de principal, e por uma outra, denominada de oração subordinada substantiva, que serve como sujeito da primeira, para ser transmitida a ideia sobre quem o enunciador está falando. c) uma estrutura sintática formada por uma oração principal e por uma outra oração subordinada substantiva, a qual funciona como complemento direto da primeira oração, para o enunciador enfatizar o objeto do seu querer e, assim, mostrar sua vivacidade. d) uma estrutura sintática diferente da dos enunciados “Eu quero que a panela de pressão pressione” (Ref. 15) e “Eu quero que a sirene soe” (Ref. 17), que apresentam uma oração principal seguida de uma oração subordinada objetiva direta, em que se mostra a possiblidade de o desejo do enunciador se realizar. 03. (UECE) Transferência de Neymar ao PSG é golpe de ‘soft power’

acrescentou. O Catar enfrenta a sua pior crise política em 79 décadas, com

a Arábia Saudita e outros 80 países do Golfo tendo cortado relações 81 diplomáticas com o emirado por acusações82 de apoio a grupos terroristas. O Catar nega 83 as acusações e diz que o objetivo é 84 prejudicar o emirado rico em gás. 85 Com a transferência de Neymar, Doha pode 86 estar de olho em investir em ‘soft power’. O 87 conceito de ‘soft power’ (‘poder suave’, em 88 tradução livre) foi elaborado para definir a 89 influência de países nas relações 90 internacionais por meio de investimentos em 91 ações positivas. 92 “Esse é um golpe de ‘soft power’. O Catar 93 precisa demonstrar ao mundo que, apesar de 94 todas as acusações, é o país mais resiliente 95 no Oriente Médio”, disse à AFP Andreas 96 Krieg, analista de risco político no King’s 97 College de Londres. “Ter o melhor jogador do 98 mundo mostra ao resto do mundo que se o 99 Catar é determinado, eles ainda têm os 100 maiores recursos para tirar e, se necessário, 101 usar o dinheiro que têm para promover a sua agenda”, acrescentou. 103 O custo da transferência de Neymar “envia 104 um sinal muito forte para o mundo esportivo 105 e um sinal muito forte de desafio contra os 106 Emirados Árabes Unidos e a Arábia Saudita”, 102

disse Krieg. “Eles queriam esse jogador e 108 usaram o dinheiro para comprá-lo a qualquer 109 preço”. [...] 107

do Catar a países do Golfo, dizem especialistas

https://g1.globo.com/mundo/noticia/transfe-renciade- neymar-ao-psg-e-golpe-de-soft-power-docatar- a-paises-do-golfo-dizem-especialistas.ghtml

A transferência do fenômeno brasileiro 47 Neymar ao Paris Saint-Germain (PSG) 48 representa uma estratégia de marketing e 49 um golpe de ‘soft power’ do Catar contra os 50 países do Golfo que cortaram relações 51 diplomáticas com o emirado. Esta é a análise 52 de especialistas ouvidos pela agência de 53 notícias France Presse e do comentarista da 54 GloboNews, Marcelo Lins. 55 Neymar se tornou o jogador mais caro da 56 história do futebol, com o pagamento da 57 cláusula de rescisão no valor de € 222 58 milhões (R$ 812 milhões). 59 Segundo Mathieu Guidere, especialista em 60 geopolítica do mundo árabe consultado pela 61 AFP, o anúncio da transferência do jogador 62 ao PSG, que é de um fundo de investimentos 63 do Catar, “foi testado entre catarianos como 64 uma espécie de estratégia de comunicação 65 que ofuscaria o debate em torno de outras 66 considerações, como o terrorismo”. 67 Marcelo Lins, comentarista da GloboNews, 68 afirmou que

No enunciado “O Catar precisa demonstrar ao mundo que, apesar de todas as acusações, é o país mais resiliente no Oriente Médio” (Refs. 92-95), a expressão parentética “apesar de todas as acusações” estabelece com a oração com a qual está ligada uma relação de a) condição, pois, se o Catar não demonstrar ao mundo que é o país mais resiliente do Oriente Médio, ele continuará ainda sofrendo muitas acusações. b) finalidade, porque o propósito do Catar, diante de todas as acusações, é o de precisar demonstrar ao mundo que é o país mais resiliente do Oriente Médio. c) consequência, visto que o motivo de o Catar precisar demonstrar ao mundo que é o país mais resiliente do Oriente Médio deve-se às acusações sofridas. d) concessão, já que, independentemente das acusações, o Catar precisa demonstrar ao mundo que é o país mais resiliente do mundo.

46

615

A11  Introdução ao período composto

Disponível em https://www.vagalume.com.br/arnaldoantunes/ envelhe-cer.html. Acesso: 22/9/17.


o do um

Português

S.Pau/2016

Exercícios Complementares 01. (Uerj RJ) COM O OUTRO NO CORPO, O ESPELHO PARTIDO O que acontece com o sentimento de identidade de uma pessoa que se depara, diante do 2 espelho, com um rosto que não é seu? Como é possível manter a convicção razoavelmente estável 3 que nos acompanha pela vida, a respeito do nosso ser, no caso de sofrermos uma alteração radical 4 em nossa imagem? Perguntas como essas provocaram intenso debate a respeito da ética médica 5 depois do transplante de parte da face em uma mulher que teve o rosto desfigurado por seu 6 cachorro em Amiens, na França. 7 Nosso sentimento de permanência e unidade se estabelece diante do espelho, a despeito de 8 todas as mudanças que o corpo sofre ao longo da vida. A criança humana, em um determinado 9 estágio de maturação, identifica-se com sua imagem no espelho. Nesse caso, um transplante 10 (ainda que parcial) que altera tanto os traços fenotípicos quanto as marcas da história de vida 11 inscritas na face destruiria para sempre o sentimento de identidade do transplantado? Talvez não. 12 Ocorre que o poder do espelho – esse de vidro e aço pendurado na parede – não é tão absoluto: 13 o espelho que importa, para o humano, é o olhar de um outro humano. A cultura contemporânea 14 do narcisismo*, ao remeter as pessoas a buscar continuamente o testemunho do espelho, não 15 considera que o espelho do humano é, antes de mais nada, o olhar do semelhante. 16 É o reconhecimento do outro que nos confirma que existimos e que somos (mais ou menos) os 17 mesmos ao longo da vida, na medida em que as pessoas próximas continuam a nos devolver nossa 18 “identidade”. O rosto é a sede do olhar que reconhece e que também busca reconhecimento. É 19 que o rosto não se reduz à dimensão da imagem: ele é a própria presentificação de um ser humano, 20 em sua singularidade irrecusável. Além disso, dentre todas as partes do corpo, o rosto é a que faz 21 apelo ao outro. A parte que se comunica, expressa amor ou ódio e, sobretudo, demanda amor. 22 A literatura pode nos ajudar a amenizar o drama da paciente francesa. O personagem Robinson 23 Crusoé do livro Sexta-feira ou os limbos do Pacífico, de Michel Tournier, perde a noção de sua 24 identidade e enlouquece, na falta do olhar de um semelhante que lhe confirme que ele é um 25 ser humano. No início do romance, o náufrago solitário tenta fazer da natureza seu espelho. Faz 26 do estranho, familiar, trabalhando para “civilizar” a ilha e representando diante de si mesmo o 27 papel de senhor sem escravos, mestre sem discípulos. Mas depois de algum tempo o isolamento 28 degrada sua humanidade. 29 A paciente francesa, que agradeceu aos médicos a recomposição de uma face humana, ainda que 30 não seja a “sua”, vai agora depender de um esforço de tolerância e generosidade por parte dos 31 que lhe são próximos. Parentes e amigos terão de superar o desconforto de olhar para ela e não 32 encontrar a mesma de antes. Diante de um rosto outro, deverão

A11  Introdução ao período composto

1

616

ainda assim confirmar que ela 33 continua sendo ela. E amar a mulher estranha a si mesma que renasceu daquela operação. MARIA RITA KEHL Adaptado de folha.uol.com.br, 11/12/2005.

É que o rosto não se reduz à dimensão da imagem: ele é a própria presentificação de um ser humano, em sua singularidade irrecusável. (Refs. 18-20) Em relação à declaração feita antes dos dois-pontos, o trecho sublinhado possui valor de: a) condição c) explicação b) conclusão d) comparação 02. (Unesp SP) Leia o excerto do Sermão do bom ladrão, de Antônio Vieira (1608-1697). Navegava Alexandre [Magno] em uma poderosa armada pelo Mar Eritreu a conquistar a Índia; e como fosse trazido à sua presença um pirata, que por ali andava roubando os pescadores, repreendeu-o muito Alexandre de andar em tão mau ofício; porém ele, que não era medroso nem lerdo, respondeu assim: “Basta, Senhor, que eu, porque roubo em uma barca, sou ladrão, e vós, porque roubais em uma armada, sois imperador?”. Assim é. O roubar pouco é culpa, o roubar muito é grandeza: o roubar com pouco poder faz os piratas, o roubar com muito, os Alexandres. Mas Sêneca, que sabia bem distinguir as qualidades, e interpretar as significações, a uns e outros, definiu com o mesmo nome: [...] Se o rei de Macedônia, ou qualquer outro, fizer o que faz o ladrão e o pirata; o ladrão, o pirata e o rei, todos têm o mesmo lugar, e merecem o mesmo nome. Quando li isto em Sêneca, não me admirei tanto de que um filósofo estoico se atrevesse a escrever uma tal sentença em Roma, reinando nela Nero; o que mais me admirou, e quase envergonhou, foi que os nossos oradores evangélicos em tempo de príncipes católicos, ou para a emenda, ou para a cautela, não preguem a mesma doutrina. Saibam estes eloquentes mudos que mais ofendem os reis com o que calam que com o que disserem; porque a confiança com que isto se diz é sinal que lhes não toca, e que se não podem ofender; e a cautela com que se cala é argumento de que se ofenderão, porque lhes pode tocar. [...] Suponho, finalmente, que os ladrões de que falo não são aqueles miseráveis, a quem a pobreza e vileza de sua fortuna condenou a este gênero de vida, porque a mesma sua miséria ou escusa ou alivia o seu pecado [...]. O ladrão que furta para comer não vai nem leva ao Inferno: os que não só vão, mas levam, de que eu trato, são os ladrões de maior calibre e de mais alta esfera [...]. Não são só ladrões, diz o santo [São Basílio Magno], os que cortam bolsas, ou espreitam os que se vão banhar, para lhes colher a roupa; os ladrões que mais própria e dignamente merecem este título são aqueles a quem os reis encomendam os exércitos e legiões, ou o governo das províncias, ou a administração das cidades, os quais já com manha, já com força, roubam e despojam os povos. Os outros ladrões


Linguagens, Códigos e suas Tecnologias

(Essencial, 2011.)

“Se o rei de Macedônia, ou qualquer outro, fizer o que faz o ladrão e o pirata; o ladrão, o pirata e o rei, todos têm o mesmo lugar, e merecem o mesmo nome.” (1º parágrafo) Em relação ao trecho que o sucede, o trecho destacado tem sentido de a) condição. d) causa. b) proporção. e) consequência. c) finalidade. 03. (Mackenzie SP) Escrever é um ato não natural. A palavra falada é mais velha do que nossa espécie, e o instinto para a linguagem permite que as crianças engatem em conversas articuladas anos antes de entrar numa escola. Mas a palavra escrita é uma invenção recente que não deixou marcas em nosso genoma e precisa ser adquirida mediante esforço ao longo da infância e depois. A fala e a escrita diferem em seus mecanismos, é claro, e essa é uma das razões pelas quais as crianças precisam lutar com a escrita: reproduzir os sons da língua com um lápis ou com o teclado requer prática. Mas a fala e a escrita diferem também de outra maneira, o que faz da aquisição da escrita um desafio para toda uma vida, mesmo depois que seu funcionamento foi dominado. Falar e escrever envolvem tipos diferentes de relacionamentos humanos, e somente o que diz respeito à fala nos chega naturalmente. A conversação falada é instintiva porque a interação social é instintiva: falamos às pessoas “com quem temos diálogo”. Quando começamos um diálogo com nossos interlocutores, temos uma suposição do que já sabem e do que poderiam estar interessados em aprender, e durante a conversa monitoramos seus olhares, expressões faciais e atitudes. Se eles precisam de esclarecimentos, ou não conseguem aceitar uma afirmação, ou têm algo a acrescentar, podem interromper ou replicar. Não gozamos dessa troca de feedbacks quando lançamos ao vento um texto. Os destinatários são invisíveis e imperscrutáveis, e temos que chegar até eles sem conhecê-los bem ou sem ver suas reações. No momento em que escrevemos, o leitor existe somente em nossa imaginação. Escrever é, antes de tudo, um ato de faz de conta. Temos de nos imaginar em algum tipo de conversa, ou correspondência, ou discurso, ou solilóquio, e colocar palavras na boca do pequeno avatar que nos representa nesse mundo simulado. Adaptado de Steven Pinker, Guia de Escrita

Assinale a alternativa correta. a) É claro (Ref. 07) é oração intercalada que tem como função reafirmar o que se diz no período anterior. b) Alterar a posição do advérbio não (Ref. 01) para o início do período manteria o mesmo sentido do que se encontra no texto tal como está. c) O conector mas (Ref. 04) introduz período que semanticamente estabelece uma consequência em relação ao afirmado no período anterior.

d) É opcional o emprego do acento indicador de crase em diz respeito à fala (Ref. 14), de acordo com as regras do acordo ortográfico mais recente. e) O emprego da preposição em no trecho no momento em que escrevemos (Ref. 25) é opcional, pois ela pode ser omitida, sem que com isso se incorra em erro de uso da norma culta da língua escrita. 04. (Puc Campinas SP) Considere o trecho inicial do conto “A aranha”, do escritor e jornalista paulista Orígenes Lessa (1903-1986). — Quer assunto para um conto? – perguntou o Eneias, cercando-me no corredor. 2 Sorri. 3 — Não, obrigado. 4 — Mas é assunto ótimo, verdadeiro, vivido, acontecido, interessantíssimo! 5 — Não, não é preciso... Fica para outra vez... 6 — Você está com pressa? 7 — Muita! 8 — Bem, de outra vez será. Dá um conto estupendo. E com esta vantagem: aconteceu... É só florear um pouco. 9 — Está bem...Então...até logo...Tenho que apanhar o elevador... 10 Quando me despedia, surge um terceiro. Prendendo-me à prosa. Desmoralizando-me a pressa. 11 − Então, que há de novo? 12 — Estávamos batendo papo... Eu estava cedendo, de graça, um assunto notável para um conto. Tão bom, que até comecei 13 a esboçá-lo, há tempos. Mas conto não é gênero meu − continuou o Eneias, os olhos azuis transbordando de 14 generosidade. 15 — Sobre o quê? − perguntou o outro. 16 Eu estava frio. Não havia remédio. Tinha que ouvir, mais uma vez, o assunto. 17 — Um caso passado. Conheceu o Melo, que foi dono de uma grande torrefação aqui em São Paulo, e tinha uma ou várias 18 fazendas pelo interior? 19 Pergunta dirigida a mim. Era mais fácil concordar. 1

(In: Omelete em Bombaim, 1946. Disponível em: www.academia.org.br)

É correto afirmar: a) (Refs. 9 e 11) Em − Está bem...Então...até logo... e Então, que há de novo? a palavra sublinhada está empregada com idêntico sentido e exerce idêntica função, a de indicar que o falante tenta iniciar conversa com um interlocutor. b) (Ref. 13) A expressão há tempos está gramaticalmente bem construída, como também está adequada a formulação “daqui há dias”. c) (Ref. 10) Em Quando me despedia, surge um terceiro. Prendendo-me à prosa. Desmoralizando-me a pressa, pode-se entender que as frases em que ocorre o gerúndio têm valor de oração adjetiva explicativa. d) (Ref. 8) Em Dá um conto estupendo. E com esta vantagem: aconteceu..., o pronome destacado remete à ideia de que o assunto daria um conto estupendo. e) (Ref. 15) Em − Sobre o quê? − perguntou o outro, a palavra está adequadamente grafada, como acontece com o destacado em “Perguntava-se o por quê de tanta agressividade contra um monumento histórico”. 617

A11  Introdução ao período composto

roubam um homem, estes roubam cidades e reinos: os outros furtam debaixo do seu risco, estes sem temor, nem perigo: os outros, se furtam, são enforcados: estes furtam e enforcam.


FRENTE

A

PORTUGUÊS

MÓDULO A12

ASSUNTOS ABORDADOS n Orações coordenadas n Orações coordenadas assindéticas n Orações coordenadas sindéticas n Classificação das orações coordenadas sindéticas

ORAÇÕES COORDENADAS Na aula anterior, vimos um panorama inicial acerca do estudo do período composto e você aprendeu que existem dois tipos de períodos compostos: o coordenado e o subordinado. Nesta aula, nosso foco baseia-se no estudo das orações coordenadas que, como vimos, dividem-se em dois grupos: n n

Orações coordenadas assindéticas: aquelas que não possuem conectivo/conjunção; Oração coordenadas sindéticas: aquelas que possuem conectivo/conjunção.

Orações coordenadas assindéticas Existem períodos compostos que são formados exclusivamente por orações coordenadas assindéticas e períodos que mesclam as orações assindéticas com as sindéticas. Veja a seguir: n

“Deus quer, o homem sonha, a obra nasce.” (Fernando Pessoa) Nesse período, há três orações assindéticas justapostas. São elas: n n n

n

Oração 1: Deus quer (assindética) Oração 2: o homem sonha (assindética) Oração 3: a obra nasce (assindética)

Era domingo, a manhã estava linda, mas havia pouca gente na praia. Nesse período há duas orações assindéticas e uma sindética. São elas: n n n

Oração 1: Era domingo (assindética) Oração 2: a manhã estava linda (assindética) Oração 3: mas havia pouca gente na praia (sindética)

Orações coordenadas sindéticas As orações coordenadas sindéticas são introduzidas por um conectivo/conjunção de grande importância no que diz respeito ao valor semântico de dada oração. Assim, as orações coordenadas sindéticas subdividem-se em: n n n n n

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Orações coordenadas sindéticas aditivas Orações coordenadas sindéticas alternativas Orações coordenadas sindéticas adversativas Orações coordenadas sindéticas conclusivas Orações coordenadas sindéticas explicativas


Linguagens, Códigos e suas Tecnologias

Classificação das orações coordenadas sindéticas Orações coordenadas aditivas São orações que estabelecem uma relação de soma, de adição, de continuidade com o fato da oração anterior. Veja os exemplos, em que a oração coordenada sindética está destacada: n n n

Durante a viagem, a boiada não comeu, nem descansou. O pequeno circo chegou à cidade e instalou-se ao lado da praça. O velho ator fez um discurso emocionado e a plateia foi às lágrimas. Principais conjunções aditivas: e, nem (= e não), não só, mas também, como também, além do mais, ademais, outrossim.

Orações coordenadas alternativas São orações que estabelecem uma opção entre dois fatos, de tal forma que, ocorrendo um deles, o outro não se realiza. Veja os exemplos, em que a oração coordenada sindética alternativa está destacada: n n

Traga-nos o contrato ainda hoje, ou desistiremos da compra do terreno. Ora ele defende nossas opiniões, ora critica-nos abertamente. Principais conjunções alternativas: ou, ou... ou, ora... ora, quer... quer, seja... seja

Orações coordenadas adversativas

n n n

Eles eram amigos inseparáveis, entretanto brigavam quase todo dia. A natureza pede socorro, e o ar e as águas continuam sendo poluídos. João Carlos tinha se preparado para a apresentação, mas esqueceu o computador. Principais conjunções adversativas: mas, porém, contudo, todavia, entretanto, no entanto

SAIBA MAIS Veja que, embora a conjunção “e” seja, originalmente, uma conjunção de valor aditivo, o valor desse conector é polissêmico, isto é, possui vários sentidos. Como você pôde ver nos exemplos, a conjunção “e” também pode ser empregada com valor adversativo.

A12  Orações coordenadas

São orações que exprimem uma ideia contrária à da oração coordenada anterior, uma oposição, um contraste. Veja os exemplos, em que a oração coordenada sindética está destacada:

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Português

Orações coordenadas conclusivas São orações que exprimem uma continuidade lógica, uma conclusão do fato referido na oração anterior. Veja os exemplos, em que a oração coordenada sindética está destacada: n n n

Mais refugiados estão chegando ao Brasil, trata-se, pois, de um assunto muito importante. Cláudia comprou um par de sapatos novos, logo ficou devendo no final do mês. A reforma trabalhista foi uma conquista do proletariado, por isso a elite burguesa passou a reclamar.

Principais conjunções conclusivas: pois (posposto ao verbo), logo, então, assim, por isso, portanto, desse modo, dessa maneira, dessa forma, nesse sentido, destarte.

Orações coordenadas explicativas São orações que exprimem uma explicação, uma justificação para o que se diz na outra oração coordenada. Veja os exemplos, em que a oração coordenada sindética está destacada: n n n

Dirige esse carro com cuidado, pois você acabou de tirar a carteira. Você tem que estudar muito, porque você tirou nota baixa na última prova. “Médicos nas UTIs, larguem seus bisturis, que a gente voltou.” (Clarice Falcão) Principais conjunções aditivas: pois (anteposto ao verbo), porque, que.

Exercícios de Fixação 01. (FGV SP) Leia os quadrinhos abaixo.

d) É necessário que tenham confiança na empresa e no produto. e) Ainda não decidimos se haverá a tal reunião. 02. (Unicamp SP) Os enunciados abaixo são parte de uma peça publicitária que anuncia um carro produzido por uma conhecida montadora de automóveis.

UM CARRO QUE ATÉ A ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE APROVARIA: ANDA MAIS E BEBE MENOS ELE CABE NA SUA VIDA, SUA VIDA CABE NELE.

(Diário da Região, 15.10.2011)

A12  Orações coordenadas

Assinale a alternativa em que a oração em destaque tem a mesma função sintática da destacada no período – Acho que já sei qual será o novo toque do meu celular. a) Marcaram a reunião, mas ainda não informaram o local. b) O contrato será assinado, a menos que o texto contenha erros. c) Atenda bem ao cliente, que ele voltará sempre.

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(Adaptado de Superinteressante, jun. 2009, p. 9.)

a) A menção à Organização Mundial da Saúde na peça publicitária é justificada pela apresentação de uma das características do produto anunciado. Qual é essa característica? Explique por que o modo como a característica é apresentada sustenta a referência à Organização Mundial da Saúde. b) A peça publicitária apresenta duas orações com o verbo caber. Contraste essas orações quanto à organização sintática. Que efeito é produzido por meio delas?

Questão 02. a) A característica do produto anunciado, que justifica a menção à Organização Mundial da Saúde, é o baixo consumo de combustível. Ao apresentar essa característica por meio da frase “anda mais e bebe menos”, o redator do anúncio publicitário tira proveito da polissemia dos verbos andar e beber. “Anda mais”, no contexto das atribuições da OMS, ou seja, no das condutas que favorecem a boa saúde, deve ser interpretado como caminha mais, desloca-se a pé com maior frequência; no contexto do automobilismo, significa percorre maior quilometragem. “Bebe menos”, no primeiro contexto, equivale a ingere menores quantidades de bebidas alcoólicas; no segundo, a gasta menos combustível. b) Do ponto de vista sintático, as duas orações com o verbo caber têm organização inversa. O termo que está anteposto ao verbo na primeira oração (“ele”, anafórico de “um carro”) é preposicionado e deslocado para depois do verbo (“nele”) na segunda oração. Nos termos da análise sintática, o sujeito da primeira oração passa a funcionar como adjunto adverbial da segunda. Simetricamente, o termo posposto ao verbo (“na sua vida”, que faz referência ao consumidor) perde a preposição (“sua vida”) e é topicalizado, ou seja, é deslocado para antes do verbo da segunda oração. Nos termos da análise sintática, o adjunto adverbial é alçado à função de sujeito. Esse cruzamento em xis (isto é, esse quiasmo) cria uma estrutura circular, uma espécie de círculo virtuoso, que produz o efeito de que o veículo anunciado e a vida do consumidor complementam-se mutuamente, dando a impressão de um ajuste perfeito entre ambos.


Linguagens, Códigos e suas Tecnologias

Exercícios Complementares

(MOISÉS, Massaud. A literatura brasileira através dos textos. 20. ed. São Paulo: Cultrix, 1971. p. 230.)

As orações conectadas a partir das expressões “não só” e “como também” apresentam ideia de a) consequência. c) adição. e) concessão. b) oposição. d) comparação. 02. (Unimontes MG) Não éramos cordiais?

Clóvis Rossi

O nível impressionante de violência no cotidiano está cada vez mais próximo de uma barbárie intolerável A morte do cinegrafista Santiago Andrade não configura um atentado à liberdade de imprensa, ao 2 contrário do que tantos apregoam. É muito pior que isso: é um atentado ao convívio civilizado entre 3 brasileiros, um degrau a mais na escalada impressionante de violência que está empurrando o país para um 4 teor ainda mais exacerbado de barbárie. O incidente com o cinegrafista é parte de uma coreografia de 5 violência crescente que se dá por onde quer que se olhe. 6 Nunca se matou com tanta facilidade em assaltos. Nunca se apertou o gatilho com tanta facilidade. É 7 até curioso que as estatísticas policiais no Estado de São Paulo apontem uma redução no número de 8 homicídios dolosos, como se fosse um avanço, quando aumenta o número de vítimas de latrocínio, que não 9 passa de homicídio precedido de roubo. 10 De fato, em 2013, o número de latrocínios (379) foi o mais alto em nove anos, com aumento de 10% 11 em relação aos 344 casos do ano anterior. Mas a violência não é um fenômeno restrito à criminalidade. A 12 polícia age muitas vezes com uma violência desproporcional. A vida nas cidades e, cada vez mais, no 13 interior é de uma violência inacreditável. O trânsito é uma violência contra a mente humana. O transporte 14 público violenta dia após dia. Não é um atentado aos direitos humanos perder às vezes três horas entre ir e 15 voltar do trabalho? 16 A saúde é uma violência contra o usuário. A educação violenta, pela sua baixa qualidade, o natural 17 anseio de ascensão social. A existência de moradias em zonas de risco é outra violência. A contaminação do 18 ar mata ou fere de maneira invisível os habitantes das cidades em que o nível de poluição supera o mínimo 19 tolerável. 20 Não adianta, agora, culpar o governo do PT ou a suposta herança maldita legada pelo PSDB, ou os 21 crimes praticados pela ditadura militar ou a turbulência que precedeu o golpe de 1964. O país foi sendo 22 construído de maneira 1

torta, irresponsável, sem o mais leve sinal de planejamento, de preparação para o 23 futuro. 24 Acumularam-se violências em todas as áreas de vida. A explosão no consumo de drogas exacerbou, 25 por sua vez, a violência da criminalidade comum. Não há “coitadinhos” nessa história. Há delinquentes e 26 vítimas e há a incompetência do poder público. 27 É como escreveu, para Carta Capital, esse impecável humanista chamado Luiz Gonzaga Belluzzo: 28 “O descumprimento do dever de punir pelo ente público termina por solapar a solidariedade que cimenta a 29 vida civilizada, lançando a sociedade no desamparo e na violência sem quartel.” 30 Antes que o desamparo e a violência sem quartel se tornem completamente descontrolados, seria 31 desejável o surgimento de lideranças capazes de pensar na coisa pública em vez de se dedicarem a seus 32 interesses pessoais, mesmo os legítimos. Alguém precisa aparecer com um projeto de país, em vez de 33 projetos de poder. Não é por acaso que 60% dos brasileiros querem mudanças, ainda que não as definam 34 claramente. A encruzilhada agora é entre ideias e rojões. (Folha de S. Paulo, A18 mundo, quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014.)

Os trechos “A explosão no consumo de drogas” (Ref. 24) e “a violência da criminalidade comum” (Ref. 25) estão organizados numa relação de a) contraste ou oposição. c) causa e efeito. b) finalidade. d) conclusibilidade. 03. (Ufes ES) 1 “Meu pai sofria de sonhos, saía pela noite de olhos transabertos. Como dormia fora, nem dávamos conta. 2 Minha mãe, manhã seguinte, é que nos convocava: 3 –Venham: papá teve um sonho! 4 E nos juntávamos, todos completos, para escutar as verdades que lhe tinham sido reveladas. Taímo recebia notícia 5 do futuro por via dos antepassados. Dizia tantas previsões que nem havia tempo de provar nenhuma. Eu me 6 perguntava sobre a verdade daquelas visões do velho, estorinhador como ele era. 7 – Nem duvidem, avisava mamã, suspeitando-nos. 8 E assim seguia nossa criancice, tempos afora. Nesses anos ainda tudo tinha sentido: a razão deste mundo estava 9 num outro mundo inexplicável.” (COUTO, Mia. Terra sonâmbula. São Paulo: Cia das Letras, 2007. p. 16).

Informe qual a relação semântica expressa pelos conectivos como (Ref. 1) e que (Ref. 5) destacados no fragmento de texto acima. 04. (UFG GO) PREFÁCIO São os primeiros cantos de um pobre poeta. Desculpai- os. As primeiras vozes do sabiá não têm a doçura dos seus cânticos de amor.

Questão 03. A relação semântica expressa pelo conectivo “como” na oração “como dormia fora” é de causa, ou seja, o fato de o pai dormir fora é a causa de a família nem se dar conta de que ele “sofria de sonhos” e “saía pela noite de olhos transabertos”. Já o conectivo “que”, presente em “que nem havia tempo de provar nenhuma”, é consecutivo: o fato de o pai fazer muitas previsões tem como consequência ninguém ter tempo de provar nenhuma delas (das previsões).

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A12  Orações coordenadas

01. (IF RS) Graças aos aspectos polimórficos de sua poesia, Olavo Bilac encarnou brilhantemente o verso e o reverso de nosso Parnasianismo. Mais ainda: ao aderir à nova corrente poética, não só cuidou de materializá-la em suas composições, como também buscou traduzir-lhe e divulgar-lhe a doutrina de modo tão direto quanto possível.


Português

É uma lira, mas sem cordas; uma primavera, mas sem flores; uma coroa de folhas, mas sem viço. Cantos espontâneos do coração, vibrações doridas da lira interna que agitava um sonho, notas que o vento levou, – como isso dou a lume essas harmonias. São as páginas despedaçadas de um livro não lido... E agora que despi a minha musa saudosa dos véus do mistério do meu amor e da minha solidão, agora que ela vai seminua e tímida por entre vós, derramar em vossas almas os últimos perfumes de seu coração, ó meus amigos, recebei-a no peito, e amai-a como o consolo que foi de uma alma esperançosa, que depunha fé na poesia e no amor – esses dois raios luminosos do coração de Deus. AZEVEDO, Álvares de. Lira dos vinte anos. In: Obra completa. Organização de Alexei Bueno. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2000. p. 120.

Se ao invés de usar períodos compostos como em “É uma lira, mas sem cordas; uma primavera, mas sem flores; uma coroa de folhas, mas sem viço.”, o autor tivesse escolhido períodos simples: “É uma lira sem cordas. É uma primavera sem flores. É uma coroa de folhas sem viço.”, a imagem construída a respeito de sua obra não seria a mesma, porque a) o pressuposto produzido pelo uso do termo sem indica a impossibilidade de os poemas retratarem a completude das coisas do mundo. b) a oposição entre os objetos naturais e os produzidos pelo homem autoriza a interpretação de que a natureza seja a musa inspiradora dos poemas. c) o subentendido produzido pelo uso do mas leva o leitor ao entendimento de que a obra é comparada a produções rudimentares. d) a contradição marcada pelo uso do mas permite a compreensão de que a essência das coisas se mantém mesmo quando lhes falta o atributo principal. e) a antítese instaurada na comparação entre realidade e ficção produz a ideia de que a poesia deva realçar a aparência das coisas. 05. (Unisa SP) Leia o trecho da canção “Dobrado de amor a São Paulo” de Vinicius de Moraes e Haroldo Tapajós. Se o frio aperta eu pego o cobertor Abraço mais o meu amor E vou até de manhã, em São Paulo

A12  Orações coordenadas

Isto aqui está bom demais, em São Paulo Eu daqui não saio mais, de São Paulo Ai, que bem isto me faz Chuva, garoa, ventania Troca a noite pelo dia O tempo passa devagar Sinto um bem-estar no coração Vem o dia E o sol me encontra Na avenida São João 622

O verso – Se o frio aperta eu pego um cobertor – é introduzido pela ideia de a) finalidade, como em As declarações de fé no trabalho são bons indicadores de religiosidade dos funcionários. b) condição, como em Se os biólogos se empenharem, poderão conciliar a religião com a ciência. c) proporção, como em Na Faculdade de Veterinária a questão religiosa enfrenta tanta resistência quanto na de Medicina. d) concessão, como em Quando souberem aliar a ciência à religião, os seres humanos poderão ser mais felizes. e) consequência, como em O estudo sobre o aproveitamento de células-tronco é tão instigante que as religiões não se preocuparão mais com a questão. 06. (UEL PR) Analise a imagem, leia o texto a seguir.

(Adaptado de: Superinteressante. Editora Abril. 306.ed. jul. 2012. p.21.)

O gordo é o novo fumante. Nunca houve tanta gente acima do peso – nem tanto preconceito contra gordos. De um lado, o que há por trás é uma positiva discussão sobre saúde. Por outro, algo de podre: o nascimento de uma nova eugenia. Analise o período “Nunca houve tanta gente acima do peso – nem tanto preconceito contra gordos” e assinale a alternativa correta. a) A segunda oração apresenta a elipse do termo “peso”, portanto a ideia expressa em relação à primeira oração é de oposição. b) Há um período composto no qual a segunda oração apresenta a ideia de adição em relação à primeira. c) O período apresenta uso inadequado dos elementos coordenados “nunca” e “nem” presentes nas duas orações. d) Os termos “nunca” e “nem”, apesar de estarem em orações diferentes, possuem o mesmo valor semântico indicativo de tempo. e) Para expressar valor aditivo, na segunda oração, é necessário o emprego da conjunção “e” junto à conjunção “nem”.


FRENTE

A

PORTUGUÊS

Exercícios de Aprofundamento 01. (Mackenzie SP) IRefiro-me àquilo e não a isto. II - Sairemos bem cedo, para chegar à tempo de assistir a cerimônia. III - Dirigiram-se à Sua Excelência e declararam que estão dispostos à cumprir o seu dever e a não permitir a violação da lei. Quanto ao emprego da crase, assinale: a) se todas as afirmações estão incorretas. b) se todas estão corretas. c) se apenas I está correta. d) se apenas III está correta. e) se apenas II está correta. 02. (UFRGS) Considere as seguintes afirmações sobre o uso da crase. I. Caso substituíssemos a expressão “faz parte” (par.1) pelo verbo “compõe”, seriam criadas, no contexto da oração, as condições para o uso de crase. II. Caso substituíssemos a forma verbal “incorpora” (par.2) por “remete”, seriam criadas, no contexto da oração, as condições para o uso de crase. III. Caso substituíssemos a forma verbal “criou” (par.3) por “fixou”, seriam criadas, no contexto da oração, as condições para o uso de crase. Qual(is) está(ão) correta(s)? a) Apenas I c) Apenas III e) Apenas II e III b) Apenas II d) Apenas I e III 03. (IF CE) A alternativa que apresenta o uso adequado do acento indicativo de crase é a) Eu não me referi à Sua Excelência. b) Ele caminhava à passo lento. c) Juliana percorreu a ilha de ponta à ponta. d) Estou disposto à falar com seus pais. e) Chegaremos às duas horas. 04. (IF CE)

O anjo Rafael

Machado de Assis

Cansado da vida, descrente dos homens, desconfiado das mulheres e aborrecido dos credores, o dr. Antero da 2 Silva determinou um dia despedir-se deste mundo. 3 Era pena. O dr. Antero contava trinta anos, tinha saúde, e podia, se quisesse, fazer uma bonita carreira. Verdade é 4 que para isso fora necessário proceder a uma completa reforma dos seus costumes. Entendia, porém, o nosso herói que 5 o defeito não estava em si, mas nos outros; cada pedido de um credor inspirava-lhe uma apóstrofe contra a sociedade; 6 julgava conhecer os homens, por ter tratado até então com alguns bonecos sem 1

consciência; pretendia conhecer as 7 mulheres, quando apenas havia praticado com meia dúzia de regateiras do amor. 8 O caso é que o nosso herói determinou matar-se, e para isso foi à casa da viúva Laport, comprou uma pistola e 9 entrou em casa, que era à rua da Misericórdia. 10 Davam então quatro horas da tarde. 11 O dr. Antero disse ao criado que pusesse o jantar na mesa. 12 - A viagem é longa, disse ele consigo, e eu não sei se há hotéis no caminho. 13 Jantou com efeito, tão tranquilo como se tivesse de ir dormir a sesta e não o último sono. O próprio criado reparou 14 que o amo estava nesse dia mais folgazão que nunca. Conversaram alegremente durante todo o jantar. No fim dele, 15 quando o criado lhe trouxe o café, Antero proferiu paternalmente as seguintes palavras: 16 - Pedro, tira de minha gaveta uns cinquenta mil-réis que lá estão, são teus. Vai passar a noite fora e não voltes 17 antes da madrugada. 18 - Obrigado, meu senhor, respondeu Pedro. 19 - Vai. 20 Pedro apressou-se a executar a ordem do amo. 21 O dr. Antero foi para a sala, estendeu-se no divã, abriu um volume do Dicionário filosófico e começou a ler. 22 Já então declinava a tarde e aproximava-se a noite. A leitura do dr. Antero não podia ser longa. Efetivamente daí a 23 algum tempo levantou-se o nosso herói e fechou o livro. 24 Uma fresca brisa penetrava na sala e anunciava uma agradável noite. Corria então o inverno, aquele benigno 25 inverno que os fluminenses têm a ventura de conhecer e agradecer ao céu. 26 O dr. Antero acendeu uma vela e sentou-se à mesa para escrever. Não tinha parentes, nem amigos a quem deixar 27 carta; entretanto, não queria sair deste mundo sem dizer a respeito dele a sua última palavra. Travou da pena e 28 escreveu as seguintes linhas: 29 Quando um homem, perdido no mato, vê-se cercado de animais ferozes e traiçoeiros, procura fugir se pode. De 30 ordinário a fuga é impossível. Mas estes animais meus semelhantes tão traiçoeiros e ferozes como os outros, tiveram a 31 inépcia de inventar uma arma, mediante a qual um transviado facilmente lhes escapa das unhas. 32 É justamente o que vou fazer. 33 Tenho ao pé de mim uma pistola, pólvora e bala; com estes três elementos reduzirei a minha vida ao nada. Não 34 levo nem deixo saudades. Morro por estar enjoado da vida e por ter certa curiosidade da morte. 35 Provavelmente, quando a polícia descobrir o meu cadáver, os jornais escreverão a notícia do acontecimento, e um 36 ou outro fará a esse respeito considerações filosóficas. Importam-me bem pouco as tais considerações. 37 Se me é lícito ter uma última vontade, quero que estas linhas sejam publicadas no Jornal do Commercio. Os 38 rimadores de ocasião encontrarão assunto para algumas estrofes. 623


Português

O dr. Antero releu o que tinha escrito, corrigiu em alguns lugares a pontuação, fechou o papel em forma de carta, e 40 pôs-lhe este sobrescrito: Ao mundo. 41 Depois carregou a arma; e, para rematar a vida com um traço de impiedade, a bucha que meteu no cano da 42 pistola foi uma folha do Evangelho de S. João. 43 Era noite fechada. O dr. Antero chegou-se à janela, respirou um pouco, olhou para o céu, e disse às estrelas: 44 - Até já. 45 E saindo da janela acrescentou mentalmente: 46 - Pobres estrelas! Eu bem quisera lá ir, mas com certeza hão de impedir-me os vermes da terra. Estou aqui, e 47 estou feito um punhado de pó. É bem possível que no futuro século sirva este meu invólucro para macadamizar a rua do 48 Ouvidor. Antes isso; ao menos terei o prazer de ser pisado por alguns pés bonitos. 49 Ao mesmo tempo que fazia estas reflexões, lançava mão da pistola, e olhava para ela com certo orgulho. 50 - Aqui está a chave que me vai abrir a porta deste cárcere, disse ele. 51 Depois sentou-se numa cadeira de braços, pôs as pernas sobre a mesa, à americana, firmou os cotovelos, e 52 segurando a pistola com ambas as mãos, meteu o cano entre os dentes. 53 Já ia disparar o tiro, quando ouviu três pancadinhas à porta. Involuntariamente levantou a cabeça. Depois de um 54 curto silêncio repetiram-se as pancadinhas. O rapaz não esperava ninguém, e era-lhe indiferente falar a quem quer que 55 fosse. Contudo, por maior que seja a tranquilidade de um homem quando resolve abandonar a vida, é-lhe sempre 56 agradável achar um pretexto para prolongá-la um pouco mais. 57 O dr. Antero pôs a pistola sobre a mesa e foi abrir a porta. 39

No fragmento “Depois sentou-se numa cadeira de braços, pôs as pernas sobre a mesa, à americana, firmou os cotovelos, e segurando a pistola com ambas as mãos, meteu o cano entre os dentes” (Refs. 51 e 52), na expressão em negrito deve-se usar crase porque a) a cadeira era americana. b) o autor vê o protagonista como um astro de Hollywood. c) a mesa foi feita nos Estados Unidos. d) se subtende que o autor quer dizer à “moda” americana. e) o autor faz uma crítica à mania dos brasileiros de copiar tudo o que vem dos Estados Unidos. 05. (Unievangélica GO) FRENTE A  Exercícios de Aprofundamento

A perfeição e velocidade com que as crianças aprendem a falar Ao chegarem aos 4 anos de idade, as crianças já dominam sua língua materna (e às vezes duas ou três línguas) com total perfeição e facilidade. E note-se que uma criança realiza essa façanha sem receber instrução formal, sem estudar gramática, sem exercícios sistemáticos, em uma tarefa por muito tempo, em que está ocupada aprendendo um mundo de outras coisas: comer sozinha, ir ao banheiro, reconhecer os parentes e amigos, andar, brincar, ligar a TV, fazer birra quando deseja alguma coisa, e todas as outras atividades que preenchem seu dia. O domínio nativo de uma língua envolve, entre muitas outras coisas, a aquisição de um vocabulário de vários milhares de 624

itens e o controle de um grande número de regras, algumas delas bem complexas [...]. E, o que muitas vezes se esquece, também envolve a aquisição de “sequências típicas” de várias espécies, como: expressões idiomáticas do tipo rodar a baiana e de ovo atravessado; uso de verbos que podem significar várias coisas, como dar em dar uma olhada e hoje não dá pra ir lá, ou então fazer em fazer por onde e fazer cera; e milhares de sequências mais ou menos fixas, como levar na moleza, ou duplas de substantivo + modificador como papo furado, débil mental, motorista de táxi. Todas essas sequências típicas são armazenadas na memória independentemente das regras normais da sintaxe, e são elas que dão à fala do nativo aquele caráter espontâneo que um estrangeiro dificilmente consegue adquirir. Não obstante, em três ou quatro anos, as crianças conseguem dominar todo esse conhecimento, e isso em um grau de perfeição que nenhum adulto normalmente consegue, mesmo após longos anos de esforço e estudo. PERINI, Mário A. A língua do Brasil amanhã e outros mistérios. São Paulo: Parábola, 2004. p. 127-128.

No enunciado “Não obstante, em três ou quatro anos, as crianças conseguem dominar todo esse conhecimento” a expressão “não obstante” estabelece com os períodos anteriores uma relação de concessão, podendo ser substituída, sem prejuízo de sentido, pelo seguinte operador argumentativo: a) Em razão disso c) A partir disso b) Considerando-se isso d) Apesar disso 06. (Fatec SP) Recentemente, a agência de notícias BBC publicou uma reportagem sobre o controle imigratório no Canadá, com o seguinte título: Atraindo cada vez mais brasileiros, Canadá se firma como destino global de imigrantes <https://tinyurl.com/m83b8bg> Acesso em: 17.02.2017.

A relação entre as duas orações que compõem o título da notícia é de a) subordinação, porque ambas as orações são independentes. b) subordinação, porque a primeira oração é dependente da segunda. c) subordinação, pois a segunda oração depende da primeira. d) coordenação, porque a segunda oração é dependente da primeira. e) coordenação, pois ambas as orações são dependentes. 07. (Uneb BA) 1 “Igualdade” é uma das muitas palavras que 2 suscitam paixões, mais por suas conotações do que 3 por seu significado: um significado extremamente difícil 4 de definir e muito controverso. Confesso abertamente 5 que não sou diferente do resto da humanidade nessa 6 questão. Sempre que ouço a palavra igualdade usada 7 num contexto político, reajo como um cavalo diante de 8 um obstáculo que não quer pular: refugo. 9 E isso por mais de uma razão. Pessoalmente, não 10 confio em igualitários. Especialmente se são intelectuais. 11 Raras vezes encontrei um intelectual igualitário que me 12 surpreendesse por ser uma pessoa realmente indiferente 13 ao seu próprio status, e que, por conseguinte, aceitasse 14 de bom grado mesclar-


-se humilde e despercebidamente 15 com a massa. Assim como os filósofos que negam a 16 realidade da identidade pessoal (e há muitos) em geral 17 não permanecem de todo indiferentes ao nome nos 18 cheques que recebem como pagamento pelas suas 19 publicações, também os igualitários falam em favor da 20 vitória — a deles — pelo menos tanto quanto falam em 21 favor da verdade. Às vezes parece que nenhum filósofo 22 vive como se acreditasse que o que diz seja verdade. 23 Embora às vezes até tentem, os igualitários 24 raramente conseguem sofregar a sua ânsia de dominar. 25 Marx e Lênin, dois igualitários bastante conhecidos, 26 sequer tentaram. Claro: nenhum ser humano é capaz 27 de alinhar completamente a sua vida aos seus princípios. 28 Eu, por exemplo, acredito na cordialidade, mas não 29 posso afirmar que sempre fui ou serei cordial. A única 30 maneira de eliminar totalmente a hipocrisia e a impostura 31 da vida humana seria abandonar quaisquer princípios. 32 Só que a pessoa que adota como meta política, princípio 33 e paixão dominantes algo que representa uma violência 34 contra os desejos igualmente dominantes do próprio 35 coração flerta com o desastre: abre caminho às 36 racionalizações mais elaboradas e, fundamentalmente, 37 mais absurdas para justificar a prática do mal em nome 38 de um suposto bem. É por isso que se conhecer a si 39 mesmo, ou prestar atenção aos movimentos da própria 40 alma, como diz Samuel Johnson, é extremamente 41 importante. Se você sabe, no mais íntimo do coração, 42 que quer ascender aos olhos do mundo, ocupar um cargo 43 de importância, ser melhor que a maioria e não ser pior 44 do que ninguém, ser admirado por todos, e assim por 45 diante, não é bom fingir que é um igualitário. Tal pretensão 46 cedo ou tarde acarretará uma deformação medonha do 47 seu caráter e a destruição da sua probidade intelectual. DANIELS, Anthony. Os dilemas da igualdade. DC Dicta & Contradicta. São Paulo: IFE, n. 06, dez. 2010. p. 86-87.

No seu respectivo contexto, constitui uma concessão o fragmento destacado em 01. “Especialmente se são intelectuais.” (Ref. 10). 02. “por ser uma pessoa realmente indiferente ao seu próprio status” (Refs. 12-13). 03. “pelo menos tanto quanto falam em favor da verdade.” (Refs. 20-21). 04. “Embora às vezes até tentem” (Ref. 23). 05. “ou prestar atenção aos movimentos da própria alma” (Refs. 39-40). 08. (Unificado RJ) A superação da dor Novas informações sobre os mecanismos que nos levam a sentir dor ajudam na criação de alternativas capazes de dar alívio aos pacientes 1 Um dos instrumentos mais importantes de 2defesa do organismo. Assim pode ser resumida a 3dor. Se quebrarmos o braço, sentimos dor, e assim 4sabemos que não devemos usá-lo para não piorar a 5fratura. Se encostarmos em uma superfície quente, a 6variação de temperatura nos faz tirar a mão, evitando 7que o calor destrua a derme. Se há infecção em 8algum

órgão, cólicas intensas avisam que algo errado 9acontece. Sem a dor, seria impossível manter a 10integridade de nosso corpo. Em alguns casos, porém, 11esse orquestrado sistema de defesa sai do eixo. Em 12vez de proteger, vira uma ameaça. Por mecanismos 13complexos, a dor, que deveria ser apenas um 14alerta, torna-se perene, constante. Transforma-se 15na chamada dor crônica – aquela que persiste por 16mais de três meses ou por um período superior ao 17calculado para a recuperação do paciente. Além 18de desafiador, o problema tem grande extensão. 19 A Organização Mundial da Saúde calcula que, no 20mundo, a cada cinco pessoas, uma sofra com a dor 21permanente. 22 A urgência em dar alívio a essa população 23tem feito com que, no mundo todo, cientistas se 24entreguem à busca de uma melhor compreensão dos 25mecanismos que levam às sensações dolorosas e de 26novas formas de intervir nesse processo quando ele 27se torna prejudicial. Se por um lado ainda há muito o 28que ser descoberto, por outro, os avanços da ciência 29já são capazes de garantir a uma boa parcela desses 30pacientes a possibilidade de uma vida sem dor. 31 Pode parecer paradoxal, mas algumas das 32respostas têm sido dadas a partir de pesquisas com 33pessoas que simplesmente não sentem dor. Trabalho 34desse gênero está sendo realizado no Centro de 35Dor do Hospital das Clínicas de São Paulo (HC-SP). 36Entre os indivíduos estudados estão os irmãos 37 Marisa Helena, 24 anos, e Reinaldo Martins, 30 anos. 38Os dois moram em Angatuba (SP). Suas histórias 39evidenciam a importância da dor para garantir uma 40vida segura. Mãe de duas meninas, Marisa precisou 41ser acordada durante seu segundo parto: o bebê 42já estava nascendo, e ela permanecia dormindo. 43Reinaldo teve de amputar a perna após uma grave 44 inflamação no joelho. Ele não sentiu os tecidos 45infeccionarem. Até coisas banais, como comer, 46oferecem risco. Eles não percebem, por exemplo, 47quando põem um alimento muito quente na boca e 48só sabem que morderam a língua quando sai sangue. 49Sem o aviso da dor, os tecidos do corpo de Marisa 50e Reinaldo estão constantemente ameaçados. 51É preciso uma rotina de cuidados redobrados que 52inclui uma inspeção diária em busca de possíveis 53lesões. Quando a ameaça não está visível, o problema 54fica mais sério. No último mês, Marisa foi ao hospital 55após sentir febre por dias seguidos. Nada lhe doía. 56Os exames, porém, revelaram uma infecção urinária 57e um cálculo biliar. “Eu queria sentir dor, mesmo que 58fosse um pouquinho”, diz a agricultora. COSTA, Rachel. A superação da dor. Revista Isto é, São Paulo, n. 2173, 06 jul. 2011, p.76-77.

Considerando as duas primeiras frases do texto, é correto afirmar que, semanticamente, a a) primeira encerra uma concepção em relação à segunda. b) segunda é uma definição do que foi apresentado na primeira. c) primeira é uma exemplificação do que foi exposto na segunda. d) segunda apresenta uma restrição ao que foi afirmado na primeira. e) primeira estabelece com a segunda, respectivamente, uma relação de causa e consequência. 625

FRENTE A  Exercícios de Aprofundamento

Linguagens, Códigos e suas Tecnologias


Fonte: Wikimeida Commons

FRENTE

B

Alguns dos nomes mais importantes do Modernismo no Brasil: Oswald de Andrade, Mário de Andrade e Manuel Bandeira entre outros.


PORTUGUÊS Por falar nisso Vimos na aula anterior que a Semana de Arte Moderna foi uma das manifestações artísticas mais importantes da história do Brasil e um divisor de águas na cultura nacional. Mas, apesar da euforia causada pelas críticas de Monteiro Lobato, a Semana de Arte Moderna não teve grande repercussão, tampouco recebeu a devida atenção dos jornais da época, que se limitaram a dedicar poucas colunas em suas páginas sobre o evento. Aos poucos, no entanto, a Semana foi ganhando maior importância histórica. Para se ter ideia, ela trouxe a inovação e a valorização dos trabalhos produzidos pelos brasileiros, apesar de o Brasil, nessa época, não ser totalmente brasileiro. Isso porque a influência dos países estrangeiros era muito presente ainda. Assim, gradativamente, a arte brasileira começou a ganhar espaço. Foram criadas novas formas e novos modelos de se fazer arte, como também surgiram inúmeras revistas, movimentos e manifestos. A cultura europeia começou a ser deixada de lado, abrindo espaço para a brasilidade. Mário de Andrade, em uma conferência realizada em 1942, por ocasião dos vinte anos da Semana de Arte Moderna de 1922, afirmou: “o Modernismo, no Brasil, foi uma ruptura, foi um abandono de princípios e de técnicas consequentes, foi uma revolta contra o que era a Inteligência nacional”. Os reflexos da Semana foram sentidos em todo o decorrer dos anos 1920. Além disso, romperam a década de 1930, influenciaram toda a literatura produzida no Brasil durante o século XX e alcançaram a literatura contemporânea. Passada a euforia dos experimentalismos, os autores direcionaram seu trabalho estético para as diversas realidades brasileiras interioranas. A esse momento chamou-se Regionalismo. Grandes romancistas como Graciliano Ramos, José Lins do Rego, Érico Veríssimo, entre outros, por meio de seu processo de recriação artística, buscaram denunciar as desigualdades socioeconômicas dos distantes rincões brasileiros. Com a liberdade e a criatividade conquistadas na primeira geração e a superação das dificuldades com preocupações documentais da segunda geração modernista, explodiu um terceiro momento a partir de 1940, no qual a concepção de estética literária atingiu seu ápice. A partir de então, tivemos os mais talentosos escritores expressando-se de maneira inédita, no seu mais alto grau de criação. Aqui surgiram nomes como: Guimarães Rosa, Clarice Lispector, Osman Lins, J.J. Veiga e tantos outros. De certa forma, tudo que é feito no País hoje, seja na literatura, seja nas artes plásticas ou na música, está, indiscutivelmente, relacionado com o Modernismo. Nas próximas aulas, estudaremos os seguintes temas

B09 B10 B11 B12

Modernismo – Oswald de Andrade e Mário de Andrade ............ 628 Modernismo – Manuel Bandeira e Antônio de Alcântara ........... 643 Modernismo – Graciliano Ramos e Rachel de Queiroz ............... 653 Modernismo – José Lins do Rego, Jorge Amado e Érico Veríssimo .. 665


FRENTE

B

PORTUGUÊS

MÓDULO B09

ASSUNTOS ABORDADOS n Modernismo – Oswald de Andra-

de e Mário de Andrade

n As três fases do Modernismo n O estilo n Oswald de Andrade n Mário de Andrade n A linguagem

MODERNISMO – OSWALD DE ANDRADE E MÁRIO DE ANDRADE O Modernismo brasileiro já dava sinais de mudanças desde 1912, com o retorno de Oswald de Andrade da Europa, onde o escritor teve contato com as vanguardas. A partir daí, vários acontecimentos delinearam as mudanças nas artes brasileiras. Como estudamos na aula anterior, no Brasil, o Modernismo foi criado no período compreendido entre 1922 a 1930 e teve início com o marco da Semana de Arte Moderna em fevereiro de 1922, no teatro Municipal de São Paulo. Os artistas, poetas e músicos pretendiam fazer com que a população, de modo geral, tomasse consciência da realidade do nosso país. Esse movimento cultural foi idealizado e liderado por um grupo de artistas integrado pelos escritores Mário de Andrade, Oswald de Andrade, Menotti Del Picchia e pela pintora Anita Malfatti, além de contar com várias outras participações artísticas. A Semana de Arte Moderna foi um movimento não só artístico, mas trouxe também um caráter político e social. Esse evento não só se opunha à política totalitária da época, como também à contradição e às diferenças sociais entre os proletários e imigrantes e as oligarquias rurais. Por uma questão didática, costuma–se dividir o Modernismo brasileiro em três momentos distintos, chamados de fases ou gerações.

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Figura 01 - O farol, de Anita Malfatti, 1915.

628


Linguagens, Códigos e suas Tecnologias

As três fases do Modernismo n

n n

Primeira fase (1922- 1930): também conhecida como fase heroica, de combate, de destruição, quando ocorre a libertação e a renovação da linguagem e são firmados os valores estéticos do movimento. Segunda fase (1930 – 1945): fase construtiva de estabilização das conquistas, de preocupação social e de tendência introspectiva. Terceira fase (1945 em diante): denominada como fase de reflexão, de ponderação sobre a linguagem (metalinguagem), como o retorno de alguns modelos tradicionais, ao que se soma uma temática universalista.

Contudo, todas essas características estão reunidas em um dos períodos de maior efervescência cultural da história da arte brasileira: o Modernismo. No que diz respeito à primeira fase do Modernismo, os principais escritores são: Oswald de Andrade, Mário de Andrade, Manuel Bandeira e Antônio de Alcântara Machado. Mário de Andrade chamou essa primeira etapa do movimento de “fase da destruição”, já que é totalmente contraditória ao parnasianismo ou simbolismo das décadas anteriores. Os artistas tinham em comum a busca pela origem, daí vem o nacionalismo e acarreta a volta às origens e valorização do índio brasileiro. Depois dos acontecimentos da Semana de 22, os modernistas dividiram-se em grupos e movimentos que refletiam diversas orientações estéticas e ideológicas. Os mais importantes são os Manifestos Pau-Brasil, Verde-Amarelo, Antropofágico e Espiritualista. O Manifesto Pau-Brasil foi lançado por Oswald de Andrade, publicado no jornal Correio da Manhã, em 18 de março de 1924. Tinha como objetivo a valorização dos elementos primitivos da nossa cultura, por meio da crítica ao falso nacionalismo e da valorização de obras que redescobrissem o Brasil, seus costumes, sua cultura, seus habitantes e suas paisagens. Assim, o autor explicou o nome do manifesto: “... pensei (...) em fazer uma poesia de exportação. Como o Pau-brasil foi a primeira riqueza brasileira exportada, denominei o movimento pau-Brasil”.

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Desse movimento participaram: Oswald de Andrade, Mário de Andrade, Raul Bopp, Alcântara Machado e a pintora Tarsila do Amaral. B09  Modernismo − Oswald de Andrade e Mário de Andrade

As ideias do movimento foram as seguintes: - O Carnaval no Rio é o acontecimento religioso da raça. - A língua sem arcaísmos, sem erudição. Natural e neológica. A contribuição de todos os erros. Como falamos. Como somos. - Contra a cópia, pela invenção e pela surpresa. O Manifesto Verde-Amarelo data de 1929. É o ponto culminante de um grupo que tinha surgido como oposição ao grupo Pau-Brasil. Liderado por Plínio Salgado, Cassiano Ricardo e Menotti del Picchia esse movimento surgiu como resposta ao “nacionalismo afrancesado” do Pau-Brasil e seu principal objetivo era o de propor um nacionalismo puro, primitivo, sem qualquer tipo de influência. 629


Português

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Depois de dois anos de atuação mais política que literária, o Grupo Verde-Amarelo transformou-se no Grupo Anta. A anta foi escolhida como símbolo da nacionalidade por ter sido o totem da raça tupi. O Manifesto Verde-amarelo pregava as seguintes ideias: - O jesuíta pensou que havia conquistado o tupi e o tupi é que havia conquistado para si a religião do jesuíta. - O nacionalismo tupi não é intelectual. É sentimental. Não combate nem religiões, nem filosofias, porque toda a sua força reside na capacidade sentimental. - Foi o índio que nos ensinou a rir de todos os sistemas e de todas as teorias. Já o Manifesto Antropofágico diz respeito à antropofagia, que é a síntese do pensamento que guiava o movimento antropofágico, o mais radical do Modernismo brasileiro. Foi a retomada do Pau-Brasil, publicado em 1928, e opunha-se ao conservadorismo no País. Sua origem se dá a partir de uma tela feita por Tarsila do Amaral, batizada de Abaporu (aba = homem e poru = que come). Seus representantes eram os mesmos do Movimento Pau-Brasil. Figura 02 - Abaporu, óleo sobre tela de Tarsila do Amaral, 1928.

A Revista de Antropologia publicou em sua primeira edição o Manifesto Antropofágico de Oswald de Andrade, que dizia: Só a Antropofagia nos une. Socialmente. Economicamente. Filosoficamente. Única lei do mundo. Expressão mascarada de todos os individualismos, de todos os coletivismos. De todas as religiões. De todos os tratados de paz. Tupi, or not tupi that is the question. Contra todas as catequeses. E contra a mãe dos Gracos. Só me interessa o que não é meu. Lei do homem. Lei do antropófago. Estamos fatigados de todos os maridos católicos suspeitosos postos em drama. Freud acabou com o enigma mulher e com outros sustos da psicologia impressa. [...] Nunca fomos catequizados. Fizemos foi Carnaval. O índio vestido de senador do Império. Fingindo de Pitt. Ou figurando nas óperas de Alencar cheio de bons sentimentos portugueses. Já tínhamos o comunismo. Já tínhamos a língua surrealista. A idade de ouro.

B09  Modernismo − Oswald de Andrade e Mário de Andrade

[...] Antes dos portugueses descobrirem o Brasil, o Brasil tinha descoberto a felicidade. Contra o índio de tocheiro. O índio filho de Maria, afilhado de Catarina de Médicis e genro de D. Antônio de Mariz. A alegria é a prova dos nove. No matriarcado de Pindorama. Contra a Memória fonte do costume. A experiência pessoal renovada. OSWALD DE ANDRADE Em Piratininga Ano 374 da Deglutição do Bispo Sardinha.” (Revista de Antropofagia, Ano 1, No. 1, maio de 1928.)

Por sua vez, o Movimento Espiritualista procurou conciliar o passado com o futuro e manteve-se preso às influências simbolistas. Faziam-se presentes também a universalidade dos temas, o mistério e as questões existenciais que assimilaram as renovações da linguagem modernista. Os principais poetas que se aglutinaram em torno dessas ideias foram: Tasso da Silveira, Augusto Frederico Schmidt, Murilo Mendes e Cecília Meireles. 630


Linguagens, Códigos e suas Tecnologias

O estilo A Primeira fase do Modernismo caracteriza-se sobretudo pela necessidade de romper velhas fórmulas, de chocar o público e divulgar as novas tendências e ideias, embora não houvesse teoria definida entre os modernistas. O principal veículo de expressão desse primeiro momento foi a poesia, que apresenta as seguintes características: n n n n n n n n n

Utilização do verso livre; Livre associação de ideias; Irreverência; Valorização do cotidiano; Incorporação do presente; Humor; Aproximação com a prosa; Linguagem coloquial; Nacionalismo.

A prosa, nesse primeiro momento, embora não tenha o mesmo destaque da poesia, apresenta algumas inovações. São elas: n n n

Utilização dos períodos curtos; Apoio na linguagem coloquial; Aproximação com a poesia.

Oswald de Andrade A obra de Oswald de Andrade não reúne todas as características que marcaram a produção literária do período modernista, mas estão presentes a irreverência e a crítica na maioria de sua produção. Seja na poesia, no romance, no teatro ou na crítica, Oswald deixou registrada sua vocação para transgredir e polemizar.

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Entre as características de suas obras, destacam-se: linguagem espontânea, desapego à sintaxe, predominância do coloquialismo e de uma crítica extremamente irreverente. Podemos destacar ainda a ruptura com “moldes” antes legitimados por outras estéticas. O verso livre, a linguagem irônica, a presença do coloquial e o predomínio de um “português” genuinamente brasileiro tiveram seu momento de glória. Vejamos os versos a seguir. B09  Modernismo − Oswald de Andrade e Mário de Andrade

Vício na fala Para dizerem milho dizem mio Para melhor dizem mió Para pior pió Para telha dizem teia Para telhado dizem teiado E vão fazendo telhados Oswald de Andrade

O poema de Oswald de Andrade volta-se contra o preconceito linguístico e nos chama a atenção para a necessidade de uma espécie de ética linguística pautada na diferença entre as línguas, nesse caso em uma única língua. Para o autor, os falantes que dizem “mio”, “mió”, “pió”, “teia”, “teiado”, de certa forma, constroem um “telhado”, ou seja, criam novas formas de pronúncia que se sobressaem, em muitos casos, à norma culta. Assim, podemos afirmar que o “vício” é, na verdade, uma virtude, uma marca de regionalismo importante para a construção da identidade nacional.

Figura 03 - Oswald de Andrade

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Português

Por meio da linguagem, Oswald conseguiu confrontar as diferenças entre a classe culta e a classe operária. Esta última responsável por empregar variantes e regionalismos. Todavia, não há intenção preconceituosa na proposta do escritor, que sempre buscou a valorização do Brasil real presente na linguagem utilizada. A prosa Já na prosa de Oswald de Andrade, dois romances trouxeram para a literatura brasileira uma estrutura revolucionária e inovadora: Serafim Ponte Grande e Memórias Sentimentais de João Miramar. Em geral, sua obra é marcada pela rebeldia de um espírito que vive as contradições de uma época de transformação da sociedade, uma vez que inicia um processo de conscientização contra o capitalismo. Serafim Ponte Grande é uma obra que radicaliza a abordagem feita em Memórias Sentimentais de João Miramar. É considerado um romance revolucionário e seu significado não se limita ao enredo, mas nasce principalmente da organização dada à obra pelo mais inquieto de todos os modernistas da primeira geração. Além disso, o romance derrama um humor cáustico em cima das tradições e valores de uma classe social da qual o autor faz parte e chega a compactuar, em certos momentos, a burguesia paulistana. A obra é uma crítica à classe social dominante, ao modelo de país, ao artista pouco engajado, ao atraso cultural - comparado com a Europa. Todos esses ingredientes misturam-se ao tom irônico-cínico-amargo de Serafim Ponte Grande, que não poupa a imagem do País, envolvido na hipocrisia e na alienação. As personagens possuem pouco ou nenhum caráter, exibindo um herói que se confunde com outra personagem. Repentinamente elas são eliminadas do texto, mas depois reaparecem.

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Do ponto de vista estilístico, o romance não traz um padrão ou estilo. A paródia, o pasticho, o chiste, a piada – todos esses estilos percorrem por toda a narrativa – fragmentada, caótica, cubista, mais sugestiva que descritiva – aliando a crítica ao riso. Sem motivo aparente, passa de narração em primeira pessoa para a narração em terceira. Assim, cartas e diários se misturam (íntimos; textos melodramáticos aparecem organizados em forma de texto teatral, poemas pau-brasil, abaixo-assinados, um dicionário de bolso que não ultrapassa a letra L, diários de viagem etc.).

B09  Modernismo − Oswald de Andrade e Mário de Andrade

Memórias Sentimentais de João Miramar conta as lembranças de uma personagem desde sua infância até sua vida adulta, mostrando tanto aspectos positivos como negativos. É a história de João Miramar, escritor que se intitula provinciano. Ele pertence a uma família de burgueses, ricos cafeicultores. Sua infância é marcada pela morte do pai. Miramar estuda em bons colégios de São Paulo e, depois de se formar, parte para uma longa viagem de conhecimento e amadurecimento, passando por Tenerife, França, Alemanha, Itália, Suíça e Inglaterra. Neste último país, recebe um dinheiro extra, enviado pela família, que solicita seu rápido retorno ao Brasil. O jovem deve voltar para assumir suas responsabilidades de herdeiro e de homem adulto. A obra é marcada pela presença de diferentes gêneros, o que tornou-se marca registrada da prosa de Oswald. Os fragmentos e não capítulos constituem-se de variados tipos de discurso, como cartas, citações, impressões, diálogos, descrições, relatos, poemas etc. Oswald de Andrade, com intuito de revolucionar a forma de escrever, apresenta uma narração em forma de “flashes” que mostram recordações da personagem de tal forma que cada “flash” tem uma história independente, indicada pelos mais diversos temas. Ao final, esses “flashes” se interagem em harmonia, formando o livro. É como se fossem cenas de filmes. 632


Linguagens, Códigos e suas Tecnologias

Eu empobreço de repente Tu enriqueces por minha causa Ele azula para o sertão Nós entramos em concordata Vós protestais por preferência Eles escafedem a massa Sê pirata Sede trouxas Abrindo o pala Pessoal sarado. Oxalá que eu tivesse sabido que esse verbo era irregular. ANDRADE. Oswald de. Memórias Sentimentais de João Miramar. 13.ed. São Paulo Globo, 2001.p.97-98. Col. Obras completas de Oswald de Andrade)

O poema-piada e a ironia são recursos que o poeta utiliza para mostrar a irregularidade financeira em nosso país e isso remete-nos à terminologia específica da falência. Exemplo: “escafeder a massa”, que quer dizer “falência fraudulenta”, e “abrindo o pala”, que significa “escapando”. Em linguagem coloquial, com tanta irreverência e agilidade linguística, o autor inventa um signo inspirado em um estrangeirismo que é uma onomatopeia e, com esse recurso, Oswald de Andrade revolucionou a prosa brasileira. A conjugação do verbo “Crackar” é uma referência irônica à quebra da bolsa de valores de Nova York em 1929 e suas consequências no cenário nacional. É um recurso que denuncia a situação social do país na época. Voltemos aos primeiros capítulos da obra. Oswald consegue abolir os preceitos retóricos e os processos narrativos usuais, inventar outros recursos em que prosa e poesia confluem. Libertados de padrão uniforme, os quadros apresentam montagem, palavras em liberdade, jogo de palavras, neologismos, recursos metafóricos e paródia. Alguns desses quadros, em que a técnica poemática suplanta a prosa, apresentam-se como verdadeiros poemas. 1. O pensieroso Jardim desencanto O dever de procissões com pálios E cônegos Lá fora E um circo vago e sem mistério Urbanos apitando nas noites cheias

Vacilava o morrão do azeite em cima do copo. Um manequim esquecido vermelhava. − Senhor convosco, bendita sois entre as mulheres, as mulheres não têm pernas, são como o manequim de mamãe até embaixo. Para que pernas nas mulheres, amém. 2. Éden A cidade de São Paulo na América do Sul não era um livro que tinha cara de bichos esquisitos e animais de história. Apenas nas noites dos verões dos serões de gritos armavam campo aviatório com os berros do invencível São Bento as baratas torvas da sala de jantar. 3. Gare do infinito Papai estava doente na cama e vinha um carro e um homem e o carro ficava esperando no jardim. Levaram-me para uma casa velha que fazia doces e nos mudamos para a sala do quintal onde tinha uma figueira na janela. No desabar do jantar noturno a voz toda preta de mamãe ia me buscar para a reza do Anjo que carregou meu pai. 4. Fraque do ateu Saí de D. Matilde porque marmanjo não podia continuar na classe com meninas. Matricularam-me na escola modelo das tiras de quadros nas paredes alvas escadarias e um cheiro de limpeza. Professora magrinha e recreio alegre começou a aula da tarde um bigode de arame espetado no grande professor Seu Carvalho. No silêncio tique taque da sala de jantar informei mamãe que não havia Deus porque Deus era a natureza. Nunca mais vi o Seu Carvalho que foi para o Inferno. 5. Perigo das armas Entrei para a escola mista de D. Matilde. Ela me deu um livro com cem figuras para contar a mamãe a história do Rei Carlos Magno. Roldão num combate espetou com um pau a gengiva aflita do Maneco que era filho da venda da esquina e mamãe botou no fogo a minha Durindana. 6. Maria da Glória Preta pequenina do peso das cadeias. Cabelos brancos e um guarda-chuva.

Mamãe chamava-me e conduzia-me para dentro do oratório de mãos grudadas.

O mecanismo das pernas sob a saia centenária desenrolava-se da casa lenta à escola pela manhã branca e de tarde azul.

− O Anjo do Senhor anunciou a Maria que estava para ser a mãe de Deus.

Ia na frente bamboleando maleta pelas portas lampiões eu menino. 633

B09  Modernismo − Oswald de Andrade e Mário de Andrade

146. Verbo crackar


Português

7. Felicidade Napoleão que era um grande guerreiro que Maria da Glória conheceu em Pernambuco disse que o dia mais feliz da vida dele foi o dia em que eu fiz a minha primeira comunhão. Com seu estilo paródico, satírico e arrojado, Oswald de Andrade procurou não só romper com as normas do passado, mas também, a partir de suas críticas por meio do Manifesto de antropofagia, criar as bases de uma nova literatura, verdadeiramente sintonizada com a modernidade. Memórias Sentimentais de João Miramar é a primeira experiência com verdadeiro êxito desse projeto, uma vez que interpõe diversos gêneros literários em uma nova forma poética, paródica e satírica. Podemos observar nos trechos lidos a maneira revolucionária com a qual os textos são escritos. A extensão dos capítulos é estranha com relação aos romances tradicionais, por ser extremamente curtos. Em relação ao conteúdo, não há conexão, pelo menos imediata, entre os capítulos. A linguagem é coloquial e descontraída, não se preocupando com a sequência de fatos.

B09  Modernismo − Oswald de Andrade e Mário de Andrade

Em outras palavras, a obra é construída a partir de fragmentos justapostos, de blocos que cortam a sequência discursiva e de capítulos relâmpagos, rompendo com esquemas tradicionais da narrativa, assemelhando-se à sequência de imagens cinematográficas. Esse estilo impede uma leitura da história, deixando a cargo do leitor a reconstrução da narrativa. Além disso, podemos observar nos capítulos curtos e numerados a técnica cinematográfica pela descontinuidade cênica, porque cada capítulo refere-se a uma “cena” diferente. A paródia, a técnica cubista, as frases cortadas, as elisões que devem ser preenchidas pelo leitor, a linguagem infantil e poética, assim como outras inovações fazem das Memórias Sentimentais de João Miramar uma obra revolucionária para sua época. O recurso metonímico, dentro da técnica cubista, é levado ao extremo, como neste fragmento em que empresta a uma porta as mangas de camisa e as barbas de quem foi abri-la: “Um cão ladrou à porta barbuda em mangas de camisa e uma lanterna bicor mostrou os iluminados na entrada da parede”. O plurilinguismo de Oswald de Andrade empregado nos textos é entendido como uma ferramenta importantíssima para a compreensão da tessitura poética, uma vez que abre caminhos para as várias leituras discursivas. Podemos perceber, portanto, que nos fragmentos transcritos estão representadas a infância e a adolescência de João Miramar. “Papai estava doente na cama e vinha um carro e um homem e o carro ficava esperando no jardim.” 634

Veja um dos momentos em que o autor, por meio de uma linguagem infantil, conduz-nos às primeiras experiências de plurilinguismo. Podemos notar, nesse trecho, que compõe o início das memórias de João Miramar – “O pensieroso” - como se entrelaçam parodicamente em seu pensamento fragmentos da oração Ave Maria e a descrição do manequim de sua mãe. “- Senhor convosco, bendita sois entre as mulheres, as mulheres não têm pernas, são como o manequim de mamãe até embaixo. Para que pernas nas mulheres, amém.” Já em “Fraque do ateu”, Miramar assinala sua visão de espanto por meio de uma ironia sarcástica em que se confundem, segundo sua descrição, o Fraque (Vestimenta de padre), que denota todo o ambiente religioso e conservador em que ele vive, e o Ateu (aquele que não crê em Deus), fazendo alusão dialética e parodisticamente a tudo o que a sociedade lhe impunha. Neste capítulo, temos um exemplo da irreverência e ironia de Oswald de Andrade. Esse plurilinguismo descrito por Miramar leva-nos a uma nova interpretação da cultura brasileira por meio de sua assimilação destruidora e recriadora da cultura europeia. Principais obras Os Condenados, Memórias Sentimentais de João Miramar, Pau-Brasil, Primeiro Caderno do aluno de poesia Oswald de Andrade, Serafim Ponte Grande, Marco Zero, A morta e o Rei da Vela.

Mário de Andrade Já sabemos que a primeira fase do Modernismo brasileiro representa um momento de divulgação das novas ideias e propostas de criação, além de uma tentativa de firmar o movimento. A principal característica dessa geração é o espírito nacionalista, imprimindo uma postura crítica com relação às nossas tradições e uma libertação dos moldes estrangeiros e do colonialismo cultural. Nessa perspectiva, o caráter revolucionário da poesia de Mário de Andrade se manifesta a partir do livro Pauliceia Desvairada, que rompe com todas as estruturas ligadas ao passado. O autor viajou pelo Brasil coletando exemplos de manifestações folclóricas e musicais na tentativa de melhor compreender a essência do nosso país. As obras de Mário de Andrade são embriões ou matrizes para o trabalho de muitos outros artistas futuros, comprovando, assim, seu papel de liderança, do qual ele mesmo tinha essa consciência. Mário Raul de Morais Andrade nasceu em São Paulo em 1893 e lá mesmo morreu em 1945. Foi professor, crítico, poeta, contista, romancista e músico. Participou da Semana de Arte Moderna de 1922, no Teatro Municipal de São Paulo.


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Durante toda sua vida, o poeta lutou pela arte com seu estilo de escrita puro e verdadeiro. Certo de que a inteligência brasileira necessitava de atualização, ele nunca abandonou suas maiores virtudes: a consciência artística e a dignidade intelectual. Foram de sua autoria os versos de Pauliceia Desvairada, considerada o marco inicial da poesia modernista no Brasil. Outra obra do artista que se destacou por sua contribuição ao movimento modernista foi o livro Macunaíma, romance em que é mostrado um herói que tem as qualidades e defeitos de um brasileiro comum. Suas obras estão agrupadas em dezenove volumes, com o título de Obras Completas. As principais são: Poesia Há uma Gota de Sangue em Cada Poema (1917), Pauliceia Desvairada (1922), Losango Cáqui (1926), Clã do Jabuti (1927), Remate de Males (1930), Poesias (1941), Lira Paulistana (1946), O Carro da Miséria (1946), Poesias Completas (1955). Romance Amar, Verbo Intransitivo (1927), Macunaíma (1928). Contos Primeiro Andar (1926), Belasarte (1934), Contos Novos (1947). Crônicas Os filhos da Candinha (1943). Ensaios A Escrava que não é Isaura (1925), O Aleijadinho de Álvares de Azevedo (1935), O Movimento Modernista (1942), O Baile das Quatro Artes (1943), O Empalhador de Passarinhos (1944), O Banquete (1978).

Fonte: Wikimedia commons

Ode ao burguês Eu insulto o burguês! O burguês-níquel, o burguês-burguês! A digestão bem-feita de São Paulo! O homem-curva! o homem-nádegas! O homem que sendo francês, brasileiro, italiano, é sempre um cauteloso pouco-a-pouco! B09  Modernismo − Oswald de Andrade e Mário de Andrade

Eu insulto as aristocracias cautelosas! Os barões lampiões! os condes Joões! os duques zurros! que vivem dentro de muros sem pulos; e gemem sangues de alguns mil réis fracos para dizerem que as filhas da senhora falam o francês e tocam os “Printemps” com as unhas! Eu insulto o burguês-funesto! O indigesto feijão com toucinho, dono das tradições! Fora os que algarismam os amanhãs! Olha a vida dos nossos setembros! Fará Sol? Choverá? Arlequinal! Mas à chuva dos rosais o êxtase fará sempre Sol! [..] Come! Come-te a ti mesmo, oh gelatina pasma! Figura 04 - Mário de Andrade, por Lasar Segall

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Português

Oh! purée de batatas morais! Oh! cabelos nas ventas! oh! carecas! Ódio aos temperamentos regulares! [...] Fora! Fu! Fora o bom burguês!... ANDRADE, Mário de. Poesias Completas. São Paulo: Martins Editora, 1955. p. 44-45.

Como você pôde perceber, nesses fragmentos do poema, o escritor modernista utiliza construções frasais inovadoras e termos inusitados para retratar vários aspectos nocivos do comportamento da burguesia. Ele ataca a mesquinhez (burguês-níquel), a moralidade cautelosa, a hipocrisia (“purée de batatas morais”), a preocupação em manter as aparências (“E gemem sangues de alguns mil réis fracos/ Para dizerem que as filhas da senhora falam o francês”), a precariedade intelectual, a falta de cultura (Morte às adiposidades cerebrais”) etc.

Veja o fragmento: “Os barões lampeões! os condes Joões! os duques zurros!”

B09  Modernismo − Oswald de Andrade e Mário de Andrade

Ele faz referência à burguesia que comprava títulos de nobreza e deixava como herança à sua descendência. Gente cujo nível social se mostrava pela aparência e cuja estabilidade dependia de uma moralidade regular. Gente que passa dificuldade para pagar curso de francês e aula de piano para suas filhas para competir com outras meninas e parecer que eram de “boa família”. Macunaíma Enredo confuso x verossimilhança Ao leitor habituado à verossimilhança realista, o enredo dessa rapsódia pode tornar-se confuso. A verossimilhança apresentada é surrealista, portanto deve ser vista de forma simbólica. Exemplo disso, é aceitar o fato de o protagonista morrer duas vezes no romance. Há também o fato de Macunaíma, em uma fuga, estar em Manaus e, na mesma página, algumas linhas depois, aparecer na Argentina. Ou mais, o fato de o herói encontrar uma poça que embranquece quem nela entrar para um banho. A verossimilhança em questão é surrealista e deve ser lida de forma simbólica. 636

Fonte: Wikimedia commons

O termo “Ode”, presente no título, remete a canções que eram compostas em versos para celebrar situações amorosas ou positivas. Mas esses recursos linguísticos e o tom irônico empregados ao longo do poema produzem um efeito de ironia, pois é um poema em que o eu poemático expressa desamor ou até mesmo ódio à classe burguesa.

A história Macunaíma é o forte pilar da cultura brasileira, escrita pelo modernista Mário de Andrade. Nessa obra, o autor busca alcançar seus leitores, por meio de uma nova visão do sentimento indígena, com uma história interessante, fantasiosa, mas intrigante, que mostra nossa identidade nacional por meio do protagonista Macunaíma − o herói sem nenhum caráter. Mário de Andrade, ao escrever o romance, tinha intenções bem definidas. Ele tratou de diversos problemas brasileiros: a falta de definição de um caráter nacional, a cultura do Brasil - submissa e dividida, o desinteresse em relação às nossas tradições, a importação de modelos socioculturais e econômicos, a discriminação linguística, entre outros fatores. Diante de todos esses problemas, a principal preocupação do autor foi a de buscar uma identidade cultural genuinamente brasileira, uma vez que o Brasil, na época, tinha como modelo a cultura europeia e não tinha “autoridade” para desenvolver uma cultura autônoma. Para Mário de Andrade, a conquista de uma identidade cultural só seria possível se tomássemos consciência de nossas tradições. E alicerçado nesse pensamento, ele acreditava que nossa cultura deveria ser distinta das outras e possuir uma totalidade racial; deveria provir das nossas raízes, das culturas populares existentes no nosso país.


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O genial autor produziu sua rapsódia a partir de um conjunto de lendas a que misturam-se superstições, folclores, crendices, costumes, comidas, falares, provérbios, anedotas, elementos fantásticos, fauna e flora de todas as regiões brasileiras, não se esquecendo das diversas manifestações culturais e religiosas. O resgate da mitologia indígena funde-se com a piada, a brincadeira e a malandragem nacional. Assim, eis que surge Macunaíma “o herói sem nenhum caráter” - como uma alegoria dos destinos do Brasil. Com isso, Mário foi capaz de dar um aspecto de unidade nacional, que não condiz com a realidade dividida de nossa cultura. Nas palavras do próprio autor, em um de seus prefácios inéditos: “Um dos meus interesses foi desrespeitar lendariamente a geografia e a fauna e flora geográficas. Assim desregionalizava o mais possível a criação ao mesmo tempo que conseguia o mérito de conceber literariamente o Brasil como entidade homogênea = um conceito étnico nacional e geográfico.” O enredo central da rapsódia é o seguinte: Macunaíma nasceu em uma tribo amazônica e já manifesta sua principal característica: a preguiça. O garoto não é uma criança igual às outras do lugar. É um menino mentiroso, traidor, comete muitas safadezas e fala muitos palavrões. O herói vive às margens do mítico rio Uraricoera com sua mãe e seus irmãos - Maanape e Jiguê – e, com eles, vai vivendo sua meninice. Após a morte da mãe, os três irmãos partem em busca de aventuras. Macunaíma encontra Ci, Mãe do Mato, único amor sincero de sua vida, que por desgosto pela morte do filho pequeno subiu aos céus e transformou-se na estrela Beta do Centauro. A maior parte da narrativa conta as tentativas de Macunaíma para reaver o amuleto prodigioso - a muiraquitã (pedra verde em forma de sáurio) - que ganhara de Ci, antes da morte da amada. Ele havia perdido esse objeto, que acabou ficando em poder do gigante Piaimã, em são Paulo. Após várias aventuras e peripécias com seus irmãos, o herói recupera a muiraquitã.

Após novas aventuras e, sozinho, pois seus irmãos haviam morrido, Macunaíma é enganado por Uiara (divindade que vive nos rios e lagoas). Além de ficar machucado, perde novamente o amuleto. No final da narrativa, surge a vingança de Vei: ela manda um forte calor, que aguça a sensualidade do herói e o lança nos braços de uma uiara traiçoeira, que o mutila e faz com que ele perca novamente – dessa vez irremediavelmente – a muiraquitã. Desiludido, resolve abandonar este mundo e subir aos céus, onde é transformado em Constelação: A Ursa Maior é Macunaíma. No trecho que você vai ler, o herói sem nenhum caráter é apresentado com as características que irão definir o protagonista - Macunaíma - no romance. Ficava no canto da maloca, trepado no jirau de paxiúba, espiando o trabalho dos outros e principalmente os dois manos que tinha, Maanape já velhinho e Jiguê na força de homem. O divertimento dele era decepar cabeça de saúva. Vivia deitado mas si punha os olhos em dinheiro, Macunaíma dandava pra ganhar vintém. E também espertava quando a família ia tomar banho no rio, todos juntos e nus. Passava o tempo do banho dando mergulho, e as mulheres soltavam gritos gozados por causa dos guaimuns diz-que habitando a água-doce por lá. No mucambo si alguma cunhatã se aproximava dele pra fazer festinha, Macunaíma punha a mão nas graças dela, cunhatã se afastava. Nos machos guspia na cara. Porém respeitava os velhos, e frequentava com aplicação a murua a poracê o torê o bacorocô a cucuicogue, todas essas danças religiosas da tribo. Nas conversas das mulheres no pino do dia o assunto eram sempre as peraltagens do herói. As mulheres se riam muito simpatizadas, falando que “espinho que pinica, de pequeno já traz ponta”, e numa pagelança Rei Nagô fez um discurso e avisou que o herói era inteligente. Nem bem teve seis anos deram água num chocalho pra ele e Macunaíma principiou falando como todos. E pediu pra mãe que largasse da mandioca ralando na cevadeira e levasse ele passear no mato. A mãe não quis porque não podia largar da mandioca não. Macunaíma choramingou dia inteiro. De noite continuou chorando. No outro dia esperou com o olho esquerdo dormindo que a mãe principiasse o trabalho. Então pediu pra ela que largasse de tecer o paneiro de guarumá-membeca e levasse ele no mato passear. A mãe não quis porque não podia largar o paneiro não. E pediu pra nora, companheira de Jiguê que levasse o menino. A companheira de Jiguê era bem moça e chamava Sofará. Foi se aproximando ressabiada porém desta vez Macunaíma ficou muito quieto sem botar a mão na graça de ninguém. A moça carregou o piá nas costas e foi até o pé de aninga na beira do rio. A água parará pra inventar um ponteio de gozo nas 637

B09  Modernismo − Oswald de Andrade e Mário de Andrade

Essa identidade cultural brasileira seria construída pela mistura de todas as culturas (orais) de cada região brasileira. E foi isso que Mário fez. Com o resultado de anos de pesquisas históricas, etnográficas e musicais, o autor fez uma síntese de suas reflexões sobre o Brasil. Ao apresentar a trajetória de Macunaíma, a narrativa mistura lendas indígenas, tradições populares e cenas da vida urbana. Macunaíma é um personagem que se transforma, a cada instante, assumindo as feições das diferentes raças que deram origem ao povo brasileiro (índio, negro e europeu).


Português

folhas do javari. O longe estava bonito com muitos biguás e biguatingas avoando na estrada do furo. A moça botou Macunaíma na praia porém ele principiou choramingando, que tinha muita formiga!... e pediu pra Sofará que o levasse até o derrame do morro lá dentro do mato, a moça fez. Mas assim que deitou o curumim nas tiriricas, tajás e trapoerabas da serrapilheira, ele botou corpo num átimo e ficou um príncipe lindo. Andaram por lá muito. ANDRADE., Mário de. Macunaíma: o herói sem nenhum caráter. 30. ed. Belo Horizonte: Villa Rica, 1997.p9-10. Fragmento.

Pela leitura do trecho, já podemos perceber na fala de Macunaíma sua “falta” de caráter. Macunaíma é preguiçoso: vivia deitado e ficava olhando o trabalho dos outros. Era peralta, interesseiro (só fazia algo para ganhar dinheiro). Malicioso (gostava de ver os outros nus e mexer nas “graças” das cunhatãs) e era grosseiro com os homens.

A combinação dos defeitos e qualidades de Macunaíma representaria a dualidade da própria nação: seus defeitos seriam os nossos defeitos; assim como as qualidades também seriam as nossas.

Mas ele possuía características positivas: o respeito aos mais velhos, interesse em aprender os rituais de sua cultura, inteligência elogiada na pajelança e astúcia.

Desde o primeiro capítulo da obra, evidencia-se o complexo racial. Mas onde isso fica mais claro é na passagem do poço encantado. Macunaíma, despercebido, tomou banho em uma água encantada e se transformou em um rapaz loiro de olhos azuis, sendo considerado, portanto, um homem branco. Os irmãos também entraram na água, mas como a água já estava suja do negrume do herói, Jiguê ficou vermelho: índio. Maanape molhou apenas as palmas das mãos, que ficaram mais claras: negro. Assim, Mário de Andrade consegue reunir os três tipos fundamentais da formação da raça brasileira: o índio, o negro e o branco.

No fragmento lido, podemos notar também o resgate de aspectos originais da cultura brasileira, que foi um dos projetos modernistas. Os termos como: cunhatã, jirau, paxiúba etc. e costumes indígenas: a maloca em que vivia; os banhos no rio de toda a família; as danças religiosas da tribo; a figura do pajé e a alusão ao ritual de pajelança; o trabalho das mulheres de ralar a mandioca para fazer farinha. Mário de Andrade mostra a preocupação em criar uma língua que representasse a linguagem do povo brasileiro, no momento em que Macunaíma é levado por Sofará ao rio e se transforma em príncipe assim que é colocado no chão. Intertextualidade – Iracema e Macunaíma

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Ao ler os fragmentos das duas obras, podemos perceber uma intertextualidade entre Iracema, de José de Alencar e Macunaíma, de Mário de Andrade. Porém, Macunaíma não corresponde à imagem de herói apresentada nos romances indianistas. Ele é o símbolo do povo brasileiro, mas o autor nos apresenta um herói às avessas, distante das figuras idealizadas apresentadas no Indianismo. Nesses romances, os heróis eram perfeitos, dotados de nobreza, de caráter, força e coragem. Em Macunaíma, embora haja características positivas, o que sobressai são seus defeitos, sua falta de caráter.

Iracema e Macunaíma são personagens representativos de dois momentos fundamentais de construção da identidade da literatura brasileira: o Romantismo e o Modernismo. No fundo do mato-virgem nasceu Macunaíma, herói de nossa gente. Era preto retinto e filho do medo da noite. Houve um momento em que o silêncio foi tão grande escutando o murmurejo do Uraricoera, que a índia tapanhumas pariu uma criança feia. Essa criança é que chamaram de Macunaíma. Mário de Andrade. Macunaíma. Rio de Janeiro, Livros Técnicos e Científicos; São Paulo, Secretaria da Cultura, Ciência e Tecnologia, 1978, p.7.

Além, muito além daquela serra, que ainda azula no horizonte, nasceu Iracema. Iracema, a virgem dos lábios de mel, que tinha os cabelos mais negros que a asa da graúna e mais longos que seu talhe de palmeira. O favo da jati não era doce como o seu sorriso; nem a baunilha rescendia no bosque como seu hálito perfumado. José de Alencar, Iracema. Rio de Janeiro, Letras e Artes, 1965, p. 16.

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Alegoria do surgimento das raças

Podemos observar, nesta passagem do “banho” do herói e de seus dois irmãos, na cova encantada, uma alusão à formação étnica miscigenada do brasileiro, a representação alegórica do surgimento das raças. Uma feita o Sol cobrira os três manos duma escaminha de suor e Macunaíma se lembrou de tomar banho. Porém no rio era impossível por causa das piranhas tão vorazes que de quando em quando na luta pra pegar um naco de irmã espedaçada, pulavam aos cachos pra fora d’água metro e mais. Então Macunaíma enxergou numa lapa bem no meio do rio uma cova cheia d’água. E a cova era que nem a marca dum pé-gigante. Abicaram. O herói depois de muitos gritos por causa do frio da água entrou na cova e se lavou inteirinho. Mas a água era encantada porque aquele buraco na lapa era marca do pezão do Sumé, do tempo em que andava pregando o evangelho de Jesus pra indiada brasileira. Quando o herói saiu do banho estava branco louro e de olhos azuizinhos, água lavara o pretume dele. E ninguém não seria capaz mais de indicar nele um filho da tribo retinta dos Tapanhumas.


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Nem bem Jiguê percebeu o milagre, se atirou na marca do pezão do Sumé. Porém, a água já estava muito suja da negrura do herói e por mais que Jiguê esfregasse feito maluco atirando água pra todos os lados só conseguiu ficar da cor do bronze novo. Macunaíma teve dó e consolou: — Olhe, mano Jiguê, branco você ficou não, porém pretume foi-se e antes fanhoso que sem nariz. Maanape então é que foi se lavar, mas Jiguê esborrifava toda a água encantada pra fora da cova. Tinha só um bocado lá no fundo e Maanape conseguiu molhar só a palma dos pés e das mãos. Por isso ficou negro bem filho da tribo dos Tapanhumas. Só que as palmas das mãos e dos pés dele são vermelhas por terem se limpado na água santa. Macunaíma teve dó e consolou: — Não se avexe, mano Maanape, não se avexe não, mais sofreu nosso tio Judas! ANDRADE. Mário de. Macunaíma: herói sem nenhum caráter. 28. Ed. Belo Horizo9nte, Villa Rica, 1992. P.29-30.

A linguagem Sabemos que os modernistas da primeira fase procuravam romper com a linguagem formal, usando um vocabulário bem próximo da linguagem cotidiana. Para isso, os autores incorporavam a fala coloquial, muitas vezes valendo-se de registros populares da língua ou até mesmo não utilizavam pontuação, contrariando a gramática normativa. Veja o trecho abaixo: “E a cova era que nem a marca dum pé-gigante.” “... pregando o evangelho de Jesus pra indiada brasileira.”- “ O herói [...]depois de muitos gritos por causa do frio da água [...] entrou na cova e se lavou inteirinho”.

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Ao produzir sua história com um material contido no mundo mitológico e folclórico, Mário de Andrade procurou criar uma forma de língua coerente com esse conteúdo, ajustando termos de origem indígena, africana, regionalismos, modismos de linguagem. Dessa maneira, criava também uma nova linguagem, uma espécie de “esperanto brasileiro” - conforme ele mesmo afirmava - uma reunião de formas populares recolhidas em todo o País.

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Português

Exercícios de Fixação

B09  Modernismo − Oswald de Andrade e Mário de Andrade

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01. (UEM PR) Assinale o que for correto sobre O rei da vela, seu autor, Oswald de Andrade, sua obra e sobre o contexto em que se inserem. 01. Em O rei da vela, Oswald de Andrade apresenta uma crítica ao modelo econômico capitalista, enfocando a questão da agiotagem e abrindo espaço para uma crítica da burguesia e de sua alienação. 02. No decorrer dos cinco atos que compõem a fábula de O rei da vela, desfilam personagens marcantes, que servem de ponto de partida para a crítica econômica e social de Oswald de Andrade, como nos casos do Banqueiro Anarquista e do Assassino Social, modelos caricaturais construídos pelo autor. 04. A peça O rei da vela é considerada marco fundador de uma dramaturgia nova no Brasil, em consonância com o papel pioneiro e inovador desempenhado por Oswald de Andrade em outros momentos, tais como nos programas do Manifesto Pau-Brasil e do Manifesto Antropófago. 08. Ao dar a alguns personagens nomes como “Abelardo” e “Heloísa”, e ao trabalhar exageradamente o aspecto sentimental dos amantes, Oswald de Andrade abriu espaço para a principal crítica feita à peça: o fato de, em pleno Modernismo, adotar uma dicção e uma proposta típicas do ultrarromantismo, o que valeu à produção oswaldiana da década de 1940 (caso de O rei da vela) a pecha de “neorromântica”. 16. O rei da vela é uma das principais obras do Modernismo brasileiro no que tange à mistura explícita de gêneros literários: apesar de se propor como obra dramática, o fato de a peça ter sido escrita em versos, bem como sua natureza eminentemente narrativa (com dezenas de longas didascálias, compostas de várias páginas, que elaboram o enredo), fazem com que essa obra seja considerada vanguardista em termos formais. 02. (UEM PR) Assinale o que for correto em relação ao conto “Vestida de Preto”, do livro Contos novos, de Mário de Andrade. “Me batera, súbito, aquela vontade irritada de saber, me tornara estudiosíssimo. Era mesmo uma impaciência raivosa, que me fazia devorar bibliotecas, sem nenhuma orientação. Mas brilhava, fazia conferências empoladas em sociedadinhas de rapazes, tinha ideias que assustavam todo o mundo. E todos principiavam maldando que eu era muito inteligente mas perigoso” (ANDRADE, 2011, p. 21). 01. O fragmento acima indica o momento de transformação na vida de Frederico Paciência. Após ver sua mãe vestida de preto, ele resolve estudar para ascender socialmente.

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02. Apesar de o narrador do conto dizer que a vontade de estudar surgira repentinamente, ela é despertada porque ficara no inconsciente de Juca o que Maria, na varanda, dissera para todos ouvirem: “Não me caso com bombeado” (ANDRADE, 2011, p. 20). De certa maneira, estudar é uma forma de ser aceito por Maria. 04. Juca, por sua inocência excessiva, não consegue entender os sinais que Maria lhe dá de sua paixão. Assim, ele resolve esquecê-la após, aparentemente, ter sido rejeitado por ela no quarto, quando brincavam de família encostados no mesmo travesseiro. 08. O narrador, embora apele para as memórias de sua amiga de infância e adolescência, tem a plena certeza de que escreve um conto. Por isso, ele afirma, no início da narrativa, o caráter fantasioso de sua história. 16. O narrador revela que Maria se tornou uma mulher namoradeira, chegando a usar a expressão “Namorava com Deus e todo mundo [...]” (ANDRADE, 2011 p. 21). No entanto, ela sempre despertou em Juca sentimentos de “perfeição”, o que o impediu de consumar uma junção carnal com ela. 03. (Unioeste PR) Em Vestida de preto, de Mário de Andrade, o reencontro do narrador com a prima Maria, por quem este nutriu uma intensa paixão juvenil, é marcado por um sentimento descrito como: a) “só tristeza, só vazio”. b) “a sensação da vontade de Deus”. c) “nada de amores perigosos”. d) “Maria estava comigo em nosso amor”. e) “indiferença, frieza viva, quase antipatia”. 04. (Enem MEC) Cena O canivete voou E o negro comprado na cadeia Estatelou de costas E bateu coa cabeça na pedra ANDRADE, O. Pau-brasil. São Paulo: Globo, 2001.

O Modernismo representou uma ruptura com os padrões formais e temáticos até então vigentes na literatura brasileira. Seguindo esses aspectos, o que caracteriza o poema Cena como modernista é o(a) a) construção linguística por meio de neologismo. b) estabelecimento de um campo semântico inusitado. c) configuração de um sentimentalismo conciso e irônico. d) subversão de lugares-comuns tradicionais. e) uso da técnica de montagem de imagens justapostas.


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Exercícios Complementares 03. (ESCS DF) Relógio As coisas são As coisas vêm As coisas vão As coisas Vão e vêm Não em vão As horas Vão e vêm Não em vão ANDRADE, Oswald. Uma poética da radicalidade, por Haroldo de Campos. São Paulo: Globo, 1998. p. 55.

A afirmativa em desacordo com o texto é a 01. O poema expressa um traço modernista, a subversão da estética tradicional. 02. Apresenta-se uma estrutura dinâmica, sugerindo um movimento pendular. 03. Tematiza-se a inutilidade dos atos humanos face ao fluir inexorável do tempo. 04. A linguagem sintética é marcante neste poema. 05. A transitoriedade de tudo não impede o reconhecimento de que as coisas são portadoras de uma essência. 02. (Acafe SC) Sobre a Semana de Arte Moderna de 1922, em São Paulo, todos os textos a seguir estão corretos, exceto: a) Cada vez mais popular após as críticas do escritor Monteiro Lobato (que destruiu seus quadros a bengaladas!), Anita Malfatti desfiará todo seu expressionismo em 22 obras. Mário de Andrade é um de seus fãs. b) A obra literária que marcou o início do movimento Modernista na literatura foi o livro de Mário de Andrade, Pauliceia Desvairada. O livro revelou a poesia urbanista e fragmentária e retratou, numa visão antirromântica, uma São Paulo cosmopolita e egoísta, com sua população heterogênea e sua burguesia cínica. c) O movimento Modernista tinha como objetivo o rompimento com o tradicionalismo (Parnasianismo, Simbolismo e a arte acadêmica), a libertação estética, a experimentação constante e, principalmente, a independência cultural do país. d) A Semana de Arte Moderna aconteceu no Teatro Municipal, entre os dias 11 e 18 de março de 1922. Nela, o Brasil pôde reafirmar a liberdade de expressão e criatividade, em perfeita harmonia com os movimentos e preceitos das vanguardas europeias, que guardavam consigo as tendências culturais do Expressionismo, Futurismo, Cubismo, Dadaísmo, Surrealismo e Parnasianismo.

Negros Negros que escravizam e vendem negros na África não são meus irmãos. Negros senhores na América a serviço do capital não são meus irmãos. Negros opressores, em qualquer parte do mundo, não são meus irmãos. Só os negros oprimidos, escravizados, em luta por liberdade, são meus irmãos. Para estes, tenho um poema grande como o Nilo. Solano Trindade. O poeta do povo. São Paulo: Ediouro, 2008, p. 41.

Nos projetos que o Modernismo brasileiro, como um movimento estético e também político, propôs, constava a ideia de que a literatura poderia ser uma ferramenta de inclusão. No poema Negros, de Solano Trindade, o trecho “não são meus irmãos”, presente em três estrofes, demonstra que o poeta rejeita não só essa proposta de inclusão, mas também a) a crença de que os negros, no Brasil, formam uma comunidade homogênea. b) o desenvolvimento de uma consciência de classe entre os que se encontram em situação de opressão. c) a ideia de solidariedade entre pessoas que fazem parte do mesmo grupo social. d) o surgimento de uma literatura escrita a partir de um ponto de vista afro-brasileiro. 04. (Puc Campinas SP) A valorização da cultura popular fica sugerida em vários momentos dos manifestos e documentos diretamente ligados ao movimento modernista de 22, tal como se pode comprovar no seguinte segmento: a) A facilitação que representam as rimas pobres corrompe o estatuto sublime de um poema. b) Compara-se o ofício de um poeta verdadeiro com o do talentoso ourives em sua paciente labuta. c) Nada há de novo sob o sol. Os valores clássicos, atualizados, vigoram como novos.

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B09  Modernismo − Oswald de Andrade e Mário de Andrade

01. (UESB BA)


Português

d) Contra as elites vegetais. Em comunicação com o solo. e) Ao progresso desmedido oponha-se a tradição. Raízes antigas firmam-se melhor. Texto comum às questões 05 e 06 fim e começo A noite caiu com licença da Câmara Se a noite não caísse Que seriam dos lampiões? (Pau Brasil, 2003.)

05. (Fameca SP) No contexto do poema, é correto afirmar que o título faz referência a) à chegada da luz elétrica, em substituição à luz dos lampiões. b) ao trabalho infindável dos políticos, que se estende noite adentro. c) ao início das atividades na Câmara pela manhã, quando ainda está escuro. d) à ausência de iluminação pública nas metrópoles brasileiras. e) ao fim da luz natural, do dia, e começo da luz artificial, dos lampiões. 06. (Fameca SP) Um traço estilístico presente em poetas da primeira fase do Modernismo no Brasil que se observa no poema é o uso de a) um tom bem-humorado. b) uma métrica regular. c) um vocabulário arcaico. d) elementos descritivos. e) rimas emparelhadas.

B09  Modernismo − Oswald de Andrade e Mário de Andrade

07. (UEFS BA)

AMARAL, Tarsila do. Operários. 1933. 1 original de arte, óleo sobre tela, 150cm x 205cm . Acervo dos Palácios do Governo do Estado de São Paulo, Brasil. Disponível em:< http://virusdaarte.net/tarsila-operarios/>. Acesso em: 18 jan. 2016.

A análise da obra modernista de Tarsila do Amaral, intitulada “Operários”, está correta em a) As faces em primeiro plano revelam, mesmo na diversidade cultural, a massificação de indivíduos que são explorados por aqueles que detêm o poder, representados pela fábrica ao fundo. 642

b) O quadro denuncia a existência de culturas diferentes como a principal causa da desigualdade social, metaforizada pela presença de pessoas do proletariado e também da elite. c) O olhar das personagens representadas na tela evidencia a perspectiva de mudança e a esperança de um trabalho mais justo, sem o abuso exagerado da mão de obra operária. d) A variedade de rostos e de expressões explicita um contexto social em que há uma convivência pacífica entre oprimidos e opressores. e) As figuras sobrepostas na pintura sugerem a popularização do trabalho e a consciência crítica de que são portadores os operários. 08. (Puc RS) Leia o trecho do diário de viagem de Mário de Andrade, retirado de O turista aprendiz. “Durante esta viagem pela Amazônia, muito resolvido a... escrever um livro modernista, provavelmente mais resolvido a escrever que a viajar, tomei muitas notas como vai se ver. Notas rápidas, telegráficas muitas vezes. Algumas porém se alongaram mais pacientemente, sugeridas pelos descansos forçados do vaticano de fundo chato, vencendo difícil a torrente do rio. Mas quase tudo anotado sem nenhuma intenção da obra-de-arte, reservada pra elaborações futuras, nem com a menor intenção de dar a conhecer aos outros a terra viajada. E a elaboração definitiva nunca realizei. Fiz algumas tentativas, fiz. Mas parava logo no princípio, nem sabia bem porque, desagradado. Decerto já devia me desgostar naquele tempo o personalismo do que anotava. Se gostei e gozei muito pelo Amazonas, a verdade é que vivi metido comigo por todo esse caminho largo de água.” Com base no excerto e em seu contexto, preencha os parênteses com V para verdadeiro ou F para falso. ( ) O diário de viagem é uma modalidade de narrativa que relata não só os acontecimentos transcorridos durante o percurso, mas também os sentimentos do sujeito viajante. ( ) As anotações do diário acompanhavam a rotina do barco: às vezes eram breves, outras mais longas em função das paradas e do movimento da embarcação nas águas do rio. ( ) O narrador se assume como um tipo especial de viajante porque não se integra à paisagem e ao ambiente da Amazônia, uma vez que a viagem que empreende é de ordem subjetiva. ( ) Mário de Andrade se identifica como um turista aprendiz porque fez muitas anotações, escreveu um livro sobre a viagem, corrigiu os originais e experimentou um personalismo exacerbado. A sequência correta de preenchimento dos parênteses, de cima para baixo, é: a) V – V – V – F b) V – F – V – F c) V – F – F – F d) F – V – F – V e) F – F – V – V


FRENTE

B

PORTUGUÊS

MÓDULO B10

MODERNISMO − MANUEL BANDEIRA E ALCÂNTARA MACHADO O Modernismo foi um momento único de intenso debate sobre o conceito de identidade nacional, além de ter gerado uma revolução estética na literatura, na música e nas artes plásticas.

ASSUNTOS ABORDADOS n Modernismo - Manuel Bandeira

e Alcântara Machado n Manuel Bandeira n Alcântara Machado

Por sua vez, a poesia nunca esteve tão próxima do contexto histórico-social, ideológico e cultural. Os principais objetivos da produção literária dessa época eram mostrar as faces contraditórias e diversificadas do País. Na poesia ou na prosa, o Brasil estava muito bem representado por: Mário de Andrade, Oswald de Andrade, Cassiano Ricardo, Guilherme de Almeida, Manuel Bandeira, Menotti del Pichia, Plínio Salgado, Raul Bopp, Ronald de Carvalho e Alcântara Machado. No campo político, o ano de 1922 foi repleto de agitações. Em consequência da marginalização das classes operárias, muitas greves surgiram e os operários se organizaram em torno de lideranças sindicalistas e socialistas, resultando, assim, a formação do Partido Comunista Brasileiro. O Brasil vivia um momento político muito importante: na eleição de 1º de março de 1922, foram escolhidos o presidente e o vice-presidente da República: Arthur Bernardes e Estácio Coimbra. Nesta aula, estudaremos a obra de mais dois importantes autores desse período da nossa literatura: Manuel Bandeira e Alcântara Machado.

Manuel Bandeira Manuel Bandeira é um dos maiores poetas brasileiros. Dotado de um estilo simples e direto, Bandeira foi o mais lírico dos poetas. Trata de temáticas cotidianas e universais, às vezes com uma abordagem de poema-piada. Além disso, permeia em sua obra uma certa melancolia, associada a um sentimento de amargura e, mesmo assim, procura uma forma de sentir a alegria de viver. A poética de Manuel Bandeira é marcada por conceitos que expressam certo temor pela efemeridade da vida, lembranças da infância, apreço pelo erotismo e um grande sentimento de angústia. Tal sensação, em parte, é reflexo da doença que afligia o poeta: a tuberculose.

Fonte: Wikimedia commons

Estilo e obras É possível enumerar, de forma breve, algumas características da obra poética de Manuel Bandeira: n

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A passagem do tempo: a preocupação que o poeta tinha em relação à sua saúde pode ser detectada com certa dose de ironia no poema “Pneumotórax”. Bandeira sofria de tuberculose e sabia dos riscos que corria diariamente. Por isso, a perspectiva de deixar de existir a qualquer momento é uma constante na sua obra. Sensação de angústia: em “Vou-me embora para Pasárgada”, o autor traz à tona um sentimento de deslocamento, de fuga para um lugar melhor. Esse poema é um dos exemplos em que é possível detectar a angústia na poética de Manuel Bandeira. Presença do cotidiano: no poema “O bicho”, podemos notar os detalhes do dia a dia da sociedade moderna, o uso da linguagem próxima do cotidiano das grandes cidades, o que também traz aspectos de denúncia social, marca constante do estilo de Manuel Bandeira. 643


Português

Além dessas características, o autor fez uso do poema-piada em frases curtas e de teor sarcástico.

poemas e da morte como motivo poético mais frequente conferiu-lhe uma aura romântica.

As obras literárias de Manuel Bandeira dividem-se entre prosa e poesia.

A morte estava muito presente na vida de Bandeira. Vítima, ainda muito jovem, da tuberculose e várias vezes desenganado pelos médicos, foi impedido de continuar seus estudos de engenharia. A iminência da morte determinou um estilo, mas sem o entusiasmo dos modernistas da época.

A poesia de Bandeira Em A Cinza das Horas (1917), o autor ainda carregava traços do Simbolismo e do Parnasianismo. Além de a obra ser muito musical, há também a valorização dos estados d’alma, do inconsciente, aliterações e sinestesias, como propõe o Simbolismo. Essa obra apresenta uma atmosfera densa, permeada por algumas poesias que primam pelo medo e pela angústia. Ela trata também de melancolia e de reflexões do autor na maioria dos poemas, porém há experimentos modernistas pela presença de alguns versos brancos e irônicos. Em Libertinagem (1930), os temas como o erotismo, a ironia e o destaque a detalhes cotidianos permeiam os 38 poemas. Entre os poemas, estão os famosos “Vou-me embora para Pasárgada” e o “Pneumotórax”. Nessa obra, Bandeira se mostra completamente inserido no Movimento modernista. Nela vamos encontrar poemas recheados de versos livres e métricas irregulares, temáticas nacionalistas, uso do cotidiano, inovação, humor, linguagem simples (a língua falada pelo povo), total liberdade estética e do pensamento. Enfim, uma obra de ruptura com o passado, com o objetivo de revolucionar e de ser coerente com a realidade. O Modernismo agora se consolida como princípio estético.

B10  Modernismo − Manuel Bandeira e Alcântara Machado

Em Carnaval (1919), o autor entra claramente na modernidade, tanto que o poema “Os sapos” tornou-se o hino da poesia modernista, em virtude de ironizar poetas parnasianos como Olavo Bilac. Podemos perceber, nessa obra, alguns improvisos e quebras melódicas. Em O ritmo dissoluto (1924), o poeta ainda traz características simbolistas. O uso de versos livres, da métrica irregular na maioria dos seus poemas e da descrição de coisas simples do cotidiano, tornam o livro essencialmente modernista. n

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Já em Estrela da Manhã (1936) o poeta retorna aos temas de Libertinagem e conta com os poemas “Estrelas da Manhã”, “Rondó dos Cavalinhos”, “O Poema do Beco”, entre outros. Em Lira dos Cinquent’anos (1940), o autor apresenta uma coletânea de poemas que são os mais característicos de sua obra, como ‘O exemplo das rosas’, ‘Versos de Natal’, ‘A morte absoluta’, ‘A estrela’, ‘Canção do vento e da minha vida’, ‘Rondó do capitão’, ‘Última canção do beco’, ‘Testamento’, ‘Balada do rei das sereias’, ‘Velha chácara’, entre outros.

Verificamos, portanto, em Manuel Bandeira, traços indicadores de uma sensibilidade romântica, sobretudo de uma profunda tristeza, aliada ao desencanto e à melancolia. A confissão de seu estado de espírito, da presença do “eu” em 644

Criou-me, desde eu menino Para arquiteto meu pai. Foi-se-me um dia a saúde... Fiz-me arquiteto? Não pude! Sou poeta menor, perdoai! (29 de janeiro de 1943) Poesia extraída do livro Antologia Poética - Manuel Bandeira, Editora Nova Fronteira - Rio de Janeiro, 2001, pág. 126.

A opressão da realidade, a solidão e a doença conduziram-no à busca da evasão, à procura do lugar ideal, onde praticamente tudo seria possível: Vou-me embora pra Pasárgada Vou-me embora pra Pasárgada Lá sou amigo do rei Lá tenho a mulher que eu quero Na cama que escolherei Mesmo morrendo após os 80 anos, a moléstia fez com que Manuel Bandeira convivesse continuamente com a morte e se voltasse mais para dentro de si mesmo, deixando que isso surgisse em muitos de seus versos. Pneumatórax Febre, hemoptise, dispneia e suores noturnos. A vida inteira que podia ter sido e que não foi. Tosse, tosse, tosse. Mandou chamar o médico: - Diga trinta e três. - Trinta e três... trinta e três... trinta e três... - Respire. ............................................................................................. ............................................................................................ - O senhor tem uma escavação no pulmão esquerdo e o pulmão direito infiltrado. - Então, doutor, não é possível tentar o pneumotórax? - Não. A única coisa a fazer é tocar um tango argentino. (Libertinagem. In poesia completa e prosa)

Observe o verso: “A vida inteira que podia ter sido e que não foi” em que podemos encontrar pelo menos dois significados: o primeiro é válido para o poeta - a questão da saúde


Linguagens, Códigos e suas Tecnologias

Na segunda parte do poema, observa-se o exame médico. A dificuldade respiratória é reiterada pela aliteração da letra /t/ como também pela linha inteira com reticências, significando a respiração ou significando que o paciente tivesse sido acometido por um acesso de tosse. Na terceira parte do poema, o médico dá o diagnóstico ao paciente – “- O senhor tem uma escavação no pulmão esquerdo e o pulmão direito infiltrado.” Apesar de o paciente ainda ter esperança, como se vê no verso seguinte: “- Então doutor, não é possível tentar o pneumotórax? O médico, ironicamente, diz-lhe que qualquer tratamento seria inútil, dizendo: A única coisa a fazer é tocar um tango argentino. Esse último verso tem o significado um tanto interessante. Diante de tantos problemas pulmonares, tocar um tango argentino foi a forma eufemística para se dizer que não havia nada a se fazer. Foi uma forma suave de dizer: curta o que ainda puder curtir da vida. Podemos observar aqui uma dramaticidade irônica. O autor, ao retratar o tema da própria doença e da morte, o faz de forma ponderada. Abordada de maneira diferente, não tradicional, outra temática dos poemas de Bandeira é a sensualidade. O objeto do desejo era principalmente as prostitutas. Em função da própria experiência de vida sexual dele, não convencional, causada pela doença. O tema da infância, como retorno ao passado, contrasta-se ao presente de angústia e dor vivenciado pelo poeta. O folclore, suas quadras e canções populares e a família sempre apareceram ligados à infância. Foi o tempo feliz antes da doença. Depois que o pai, a mãe e o irmão morreram, então foi o tempo de comunhão com os parentes. O poema “Profundamente” está incluso no livro Estrela da Vida Inteira. Além de um saudosismo pela infância do eu lírico de forma melancólica, a obra mostra ideais modernistas por meio da quebra de paradigmas com a forma fixa e a métrica (versos livres), além da brincadeira com o campo semântico das palavras em contexto. Esse poema apresenta-se em dois tempos distintos: o passado - “Quando eu tinha seis anos”- e o presente - “Hoje não ouço mais as vozes daquele tempo”, bem destacados pelos advérbios empregados. O início do texto mostra algumas lembranças do eu lírico vividas na noite de São João, quando ele tinha seis anos

e não pôde ver o final da festa, porque tinha adormecido. Então, ao acordar (possivelmente, no meio da madrugada), toda a alegria produzida pelas músicas, risadas e brincadeiras do cotidiano das pessoas daquela época tinha desaparecido, porque todos da casa estavam dormindo profundamente (no sentido literal - denotativo). Profundamente Quando eu tinha seis anos Não pude ver o fim da festa de São João Porque adormeci Hoje não ouço mais as vozes daquele tempo Minha avó Meu avô Totônio Rodrigues Tomásia Rosa Onde estão todos eles? - Estão todos dormindo Estão todos deitados Dormindo Profundamente. O termo Pasárgada empregado pelo poeta no poema “Vou-me embora pra Pasárgada” ocorreu ao poeta em um momento de desânimo ocasionado pela doença. Na época de colégio ouviu algo sobre uma civilização ideal, antiga, fundada por Ciro, na Pérsia. Pela leitura do poema, podemos imaginar que Pasárgada seja um lugar de luxúria: liberdade sexual, ausência de concepção. Uma mistura de liberdade com libertinagem.

SAIBA MAIS Pasárgada é uma cidade da antiga Pérsia e é, atualmente, um sítio arqueológico na província de Fars, no Irã, situado 87 km a nordeste de Persépolis. Foi a primeira capital da Pérsia Aquemênida, no tempo de Ciro II da Pérsia, e coexistiu com as demais, dado que era costume persa manter várias capitais em simultâneo, em função da vastidão do seu império: Persépolis, Ecbátana, Susa ou Sardes. É hoje um Patrimônio Mundial da Unesco. A construção de Pasárgada foi iniciada por Ciro II e foi mantida inacabada devido à morte de Ciro em batalha. A cidade manteve-se como capital até que Dario iniciou a mudança para Persépolis. O nome moderno vem do grego, mas pode ter derivado de um outro usado no período aquemênida, Parságada. O sítio arqueológico cobre uma área de 1,6 km² e contém uma estrutura que acredita-se ser o mausoléu de Ciro.

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B10  Modernismo − Manuel Bandeira e Alcântara Machado

que o impediu de viver sem receios. O segundo valeria para qualquer outra pessoa saudável que deixa a vida passar, sem aproveitar o tempo e fazer algo útil.


Português

Pasárgada refere-se a um futuro distante, repleto de coisas novas, uma espécie de modernidade, um sonho, um desejo como fuga da realidade melancólica e da solidão do autor. Tudo isso proporcionado, às vezes, pela sua doença. Pasárgada é um lugar para a satisfação dos desejos eróticos onde não existe solidão. Bandeira criou esse lugar em busca da sensação de liberdade, livre das obrigações e das limitações de sua doença e de sua vida. Esse espaço transcendeu a própria poesia e tornou-se um lugar imaginário onde a vida é melhor. Vou-me embora pra Pasárgada Vou-me embora pra Pasárgada Lá sou amigo do rei Lá tenho a mulher que eu quero Na cama que escolherei Vou-me embora pra Pasárgada Vou-me embora pra Pasárgada Aqui eu não sou feliz Lá a existência é uma aventura De tal modo inconsequente Que Joana a Louca de Espanha Rainha e falsa demente Vem a ser contraparente Da nora que nunca tive E como farei ginástica Andarei de bicicleta B10  Modernismo − Manuel Bandeira e Alcântara Machado

Montarei em burro brabo Subirei no pau-de-sebo Tomarei banhos de mar! E quando estiver cansado Deito na beira do rio Mando chamar a mãe-d’água Pra me contar as histórias Que no tempo de eu menino Rosa vinha me contar Vou-me embora pra Pasárgada Em Pasárgada tem tudo É outra civilização 646

Tem um processo seguro De impedir a concepção Tem telefone automático Tem alcaloide à vontade Tem prostitutas bonitas Para a gente namorar E quando eu estiver mais triste Mas triste de não ter jeito Quando de noite me der Vontade de me matar – Lá sou amigo do rei – Terei a mulher que eu quero Na cama que escolherei Vou-me embora pra Pasárgada (Libertinagem . In Poesia completa e prosa)

Em uma leitura atenta do poema, podemos perceber que o sentimento dominante é o de escapismo, de fuga da realidade para um plano ideal simbolizado por Pasárgada, que sintetiza o plano ideal de se viver e ser feliz. Pasárgada é o mundo da liberdade, do permitido, da realização plena dos desejos. Contrasta com o mundo real, repleto de proibições, de regras, de lógica e de moral. Na primeira estrofe, fica claro que o poeta já esteve ou já viveu nesse lugar, como se lá fosse a sua própria morada de outros tempos, quando diz: “Lá sou amigo do rei/Lá tenho a mulher que eu quero/ Na cama que escolherei” Os verbos ter e ser definem bem tal realidade. Ele se diz amigo do rei e tem poder sobre o seu querer. Ele já tem a mulher que quer. Ele não diz: lá serei ou terei, como algo do futuro ou do seu desejo, ele já é amigo do rei. Já quando utiliza o verbo escolher, ele vem flexionado no tempo futuro e não no presente, como antes (sou e tenho), quando se refere à escolha da cama. Assim, leva-nos a crer que há uma espécie de exílio da terra ainda desconhecido, mas que vive nos seus sonhos - o paraíso perdido na memória, como uma fuga da sua insatisfação e da dor, da solidão em que vive. A fuga do poeta é em direção à liberdade. Uma vida que poderia ter sido e que não foi por conta da doença. A volta à infância antes de ficar doente também está presente nos versos:


Linguagens, Códigos e suas Tecnologias

“Andarei de bicicleta Montarei em burro brabo (...) Que no tempo de eu menino Rosa vinha me contar”. Aqui acontece uma inversão na colocação dos verbos: andar, montar, subir, tomar. O poeta utiliza os verbos no tempo futuro, para exprimir o desejo de ir para Pasárgada. Contudo, fica subentendido que todas as ações acontecem fora de Pasárgada, ou seja, acontece ainda na sua terra natal no tempo da sua infância com ações características de sua época. Uma vida ativa é um dos desejos do poeta, que é privado de exercícios físicos por causa da tuberculose. E quando eu estiver mais triste Mas triste de não ter jeito Quando de noite me der Vontade de me matar — Lá sou amigo do rei — Terei a mulher que eu quero Na cama que escolherei Vou-me embora pra Pasárgada. Na última estrofe, Bandeira se vê em um grande conflito: se Pasárgada é o lugar possível de escapar de vários problemas, um lugar cuja existência é uma aventura sem nenhuma consequência, por que o autor fala, justamente, da tristeza e da morte?

n n n n n n n n n n n n

Noções de história das literaturas (1940) Autoria das Cartas chilenas, separata da Revista do Brasil (1940) Apresentação da poesia brasileira (1946) Literatura hispano-americana (1949) Gonçalves Dias, biografia (1952) Itinerário de Pasárgada (1954) De poetas e de poesia (1954) A flauta de papel (1957) Prosa, reunindo obras anteriores e mais Ensaios literários, Crítica de Artes e Epistolário (1958) Andorinha, andorinha, crônicas (1966) Os reis vagabundos e mais 50 crônicas (1966) Colóquio unilateralmente sentimental, crônica (1968).

Alcântara Machado Antônio Castilho de Alcântara Machado d’Oliveira nasceu em São Paulo, em 25 de maio de 1901. Filho de ilustre e tradicional família paulistana, formou-se em Direito pela Faculdade do Largo São Francisco. Faleceu em 14 de abril de 1935, em São Paulo, aos 34 anos de idade. O escritor teve seu nome definitivamente consagrado com a publicação dos contos Brás, Bexiga e Barra Funda (1927) e Laranja da China (1928).

E quando eu estiver mais triste Mas triste de não ter jeito Quando de noite me der Vontade de me matar

Além disso, o poeta mostra em seu poema a vida como ela é: cheia de contradição, paradoxo, ironia e sem nenhuma linearidade como, muitas vezes, se exige que ela tenha. Enfim, Bandeira busca a utopia, a evasão, o lugar onde possa realizar-se, onde ele possa fugir da morte.

Além de grande poeta, Manuel Bandeira foi também grande conhecedor da Língua Portuguesa e um exímio prosador. Em sua obra em prosa, ele mostrou seu conhecimento de crítico de arte em livros como Literatura Hispano-Americana, Gonçalves Dias – Biografia, Apresentação da Poesia Brasileira, entre outros como: n n

Crônicas da província do Brasil (1936) Guia de Ouro Preto (1938)

Fonte: Wikimedia commons

A prosa de Bandeira

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B10  Modernismo − Manuel Bandeira e Alcântara Machado

Havia um grande otimismo e forte desejo na primeira estrofe, pois já era amigo do rei. Agora, ao invés de ter a mulher que ele quer, ele utiliza o verbo ter no futuro, dizendo que terá a mulher que quer na cama que escolherá, ou seja, inverte tudo o que disse na introdução do poema.


Português

Obras do autor

Brás, Bexiga e Barra Funda

Pathé Baby (1926); Brás, Bexiga e Barra Funda (1927); Laranja da China (1928); Anchieta na Capitania de São Vicente (1928); Mana Maria (romance inacabado e publicado pós-morte em 1936); Cavaquinho e Saxofone (coletânea de artigos e estudos, de 1940).

Alcântara Machado era muito interessado pela vida na cidade. Por isso, o universo retratado é o espaço urbano de São Paulo, em especial os bairros dos imigrantes italianos – Brás, Bexiga, Barra Funda e Mooca – embora não deixe de citar os pontos considerados ‘nobres’ e ‘centrais’ da cidade.

Dentre os muitos autores existentes na fase literária modernista, Alcântara Machado alia às notícias do jornal características literárias, construindo seus contos com base no dinamismo das informações e dos acontecimentos que permeiam o cotidiano da sociedade paulista. Muito ligado aos ideais modernistas, sua obra é marcada pela leveza e bom humor, sendo caracterizada também, como crítica, anedótica, apaixonada, mas sobretudo humana. Atento às transformações pelas quais passava a capital paulista, o autor observou uma figura que começava a se tornar cada vez mais presente no dia a dia da cidade: o imigrante italiano. Nos contos Brás, Bexiga e Barra Funda, Alcântara Machado narra os dramas e sonhos dos imigrantes italianos pobres, que lutavam pela sobrevivência, enquanto registra cenas urbanas de uma São Paulo que se industrializava.

O enredo retrata a formação de uma sociedade plural, bem miscigenada, pois gradativamente ocorre a mistura das famílias brasileiras com as italianas. O conto narrado em terceira pessoa oferece uma duplicidade de sentido quanto ao título. A palavra “sociedade” pode referir-se ao ambiente social paulistano na década de 1920, mas pode fazer referência também à relação de poder econômico. Nesse sentido, podemos observar algum traço de ironia na escolha do título, por remeter-nos aos arranjos matrimoniais, os quais eram resolvidos levando-se em consideração os interesses econômicos acima dos sentimentos. O espaço em que a história transcorre é o ambiente urbano da cidade de São Paulo, mais precisamente o bairro da Liberdade. Além do reconhecimento geográfico da cidade, o autor expõe aspectos humanos, morais, sociais, culturais e linguísticos, ora por um narrador observador, ora por um narrador onisciente, que penetra no íntimo dos personagens que formavam a comunidade ítalo-paulista.

Fonte: Wikimedia commons

B10  Modernismo − Manuel Bandeira e Alcântara Machado

Figura 01 - A imigração italiana no Brasil, de Angiolo Tommasi (1858–1923)

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Linguagens, Códigos e suas Tecnologias

— Filha minha não casa com filho de carcamano! A esposa do Conselheiro José Bonifácio de Matos e Arruda disse isso e foi brigar com o italiano das batatas. Teresa Rita misturou lágrimas com gemidos e entrou no seu quarto batendo a porta. O Conselheiro José Bonifácio limpou as unhas com o palito, suspirou e saiu de casa abotoando o fraque. O esperado grito do cláxon fechou o livro de Henri Ardel e trouxe Teresa Rita do escritório para o terraço. O Lancia passou como quem não quer. Quase parando. A mão enluvada cumprimentou com o chapéu Borsalino. Uiiiiia-uiiiiia! Adriano Meli calcou o acelerador. Na primeira esquina fez a curva. Veio voltando. Passou de novo. Continuou. Mais duzentos metros. Outra curva. Sempre na mesma rua. Gostava dela. Era a Rua da Liberdade. Pouco antes do número 259-C sabe: uiiiiia-uiiiiia! — O que você está fazendo aí no terraço, menina? — Então nem tomar um pouco de ar eu posso mais?

— Entre já para dentro ou eu falo com seu pai quando ele chegar! — Ah meu Deus, meu Deus, que vida, meu Deus! Adriano Melli passou outras vezes ainda. Estranhou. Desapontou. Tocou para a Avenida Paulista. Na orquestra o negro de casaco vermelho afastava o saxofone da beiçorra para gritar: Dizem que Cristo nasceu em Belém... Porque os pais não a haviam acompanhado (abençoado furúnculo inflamou o pescoço do Conselheiro José Bonifácio) ela estava achando um suco aquela vesperal do Paulistano. O namorado ainda mais. [...] MACHADO. Antônio de Alcântara. Brás, Bexiga e Barra Funda: notícias de São Paulo. São Paulo: Nova Alexandria, 1995. P. 141-142.

“A Sociedade” narra a história de um jovem casal composto por um rapaz, filho de imigrantes italianos, e uma jovem, filha de um casal paulista aristocrata. No decorrer do conto, percebe-se um grande preconceito da família de Teresa Rita para com a família de seu namorado, Adriano Melli, pelo fato de o rapaz ser imigrante. Figura 02 - Obra de Antonio Ferrigno (1903) mostrando imigrantes italianos nas plantações, um retrato do Ciclo do Café

Fonte: Wikimedia commons

A Sociedade

Lancia Lambda, vermelhinho, resplendente, pompeando na rua. Vestido de Camilo, verde, grudado à pele, serpejando no terraço.

B10  Modernismo − Manuel Bandeira e Alcântara Machado

A linguagem é bastante concisa e objetiva. O fragmento é composto por frases curtas e precisas, como é característica da linguagem cinematográfica de Alcântara Machado, que escreve apenas o necessário, evitando, assim, a quebra do ritmo das cenas. O autor narra apenas o que é relevante.

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nal

feira ônia

Português

e de

Exercícios de Fixação 01. (FGV SP)

o de

Os meus olhos, de tanto a olharem,

Poema tirado de uma notícia de jornal João Gostoso era carregador de feira livre e morava no morro da [Babilônia num barracão sem número. Uma noite ele chegou no bar Vinte de Novembro Bebeu Cantou Dançou Depois se atirou na Lagoa Rodrigo de Freitas e morreu afogado. Manuel Bandeira. Libertinagem.

Considere as seguintes afirmações: A filiação do poema à estética do Modernismo revela-se na I. escolha de assunto pertencente à esfera do cotidiano humilde e prosaico, em oposição ao Parnasianismo antecedente, que cultivava os temas ditos nobres, solenes e elevados. II. utilização de objeto ou texto já pronto ou constituído, alegadamente encontrado na realidade exterior, como base da composição poética. III. ruptura das fronteiras entre os gêneros literários tradicionais, que aparecem mesclados no texto. Está correto o que se afirma em a) I, somente. b) I e II, somente. c) II e III, somente. d) I e III, somente. e) I, II e III.

B10  Modernismo − Manuel Bandeira e Alcântara Machado

02. (Unitau) Brás, Bexiga e Barra Funda tenta fixar tão somente alguns aspectos da vida trabalhadeira, íntima e cotidiana desses novos mestiços e nacionalistas”. É dessa forma que Antônio de Alcântara Machado explica sua obra. Indique a alternativa que corresponde à referência feita pelo autor a) aos japoneses. b) aos italianos. c) aos alemães. d) aos portugueses. e) aos índio. 03. (FCM MG) Leia o poema “Gesso”, de Manuel Bandeira. Esta minha estatuazinha de gesso, quando nova - O gesso muito branco, as linhas muito puras – Mal sugeria imagem da vida (Embora a figura chorasse). Há muitos anos tenho-a comigo. O tempo envelheceu-a, carcomeu-a, manchou-a de pátina amarelo-suja.

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Impregnaram-na de minha humanidade irônica de tísico. Um dia mão estúpida Inadvertidamente a derrubou e partiu. Então ajoelhei com raiva, recolhi aqueles tristes fragmentos, recompus a figurinha que chorava. E o tempo sobre as feridas escureceu ainda mais o sujo mordente da pátina... Hoje este gessozinho comercial É tocante e vive, e me fez agora refletir Que só é verdadeiramente vivo o que já sofreu. (BANDEIRA, Manuel. Poesia completa e prosa. R.J.: José Aguilar Editora, 1974, p.193.)

A concepção de vida, para Manuel Bandeira: a) Realça a ideia de que a vida só tem valor quando associada a um elemento estético. b) Distancia-se da mensagem do poeta Francisco Otaviano, que realça o sofrimento. c) Aproxima-se da ideia presente no poema de Francisco Otaviano, “Ilusões da vida”. d) Evidencia um pensamento altruísta, calcado na solidariedade humana. 04. (ESPM) Leia os trechos: Foi-se chegando devagarinho, devagarinho, devagarinho. Fazendo beicinho. Estudando o terreno. Diante da mãe e do chinelo parou. Balançou o corpo. Recurso de campeão de futebol. Fingiu tomar a direita. Mas deu meia volta e varou pela esquerda porta adentro. (...) Lancia Lambda, vermelhinho, resplendente, pompeando na rua. Vestido do Camilo, verde, grudado à pele, serpejando no terraço. (...) − Per Bacco, doutor! Mas io tenho o capital. O capital sono io. O doutor entra com o terreno mais nada. E o lucro se divide ao meio. (Antônio de Alcântara Machado)

Sobre os trechos acima, retirados da obra Brás, Bexiga e Barra Funda, publicada em 1927, assinale a afirmação errônea. a) Há marcas de coloquialidade presentes no texto. b) Característica do modernismo da primeira fase, há abordagem do cotidiano e certo humor na narrativa. c) O predomínio de períodos simples e orações coordenadas marca um estilo telegráfico e conciso. d) Estão presentes também orações subordinadas com uma linguagem rebuscada, retórica e cheia de volteios. e) Reproduz-se o português macarrônico, ou seja, a fala do imigrante italiano.


Linguagens, Códigos e suas Tecnologias

Exercícios Complementares

DUARTE, Maurício. Anita Malfatti, 100 anos depois. Disponível em: <http://www.livrariacultura.com.br/revistadacultura>. Acesso em: fev. 2017.

De acordo com o texto e o contexto da Primeira Geração Modernista no Brasil, é correto afirmar que Anita Malfatti a) foi a principal artista plástica desse grupo, já que se tornou a primeira pintora a mobilizar os críticos de arte para analisar as interpretações criativas da realidade naquela época. b) criticou e rejeitou as estruturas acadêmicas nacionais ligadas ao bom gosto, à beleza e à harmonia, comprometendo nomes importantes desse campo de atuação humana, como Monteiro Lobato. c) teve seus trabalhos completamente rejeitados pela sociedade brasileira que questionou com veemência o conceito por ela atribuído às manifestações de ordem estética. d) rejeitou a forma genuína como os talentos do País expressavam suas emoções, trazendo estudos de fora, o que originou a indignação de Mário de Andrade. e) acabou por incitar, a partir do debate sobre a sua obra, a produção da Semana de Arte Moderna e por inaugurar uma nova concepção artística no Brasil. 02. (Unitau SP) O ÚLTIMO POEMA Assim eu quereria o meu último poema Que fosse terno dizendo as coisas mais simples e menos intencionais

Que fosse ardente como um soluço sem lágrimas Que tivesse a beleza das flores quase sem perfume A pureza da chama em que se consomem os diamantes mais límpidos A paixão dos suicidas que se matam sem explicação. Libertinagem, Manuel Bandeira.

Sobre o poema de Manuel Bandeira apresentado acima, leia as afirmativas a seguir. I. A ausência de virgulação e de pontuação prejudica o ritmo do poema, pois não fica marcada a sua cadência. II.

O emprego das anáforas contribui para a marcação

III.

rítmica do poema. O emprego do enjambement garante a sequenciação

IV.

lógico-rítmica do poema. O encadeamento lógico-rítmico do poema é prejudicado pela quebra sintática do poema.

Está CORRETO o que se afirma em a) III e IV, apenas. b) II e III, apenas. c) I e II, apenas. d) I e IV, apenas. e) I, II, III e IV. 03. (UFRGS) Leia o trecho abaixo do poema Poética, de Manuel Bandeira. Estou farto do lirismo comedido do lirismo bem comportado Do lirismo funcionário público com livro de ponto expediente protocolo e manifestações de apreço ao Sr. Diretor Estou farto do lirismo que para e vai averiguar no dicionário o cunho vernáculo de um vocábulo (...) De resto não é lirismo Será contabilidade tabela de cossenos secretário do amante exemplar com [cem modelos de cartas e as diferentes maneiras de agradar às mulheres, etc. Quero antes o lirismo dos loucos O lirismo dos bêbedos O lirismo difícil e pungente dos bêbedos O lirismo dos clowns de Shakespeare - Não quero mais saber do lirismo que não é libertação.

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B10  Modernismo − Manuel Bandeira e Alcântara Machado

01. (Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública) Em dezembro de 1917, o centro de São Paulo abrigou uma pequena exposição individual de uma jovem pintora, que mostrava pela primeira vez o resultado de seus anos de estudo na Europa e nos Estados Unidos. Há 100 anos, Anita Malfatti (1889-1964) abalava as estruturas do academicismo nas artes plásticas nacionais e dava o primeiro passo em direção ao Modernismo e à Semana de Arte Moderna, que viria a ocorrer em 1922. A primeira mostra de arte reconhecidamente modernista realizada no país suscitou todo tipo de reação, do assombro ao deslumbramento, da indignação ao entusiasmo. Enquanto o escritor Mário de Andrade gargalhava de alegria ao ver as obras, Monteiro Lobato publicava o famoso texto em que o criador da boneca Emília teceu severas críticas ao trabalho da artista, fazendo, inclusive, com que cinco obras compradas fossem devolvidas. No entanto, passado um século, o que ficou do vigor artístico da obra daquela pintora tímida e até um pouco reclusa?


Português

Considere as seguintes afirmações sobre o poema. I. Poética é um poema que defende a concepção libertária da criação artística. II. O poema, publicado no livro Libertinagem, de 1930, reforça o ideário modernista de inovação estética. III. Bandeira intensifica a rigidez da forma poética, que já havia em Os sapos, do livro Carnaval, de 1919. Quais estão corretas? a) Apenas I. d) Apenas II e III. b) Apenas III. e) I, II e III. c) Apenas I e II. 04. (ITA SP) Sobre o poema de Manuel Bandeira, Irene no céu Irene preta Irene boa Irene sempre de bom humor. Imagino Irene entrando no céu: – Licença, meu branco! E São Pedro bonachão: – Entra, Irene. Você não precisa pedir licença. (Em: Libertinagem. Rio de Janeiro: Pongetti, 1930.)

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é INCORRETO afirmar que a relação afetiva entre o sujeito lírico e Irene a) faz com que a descrição dela seja permeada pela visão carinhosa dele. b) torna a linguagem mais coloquial, espelhando a ligação afetuosa dos dois. c) é responsável pelo tratamento informal dado a uma entidade religiosa. d) é um mero disfarce da desigualdade entre brancos e negros. e) é, na visão dele, compartilhada até mesmo por São Pedro. 05. (Puc Campinas SP) Atente para estes versos de Manuel Bandeira, extraídos do poema “Minha terra”: Revi afinal o meu Recife. Está de fato completamente mudado. Tem avenidas, arranha-céus. É hoje uma bonita cidade. Diabo leve quem pôs bonita a minha terra. Nesses versos o poeta pernambucano a) renuncia ao estilo modernista, voltando ao verso clássico para poder saudar sua antiga cidade. b) admite que ele e sua cidade tiveram muito a ganhar com o irrecorrível processo de modernização. c) reconhece que a modernização altera as convicções que ele alimentava no passado. 652

d) opõe a constatação do progresso de sua cidade à sua imagem afetiva guardada na memória. e) ironiza a beleza da cidade moderna enquanto idealiza a melancolia das cidadezinhas. 06. (IF PE) Profundamente “Quando ontem adormeci Na noite de São João Havia alegria e rumor Estrondos de bombas luzes de Bengala Vozes cantigas e risos Ao pé das fogueiras acesas. No meio da noite despertei Não ouvi mais vozes nem risos [...] Onde estavam os que há pouco Dançavam Cantavam E riam Ao pé das fogueiras acesas? — Estavam todos dormindo Estavam todos deitados Dormindo Profundamente Quando eu tinha seis anos Não pude ver o fim da festa de São João Porque adormeci Hoje não ouço mais as vozes daquele tempo Minha avó Meu avô Totônio Rodrigues Tomásia Rosa Onde estão todos eles? — Estão todos dormindo Estão todos deitados Dormindo Profundamente.” Manuel Bandeira, Libertinagem.

Como se sabe, conforme fatores biográficos, a poesia de Manuel Bandeira é constantemente marcada pelo tema da morte. No poema “Profundamente”, esse tema é marcado a) pelo uso de imagens do tempo de criança do poeta. b) pela relação temporal de retomada do passado e associação com o presente. c) pela imagem reconstruída da festa de São João, metáfora do passado. d) pelo uso metafórico da ação de dormir, que retrata a ausência das pessoas que estavam na festa. e) pela citação de nomes de pessoas que certamente já haviam morrido, como Totônio Rodrigues, Tomásia e Rosa.


FRENTE

B

PORTUGUÊS

MÓDULO B11

MODERNISMO - GRACILIANO RAMOS E RACHEL DE QUEIROZ A Grande Depressão, também conhecida como Crise de 1929, provocou um forte colapso econômico em todo o mundo, e é considerada o pior e o mais longo período de recessão econômica do século XX.

ASSUNTOS ABORDADOS n Modernismo - Graciliano Ramos

e Rachel de Queiroz n Graciliano Ramos n Rachel de Queiroz

No Brasil não foi diferente. O clima de conflitos e a forte insatisfação popular em várias regiões brasileiras geraram preocupação nos setores militares de alto comando, que viam uma iminente guerra civil. O então presidente Washington Luiz, apesar de estar vivendo uma situação crítica não pretendia renunciar ao poder. Diante dessa situação, chefes militares do Exército e da Marinha depuseram-no e instalaram uma junta militar. Mais tarde, transferiram o poder para Getúlio Vargas, que governou o Brasil de forma provisória entre 1930 e 1934. Nesse ano, Vargas foi eleito pela Assembleia Constituinte como presidente constitucional do Brasil, com mandato até 1937. Com apoio de integralistas, militares e intelectuais, Vargas suspendeu a Constituição de 1934 e colocou todos os partidos políticos na ilegalidade. Era o início do Estado Novo. De revolucionário e constitucionalista, Vargas passou a assumir o papel de ditador até 1945. De 1930 a 1945, assistimos ao surgimento de uma literatura moderna, já mais alicerçada, com bases mais sólidas, tanto na poesia quanto na prosa. Os romancistas de 1930 adotaram uma visão mais crítica das relações sociais, ressaltando o homem hostilizado pelo ambiente regional, pela terra, pela vida difícil e pela marginalização nas cidades. Um homem tragado pelos problemas e misérias que o meio lhe impunha. Os reveses sofridos com a crise cafeeira, o acelerado declínio do Nordeste, gerando desemprego e dificuldades financeiras fizeram nascer um novo estilo ficcional, especialmente mais maduro, mais adulto e mais moderno, denotando um comprometimento com a realidade social, com a relação do homem consigo mesmo e com o meio em que vive. Na produção em prosa, destacam-se Rachel de Queiroz, José Lins do Rego, Graciliano Ramos, Jorge Amado e Érico Veríssimo. Essa geração foi considerada neorrealista por abordar as causas sociais de forma veemente, como uma espécie de denúncia, de crítica frente à realidade social brasileira, abordando, como principal alvo, a seca nordestina.

Fonte: Wikimedia commons

Nesta aula, vamos estudar Graciliano e Rachel de Queiroz.

Graciliano Ramos Norteado pelos instintos ideológicos desse momento histórico, Graciliano Ramos foi considerado um autêntico prosador regionalista. Ele imprimiu o retrato do nordeste brasileiro em todos os discursos que criou, focalizando não só a problemática do homem como produto do meio em que vive, mas, sobretudo, a luta desse homem na tentativa de compreender seu próprio eu, como também as questões voltadas para esse meio. Graciliano Ramos utiliza um enfoque direto dos fatos, uma linguagem mais brasileira, marcada pela rudeza, com uma retomada do Realismo/Naturalismo, principalmente no plano da narrativa documental. O romance nordestino possui a liberdade temática e o rigor estilístico. Entre as obras publicadas pelo escritor, duas delas chamam-nos a atenção pelo modo surpreendente com o qual apresentam diferentes níveis de miséria humana: a miséria que é fruto da ambição exibida em São Bernardo e aquela causada pela pobreza extrema em Vidas Secas. 653


Português

Graciliano Ramos (1892-1953) nasceu em Quebrângulo, Alagoas. Estudou em Maceió, mas não cursou nenhuma faculdade. Após breve estada no Rio de Janeiro como revisor dos jornais Correio da Manhã e A Tarde, passou a fazer jornalismo e política elegendo-se prefeito em 1927. Foi preso em 1936 sob acusação de ser comunista e, nessa fase, escreveu Memórias do Cárcere. Mas é São Bernardo (1932) a verdadeira obra-prima da literatura brasileira. Depois vieram Angústia (1936) e Vidas Secas (1938). Em 1945, integrou-se ao Partido Comunista Brasileiro. Principais Obras São Bernardo (1932) Caetés (1933) Angústia (1936) Vidas Secas (1938) Brandão Entre o Mar e o Amor (1942) História de Alexandre (1944) Infância (1945) Dois Dedos (1945) Histórias Incompletas (1946) Insônia (1947) 7 Histórias Verdadeiras (1951) Memórias do Cárcere (1953) Viagem (1954) Viventes das Alagoas (1962) Alexandre e Outros Heróis (1962) Linhas Tortas (1962) Histórias Agrestes (1962) Cartas (1980)

A zoomorfização presente em Vidas Secas foi um recurso que o autor recorreu para demonstrar a situação na qual as personagens se encontravam, de tal maneira que a seca era a causa principal de sua animalização. Essa condição climática obrigava-os a viver de acordo com seus instintos, como se fossem animais.

A narrativa de Vidas Secas está relacionada a um período particularmente complicado da política brasileira e mundial. No Brasil, vigorava a ditadura Vargas, enquanto a Europa vivia as tensões que resultariam na eclosão da Segunda Guerra Mundial.

Fonte: Wikimedia commons

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Ele deixa de lado a seca como fator climático e concentra-se no homem e o que a seca causa na vida do indivíduo. Daí a percepção clara de características físicas e psicológicas provocadas pela realidade enfrentada. A partir de então, podemos perceber uma animalização das personagens que são fortemente caracterizadas pela miséria pela qual eles passam. Utilizando a imagem de Fabiano, o autor mostra a marginalização à qual é submetido o homem de classe social baixa, que vive em condições sub-humanas. Além disso, ele critica a exploração por parte do governo, por meio do personagem soldado amarelo que, em nome do próprio governo, humilha Fabiano e o coloca na prisão sem motivo.

Vidas Secas

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Vários autores valeram-se do tema da seca como motivação para a produção de suas obras literárias: Rodolfo Teófilo, com sua obra A Fome, de 1890; José Américo de Almeida, com A Bagaceira, de 1928, e Rachel de Queiroz, em 1930, com O Quinze. No entanto, foi Graciliano Ramos que mais se voltou para o drama social que aflige as pessoas inseridas no contexto da seca, principalmente, em sua obra monumental Vidas Secas, de 1938.

Portanto, a zoomorfização é um elemento metafórico flagrante nas obras de Graciliano Ramos. No tradicional Aurélio, tem-se que o verbo é sinônimo de tornar bruto, embrutecer, bestializar. O homem animalizado é aquele que age instintivamente apenas de impulso, sem qualquer racionalização sobre seus atos. A animalização é, pois, o embrutecimento, o retorno à condição de animal. Para fortalecer essa imagem, Graciliano antropomorfiza a personagem Baleia. Dessa forma dizemos que o termo é uma figura de linguagem que aproxima e descreve o comportamento humano como de um animal. O autor atribui à família de Fabiano a condição de animais. Já a cachorra Baleia é colocada em condição “humana”, daí se dizer que os animais são humanizados. “Ela era uma pessoa da família: brincavam juntos os três, para bem dizer, não se diferençavam [...]” (RAMOS, 2009, p.86)


Linguagens, Códigos e suas Tecnologias

Baleia, Graciliano Ramos A cachorra Baleia estava para morrer. Tinha emagrecido, o pelo caíra-lhe em vários pontos, as costelas avultavam num fundo róseo, onde manchas escuras supuravam e sangravam, cobertas de moscas. As chagas da boca e a inchação dos beiços dificultavam-lhe a comida e a bebida. Por isso Fabiano imaginara que ela estivesse com um princípio de hidrofobia e amarrara-lhe no pescoço um rosário de sabugos de milho queimados. Mas Baleia, sempre de mal a pior, roçava-se nas estacas do curral ou metia-se no mato, impaciente, enxotava os mosquitos sacudindo as orelhas murchas, agitando a cauda pelada e curta, grossa nas base, cheia de moscas, semelhante a uma cauda de cascavel. Então Fabiano resolveu matá-la. Foi buscar a espingarda de pederneira, lixou-a, limpou-a com o saca-trapo e fez tenção de carregá-la bem para a cachorra não sofrer muito. Sinha Vitória fechou-se na camarinha, rebocando os meninos assustados, que adivinhavam desgraça e não se cansavam de repetir a mesma pergunta: – Vão bulir com a Baleia?

– Capeta excomungado. Na luta que travou para segurar de novo o filho rebelde, zangou-se de verdade. Safadinho. Atirou um cocorote ao crânio enrolado na coberta vermelha e na saia de ramagens. Pouco a pouco a cólera diminuiu, e Sinha Vitória, embalando as crianças, enjoou-se da cadela achacada, gargarejou muxoxos e nomes feios. Bicho nojento, babão. Inconveniência deixar cachorro doido solto em casa. Mas compreendia que estava sendo severa demais, achava difícil Baleia endoidecer e lamentava que o marido não houvesse esperado mais um dia para ver se realmente a execução era indispensável. [...] Defronte do carro de bois faltou-lhe a perna traseira. E, perdendo muito sangue, andou como gente em dois pés, arrastando com dificuldade a parte posterior do corpo. Quis recuar e esconder-se debaixo do carro, mas teve medo da roda. [...]

Tinham visto o chumbeiro e o polvarinho, os modos de Fabiano afligiam-nos, davam-lhes a suspeita de que Baleia corria perigo.

A tremura subia, deixava a barriga e chegava ao peito de Baleia. Do outro peito para trás era tudo insensibilidade e esquecimento. Mas o resto do corpo se arrepiava, espinhos de mandacaru penetravam na carne meio comida pela doença.

Ela era como uma pessoa da família: brincavam juntos os três, para bem dizer não se diferenciavam, rebolavam na areia do rio e no estrume fofo que ia subindo, ameaçava cobrir o chiqueiro das cabras.

Baleia encostava a cabecinha fatigada na pedra. A pedra estava fria, certamente Sinha Vitória tinha deixado o fogo apagar-se muito cedo.

[...] Escutou, ouviu o rumor do chumbo que se derramava no cano da arma, as pancadas surdas da vareta na bucha. Suspirou. Coitadinha da Baleia. Os meninos começaram a gritar e a espernear. E como Sinha Vitória tinha relaxado os músculos, deixou escapar o mais taludo e soltou uma praga:

Baleia queria dormir. Acordaria feliz, num mundo cheio de preás. E lamberia as mãos de Fabiano, um Fabiano enorme. As crianças se espojariam com ela, rolariam com ela num pátio enorme, num chiqueiro enorme. O mundo ficaria todo cheio de preás, gordos, enormes. Graciliano Ramos, Vidas Secas. Rio de Janeiro: Record, 2001.

Figura 01 - A cachorra Baleia

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Leia o trecho abaixo.


Português

A humanização da cachorra Baleia e a animalização dos demais personagens O conto “Baleia” deu origem ao romance Vidas Secas. Nos fragmentos que você leu acima, o chefe de uma família de retirantes nordestinos decide tomar uma providência com relação à cadela da família que está muito doente. Pudemos observar características marcantes de intensidade e tensão. A personagem principal é uma cadela, na qual o autor imprime uma dose de humanidade tal, que as demais personagens humanas - Sinha Vitória, os dois meninos, que nem têm nome, e o próprio Fabiano - passam a ser periféricas. O autor descreve os momentos que antecedem a morte da cadela e reflete sobre a situação conflitante, com uma visão fatalista da realidade. Ele parte do ponto de vista de um animal como metáfora para o ser humano. As descrições são precisas, simples, porém ricas. É possível sentir a densidade do momento angustiante e tenso. Durante a leitura, pode-se ver e sentir as personagens. Graciliano é seco e direto. Diz logo a que veio na primeira frase. Enquanto narra, vai mudando o personagem foco da ação, descreve o ponto de vista de cada um deles sobre o conflito, cria suspense desde o início do conto e o mantém até o final. Além disso, ele aprisiona o leitor ao mesmo tempo que lhe causa impacto. E despe completamente a vida miserável no sertão nordestino, castigado pela seca.

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Lentamente, o martírio da cadela vai se transformando. Seu mundo toma uma dimensão onírica, tal qual seria o paraíso para ela. O animal sente-se confortável, o que nos leva a acreditar que a morte vem como uma espécie de libertação. O conto começa com a descrição do estado físico da Cadela Baleia. Ela estava cheia de chagas, quase sem pelos, enormes feridas abertas, cobertas de moscas, o que lhe dava o aspecto de uma imitação de animal, e ainda com suspeita de hidrofobia. A cachorra Baleia estava para morrer. Tinha emagrecido, o pelo caíra-lhe em vários pontos, as costelas avultavam num fundo róseo, onde manchas escuras supuravam e sangravam, cobertas de moscas. As chagas da boca e a inchação dos beiços dificultavam-lhe a comida e a bebida. A cachorra Baleia, diferentemente de seus donos, assume o papel de um ser humano no enredo. Graciliano Ramos atribui-lhe descrições que não são comumente associadas a animais. “Ela era como uma pessoa da família: brincavam juntos os três, para bem dizer não se diferenciavam, rebolavam na areia do rio e no estrume fofo que ia subindo, ameaçava cobrir o chiqueiro das cabras”. 656

Podemos constatar, em algumas passagens, que nos últimos momentos da vida de Baleia, o autor evidencia o caráter personificador que foi atribuído ao animal. “a cachorra espiou o dono desconfiada”, como que prevendo que o dono viria a sacrificá-la. Após levar o tiro, faltando-lhe a perna traseira, Baleia “andou como gente, em dois pés, arrastando com dificuldade a parte posterior do corpo” Em seu leito de morte, a cachorra se viu aflita e refletiu sobre o que estaria acontecendo com ela: a imagem das cabras soltas à noite e o cheiro dos preás sentido por Baleia naquele momento foram elementos usados pelo autor para ilustrar as últimas lembranças da pobre cadelinha. A humanização ainda está presente quando a cadela é a primeira personagem a ser apresentada para o leitor. Em busca de um lugar melhor na difícil caminhada que enfrentam como retirantes, é Baleia que serve de guia para a família. O animal era tratado como uma pessoa da família ao ponto de não haver diferenciação entre ela e os meninos nas brincadeiras e o sabor amargo da fome. Após a decisão, Fabiano caça Baleia pelo pátio que, atingida, foge e embrenha-se no mato. E, perdendo muito sangue, andou como gente em dois pés, arrastando com dificuldade a parte posterior do corpo. [...] e na agonia da morte que se aproximava “relembra” os momentos de sua vida, o nascimento, o tratamento que recebeu, sendo acolhida e cuidada e julga por não ter cumprido as tarefas mais comezinhas, estava sendo punida, e neste delírio “pre mortem” um mundo novo descortina-se em sua mente, com abundância de comida, felicidade, liberdade que a noite que chegou proporcionará” O autor finaliza o conto usando como metáfora da morte o verbo dormir. Assim, evidencia o sofrimento pela felicidade, a fome pela fartura, perdoando o seu algoz, voltando a brincar com as crianças. “Baleia queria dormir. Acordaria feliz, num mundo cheio de preás. E lamberia as mãos de Fabiano, um Fabiano enorme. As crianças se espojariam com ela, rolariam com ela num pátio enorme, num chiqueiro enorme. O mundo ficaria todo cheio de preás, gordos, enormes. O processo de zoomorfização está presente também na personagem de Sinha Vitória. A condição em que ela vivia, a escassez de linguagem, a ausência de diálogo, a dificuldade em se comunicar, são sinais da animalização dela. Outra marca evidente e mais enfática é na atitude da personagem quando ela lambe o focinho da cachorra para aproveitar o sangue sujo, por instinto de sobrevivência. Ao praticar tal ato, ela agiu totalmente por instinto, assemelhando-se aos animais.


Linguagens, Códigos e suas Tecnologias

O processo de animalização nos meninos ocorre diante das inúmeras indagações, das quais eles são privados das respostas. As condições sociais em que vivem os impedem de absorver conhecimento. Seus pais não tinham conhecimento para passar para eles, pois nunca tinham frequentado a escola. Esse fato fica claro quando, certa vez, o menino mais velho ouve uma palavra desconhecida e fica intrigado para saber o que ela significava. Ele vai até seu pai interrogar, mas Fabiano ficou aborrecido por incomodá-lo e diz: “sai daqui menino”. Ele, então, sai e vai perguntar para a mãe. Ela também não sabendo responder, irrita-se e bate no menino. “Aí Sinha Vitória se zangou, achou-o insolente e aplicou-lhe um cocorote. O menino saiu indignado com a injustiça, atravessou o terreiro, escondeu-se debaixo das catingueiras murchas, à beira da lagoa.” Outro momento que destaca a zoomorfização nos meninos é quando eles chegam à casa, sujos, com barro até nas meninas dos olhos. Sinha Vitória então repreende-os, dizendo: “Safadinhos! Porcos! Sujos como... Deteve-se. Ia dizer que eles estavam sujos como papagaios”.

Pode parecer uma comparação corriqueira que as mães, habitualmente, fazem com seus os filhos, mas não deixa ser uma característica como zoomorfização. A animalização do personagem Fabiano Vidas Secas é marcada por um paradoxo interessante: uma combinação e confusão entre seres humanos e animais. As personagens humanas, vítimas da seca, são caracterizadas pela maneira bruta, áspera e rude que absorve a humanidade desses indivíduos, os quais estão em constante luta por uma vida melhor. Em várias das passagens do livro, a comparação entre os retirantes, especialmente Fabiano, e os animais, é bem explícita. No capítulo intitulado “Fabiano”, Graciliano equipara os personagens a ratos, por terem se habituado ao quarto sujo, mas Fabiano, de certa maneira, dialogando com o narrador e diante da presença dos filhos, rebate, dizendo: “Fabiano, você é um homem”. Em seguida, temendo que alguém o ouvisse, corrige a frase e diz: “Você é um bicho, Fabiano”. Percebemos, nessa passagem, que o personagem sente vergonha de se considerar ou de querer ser um homem.

Fonte: Wikimedia commons

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Figura 02 - Ilustração do alagoano Fellipe Ernesto

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Português

Leia o fragmento do capítulo “Fabiano”: “FABIANO curou no rasto a bicheira da novilha raposa. Levava no aió um frasco de creolina, e se houvesse achado o animal, teria feito o curativo ordinário. Não o encontrou, mas supôs distinguir as pisadas dele na areia, baixou-se, cruzou dois gravetos no chão e rezou. Se o bicho não estivesse morto, voltaria para o curral, que a oração era forte. Cumprida a obrigação, Fabiano levantou-se com a consciência tranquila e marchou para casa. Chegou-se a beira do rio. A areia fofa cansava-o, mas ali, na lama seca, as alpercatas dele faziam chape-chape, os badalos dos chocalhos que lhe pesavam no ombro, pendurados em correias, batiam surdos. A cabeça inclinada, o espinhaço curvo, agitava os braços para a direita e para a esquerda. Esses movimentos eram inúteis, mas o vaqueiro, o pai do vaqueiro, o avô e outros antepassados mais antigos haviam-se acostumado a percorrer veredas, afastando o mato com as mãos. E os filhos já começavam a reproduzir o gesto hereditário. Chape-chape. Os três pares de alpercatas batiam na lama rachada, seca e branca por cima, preta e mole por baixo. A lama da beira do rio, calcada pelas alpercatas, balançava. A cachorra Baleia corria na frente, o focinho arregaçado, procurando na catinga a novilha raposa. Fabiano ia satisfeito. Sim senhor, arrumara-se. Chegara naquele estado, com a família morrendo de fome, comendo raízes. Caíra no fim do pátio, debaixo de um juazeiro, depois tomara conta da casa deserta. Ele, a mulher e os filhos tinham-se habituado à camarinha escura, pareciam ratos - e a lembrança dos sofrimentos passados esmorecera.

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Pisou com firmeza no chão gretado, puxou a faca de ponta, esgaravatou as unhas sujas. Tirou do aió um pedaço de fumo, picou-o, fez um cigarro com palha de milho, acendeu-o ao belga, pôs-se a fumar regalado. - Fabiano, você é um homem, exclamou em voz alta. Conteve-se, notou que os meninos estavam perto, com certeza iam admirar-se o ouvindo falar só. E, pensando bem, ele não era homem: era apenas um cabra ocupado em guardar coisas dos outros. Vermelho, queimado, tinha os olhos azuis, a barba e os cabelos ruivos; mas como vivia em terra alheia, cuidava de animais alheios, descobria-se, encolhia-se na presença dos brancos e julgava-se cabra. Olhou em torno, com receio de que, fora os meninos, alguém tivesse percebido a frase imprudente. Corrigiu-a, murmurando: - Você é um bicho, Fabiano.

E, com ela, o fazendeiro, que o expulsara. Fabiano fizera-se desentendido e oferecera os seus préstimos, resmungando, coçando os cotovelos, sorrindo aflito. O jeito que tinha era ficar. E o patrão aceitara-o, entregara-lhe as marcas de ferro. Agora Fabiano era vaqueiro, e ninguém o tiraria dali. Aparecera como um bicho entocara-se como um bicho, mas criara raízes, estava plantado. Olhou as quipás, os mandacarus e os xiquexiques. Era mais forte que tudo isso, era como as catingueiras e as baraúnas. Ele, Sinha Vitória, os dois filhos e a cachorra Baleia estavam agarrados à terra. Chape-chape. As alpercatas batiam no chão rachado. O corpo do vaqueiro derreava-se, as pernas faziam dois arcos, os braços moviam-se desengonçados. Parecia um macaco. Entristeceu. Considerar-se plantado em terra alheia! Engano. A sina dele era correr mundo, andar para cima e para baixo, à toa, como judeu errante. Um vagabundo empurrado pela seca. Achava-se ali de passagem, era hóspede. Sim senhor, hóspede que demorava demais, tomava amizade à casa, ao curral, ao chiqueiro das cabras, ao juazeiro que os tinha abrigado uma noite. Deu estalos com os dedos. A cachorra Baleia, aos saltos, veio lamber-lhe as mãos grossas e cabeludas. Fabiano recebeu a carícia, enterneceu-se - Você é um bicho, Baleia.” [...] O fato de ter se tornado um vaqueiro não muda em nada sua condição de animal, sabendo que aquela posição é apenas provisória e ilusória. Veja nessa passagem que Fabiano é associado novamente a um bicho, em contraposição à cachorra: “Vivia longe dos homens, só se dava bem com animais. Os seus pés duros quebravam espinhos e não sentiam a quentura da terra. Montado, confundia-se com o cavalo, grudava-se a ele. E falava uma linguagem cantada, monossilábica e gutural, que o companheiro entendia.”

Isto para ele era motivo de orgulho. Sim senhor, um bicho, capaz de vencer dificuldades. Chegara naquela situação medonha - e ali estava forte, até gordo, fumando o seu cigarro de palha.

Percebemos que o “não saber” de Fabiano, manifestado principalmente na dificuldade de falar, também é elemento animalizador. A obra está repleta de referências a essas complicações da fala. Na passagem a seguir, vemos a descrição do personagem como alguém que, quando se comunica, o faz por meio de sons guturais ou por monossílabos:

- Um bicho, Fabiano. Era. Apossara-se da casa porque não tinha onde cair morto passara uns dias mastigando raiz de imbu e sementes de Mococa. Viera a trovoada.

“[...] às vezes utilizava nas relações com as pessoas a mesma língua com que se dirigia aos brutos – exclamações, onomatopeias.”

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“[...] balbuciava expressões complicadas, repetia as sílabas, imitava os berros dos animais, o barulho do vento, o som dos galhos que rangiam na caatinga, roçando-se” São Bernardo O trecho a seguir foi extraído do romance São Bernardo. Narrada em primeira pessoa, a obra focaliza a vida de Paulo Honório: sua infância muito pobre, a compra da fazenda São Bernardo, o enriquecimento ilícito à custa da desonestidade e da exploração dos empregados, seu casamento com Madalena, o nascimento do filho, o suicídio da esposa e sua decadência final. Completamente só, Paulo Honório tenta escrever a história da sua vida. Transcrevemos, a seguir, a cena de ciúmes de Paulo Honório. Esta cena antecede o suicídio de Madalena. Nove horas no relógio da sacristia. O nordeste começou a soprar, e a porta bateu com fúria. Mergulhei os dedos nos cabelos. − Que estás fazendo, peste? O cabrito fugiu. Nem sei quanto tempo estie ali, em pé. A minha raiva se transformava em angústia, a angústia se transformava em cansaço. − Para quem era a carta? E olhava alternadamente Madalena e os santos do oratório. Os santos não sabiam, Madalena não quis responder.

− Fale, exclamei com voz mal segura. − Para quê? − Há uma carta. Eu preciso saber, compreende? Meti a mão no bolso e apresentei-lhe a folha, já amarrotada e suja. Madalena estendeu-a sobre a mesa, examinou-a, afastou-a para um lado. − Então? − Já li. A vela acabou-se. Acendi outra e fiquei com o fósforo entre os dedos até queimar-me. − Diga alguma coisa. Pareceu-me que havia ali um equívoco e que, se Madalena quisesse, tudo se esclareceria. O coração dava-me coices desesperados, desejei doidamente convencer-me da inocência dela. − Para quê? murmurou Madalena. Há três anos vivemos uma vida horrível. Quando procuramos entender-nos, já temos a certeza de que acabamos brigando. − Mas a carta? Madalena apanhou o papel, dobrou-o e entregou-me: − O resto está no escritório, na minha banca. Provavelmente esta folha voou para o jardim quando eu escrevia. − A quem? − Você verá. Está em cima da banca. Não é caso para barulho. Você verá. − Bem. Respirei. Que fadiga! − Você me perdoa os desgostos que lhe dei, Paulo?

O que me espantava era a tranquilidade que havia no rosto dela. Eu tinha chegado fervendo, projetando matá-la. Podia viver com a autora de semelhante maroteira?

− Julgo que tive as minhas razões.

À medida, porém, que as horas se passavam, sentia-me cair num estado de perplexidade e covardia.

− O que estragou tudo foi esse ciúme, Paulo.

As imagens de gesso não se importavam com a minha aflição. E Madalena tinha quase a impassibilidade delas. Por que estaria assim tão calma?

Nordeste: vento que sopra desse ponto.

− Não se trata disso. Perdoa? − Rosnei um monossílabo. RAMOS, Graciliano. São Bernardo. 12.ed. São Paulo, Martins, 1970. p. 218-9.

Maroteira: velhacaria, malandrice, patifaria.

Afirmei a mim mesmo que matá-la era ação justa. Para que deixar viva mulher tão cheia de culpa? Quando ela morresse, eu lhe perdoaria os defeitos.

Perplexidade: qualidade ou estado de quem está admirado, espantado, atônito.

As minhas mãos contraíam-se, movia-se para ela mas agora as contrações eram fracas e espaçadas.

Impassibilidade: qualidade de impassível, indiferente à dor ou à alegria.

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As dificuldades que Fabiano encontra para falar e argumentar têm influências profundas nas relações sociais que desempenha na obra. Em um ciclo interminável, o filho mais velho herda do pai a mesma incapacidade, e é retratado pelo autor como alguém que “não sabia falar direito.


Português

Podemos perceber que a carta que Madalena estava escrevendo desencadeia os ciúmes de Paulo Honório que olha, alternadamente, para ela e para os santos do oratório, enquanto contraía as mãos. A raiva que ele cultivava pela esposa chegou ao clímax e então ele decide matá-la. São Bernardo é um dos mais interessantes e densos romances da literatura brasileira. Uma obra de profunda análise das relações humanas, que tem como pano de fundo ficcional a zona rural de Alagoas, com algumas poucas citações sobre a cidade grande. O ambiente é carregado por referências à aridez do sertão e ao sofrimento do homem sertanejo, cansado das desigualdades sociais e descrente com as reformas. Os conflitos entre Paulo Honório e Madalena ocorrem pela divergência da “visão de mundo” de ambos. Paulo Honório, um homem com visão capitalista, ambicioso, uma pessoa recalcada, fria e calculista. Madalena, uma mulher instruída, humanitária e não concorda com as atitudes egoístas e materialistas de seu marido. As memórias de Paulo Honório, dono da fazenda São Bernardo, são contadas sem rodeios nem foreios. A obra é narrada em primeira pessoa, pelo narrador-personagem (Paulo Honório), que viveu muitos anos de sua vida à margem de uma sociedade desigual e excludente. Talvez esse seja o motivo pelo qual possuía características tão contrárias às de Madalena. Essa desigualdade social e a vida dura que sempre levou fizeram com que Paulo lutasse, utilizando artifícios necessários para se tornar um cidadão rico e respeitável, mesmo que para isso tivesse que usar formas inescrupulosas.

Em 1935, o Governo de Getúlio Vargas esmagou a revolta militar da Aliança Nacional Libertadora, conhecida como Intentona Comunista, e aplicou medidas que suspendiam as garantias das liberdades individuais de todos os brasileiros. Graciliano Ramos, escritor já famoso e dirigente público de Ensino em Alagoas, simpatizante comunista que trabalhava no Palácio do Governo, acabou sendo preso em março de 1936, sem haver um processo formal de acusação. Graciliano tinha a consciência de que guardava em si um testemunho imprescindível ao Brasil, por isso registrou suas memórias. Mas, em nenhum momento, o autor se vangloria ou se coloca como herói. Ao contrário, se considera muito menor do que de fato é. Essa modéstia ímpar é evidente em várias passagens da obra. Outro ponto muito interessante em relação a essa postura é o fato de o autor não citar seu próprio nome em Memórias do Cárcere. Quando faz referência a si mesmo, a expressão utilizada é “Fulano de Tal”. Algumas vezes que alguém o chama de doutor, ele recusa o título: “De repente houve uma suspensão na tabuada e percebi o meu nome preso a um título: Dr. Fulano de Tal. (...) Doutor, que estupidez! Essa ironia besta anunciava desgraça. Tinha esforçado por esquivar-me, ser uma partícula invisível na turba, linha de quatro algarismos no catálogo de Cubano. Obrigavam-me a sair da massa anônima, personalizavam-me e, além de tudo, ...” Memórias do Cárcere

#DicaCine Ptugê Memórias do Cárcere Sinopse Memórias do Cárcere é um filme de 1984, roteirizado e dirigido por Nélson Pereira dos Santos. A película é o relato da perseguição política sofrida pelo escritor, Graciliano Ramos, preso em Alagoas sob as ordens da polícia do Estado Novo no Brasil. O romance autobiográfico narra fatos político militarista da década de trinta, cujas constantes perseguições a artistas e intelectuais pela ditadura do Governo de Getúlio Vargas, influenciadas pelo movimento integralista, culminaram na supressão de liberdades individuais.

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Em função das divergências na visão de mundo e a incompatibilidade entre o casal, a relação torna-se a cada dia mais conflituosa e o clímax da narrativa se dá no momento em

que Paulo encontra uma carta de Madalena, destinada a ele próprio. Ele vai tirar satisfações, julgando ser a carta destinada a outro homem e tais fatos culminam com o suicídio da mulher, para perplexidade do marido.


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Rachel de Queiroz Já sabemos que o Brasil foi marcado, na década de 1930, em sua estrutura política, por um momento pós-revolucionário. Publicado em 1930, O Quinze tornou-se um dos livros mais populares da autora, por ter renovado a ficção regionalista. Rachel de Queiroz situa o romance no Ceará de 1915. O fator histórico importante da época era a própria seca, que obrigava os filhos da terra, principalmente do sertão, a migrarem para o Amazonas ou para São Paulo, à procura de uma vida melhor. Apoiada na análise psicológica das personagens, especialmente do homem nordestino, sob pressão de forças atávicas que impõem a aceitação fatalista do destino, a autora exprime intensa preocupação social. Isso é visto, especialmente, em relação à vida de retirantes cearenses que sofrem com o pior fenômeno climático por eles já experienciado. Rachel aborda o duelo entre o homem e a terra, exprimindo os anseios e angústias de sua região, retratando a fome, o milagre, a morte e a fé em Deus. Ela retrata também a esperança de que um dia a chuva virá e vai melhorar a vida dos nordestinos. O Quinze está dividido em dois planos. No primeiro, enforcando o vaqueiro Chico Bento e sua família. No segundo, a relação afetiva de Vicente, rude proprietário e criador de gado, e a professora e prima culta, Conceição. A história é recheada de amarguras. O romance é marcado com as cores tristes da desgraça e a saga da família de Chico Bento. A morte de gente e de bicho é presença em todos os lugares: no calvário da família de retirantes, no Campo de Concentração ou em cada parada da caminhada fatigante do retirante. Linguagem

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O sucesso da obra está ligado à simplicidade da linguagem. Rachel utiliza uma linguagem popular, regionalista, natural, direta, coloquial, simples, sóbria, condicionada ao assunto e à região. Tal sobriedade na construção dessa linguagem, a nitidez das formas, a emoção sem grandiloquência e a economia de adjetivos são recursos perceptíveis em toda a obra. O texto que analisaremos a seguir, mostra uma outra problemática além da seca: a diferença cultural entre Conceição e Vicente. Diferenças “Deitada na cama, com a luz apagada, Conceição recordava Vicente e sua visita. A verdade é que ela era sempre uma tola muito romântica para lhe emprestar essa auréola de herói de novela! Metido com cabras... Não se dava ao respeito... E, ainda por cima, não se importava nem em negar...

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Português

Mãe Nácia, porque naturalmente, no tempo dela, aguentou muitas dessas, diz que não vale nada... E a moça comparou dona Inácia àquelas senhoras de alma azul, de que fala Machado de Assis... Foi então que se lembrou que, provavelmente, Vicente nunca lera Machado... Nem nada do que ela lia. Ele dizia sempre que, de livros, só o da nota do gado... Num relevo mais forte, tão forte quanto nunca o sentira, foi-lhe aparecendo a diferença que havia entre ambos, de gosto, de tendências, de vida. O seu pensamento, que até há pouco se dirigia ao primo como a um fim natural e feliz, esbarrou nessa encruzilhada difícil e não soube ir adiante. Ele lhe parecia agora um desses recantos da mata, próximo a um riacho, num sombrio misterioso e confortante. Passando num meio-dia quente, ao trote penoso do cavalo, agente para ali, olha a sombra e o verde como se fosse para um cantinho do céu... Mas volvendo depois, numa manhã chuvosa, encontra-se o doce recanto enlameado, escavado de minhocas, os lindos troncos escorregadios e lodosos, os galhos de redor pingando tristemente. Da primeira vez, pensa-se em passar a vida inteira naquela frescura e naquela paz; mas à última, sai-se com o coração pesado, curado de bucolismo por muito tempo, vendo-se na realidade como é agressiva e inconstante a natureza...

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Ele era bom de ouvir e olhar, como uma bela paisagem, de quem só se exigisse beleza e cor. Mas nas horas de tempestade, de abandono, ou solidão, onde iria buscar o seguro companheiro que entende e ensina, e completa o pensamento incompleto, e discute as ideias e vêm vindo, e compreende e retruca às invenções que a mente vagabunda vai criando? Pensou no esquisito casal que seria o deles, quando à noite, nos serões da fazenda, ela sublinhasse num livro querido um pensamento feliz e quisesse repartir com alguém a impressão recebida. Talvez Vicente levantasse a vista e lhe murmurasse um ‘é’ distraído por detrás do jornal... Mas naturalmente a que distância e com quanta indiferença... Pensou que, mesmo o encanto poderoso que a sadia fortaleza dele exercia nela, não preencheria a tremenda largura que os separava.

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Já agora, o caso da Zefinha lhe parecia mesquinho e sem importância. Qualquer coisa maior se cavava entre os dois. E, cansada, foi fechando os olhos e confundindo as ideias que aumentavam como sombras de pesadelo, e dormiu, num sono fatigado e triste, sob uma estranha impressão de estar sozinha no mundo.” O Quinze

Leia os fragmentos que comprovam a diferença que se estabelece entre os primos Conceição e Vicente. “A verdade é que ela era sempre uma tola muito romântica para lhe emprestar essa auréola de herói de novela!” Conceição seria romântica no sentido de estar “fora da realidade”, crente na existência de heróis. “Ele era bom de ouvir e olhar, como uma bela paisagem, de quem só se exigisse beleza e cor.”

Por faltar-lhe cultura e civilização, Vicente só poderia agradar não estando em ação, pois suas atitudes pareciam desatinadas para Conceição. “O seu pensamento, que até há pouco se dirigia ao primo como a um fim natural e feliz, esbarrou nessa encruzilhada difícil e não soube ir adiante.” Conceição se viu numa encruzilhada porque na sua busca de pureza, ela via em Vicente o ideal. Mas, na realidade, essa natureza lhe parecia rude e inculta demais. Conceição tece uma comparação entre a natureza e Vicente. A natureza é bela nos tempos pródigos, mas não nos tempos de catástrofe. Vicente, para ela, parecia digno de ser apenas admirado por fora, mas não na sua essência, pois era “agressivo e inconstante”. Podemos inferir um sentimento contraditório de Conceição nesta passagem: “E, cansada, foi fechando os olhos e confundindo as ideias que aumentavam como sombras de pesadelo, e dormiu, num sono fatigado e triste, sob uma estranha impressão de estar sozinha no mundo.” Vicente parecia ser a última esperança de encontrar um companheiro. Em suas ideias, Conceição enxergava os dois lados do primo e concluía que, mesmo com ele, ela estaria só.


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Exercícios de Fixação

02. (Unirg TO) Quanto à técnica de composição do romance São Bernardo, temos: a) O personagem narrador atormentado e preso a valores que julga vitais, como o dinheiro e a posse da terra, emerge para o drama passional, transferindo sua experiência para a confecção de um romance em que relata sua vida e a experiência amarga na qual está envolvido. b) Paulo Honório elabora um singular romance, inacabado, a fim de fugir ao tédio da vida em que se define como homem de letras, pois acha que isso o fará mais respeitado diante das pessoas. c) Numa análise psicológica remoente e torturante , o personagem narrador deixa o leitor a par de toda sua ânsia de vingança, ao revelar o processo de loucura gradativa a que submete sua esposa, após ter sido confirmada sua traição. d) O personagem narrador se propõe a escrever um romance em que relata sua vida desde trabalhador braçal até sócio proprietário de uma grande fazenda no interior de Alagoas. Nesse sentido, toma como ponto de partida o fracasso de seu casamento com uma professora primária. 03. (Unirv GO) Graciliano Ramos estreou em 1933, com Caetés, uma narrativa da vida provinciana de Palmeira dos Índios, um exercício de técnica literária com características naturalistas, como severamente o autor reconhecia. Assinale V (verdadeiro) ou F (falso) para os títulos literários que fazem parte de sua majestosa composição: V-V-F-F a) São Bernardo. b) Vidas secas. c) O Mulato. d) Últimos Cantos. 04. (Fac. Direito de Franca SP) De Graciliano Ramos e sua obra Vidas Secas é INCORRETO afirmar que

a) novela que integra o chamado “ciclo da seca” do nordeste brasileiro, apresenta personagens heroicos e épicos que ilustram a afirmação de que o sertanejo é antes de tudo um forte. b) principal expoente do chamado “romance de 30” no Brasil, Graciliano Ramos ultrapassou em muito o regionalismo que marcou a obra de tantos autores do movimento. c) em Vidas Secas o sertão não vira mar, é sempre árido com areias escaldantes, animais moribundos e mortos e vegetação retorcida. d) a obra retrata o camponês nordestino em sua caminhada infrutífera em terra sempre alheia, sem direitos e despojado até da fala. 05. (Fac. Direito de São Bernardo do Campo SP) Eram todos felizes. Sinha Vitória vestiria uma saia larga de ramagens. A cara murcha de Sinha Vitória remoçaria, as nádegas bambas de Sinha Vitória engrossariam, a roupa encarnada de Sinha Vitória provocaria a inveja das outras caboclas. O texto em questão, que integra a obra Vidas Secas de Graciliano Ramos, NÃO permite sugerir a) um estado de desejo indiciado pelos tempos verbais no futuro do pretérito. b) ênfase na transformação da personagem feminina caracterizada pelo recurso expressivo de uma estilística da repetição. c) uma visão preconceituosa do narrador na descrição que faz de Sinha Vitória, tornando-a motivo de inveja das outras caboclas. d) discurso indireto livre que destaca o mundo interior do personagem e faz aflorar seu pensamento de felicidade. 06. (Fundação Instituto de Educação de Barueri SP) Leia o trecho de Vidas Secas, de Graciliano Ramos. Os meninos sumiam-se numa curva do caminho. Fabiano adiantou-se para alcançá-los. Era preciso aproveitar a disposição deles, deixar que andassem à vontade. Sinha Vitória acompanhou o marido, chegou-se aos filhos. Dobrando o cotovelo da estrada, Fabiano sentia distanciar-se um pouco dos lugares onde tinha vivido alguns anos; o patrão, o soldado amarelo e a cachorra Baleia esmoreceram no seu espírito. (Vidas Secas. 118 ed. São Paulo/Rio de Janeiro, Record, 2012, p. 122)

Uma característica da obra de Graciliano Ramos, observada em Vidas Secas, é a) a descrição de tipos sociais com finalidade cômica. b) a crítica do comportamento da elite cafeeira. c) a análise de personagens tipicamente urbanos. d) a criação de um universo sem paralelo com o real. e) a denúncia realista de conflitos de ordem social.

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01. (Unirg TO) A partir da leitura do romance São Bernardo, é possível analisar o comportamento de Paulo Honório, personagem narrador, como a) de um homem frio e comedido, mas que se torna emotivo ao constatar que suas rugas impõem respeito e o dignificam perante às pessoas. b) de um homem amargurado que percebe de relance que todas as ações praticadas por ele foram obstáculos para a construção de um mundo melhor. c) de um homem frio, movido pela objetividade e insensível à desgraça alheia, sem envolvimento emocional, incisivo e rude. d) de um ser visivelmente transfigurado pela amargura de conhecer no mundo a infelicidade.


Português

oporbre o iano

ui a oclo emiciolar.

Exercícios Complementares 01. (Unitau SP) Pode-se afirmar, em relação a Angústia, de Graciliano Ramos, que a) é um romance de tese social, regionalista e tem narrador onisciente. b) é um romance de investigação psicológica, que também analisa questões sociais. c) é um romance naturalista, que se ocupa somente de questões regionalistas. d) é um romance neorrealista, que se ocupa de questões político-sociais. e) é um romance de tensão transfigurada, que se ocupa, majoritariamente, de questões existenciais.

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02. (Puc SP) O crítico Álvaro Lins sobre a obra Vidas Secas, de Graciliano Ramos, afirma que um de seus defeitos é “o excesso de introspecção em personagens tão precários e rústicos, estando constituída quase toda a novela de monólogos interiores”. Assim, indique em que alternativa ocorre o monólogo interior, também chamado de discurso indireto livre. a) Mas irou-se com a comparação, deu murradas na parede. Era bruto, sim senhor, nunca havia aprendido, não sabia explicar-se. Estava preso por isso? Como era? Então mete-se um homem na cadeia porque ele não sabe falar direito? Que mal fazia a brutalidade dele? b) Sinha Vitória, distraída, aludiu vagamente a certo lugar ruim demais, e como o filho exigisse uma descrição, encolheu os ombros. c) Nesse ponto um soldado amarelo aproximou-se e bateu familiarmente no ombro de Fabiano: – Como é, camarada? Vamos jogar um trinta-e-um lá dentro? d) Fabiano dizia que na serra havia tocas de suçuaranas. E nos bancos de macambira, rendilhados de espinhos, surgiam cabeças chatas de jararacas. 03. (Puc SP) Ela era como uma pessoa da família: brincavam juntos os três, para bem dizer não se diferençavam, rebolavam na areia do rio e no estrume fofo que ia subindo, ameaçava cobrir o chiqueiro de cabras. O trecho acima é da obra Vidas Secas, de Graciliano Ramos. Refere ações da cachorrinha Baleia. Indique, nas alternativas abaixo, a que NÃO corresponde à caracterização dela na narrativa. a) Apresenta-se mais humanizada que os membros da família de Fabiano, apesar de ser um personagem não-humano. b) Marca-se por espontaneidade e vivacidade e é capaz de vencer as barreiras da incomunicabilidade ao relacionar-se com outros personagens da história. c) É acometida por uma doença incurável e acaba morrendo de forma natural, sob o olhar das crianças e de Fabiano, fantasiando em seus momentos de delírio as caçadas que fazia aos preás.

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d) Acumula importantes funções na narrativa quais sejam as de ser guia, a de ser a responsável pela sobrevivência do grupo e a de acompanhar as crianças nas folganças e os adultos no trabalho. 04. (ITA SP) No romance São Bernardo, de Graciliano Ramos, o desenlace trágico decorre sobretudo a) do fato de Madalena ter se casado unicamente por necessidade financeira. b) das dúvidas de Paulo Honório quanto à paternidade do filho de Madalena. c) da tristeza final de Paulo Honório, que o leva a se desinteressar pela fazenda. d) dos envolvimentos sexuais de Paulo Honório com as empregadas da fazenda. e) dos conflitos nascidos da diferença de mentalidade e de temperamento do casal. 05. (FMABC SP) Da novela Vidas Secas, de Graciliano Ramos e da constituição do grupo familiar de Fabiano, pode-se afirmar que a) existe uma aproximação entre homem e animal de tal forma a provocar um processo de antropomorfização do animal e de zoomorfização do humano. b) apenas Sinha Vitória sofre o processo de zoomorfização, uma vez que é comparada por Fabiano ao papagaio. c) Fabiano não se confunde com animais ou bichos porque aspira a ter uma linguagem igual à do seu Tomás da Bolandeira. d) Baleia, de nenhuma maneira, sofre o processo de humanização e isso a distancia do contexto dos humanos. e) não há aproximação entre homens e animais, uma vez que Sinha Vitória liquida o papagaio para alimentar a família e Fabiano mata Baleia a tiros de espingarda. 06. (UFRGS) Leia as seguintes afirmações sobre a obra de Graciliano Ramos. I. No romance Angústia , Luís da Silva narra seu dilema de ou casar-se com a vizinha Marina ou mudar-se para o Rio de Janeiro para trabalhar como funcionário público. II. Em São Bernardo , Paulo Honório, narrador protagonista, recupera sua trajetória de sucesso econômico, mas de fracasso afetivo. III. No romance Vidas secas, é narrada a dura trajetória de uma família de retirantes, que luta contra as condições adversas, tanto naturais como sociais. Quais estão corretas? a) Apenas I. b) Apenas II. c) Apenas I e II.

d) Apenas II e III. e) I, II e III.


FRENTE

B

PORTUGUÊS

MÓDULO B12

MODERNISMO - JOSÉ LINS DO REGO, JORGE AMADO E ÉRICO VERÍSSIMO Os anos de 1930 são caracterizados pela propagação do Regionalismo. Nessa década, o Brasil testemunhou uma enorme produção de romances em várias regiões. Os escritores usavam a narrativa como instrumento de denúncia de uma realidade que condenava milhares de brasileiros à miséria, especialmente do Nordeste.

ASSUNTOS ABORDADOS n Modernismo - José Lins do Rego,

Jorge Amado e Érico Veríssimo n José Lins do Rego n Jorge Amado n Érico Veríssimo

Com o processo de decadência na organização econômica e social dos latifúndios e engenhos da Zona da Mata nordestina, Pernambuco e Paraíba perdem seu poder e são engolidos pelas forças emergentes da usina e do capitalismo moderno. É nesse cenário que se destaca o escritor paraibano, José Lins do Rego (1901-1957), que veio contribuir para dar forma à sociedade patriarcal. Em uma perspectiva saudosista e, ao mesmo tempo realista, sua obra literária dedicou-se a romancear o mundo dos banguês nordestinos. Nas obras que compõem o ciclo da cana-de-açúcar, José Lins do Rego remonta a realidade dos trabalhadores da região canavieira pernambucana. Assim, conciliava ficção com suas recordações da infância e da adolescência, quando vivia na fazenda do avô paterno, juntamente com dois tios e primos. Nesta aula, veremos como o regionalismo dominou a ficção dessa geração modernista nas obras de José Lins do Rego, Jorge Amado e Érico Veríssimo.

José Lins do Rego O ciclo da cana-de-açúcar Com a Era Vargas, a predisposição à industrialização acentua-se, delineando nossa estrutura econômica agroexportadora. Com isso, trazia para esse cenário um quadro geral de mudanças, incluindo a modernização dos engenhos açucareiros do Nordeste. Em termos culturais amplos, trata-se de um momento de busca de novos caminhos: filosóficos, sociais, políticos e existenciais, o que constitui um dos grandes temas da prosa neorrealista da época, cujo maior representante é José Lins do Rego.

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Em um período de dez anos, o autor publicou uma série de cinco romances que chamou de “Ciclo da cana-de-açucar”. Menino de Engenho (1932), seu romance de estreia, é um livro que envolve a realidade Nordestina. A obra descreve a sociedade rural na época dos engenhos. A escravidão é tema constante no decorrer da narrativa, com a presença das negras e mulatas que tornam-se personagens figurantes, dando maior consistência à história. É uma ficção com fortes traços memorialistas sobre a infância e a primeira adolescência do narrador. Além disso, Menino de Engenho marca a passagem da vida de Carlos para um mundo novo, cheio de surpresas e aventuras - as travessuras de menino e as malícias de uma adolescência precoce. Ele passa a infância e o início da adolescência em meio ao ambiente da seca e do trabalho pesado no engenho de cana do avô. Com quatro anos de idade, Carlinhos fica órfão. Seu pai assassina sua mãe, sendo levado para uma cadeia e depois para um hospício. O menino então é levado para o engenho de seu avô, o homem mais abastado e respeitado da região, por ser o coronel. Quando chegou ao engenho, 665


Português

ele conheceu as escravas e conheceu também sua tia Maria, irmã mais nova de sua mãe. Depois ele sai para brincar com os meninos, vão para a ‘’horta’’ e os pomares, onde ele passaria a maior parte de sua infância. As histórias do folclore brasileiro, as crenças populares, os costumes e características da região nordestina também estão presentes no livro.

Apesar ter dado o ciclo por encerrado com a publicação de Usina, José Lins do Rego publica Fogo Morto sete anos mais tarde, que acaba sendo a maior obra do “Ciclo da Cana-de-açúcar”. Nela, o romancista, mais maduro e consciente, minimiza o caráter autobiográfico e nostálgico das obras anteriores, somando-o à sua extraordinária habilidade de narrar, que nos remete a um grande contador de histórias. Utilizando uma linguagem fluida, solta e popular, o escritor capta a vida nordestina marcada pela oralidade e pela naturalidade, que se junta à objetividade e à consciência compositiva que o caráter sentimental e espontâneo das obras anteriores ocultava. Fogo Morto é, portanto, síntese, aprofundamento e condensação de todas as outras obras.

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Banguê (1934) é o último livro da trilogia sobre o personagem Carlos Melo. Nessa obra, Lins volta a narrar a vida de Carlinhos, agora adulto, dez anos após ter saído do engenho Santa Rosa. O autor foca a narrativa na contradição entre o antigo universo aristocrático onde cresceu e os novos rumos que o Brasil tomava. Usina (1936). Com esse clássico da literatura brasileira, o José Lins do Rego acreditava ter terminado a série de romances que chamou de “Ciclo da Cana-de-açúcar”. Nele, o escritor mostra a decadência no espaço rural do Nordeste e o surgimento de novas maquinarias - as usinas. 666

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B12  Modernismo − José Lins do Rego, Jorge Amado e Érico Veríssimo

Doidinho (1933) narra a trajetória do menino Carlos, personagem de Menino de Engenho e sua adolescência no ambiente do colégio interno. O protagonista narra experiências como aluno de um rigososo internato como também o grande sonho de retornar ao velho engenho. Esse romance aborda seu aprendizado afetivo, social, sexual, psicológico e a falta do “paraíso perdido” do engenho do avô.

Fogo Morto (1943) é a obra-prima do regionalismo neorrealista surgido no Brasil durante a década de 1930, que expõe a vulnerabilidade de todo o ciclo econômico da cana-de-açúcar dependente do trabalho escravo. O enredo do romance envolve complexas tensões entre casa-grande x senzala, homens x mulheres, brancos x negros, cangaço x governo, exibindo uma escancarada realidade de violência, racismo, machismo e loucura, temas que, infelizmente, ainda persistem na contemporaneidade.

SAIBA MAIS A expressão “fogo morto” era usada no Nordeste para se referir a engenhos de cana-de-açúcar desativados, o que também remete à decadência desse tipo de negócio com a chegada das usinas.


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José Lins do Rego - jornalista, romancista, cronista e memorialista - nasceu em São Miguel de Taipu (PB), no dia 3 de junho 1901. Homem ligado à terra da região açucareira do Nordeste, seu mundo canavieiro e escravocrata é cenário de diferenças e distorções brutais da vida, moduladas, apesar de tudo, pela recordação e pela paisagem da Zona da Mata. As contradições entre o real e o afetivo, gradativamente, vão brotando em sua obra. Ele morreu no Rio Janeiro, em 12 de setembro 1957.

Jorge Amado Contexto histórico e obra

O surgimento de uma leva de romancistas, cujas obras ressaltaram por inteiro aquele ambiente de decisões ideológicas e debates sobre os problemas nacionais, foi muito importante. Nesse momento, entra em ação uma literatura de aspectos realistas e de inclinação quase sociológica, atenta aos cenários e às personagens, até então, pouco analisados ou mesmo contemplados por nossos escritores: a temática da seca, o migrante nordestino, a decadência das oligarquias rurais, como também o proletariado que começa a se construir, a luta de classes e a miséria urbana e industrial. Jorge Amado, aos vinte anos de idade, aproximou-se do Partido Comunista Brasileiro e rapidamente ajustou os passos de sua, ainda humilde e precoce, carreira como escritor às causas políticas e simbólicas dessa organização. Nesse primeiro momento de seu engajamento político, que abrange toda sua produção da década de 1930 — com exceção da obra de estreia, O país do Carnaval (1931), Amado solucionou as responsabilidades ideológicas de sua arte, dando vida a uma produção de forte inspiração soviética, que ficou conhecida como romance proletário. A literatura dos anos 30 procurava romper com os padrões convencionais por meio da pesquisa estética. A preocupação agora era trazer para as letras brasileiras um tema praticamente desconhecido: o cotidiano dos pobres e oprimidos. Foi essa a origem do “romance proletário”, inspirado na temática da miséria urbano-industrial. O estilo dessas obras se aproximava do chamado “realismo socialista”, centrado no relato fiel dos fatos.

SAIBA MAIS Revolução de 30 Foi um movimento armado de 3 de outubro daquele ano que, tramado por grupos dirigentes de Minas Gerais, do Rio Grande do Sul e da Paraíba, e encabeçado por Getúlio Vargas, resultou na deposição do então presidente da República, Washington Luís. Esse movimento significou a tentativa de se desestabilizar o poder regional das antigas oligarquias rurais, buscando atender às novas demandas sociais, políticas e culturais das crescentes camadas médias urbanas, geradas pela incipiente industrialização do País.

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O mestre baiano Jorge Amado surgiu na cena intelectual em um momento particularmente turbulento da sociedade brasileira, que conhecia os primeiros efeitos das transformações desencadeadas pela Revolução de 30 e pela ascensão de Getúlio Vargas à presidência. Tal ascensão desalojava setores tradicionais dos postos de comando da nação, enfrentando períodos de instabilidade e crises de legitimidade, favorecendo a fermentação de toda espécie de organizações políticas dispostas a ocupar, contestar ou até mesmo tomar o novo Estado que se montava.

SAIBA MAIS Romance proletário É um tipo de romance que, antes de qualquer coisa, devia retratar o universo existencial dos grupos menos favorecidos na hierarquia social e cujo estilo narrativo aproximava-se bastante do modelo inflamado dos manifestos e panfletos políticos, uma vez que tinha explícitas intenções doutrinárias. Suas raízes remetem à literatura e ao Partido Comunista soviéticos que, após a revolução de 1917, começou a definir uma série de diretrizes acerca do papel e da função dos escritores na formação do novo homem comunista, bem como na vitória da causa proletária ao redor do mundo.

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Português

Em 1931, foi publicado o romance Gororoba, em que o engenheiro mecânico Juvêncio Campos relatava sua experiência como técnico da construção da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré. A vida dos trabalhadores do porto de Santos inspirou Navios iluminados (1937), de Ranulfo Prata. Em 1933, Amado publicou Cacau, obra que denuncia as condições de vida dos trabalhadores da região cacaueira da Bahia, traçando um perfil humano e sociopolítico de sua população. Somado a isso, o escritor avança e publica sua vasta obra, descrevendo as populações pobres do campo, das lavouras de cacau e da cidade. Seguiram-se: n n n n n n n n n n n n

Suor (1934); Jubiabá (1936); Mar Morto (1936); Capitães de Areia (1937); Terras do Sem Fim (1942); O Amor do Soldado (1947); Gabriela, Cravo e Canela (1958); Os Pastores da Noite (1964); Dona Flor e seus dois maridos (1966); Tenda dos Milagres (1969); Tieta do Agreste (1976); Tocaia Grande (1984).

Os textos do mestre Jorge Amado ajuda-nos a compreender os aspectos de sua obra. Ele teve uma vida dinâmica, efervescente, com idas e vindas de muitos países e exílios. Seus romances variaram em função dos momentos ou das épocas da sua vida e suas experiências.

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O crítico literário, Alfredo Bosi, divide a obra do autor em quatro fases: n

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n

Romance Proletário: primeiro momento das águasfortes da vida baiana, rural e citadina. As principais obras desta fase são: Cacau e Suor. Lirismo Engajado: depoimentos líricos e sentimentais espraiados em torno de rixas e amores marinheiros. Principais obras: Jubiabá, Mar Morto e Capitães da Areia. Região do Cacau: grandes “pinturas” da região do cacau, com tom épico, retratando as lutas entre coronéis e exportadores. Principais obras: Terras do Sem-Fim e São Jorge dos Ilhéus. Fase Desengajada: fase sem engajamento de esquerda, mais focada no “pitoresco”, no “saboroso”, no “gorduroso”, no “apimentado”. Nessa fase, criou novelas regionalistas, como se fossem um guia expresso da Bahia. Principais obras: Gabriela, Cravo e Canela e Dona Flor e seus Dois Maridos.

Características: n

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Ênfase nas questões ideológicas e sociais e não mais no projeto estético da geração de 1922;

n

n n n n n n n

Rejeição ao experimentalismo técnico e ao gosto pela paródia, substituídos por um realismo mais ou menos trivial: retrato direto da realidade, busca da verossimilhança, linearidade narrativa; Tomada de consciência do subdesenvolvimento (atraso e miséria do País); Denúncia contínua da situação opressiva vivida por camponeses e operários; Tentativa de comunicação com as massas por meio de uma linguagem cotidiana e coloquial; Nacionalismo, universalismo e regionalismo; Realidade social, cultural e econômica; Valorização da cultura brasileira; Influência da psicanálise de Freud.

A obra amadiana mostrou a realidade de diversos locais do Brasil, ora no campo, ora na cidade. Tanto que nos anos 1941 - 1942, Amado ficou viajando pelos países da América Latina, exilado em razão da adesão ao Comunismo. Na época da ditadura de Getúlio Vargas, seus livros foram queimados em Salvador e o escritor foi, mais uma vez, exilado em 1947, quando o PCB (Partido Comunista Brasileiro) foi declarado ilegal e seus membros foram perseguidos e presos. O autor baiano exilou-se na França com a família, de onde foi expulso em 1950. Posteriormente, foi para Praga (capital da República Tcheca) e de lá veio de volta para o Brasil. O autor faz parte da segunda geração do Modernismo, marcada pelo neorrealismo regionalista. Sua literatura pode ser dividida em três etapas principais: a primeira tem como temática os problemas sociais, a segunda traz o ciclo do cacau, produzido em larga escala na Bahia, e a terceira tem enfoque no lirismo. A Bahia é muito presente nos textos de Jorge Amado, em todas as fases. O movimento literário teve a contribuição de outros grandes escritores, como Graciliano Ramos, Rachel de Queiroz e José Lins do Rego. Nesse período, a prosa foi um gênero muito popular.

SAIBA MAIS Neorrealismo é o tipo de Realismo em que o caráter cientificista e determinista do Naturalismo do século XIX é substituído por um enfoque político, de problemas regionais, como as condições e os costumes do trabalhador rural, a seca, a miséria etc. Tais problemas, vistos na perspectiva da luta de classes, da opressão do homem pelo homem que caracteriza a sociedade capitalista, ganham conotação universal e atemporal, saindo do pitoresco e do localismo tradicionais em nossa produção regionalista.


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Fonte: Wikimedia commons

Principais obras de Jorge Amado Cacau é considerado um romance-reportagem. A narrativa, com teor nitidamente político, é uma mistura de crítica social com uma autobiografia de Jorge. Os acontecimentos se passam durante a década de 30 e relata a vida de José Cordeiro, conhecido por Cearense, filho de um industrial rico. Morando em Sergipe, José Cordeiro, ainda na infância, vê a família empobrecer, quando o tio inescrupuloso leva seu pai à ruina e à morte. Vê também o tio tomar tudo o que pertencia a ele e a sua mãe. O sergipano conhecido como Cearense, não quer ser patrão: é operário e orgulha-se de sua atividade. Mas acaba despedido da fábrica por ter se relacionado com uma colega de trabalho, cobiçada também pelo patrão, seu próprio tio. Cearense decide procurar serviço em outro lugar. Pobre e desempregado embarca para a Bahia, com o objetivo de trabalhar nas lavouras de Cacau. Duas opções se apresentam: São Paulo, ou a zona cacaueira, no sul da Bahia. Cearense escolhe a segunda, a região de Itabuna e Ilhéus, como tantos outros homens e mulheres que vai conhecendo na viagem de barco rumo à região. A história é quase um retrato fiel do que acontecia nas fazendas de cacau. Por conta disso, ao ser lançada, foi apreendida pela polícia. Jubiabá, seu quarto romance, foi publicado em 1933. Nele, o escritor baiano conta a saga de Antônio Balduíno, negro órfão do morro do Capa-Negro de Salvador, e seu protetor, o feiticeiro e macumbeiro centenário, Jubiabá. O livro fez sucesso internacional e consolidou a carreira de Amado. Mar Morto é um livro sobre o mar. Pescadores corajosos se entregam à aventura das águas verdes da Bahia, enquanto suas mulheres os esperam em casa, cheias de cismas e tristezas. É a história do pescador Guma e sua amada, Lívia, a mulher mais bonita do lugar. Capitães de Areia, a história dos meninos de rua que povoam e dominam a capital da Bahia, inspirou Jorge Amado no seu sexto romance. Quando foi publicado, em 1937, 800 exemplares do livro foram queimados em praça pública por incitação ao Comunismo. Hoje é um clássico. Terras do Sem Fim é um romance forjado como um estudo sobre a economia cacaueira do sul da Bahia, terra natal do escritor. A obra se transforma num relato violento, em que coronéis prepotentes escravizam homens e mulheres a seus caprichos e interesses econômicos.

Fonte: Wikimedia commons

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Gabriela, Cravo e Canela representa uma obra que pode ser entendida como a reconciliação de Jorge Amado com a Bahia, de quem se afastara para morar no Rio de Janeiro. Em Gabriela, o autor mostra a influência dos coronéis, dos grandes donos de terra, nas quais se utilizavam dos mais desumanos métodos, das tocaias, assassinatos e torturas dos desafetos. A riqueza trazida pelo cacau possibilitara o desenvolvimento urbanístico, rasgando-se ruas, construindo-se casas, fundando-se jornais e estabelecimentos comerciais. Nem por isso, contudo, evoluíam os costumes dos habitantes, imperando, naquele cenário de violência, a lei dos mais fortes - os fazendeiros que, tendo a seus serviços os jagunços, impunham o domínio do ódio e do terror. É nesse cenário que Jorge Amado faz desfilar a figura amorosa, sexual e primitiva de Gabriela. A figura de mulher que despertou o amor do árabe Nacib. Dona Flor e seus dois maridos é o caso da viúva que se casa de novo e se vê dividida entre o amor tranquilo do marido vivo e o amor fogoso do marido morto. É a história mais famosa de Jorge Amado, que virou filme de sucesso em 1976. Tieta do Agreste tem como protagonista Tieta, ex-pastora de cabras. Ela foi expulsa de sua terra pelo próprio pai e voltou ao lar anos depois, rica, cheia de planos, causando mudanças em sua cidade. Uma história divertida e sensual, que virou novela e filme de sucesso. Jorge Amado foi um grande contador de histórias. Ao escrever suas obras, o autor tinha um grande cuidado com a estrutura técnica, mas a tensão maior era a narrativa. O mestre baiano não preocupava-se com a estrutura literária ou com as normas de ortografia e gramática: o importante, para ele, era contar bem a história.

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Português

A linguagem oral ganha espaço na obra amadiana, dando naturalidade ao texto. Nota-se, portanto, uma grande fidelidade à língua falada pelo povo e personagens que Amado retrata. Apesar de utilizar uma linguagem direta e popular, é possível perceber o tom poético em seus textos.

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Sinopse Durante o carnaval de 1943 na Bahia, Vadinho (José Wilker), um mulherengo e jogador inveterado, morre repentinamente e sua mulher, Dona Flor (Sônia Braga), fica inconsolável, pois apesar de ele ter vários defeitos, era um excelente amante. Mas após algum tempo, ela se casa com Teodoro Madureira (Mauro Mendonça), um farmacêutico que é exatamente o oposto do primeiro marido. Ela passa a ter uma vida estável e tranquila, mas tediosa e, de tanto “chamar” pelo primeiro marido, ele um dia aparece nu na sua cama. Estreia Mundial: 1976 − 106 minutos

Fonte: wikimedia commons

Dona Flor e seus Dois Maridos - primeira versão - é um clássico do cinema brasileiro do gênero comédia, lançado em 1976 e dirigido por Bruno Barreto. Baseado no livro homônimo de Jorge Amado, foi adaptado por Bruno Barreto, Eduardo Coutinho e Leopoldo Serran, sob direção de fotografia de Murilo Salles. O filme foi campeão de bilheteria no Brasil durante três décadas.

Érico Veríssimo Érico Veríssimo é um dos romancistas mais lidos e mais populares da literatura brasileira. Sua obra pode ser dividida em três fases: romance urbano, histórico e político. Romance urbano − Veríssimo inaugurou esse novo campo do romance: a ficção urbana. Essas obras trazem uma abordagem sentimental do cotidiano às grandes cidades e constroem um painel da burguesia do Rio Grande do Sul. As principais publicações são: Clarissa, Olhai os lírios dos campos e O resto é silêncio. Pode-se destacar, nessas obras, uma preocupação do escritor com a crise moral e espiritual do homem e da sociedade em que vive. Romance político – os romances da terceira fase mostram um escritor preocupado em aprofundar os temas políticos, trazendo característica de uma obra mais engajada com a vanguarda da literatura latino-americana. Pertencem a esse gênero – O senhor embaixador, O prisioneiro e Incidente em Antares. Nessas obras, Veríssimo aborda problemas de política nacional e internacional, ao lado de análises do relacionamento humano.

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Fonte: Wikimedia commons

Romance histórico − são retratados, nesse tipo de obra, temas históricos do Rio Grande do Sul, como a Revolta Armada, as lutas entre portugueses e espanhóis e entre farrapos e imperiais. Todos esses acontecimentos são abordados em uma única obra, O tempo e o vento, contendo uma série de novelas reunidas em três blocos: “O continente”, “O retrato” e “O arquipélago. Nessa obra, o autor investiga o passado histórico marcado pelo heroísmo do povo gaúcho na defesa de seu território, narrando a história do Rio Grande do Sul, desde as origens nos séculos XVIII e XIX até a metade do século XX. “O Continente” figura no primeiro desses três blocos e é apontado pela crítica como o melhor deles. O trecho extraído do romance mostra o momento que precede a morte do Capitão Rodrigo, em luta com a família Amaral. Um Certo Capitão Rodrigo. Essa novela conta a história de Rodrigo Cambará, um herói extremista que despertava a paixão das mulheres e a admiração de seus seguidores. Em pleno século XVIII, época de disputas acirradas por territórios, ele enfrentou os chefes políticos e morreu em combate durante a Revolução Farroupilha (1835-1845). A trama virou filme, em 1971, sob direção de Anselmo Duarte.

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Linguagens, Códigos e suas Tecnologias

Antes de começar o ataque ao casarão, Rodrigo foi à casa do vigário. - Padre! - gritou, sem apear. Esperou um instante. Depois: - Padre! A porta da meiágua abriu-se e o vigário apareceu. - Capitão! - exclamou ele, aproximando-se do amigo e erguendo a mão, que Rodrigo apertou com força. Foi só pra saber se vosmecê estava aqui ou lá dentro do casarão. Eu não queria lastimar o amigo... Muito obrigado, Rodrigo, muito obrigado. - O Padre Lara sacudiu a cabeça, desalentado. - Vosmecê vai perder muita gente, capitão. Os Amarias são cabeçudos e têm muita munição. - Eu também sou cabeçudo e tenho muita munição. Por que não espera o amanhecer? Rodrigo deu de ombros. - Pra não deixar a coisa esfriar. - Olhe aqui. Vou lhe dar uma ideia. Antes de começar o assalto, porque vosmecê não me deixa ir ao casarão ver se o Cel. Amaral consente em se render pra evitar uma carnificina? - Não, padre. Não faças aos outros aquilo que não queres que te façam a ti. Não é assim que diz nas Escrituras? Se alguém me convidasse pra eu me render eu ficava ofendido. Um homem não se entrega. - Mas não há nenhum desdouro. Isto é uma guerra entre irmãos.

Apertaram-se as mãos. - Tome cuidado, capitão. Vosmecê se arrisca demais. - Ainda não fabricaram a bala que há de me matar!- gritou Rodrigo, dando de rédea. - A gente nunca sabe - retrucou o padre. - E é melhor que não saiba, não é? - Deus guie vosmecê! - Amém! - replicou Rodrigo, por puro hábito, pois aprendera a responder assim desde menino. O padre viu o capitão dirigir-se para o ponto onde um grupo de seus soldados o esperava. A noite estava calma. Galos de quando em quando cantavam nos terreiros. Os galos não sabem de nada - refletiu o padre. Sempre achara triste e agourento o canto dos galos. Era qualquer coisa que o lembrava da morte. Voltou para casa, fechou a porta, deitou-se na cama com o breviário na mão, mas não pôde orar. Ficou de ouvido atento, tomado duma curiosa espécie de medo. Não era medo de ser atingido por uma bala perdida. Não era medo de morrer. Não era nem medo de sofrer na carne algum ferimento. Era medo do que estava para vir, medo de ver os outros sofrerem. No fim de contas - se esmiuçasse bem - o que ele tinha mesmo era medo de viver, não de morrer. VERÍSSIMO, Érico. O tempo e o vento I; o continente. São Paulo, Círculo do Livro, s.d.p.314-5.

Principais obras: n

Primeiros Contos (1930);

n

Fantoches (1932);

n

Clarissa (1933);

De cima do cavalo Rodrigo ouvia a respiração chiante e dificultosa do sacerdote. Lembrou-se das muitas conversas que tiveram noutros tempos.

n

Música ao Longe (1935);

n

Um Lugar ao Sol (1936);

n

Olhai os Lírios do Campo (1938);

- Vosmecê é um homem impossível... - disse o padre, desolado.

n

Saga (1940);

n

O Resto é Silêncio (1943);

- Acho que esta noite vou dormir na cama do velho Ricardo.

n

O Tempo e o Vento (1948);

n

Noite (1954);

- Sorriu. - Mas sem a mulher dele, naturalmente... E amanhã de manhã quero mandar um próprio levar ao chefe a notícia de que Santa Fé é nossa. A Província toda está nas nossas mãos. Desta vez os legalistas se borraram! Até logo, padre.

n

O Senhor Embaixador (1965);

n

O Prisioneiro (1967);

n

Incidente em Antares (1971);

n

Solo de Clarinete I (1973);

n

Solo de Clarinete II (1975).

- São as mais brabas, padre, são as mias brabas.

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O Continente

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a de ho. E menipara jeito odos ente a tompre orca com nde-

Português

Exercícios de Fixação 01. (Unitau SP) Capitães da areia, de Jorge Amado, é uma obra muito festejada do Modernismo brasileiro. Entretanto, algumas críticas lhe são imputadas. Sobre a questão da crítica à obra, qual das alternativas abaixo é INCORRETA? a) A obra, por sua tintura ideológica e humanista, extrapola os limites do romance de tensão mínima. b) A obra, apesar de suas marcas de depoimentos líricos, sentimentais, não alcança os limites do romance de tensão interiorizada. c) Na obra, há estereótipos, mais do que o tratamento estrutural dos conflitos sociais. d) Apesar dos matizes políticos, a obra não se caracteriza por arte revolucionária. e) Subjaz na obra um certo modelo da oralidade convencional da narração regionalista, mas não há aprofundamento das possibilidades polissêmicas da linguagem literária.

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02. (Unioeste PR) Em Terras do sem fim, quem é a personagem que, caracterizada pelo engrandecimento, aparece no romance através de histórias marcadas pela superstição, violência e desonestidade: venda da alma ao diabo, tocaia interesseira e mortes bárbaras: “cortara-lhe as orelhas, a língua, o nariz e os ovos”? a) Coronel Horácio da Silveira. d) Juca Badaró. b) Coronel Teodoro Martins. e) Negro Damião. c) Sinhô Badaró. 03. (Unioeste PR) Qual alternativa NÃO procede a respeito de Terras do sem fim, de Jorge Amado? a) Na posse pelas terras para o plantio do cacau, o código que regula as relações de mandonismo dos coronéis é a lei do gatilho. b) A narrativa da história das três irmãs prostitutas – Maria, Lúcia, Violeta – é intercalada à da morte e translado do pai defunto. c) Ao descobrir a paixão da esposa Ester pelo advogado Virgílio, o Coronel Horácio assassina os dois amantes numa “pensão de luxo”, em Ilhéus. d) Depois de ouvir a leitura da Bíblia, feita por Don’Ana, Sinhô Badaró ordena a invasão das matas de Sequeiro Grande, porque essa era a “vontade de Deus”. e) O romance inicia com uma viagem de navio em cujos espaços delineiam-se os grupos que darão suporte à narrativa, marcada por “terras, dinheiro, cacau e morte”. 04. (Unitau SP) Sobre Capitães da areia, de Jorge Amado, é CORRETO afirmar. a) É um romance de tensão mínima, depoimento lírico voltado para os marginais, esboço colorido e facilmente comunicável.

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b) É um romance de tensão crítica, apresenta um esquema de literatura ideológica, e todas as personagens são investigadas em sua profunda psicologia. c) É um romance de tensão interiorizada, com a subjetivação dos conflitos das personagens. d) É um romance de tensão transfigurada que faz a captação estética do meio em vez do pitoresco. e) É um romance de tensão interiorizada que faz a captação do pictórico em vez da captação estética do meio. 05. (PUC GO) 4 [...] Daquele banho ainda hoje guardo uma lembrança à flor da pele. De fato que para mim, que me criara nos banhos de chuvisco, aquela piscina cercada de mata verde, sombreada por uma vegetação ramalhuda, só poderia ser uma coisa do outro mundo. Na volta, o tio Juca veio dizendo, rindo-se: — Agora você já está batizado. Quando chegamos em casa, o café estava pronto. Na grande sala de jantar estendia-se uma mesa comprida, com muita gente sentada para a refeição. O meu avô ficava do lado direito e a minha tia Maria na cabeceira. Tudo o que era para se comer estava à vista: cuscuz, milho cozido, angu, macaxeira, requeijão. Não era, porém, somente a gente da família que ali se via. Outros homens, de aspecto humilde, ficavam na outra extremidade, comendo calados. Depois seriam eles os meus bons amigos. Eram os oficiais carpinas e pedreiros, que também se serviam com o senhor de engenho, nessa boa e humana camaradagem do repasto. (REGO, José Lins do. Menino de engenho. 102. ed. Rio de Janeiro: J. Olympio, 2010. p. 32-33.)

Menino de engenho, de José Lins do Rego, é narrado pelo protagonista que, ao evocar suas memórias, vai recobrando a infância e seus desdobramentos na fazenda do avô. Assinale a alternativa que melhor traduz o sentido de “nessa boa e humana camaradagem do repasto” extraído do fragmento apresentado no texto: a) É uma ironia ao fato de pessoas estranhas e humildes se sentarem à mesa da família do senhor de engenho. b) É uma censura ao fato de o avô permitir que o momento solene de união familiar fosse dividido com carpinas e pedreiros. c) É uma forma de o narrador desconstruir a imagem de desumano e maldoso formada por outras personagens sobre o avô. d) É uma referência do narrador à atitude bondosa de um senhor de engenho dividir as refeições com pessoas humildes da classe trabalhadora.


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Exercícios Complementares

02. (UFGD MS) Publicado pela primeira vez em 1932, Menino de Engenho marca a estreia de José Lins do Rego como romancista. Considerado como um dos principais representantes da estética do chamado “romance de 30”, esse livro exerceu profunda influência na ficção brasileira do século XX. Assinale a alternativa que não se aplica ao romance. a) O romance retrata a vida nos engenhos do interior nordestino, enfocando um conjunto de relações humanas e sociais que acompanha o fim da escravidão e nas quais a dependência entre senhores e servos é preservada. b) Narrada em primeira pessoa, a história se inicia com a chegada de Carlos de Melo ao Engenho Santa Rosa, pertencente ao coronel José Paulino, avô da personagem, e termina com a ida do menino para o internato. c) Certa precocidade de relações entre homens e mulheres transparece no fato de que o narrador, quando tinha entre 10 e 12 anos, teve seu primeiro contato físico com uma mulher, representada pela negra Zefa, que marcaria sua infância. d) O autor faz referências também ao coronel Lula de Holanda, proprietário do Engenho Santa Fé, apresentando-o como símbolo de relações sociais decadentes, num contraponto aos valores vigentes no outro engenho. e) Um evento importante na vida do narrador ocorre no momento em que, contestando a religiosidade de sua mãe, nega, diante dela, a existência do inferno, num ato de rebeldia que redundaria em punição. 03. (FPS PE) O chamado “Ciclo da Cana-de-Açúcar” compreende seis obras de José Lins do Rego: Menino de engenho, Doidinho, Banguê, O Moleque Ricardo, Usina e Fogo Morto. O conjunto da obra perfaz o apogeu e o declínio dos engenhos de açúcar e o nascimento da indústria agroaçucareira: a Usina. Sobre Fogo Morto, o último livro do círculo, é correto afirmar o seguinte. a) O Mestre José Amaro fora aposentado como capataz do Engenho do Capitão Vitorino.

b) Apesar de ser conhecido pelas suas bravatas, o Capitão Vitorino se acovardava ante o cangaceiro Antônio Silvino. c) O Mestre José Amaro tinha uma aparência doentia, os olhos amarelos e a barba crescida. d) O Engenho Santa Fé, de Lula de Holanda, era o mais produtivo e moderno de toda a região. e) O Mestre José Amaro e o Capitão Lula de Holanda eram amigos e confidentes. 04. (UFPR) Em relação ao romance Fogo morto, de José Lins do Rego, identifique as seguintes afirmativas como verdadeiras (V) ou falsas (F): ( ) Por razões de orgulho pessoal, o Mestre José Amaro manifesta em relação ao Coronel Lula de Holanda uma altivez inesperada, dadas suas respectivas posições de poder. ( ) Os destinos pessoais de Marta, Olívia e Neném estão diretamente associados à posição social da mulher no contexto histórico representado. ( ) Apesar das suas limitações no presente, o romance mostra que o capitão Vitorino, dada a justiça das suas opiniões, seria capaz de influenciar positivamente a vida política da região em algum momento futuro. ( ) Na última parte da obra, os cangaceiros, liderados pelo capitão Antônio Silvino, e as forças da lei, representadas pela polícia, aparecem distintamente separadas como figurações do bem e do mal. Assinale a alternativa que apresenta a sequência correta, de cima para baixo. a) V – F – V – V. b) F – V – F – V. c) F – F – V – V. d) V – V – V – F. e) V – V – F – F. 05. (UFRGS) Assinale com V (verdadeiro) ou F (falso) as afirmações abaixo, sobre o romance Terras do sem-fim, de Jorge Amado. ( ) Lúcia, Violeta e Maria são três irmãs que se relacionam, respectivamente, com o patrão, o feitor e um trabalhador da fazenda e que vão para uma casa de prostituição: Lúcia e Violeta são abandonadas pelos homens já não interessados por seus corpos envelhecidos; Maria fica viúva de seu amor Pedro, que morreu nas plantações de cacau. ( ) Lúcia, Violeta e Maria aparecem na primeira parte do capítulo Gestação de cidades , iniciado pela fórmula “Era uma vez” em clara referência fabular. As personagens de Jorge Amado, no entanto, têm um destino miserável, muito distante do final feliz.

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01. (PUC Campinas SP) O ciclo da cana-de-açúcar encontrou seu grande intérprete em José Lins do Rego, cujos romances ganham força ao combinarem duas operações: a) a caracterização de aspectos regionais e a angulação subjetiva de um memorialista. b) o memorialismo pessoal e o culto dos mitos clássicos. c) a experimentação estética e o lamento pela crise da ficção moderna. d) a valorização do primitivo e o levantamento de documentação histórica. e) a crítica ao coronelismo nordestino e a saudação à chegada das usinas.


Português

( ) O narrador em terceira pessoa condena a escolha de Lúcia, Violeta e Maria pela prostituição. Para ele, elas poderiam tirar seu sustento do trabalho árduo, como fizera a matriarca da família. ( ) O frei Bento, mesmo condenando a profissão de Lúcia, Violeta e Maria, aceita participar do velório do pai delas, em consideração à Lúcia, muito religiosa. A sequência correta de preenchimento dos parênteses, de cima para baixo, é a) F – F – V – F. b) V – F – F – V. c) F – V – F – V. d) F – F – V – V. e) V – V – F – F. 06. (PUC RS) Leia o excerto do romance Jubiabá, de Jorge Amado. Foi quando o alemão voou para cima dele querendo acertar no outro olho de Balduíno. O negro livrou o corpo com um gesto rápido e como a mola de uma máquina que se houvesse partido distendeu o braço bem por baixo do queixo de Ergin, o alemão. O campeão da Europa central descreveu uma curva com o corpo e caiu com todo o peso. A multidão rouca aplaudia em coro: – BAL-DO... BAL-DO... BAL-DO... O juiz contava: – Seis... sete... oito... Antônio Balduíno olhava satisfeito o branco estendido aos seus pés.

B12  Modernismo − José Lins do Rego, Jorge Amado e Érico Veríssimo

Com base no diálogo e na obra de Jorge Amado, considere as afirmativas. I. A luta entre Antônio Balduíno e Ergin pode ser interpretada como uma metáfora dos conflitos entre o branco europeu e o negro brasileiro. II. Ao longo dos seus diferentes romances, Jorge Amado constrói um projeto estético baseado principalmente na representação do intimismo e do lirismo. III. Nos romances Tereza Batista, cansada de guerra e Memorial de Maria Moura, o escritor baiano explora basicamente o universo erótico feminino em diferentes perspectivas sociais. IV. O romance Capitães de areia apresenta um detalhado quadro da marginalidade infantil urbana, ao retratar crianças de rua, como Pedro Bala, Sem Pernas e Pirulito. Está/Estão correta(s) a(s) afirmativa(s) a) I, apenas. b) I e IV, apenas. c) II e III, apenas. d) I, II e IV, apenas. e) I, II, III, IV. 674

07. (Puc GO) 16 Meu avô me levava sempre em suas visitas de corregedor às terras de seu engenho. Ia ver de perto os seus moradores, dar uma visita de senhor nos seus campos. O velho José Paulino gostava de percorrer a sua propriedade, de andá-la canto por canto, entrar pelas suas matas, olhar as suas nascentes, saber das precisões de seu povo, dar os seus gritos de chefe, ouvir queixas e implantar a ordem. Andávamos muito nessas suas visitas de patriarca. Ele parava de porta em porta, batendo com a tabica de cipó-pau nas janelas fechadas. Acudia sempre uma mulher de cara de necessidade: a pobre mulher que paria os seus muitos filhos em cama de vara e criava-os até grandes com o leite de seus úberes de mochila. Elas respondiam pelos maridos: — Anda no roçado. — Está doente. — Foi pra rua comprar gás. Outras se lastimavam de doenças em casa, com os meninos de sezão e o pai entrevado em cima da cama. E quando o meu avô queria saber por que o Zé Ursulino não vinha para os seus dias no eito, elas arranjavam desculpas: — Levantou-se hoje do reumatismo. O meu avô então gritava: — Boto pra fora. Gente safada, com quatro dias de serviço adiantado e metidos no eito do Engenho Novo. Pensam que eu não sei? Toco fogo na casa. — É mentira, seu coronel. Zé Ursulino nem pode andar. Tomou até purga de batata. O povo foi contar mentira pro senhor. Santa Luzia me cegue, se estou inventando. E os meninos nus, de barriga tinindo como bodoque. E o mais pequeno na lama, brincando com o borro sujo como se fosse com areia da praia. — Estamos morrendo de fome. Deus quisera que Zé Ursulino estivesse com saúde. — Diga a ele que pra semana começa o corte da cana. (REGO, José Lins do. Menino de engenho. 102. ed. Rio de Janeiro: J. Olympio, 2010. p. 57-58.)

Menino de engenho, de José Lins do Rego, é narrado por Carlinhos e se passa na fazenda de açúcar do avô do menino. No fragmento apresentado (texto), o narrador expressa o seu ponto de vista sobre a relação entre o avô e os agregados da fazenda. Assinale a alternativa que corretamente sintetiza o ponto de vista do narrador em relação ao avô: a) O narrador percebe no avô o autoritarismo patriarcal típico dos senhores de engenho no trato com os subordinados. b) O narrador protagonista, ao rememorar o passado, mantém uma visão crítica e combativa em relação aos atos do avô. c) O narrador protagonista, ao reconstituir a sua memória de menino, apresenta uma visão subjetiva e emocional do avô. d) O princípio do romance como motor de denúncia, próprio da geração modernista de 1930, é mantido na narrativa por meio da dureza do discurso expresso por Carlinhos.


FRENTE

B

PORTUGUÊS

Exercícios de Aprofundamento 01. (Enem MEC) Vei, a Sol Ora o pássaro careceu de fazer necessidade, fez e o herói ficou escorrendo sujeira de urubu. Já era de madrugadinha e o tempo estava inteiramente frio. Macunaíma acordou tremendo, todo lambuzado. Assim mesmo examinou bem a pedra mirim da ilhota para vê si não havia alguma cova com dinheiro enterrado. Não havia não. Nem a correntinha encantada de prata que indica pro escolhido, tesouro de holandês. Havia só as formigas jaquitaguas ruivinhas. Então passou Caiuanogue, a estrela da manhã. Macunaíma já meio enjoado de tanto viver pediu pra ela que o carregasse pro céu. Caiuanogue foi se chegando porém o herói fedia muito. – Vá tomar banho! – ela fez. E foi-se embora. Assim nasceu a expressão “Vá tomar banho” que os brasileiros empregam se referindo a certos imigrantes europeus. ANDRADE, M. Macunaíma: o herói sem nenhum caráter. Rio de Janeiro: Agir, 2008.

O fragmento de texto faz parte do capítulo VII, intitulado “Vei, a Sol”, do livro Macunaíma, de Mário de Andrade, pertencente à primeira fase do Modernismo brasileiro. Considerando a linguagem empregada pelo narrador, é possível identificar a) resquícios do discurso naturalista usado pelos escritores do século XIX. b) ausência de linearidade no tratamento do tempo, recurso comum ao texto narrativo da primeira fase modernista. c) referência à fauna como meio de denunciar o primitivismo e o atraso de algumas regiões do país. d) descrição preconceituosa dos tipos populares brasileiros, representados por Macunaíma e Caiuanogue. e) uso da linguagem coloquial e de temáticas do lendário brasileiro como meio de valorização da cultura popular nacional. 02. (FMJ SP) Considere o fragmento do conto Primeiro de Maio, de Mário de Andrade. No grande dia Primeiro de Maio, não eram bem seis horas e já o 35 pulara da cama, afobado. Estava bem disposto, até alegre, ele bem afirmara aos companheiros da Estação da Luz que queria celebrar e havia de celebrar. Os outros carregadores mais idosos meio que tinham caçoado do bobo, viesse trabalhar que era melhor, trabalho deles não tinha feriado. Mas o 35 retrucava com altivez que não carregava mala de ninguém, havia de celebrar o dia deles. E agora tinha o grande dia pela frente. [...]

Com seus vinte anos fáceis, o 35 sabia, mais da leitura dos jornais que de experiência, que o proletariado era uma classe oprimida. E os jornais tinham anunciado que se esperava grandes “motins” do Primeiro de Maio, em Paris, em Cuba, no Chile, em Madri. [...] Comunismo? ... Sim, talvez fosse isso. Mas o 35 não sabia bem direito, ficava atordoado com as notícias, os jornais falavam tanta coisa, faziam tamanha mistura de Rússia, só sublime ou só horrenda, e o 35 infantil estava por demais machucado pela experiência pra não desconfiar, o 35 desconfiava. Preferia o turumbamba porque não tinha medo de ninguém, nem do Carnera, ah, um soco bem nas fuças dum polícia... (Contos novos, 1997.)

Assim como outros personagens do conto, o personagem 35 é designado por um número e não por um nome. Que efeito este procedimento pode ter no sentido da narrativa? a) A vida privada do personagem é focalizada, em detrimento de sua atividade profissional. b) O personagem é desumanizado, fica destituído de características particulares, resumido a uma função, em sua atividade profissional, apenas mais um. c) Fica expressa a idade do personagem, mais velho que seus colegas na Estação, mais novo que os proletários na rua. d) É estabelecida uma equivalência matemática entre os desejos do personagem infantil e as realizações do personagem adulto. e) O personagem ganha profundidade, deixa de ser um índice e passa a ser visto como uma pessoa, em seus diversos aspectos. 03. (UEFS BA) Seguimos nosso caminho por este mar de longo Até a oitava da Páscoa Topamos aves E houvemos vista de terra 5 os selvagens Mostraram-lhes uma galinha Quase haviam medo dela E não queriam pôr a mão E depois a tomaram como espantados 10 primeiro chá Depois de dançarem Diogo Dias Fez o salto real as meninas da gare 15 Eram três ou quatro moças bem moças e bem gentis Com cabelos mui pretos pelas espáduas 675


Português

E suas vergonhas tão altas e tão saradinhas Que de nós as muito bem olharmos Não tínhamos nenhuma vergonha. ANDRADE, Oswald de. Descoberta. Poesias Reunidas. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1971. Disponível em: <http://www. entrevista. agulha.nom. br/oswal.html#adescoberta>. Acesso em: 5 maio 2014.

O poema “A descoberta”, de Oswald de Andrade, que compõe o Manifesto Pau-Brasil, é composto de cinco flashes retirados da Carta de Pero Vaz de Caminha. Sobre esse poema, é correto afirmar: a) O autor, de forma sintética, retoma o contexto primitivista para revelar distorções nas interpretações feitas da Carta de Caminha. b) A descrição dos indígenas, no poema, remete-nos à ideia do bom selvagem que ainda não foi corrompido pela civilização e pela modernidade. c) Os versos de Oswald de Andrade revelam o tom irônico e sarcástico com que o Cronista-Mor da expedição de Pedro Álvares Cabral se referia aos índios. d) O discurso de Pero Vaz de Caminha, recontextualizado nos versos de Oswald de Andrade, explicita um tom de crítica e descontentamento diante do tratamento que os portugueses davam aos indígenas. e) O verso 14 – “as meninas da gare” – ressignifica o discurso de Pero Vaz de Caminha e, em vez de descrever a ingenuidade retratada na nudez das índias, recontextualiza-a e atualiza-a, sugerindo uma semelhança com garotas que se expunham na estação de ferro. Leia o poema de Manuel Bandeira.

FRENTE B  Exercícios de Aprofundamento

A estrada Esta estrada onde moro, entre duas voltas do caminho, Interessa mais que uma avenida urbana. Nas cidades todas as pessoas se parecem. Todo o mundo é igual. Todo o mundo é toda a gente. Aqui, não: sente-se bem que cada um traz a sua alma. Cada criatura é única. Até os cães. Estes cães da roça parecem homens de negócios: Andam sempre preocupados. E quanta gente vem e vai! E tudo tem aquele caráter impressivo que faz meditar: Enterro a pé ou a carrocinha de leite puxada por um [bodezinho manhoso. Nem falta o murmúrio da água, para sugerir, pela voz [dos símbolos, Que a vida passa! que a vida passa! E que a mocidade vai acabar. (Estrela da vida inteira, 2009.)

04. (Famema SP) O poema faz referência a) à pobreza do campo, quando comparada à riqueza das cidades. 676

b) à possibilidade de as cidades se expandirem em direção ao campo. c) à beleza que surge do crescimento e da modernização dos ambientes urbanos. d) à importância do jovem na construção de uma sociedade melhor. e) à desumanização dos indivíduos no processo de homogeneização das cidades. 05. (Famema SP) O poema se desenvolve em acordo com uma característica típica da poesia de Manuel Bandeira: a) a reflexão sobre questões abrangentes, por vezes abstratas, a partir de elementos pontuais, simples e cotidianos. b) o elogio à contenção das emoções e ao regramento, o que é adequado a uma vida disciplinada, sem lugar para ações intempestivas. c) a defesa de uma atitude humana libertária em face das questões do mundo, o que tem paralelo na utilização de métrica variada e versos livres. d) a visão positiva a respeito dos homens, como indivíduos, e de suas organizações sociais. e) a crítica aos avanços da modernidade em uma visão saudosista que se consolida na recuperação dos formatos clássicos da poesia. 06. (UPE) O Bicho Manuel Bandeira

Vi ontem um bicho Na imundície do pátio Catando comida entre os detritos. Quando achava alguma coisa; Não examinava nem cheirava: Engolia com voracidade. O bicho não era um cão, Não era um gato, Não era um rato. O bicho, meu Deus, era um homem. BANDEIRA, Manuel. Estrela da vida inteira. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1993.

Considerando o poema de Manuel Bandeira bem como as características que marcaram a obra do poeta, leia os enunciados seguintes. I. Em ‘O Bicho’, Bandeira escreve um poema de caráter narrativo, de forte apelo social e político, chamando a atenção do leitor para a situação degradante dos miseráveis. II. O texto se constrói a partir de uma imagem que repercute na alma do eu-poético, fazendo-o horrorizar-se diante da condição a que pode chegar o ser humano. III. A terceira estrofe é toda construída por negativas, o que contraria as expectativas do leitor criadas desde o título do poema.


Linguagens, Códigos e suas Tecnologias

A última estrofe, constituída de um verso apenas, faz uma identificação incomum do ser humano, que revela o mistério alimentado ao longo do poema. V. Por conta desse poema, Bandeira foi preso pela ditadura de Vargas, situação que lhe permitiu escrever sua obra-prima, as ‘Memórias do Cárcere’. Estão CORRETOS apenas: a) I e II. d) I, II, III e IV. b) III, IV e V. e) II, IV e V. c) I, III e IV. 07. (ITA SP) Assinale a melhor opção, considerando as seguintes asserções sobre Fabiano, personagem de Vidas Secas, de Graciliano Ramos: I) Devido às dificuldades pelas quais passou no sertão, tornou- se um homem rude, mandante da morte de vários inimigos seus. II) Comparava-se, com orgulho, aos animais, pois era um homem errante que vivia fugindo da seca. III) Sentia-se fraco para exigir seus direitos diante de patrões e autoridades, por isso não se considerava um homem, mas um bicho. Está (ão) correta(s): a) Apenas a I. d) Apenas a III. b) Apenas a III. e) I e III. c) I e III. 08. (UFMG) A primeira parte de Memórias do cárcere, de Graciliano Ramos, intitula-se “Viagens” porque, nesse trecho de suas memórias, o escritor a) expõe o aproveitamento que fazia, em seus romances, das experiências adquiridas em viagens. b) narra as viagens que fez para revisar, em solidão, o romance que escrevia na época. c) registra os vários deslocamentos a que foi submetido após sua prisão. d) relata sua fuga, durante a qual passa por diversos lugares. e) viaja por vários lugares, obtendo subsídios para a produção de sua narrativa de memórias. 09. (UFMG) Leia atentamente esta passagem de Memórias do cárcere, de Graciliano Ramos. “Esforço-me por alinhavar esta prosa lenta, sairá daí algum lucro, embora escasso - e este lucro fortalecerá pessoas que tentam oprimir-me. É o que me atormenta. Não é o fato de ser oprimido: é saber que a opressão se erigiu em sistema.” Todas as alternativas apresentam inferências possíveis a partir da leitura desse trecho e da obra como um todo, EXCETO. a) O autor critica, com seu texto, o sistema que o oprime. b) O autor é um atormentado pelas injustiças do sistema capitalista. c) O escritor se sente oprimido indiretamente porque vê a opressão sobre os outros.

d) O lucro derivado do trabalho do escritor contribui para a manutenção da opressão. e) O sistema editorial brasileiro participa do mecanismo da opressão. 10. (Unirg TO) Em Fogo morto, de José Lins do Rego, a temática que relaciona a trajetória dos três protagonistas é a) o tradicionalismo das comunidades rurais, expresso nos valores culturais estabelecidos pelos agrupamentos em torno do engenho. b) a violência dos coronéis em uma sociedade escravista, visível na exploração do trabalho no contexto dos engenhos. c) a decadência do ciclo da cana-açúcar, determinante para as mudanças na vida dos donos de engenho e dos seus empregados. d) o surgimento dos grupos de cangaceiros no Nordeste, decisivo para a perda de poder dos senhores de engenho e de seus familiares. 11. (UFPR) Acerca dos personagens de Fogo morto, considere as afirmativas abaixo: 1. O mestre José Amaro é um homem pobre que vive no Santa Fé, mas não é empregado lá, trabalha por conta própria, o que não faz dele um homem independente, já que o proprietário exige que ele saia da casa que ocupa no engenho. 2. O coronel Lula de Holanda faz parte de uma longa linhagem de senhores de engenho, donos há gerações do engenho Santa Fé que, ao final do romance, estará de fogo morto. 3. Apesar da distância social que as separa, tanto a filha de José Amaro quanto a do coronel Lula de Holanda vivem em isolamento e terminam por enlouquecer. 4. O capitão Vitorino Carneiro da Cunha grita o tempo todo que é um homem que não se submete ao poder de ninguém, mas na verdade cede ao comando do cangaceiro, o capitão Antônio Silvino. Assinale a alternativa correta. a) Somente as afirmativas 1 e 3 são verdadeiras. b) Somente as afirmativas 1, 2 e 3 são verdadeiras. c) Somente as afirmativas 2 e 4 são verdadeiras. d) Somente a afirmativa 3 é verdadeira. e) Somente a afirmativa 4 é verdadeira. 12. (Unicamp SP) O título do romance Caminhos cruzados, de Érico Veríssimo, a) alude às dificuldades vividas pelas personagens mais representativas da elite urbana, além de sugerir que nenhum homem é uma ilha. b) sugere que a vida social das personagens é constituída pelo conjunto de relações econômicas e psicológicas dos indivíduos. c) remete à técnica narrativa do romance, no qual várias histórias são relacionadas, sem o estabelecimento de um protagonista principal. d) simboliza as relações de poder da classe burguesa emergente e o seu desejo de controlar a conduta ética da sociedade. 677

FRENTE B  Exercícios de Aprofundamento

IV.


FRENTE

C


PORTUGUÊS Por falar nisso O gênero lírico surgiu, juntamente aos gêneros épico e dramático, na Grécia Antiga. O primeiro crítico literário a identificar, classificar e descrever tais gêneros foi o filósofo grego Aristóteles. Na obra Poética, o estagirista elegeu obras e poetas, inaugurando o primeiro cânone literário da história do Ocidente. A palavra “lírico” vem de “lira”, um instrumento de cordas dedilhadas, muito comum aos cidadãos da Grécia no período Clássico. Nesse sentido, pode-se depreender que a literatura nascera em conjunto com a música. Tratava-se, pois, de artes indissociáveis, cujas origens eram comuns. No entanto, com o advento da modernidade histórica no Ocidente, essas artes se dissociaram, de modo que a literatura, em especial a poesia, passou a se desenvolver separadamente da música. Embora sem acompanhamento musical, a poesia ainda é marcada por algumas características musicais, como o ritmo e a rima. Nas próximas aulas, estudaremos os seguintes temas

C09 C10 C11 C12

Paráfrase e paródia ....................................................................... 680 Texto literário e não literário ........................................................ 686 Poesia I: o sujeito lírico ................................................................ 692 Poesia II: letra de música ................................................................ 698


FRENTE

C

PORTUGUÊS

MÓDULO C09

ASSUNTOS ABORDADOS n Paráfrase e paródia n Intertextualidade n Paráfrase n Paródia

PARÁFRASE E PARÓDIA Intertextualidade O que se conhece hoje por paráfrase e paródia – recursos textuais – são, na verdade, tipos distintos de intertextualidade. Esse assunto foi abordado no primeiro livro desta série, juntamente com outros tipos de recursos discursivos intertextuais. No entanto, nosso foco agora será, exclusivamente, nos dois tipos de intertextualidade apresentados. Assim sendo, antes de entender o que é uma paráfrase e uma paródia, é preciso retomarmos o conceito de intertexto. A intertextualidade pode ser definida como as relações que se estabelecem entre textos. Ela ocorre uma vez que vários autores se baseiam em textos já existentes para escrever seus próprios textos. Trata-se de um excelente recurso discursivo, uma vez que, ao propor-se um diálogo com outro texto, o autor apresenta seu repertório de leitura e elege um cânone formador da sua intelectualidade. É muito importante sempre ter em mente que um texto nunca é totalmente original. Um texto é resultado das informações de vários outros textos, que desencadeiam uma gama de informações complementares, as quais, adjuntas ao processo de escrita, formam um novo texto.

Paráfrase A paráfrase caracteriza-se como uma reafirmação de um tema já trabalhado por outro autor. Apesar de serem utilizadas palavras diferentes, estruturas e estilos distintos, as ideias transmitidas no texto original são conservadas, não havendo mudança na temática principal. Trata-se de reproduzir uma mesma ideia com palavras diferentes. Com esse tipo de recurso, você amplia o conteúdo original do texto, ratificando-o por um viés formal diferente. Vários escritores, entre eles jornalistas e literatos, valem-se desse recurso para compor suas obras. Um exemplo interessante de paráfrase são os arquétipos literários. Um arquétipo é um modelo de narrativa que, devido à sua fama, consagrou-se como um enredo célebre a ser retomado por diversos escritores. É o caso de Otelo, de William Shakespeare. O enredo dessa peça teatral foi adaptado pelo escritor Machado de Assis para compor a obra Dom Casmurro.

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Linguagens, Códigos e suas Tecnologias

Embora o enredo das duas obras seja bastante semelhante – um triângulo amoroso com a suspeita de um adultério –, Machado de Assis conseguiu, por meio de sua fina ironia, trazer um outro elemento para o arquétipo shakespeariano: a dúvida, resultado da ambiguidade discursiva do texto machadiano. Mas não só o bruxo do Cosme Velho se valeu de Shakespeare para escrever suas obras. Depois, assista ao filme O Rei Leão e perceba como o enredo se assemelha a outro texto de Shakespeare; nesse caso, Hamlet.

O Rei Leão é o 32º longa-metragem animado produzido pela Studios. Foi dirigido por Roger Allers e Rob Minkoff, com roteiro creditado a Linda Woolverton, Irene Mecchi e Jonathan Roberts, e música de Elton John com letras de Tim Rice. O filme narra a história do jovem leão Simba (Matthew Broderick), que se sente culpado pelo assassinato do seu pai, o rei Mufasa (James Earl Jones), e foge do seu reino, sem saber que a morte foi orquestrada pelo seu tio Scar (Jeremy Irons) para tomar o poder.

Fonte: Wikimedia Commons

SAIBA MAIS

Exemplo de paráfrase Texto Original Minha terra tem palmeiras Onde canta o sabiá, As aves que aqui gorjeiam Não gorjeiam como lá. (Gonçalves Dias, “Canção do exílio”).

Paráfrase Meus olhos brasileiros se fecham saudosos Minha boca procura a ‘Canção do Exílio’. Como era mesmo a ‘Canção do Exílio’? Eu tão esquecido de minha terra... Ai terra que tem palmeiras Onde canta o sabiá! (Carlos Drummond de Andrade, “Europa, França e Bahia”).

Paródia C09  Paráfrase e paródia

A paródia caracteriza-se como uma subversão de um tema já trabalhado por outro autor. Ocorre um rompimento com o que foi dito anteriormente, havendo uma clara alteração da abordagem. A paródia é majoritariamente utilizada com finalidade jocosa e satírica. Dessa maneira, sendo engraçada e crítica, promove não só um momento de fruição, mas também de reflexão. Assim, trata-se de uma forma de contestar ou ridicularizar outros textos, já que há uma ruptura com as ideologias impostas e, por isso, é objeto de interesse para os estudiosos da língua e das artes. 681


Português

Ocorre, nesse recurso, um choque de interpretação. A voz do texto original é retomada para transformar seu sentido e, assim, leva o leitor a uma reflexão crítica de suas verdades incontestadas anteriormente. Com esse processo, há uma indagação sobre os dogmas estabelecidos e uma busca pela verdade real, concebida por meio do raciocínio e da crítica. Os programas humorísticos fazem uso contínuo dessa arte. Frequentemente, os discursos de políticos são abordados de maneira cômica e contestadora, provocando risos e também reflexão a respeito da demagogia praticada pela classe dominante. Com o mesmo texto utilizado anteriormente, teremos, agora, uma paródia. Exemplos de paródia: Texto Original Minha terra tem palmeiras Onde canta o sabiá, As aves que aqui gorjeiam Não gorjeiam como lá. (Gonçalves Dias, “Canção do exílio”).

Paródia Minha terra tem palmares onde gorjeia o mar

!

ATENÇÃO!

C09  Paráfrase e paródia

Paráfrase e paródia não são formas de plágio. São formas de intertextualidade legais e dependentes da criação do seu autor. Já o plágio é um tipo de intertextualidade ilegal, caracterizada por haver cópia e uso indevido de um texto alheio, sem processo de criação envolvido.

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os passarinhos daqui não cantam como os de lá. (Oswald de Andrade, “Canto de regresso à pátria”).

Perceba que nesta segunda imagem também é feita uma paródia. No entanto, o discurso apresentado dá-se por meio de elementos artístico-visuais, sem o uso de palavras. Trata-se de uma paródia não verbal. Nesse sentido, pode-se perceber que o autor da imagem baixo está dialogando com a obra do pintor surrealista Salvador Dalí, cujo título é A persistência da memória.


Linguagens, Códigos e suas Tecnologias

Exercícios de Fixação 01. (UnB DF) 1 O banquete tinha tanta importância quanto a vida 2 dos salões no século XVIII e mesmo quanto a corte do 3 Ancien Régime. Os imperadores não tinham corte; viviam em 4 seu palácio, na colina do Platino, à maneira dos nobres de 5 Roma em suas mansões, cercados de escravos e libertos, mas, 6 caída a noite, jantavam com seus convidados, que eram 7 senadores ou simples cidadãos cuja companhia apreciavam. Paul Veyne. O Império Romano. In: Philippe Ariès; Georges Duby. História da vida privada: do império romano ao ano mil. 2.ª ed. Trad.: Hildegard Feist. São Paulo: Companhia das Letras, 2010, p. 181 (com adaptações).

Considerando o fragmento de texto e as obras reproduzidas acima, julgue os itens seguintes.

C-E-E-E-C-C-C-C-C-C

( ) No primeiro período do texto, o verbo está elíptico nas duas orações subordinadas, as quais estabelecem relação de comparação com a oração que inicia o período. ( ) Com as devidas alterações de letra inicial minúscula e maiúscula, a expressão “no século XVIII” (R.2), poderia iniciar, desde que seguida de virgula, o primeiro período do texto, sem que se alterasse o sentido do texto. ( ) Dada a ausência de virgula após o vocábulo “cidadãos” (Ref.7), depreende-se que qualquer cidadão poderia ser convocado aleatoriamente para jantar com um imperador romano, estratégia que aliviava a solidão dos monarcas. ( ) Na obra O Banquete dos Oficiais da Milícia de São Jorge, Frans Hals, pintor renascentista, representou o espírito solene dos banquetes promovidos para homenagear oficiais das milícias. ( ) A obra O Banquete de Cleópatra, de Tiepolo, apresenta características do estilo barroco. ( ) Na acepção em que foi empregado, o adjetivo “sim-

Diego Velázquez. O triunfo de Baco, 1629, óleo sobre tela, 165 cm × 225 cm, Museu do Prado, Madri.

ples” (Ref.7) não poderia estar posposto ao substantivo que ele modifica, tal como se verifica na colocação do adjetivo grande na expressão grande homem. ( ) O estudo sobre a comensalidade daqueles que exercem o poder é importante do ponto de vista político, uma vez que ela está relacionada a momentos de exibição de riqueza e de reforço dos laços de amizade e fidelidade. ( ) Estudos arqueológicos demonstraram que as habitações da aristocracia romana eram dotadas de sistemas

Frans Hals. O banquete dos oficiais da Milícia de São Jorge, 1627, óleo sobre tela, 179 cm × 257,5 cm, Museu Frans Hals, Amsterdã.

de abastecimento de água, de captação de águas pluviais e de escoamento de águas residuais. ( ) Artistas plásticos, como, por exemplo, Rubens, foram responsáveis pela decoração, em estilo barroco, de alguns salões de banquete do século XVIII. ( ) Na obra O Triunfo de Baco, de Velázquez, a luz clara destaca Baco, deus do vinho, dos demais personaqual também está presente o jogo de claro e escuro, por ser uma das características das artes plásticas no período Barroco.

Giambattista Tiepolo. O banquete de Cleópatra, 1743, óleo sobre tela, 250,3 cm × 357 cm, Galeria Nacional de Victória, Austrália.

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C09  Paráfrase e paródia

gens, recurso que remete à pintura de Caravaggio, na


ora-

s ad-

Português

vida, ar e seu

Exercícios Complementares

sem anto

01. (UFMG) Assinale a alternativa em que o trecho transcrito NÃO apresenta a descrição de um espaço narrativo. a) Esta terra, Senhor, me parece que da ponta que mais contra o sul vimos, até outra ponta que contra o norte vem, de que nós deste porto houvemos vista, será tamanha que haverá nela bem 20 ou 25 léguas por costa; traz ao longo do mar, em algumas partes, grandes barreiras delas vermelhas e delas brancas e a terra por cima toda chã e muito cheia de grandes arvoredos. (Carta) b) Cabralhada. Tiba. De boa entrada, ao que me gasturei, no vendo. Aqueles eram mais de cento e meio, sofreúdos, que todos curtidos no jagunçar, rafameia, mera gente. Azombado, que primeiro até fiquei, mas daí quis assuntação, achei, a meu cômodo. Assim, isto é, me acostumei com meio-só meu coração, naquele arranchamento. (Grande sertão: veredas) c) O zaino galopava e Rodrigo aspirava com força o ar, que cheirava a capim e distância. Quero-queros voaram, perto, guinchando. Longe, uma avestruz corria, descendo uma coxilha. O capitão começou a gritar um grito sincopado e estrídulo, bem como faziam os carreiristas no auge da corrida. (Um certo capitão Rodrigo) d) Chovia a cântaros. Os medonhos trovões do Amazonas atroavam os ares; de minuto em minuto relâmpagos rasgavam o céu. O rapaz corria. Os galhos úmidos das árvores batiam-lhe no rosto. Os seus pés enterravam-se nas folhas molhadas que tapetavam o solo. De quando em quando, ouvia o ruído da queda das árvores feridas pelo raio ou derrubadas pelo vento, e cada vez mais perto o uivo de uma onça faminta. (Contos amazônicos) 02. (USS RJ) [...]

C09  Paráfrase e paródia

Em diversos países, sair de casa jovem é um rito de passagem natural para a vida adulta. Uma espécie de serviço militar obrigatório para deixar de lado a dependência doméstica e provar que é possível se virar sozinho. Nos Estados Unidos, alguns estudantes preferem morar em alojamentos universitários mesmo quando a casa dos pais está localizada na mesma cidade. Além de [isto] ser encarado como uma forma de aproveitar ainda mais os anos de universidade, há uma certa pressão familiar para que os filhos cortem logo o cordão umbilical com os pais. Nos países de cultura latina, a situação é outra. Uma pesquisa publicada em 1996 na Espanha revelou que, apesar da taxa de desemprego ser o dobro da taxa alemã, boa parte dos jovens desempregados espanhóis viviam melhor do que os sem trabalho da Alemanha porque viviam com os pais.

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No Brasil, as condições econômicas tornam o ato de sair de casa um privilégio. Mas é claro que essa não é a única razão para ver tantos jovens de classe média – muitos deles com mais de 30 anos – protegidos no ninho dos pais. Além das diferenças culturais, há uma certa mentalidade que não estimula a autonomia dos jovens no país. Talvez o traço mais visível dessa mentalidade seja a resistência que os jovens brasileiros têm para aceitar trabalhos considerados “menos nobres”. É incrível como, por aqui, tarefas como trabalhar em fast-foods, servir mesas em restaurantes e carregar malas em hotéis são vistas com menosprezo. Os pais também são culpados disso. Preferem ver os filhos fazendo nada sob suas asas a tê-los exercendo uma atividade “não tão nobre” como primeiro emprego. Em vez de se orgulharem de vê-los batalhando seu espaço no mercado de trabalho, ficam preocupados com o que as outras famílias vão pensar – como se eles não fossem capazes de sustentar sua prole. É bem provável que esse comportamento típico da classe média brasileira seja uma herança da velha mentalidade da casa grande nas antigas fazendas, quando as famílias abastadas preparavam os seus filhos para se tornarem bacharéis e deixavam para os escravos todas as outras tarefas. Sem a disposição para ganhar dinheiro antes de receber um diploma, perde-se a oportunidade de desenvolver o espírito empreendedor e de ganhar autossuficiência para realizar tarefas domésticas. Ironicamente, boa parte dos jovens brasileiros somente ganham essa autonomia quando podem estudar em outro país. Lá fora, trabalhar como baby-sitter e regar plantas para complementar a renda é algo absolutamente normal. É normal no Brasil ver jovens entediados clamando por autonomia sentados no sofá em frente à televisão. Mas como alguém pode ser independente sem ralar um pouco pela própria grana e pelo próprio futuro? (Fernanda C. Massaroto. Revista Superinteressante, agosto de 2001, p.106.)

Abaixo leem-se cinco versões diferentes para a frase tópico do 2º. parágrafo. Aquela que, usada, romperia a coerência deste parágrafo com o anterior é: a) Nos países de cultura latina, contudo, a situação é outra. b) Já nos países de cultura latina, a situação é outra. c) No que concerne aos países de cultura latina, a situação é outra. d) Em suma, nos países de cultura latina, a situação é outra. e) Nos países de cultura latina, a situação é outra, porém. 03. (Unimar SP) Considerando as características do realismo queirosiano é correto afirmar sobre o romance Os Maias de Eça de Queirós:


Linguagens, Códigos e suas Tecnologias

a) O romance associa, de modo exemplar, uma comédia de cos-

Há metafísica bastante em não pensar em nada.

tumes, onde se ironiza a sociedade lisboeta do século XIX e

b) O objetivo do narrador é valorizar o estilo de vida de uma metrópole, tendo como modelo a família Maia; c) O narrador qualifica como positiva a influência das leituras românticas na formação da personalidade dos indivíduos e mostra como Maria Eduarda conseguiu sua felicidade com Carlos Eduardo; d) O narrador critica a morbidez do cotidiano da área rural e as relações sociais entre os Maias e as outras famílias da província portuguesa; e) O objetivo do narrador é valorizar o estilo de vida provinciano e o romantismo da mulher portuguesa do século XIX. 04. (Mackenzie SP) Ia encontrar Basílio no Paraíso pela primeira vez. E estava muito nervosa; (...) Mas ao mesmo tempo uma curiosidade intensa, múltipla, impelia-a, com um estremecimentozinho de prazer. − Ia, enfim, ter ela própria aquela aventura que lera tantas vezes nos romances amorosos! Era uma forma nova do amor que ia experimentar, sensações excepcionais! Havia tudo − a casinha misteriosa, o segredo ilegítimo, todas as palpitações do perigo! Porque o aparato impressionava-a mais que o sentimento; e a casa em si interessava-a, atraía-a mais que Basílio! Como seria? Conhecia o gosto de Basílio, − e o Paraíso decerto era como nos romances de Paulo Féval. A carruagem parou ao pé de uma casa amarelada, com uma portinha pequena. Logo à entrada um cheiro mole e salobro enojou-a. Eça de Queirós – O primo Basílio

Assinale a alternativa correta sobre o texto. a) O narrador de primeira pessoa confunde-se, no discurso indireto, com a personagem, configurando um quadro com fortes marcas de subjetividade. b) O narrador-observador interrompe o fluxo dissertativo para tecer comentários críticos a respeito do caráter da personagem. c) A linguagem do texto, marcada pela recorrência de exclamações, revela o envolvimento emotivo do narrador-personagem com o fato narrado. d) O narrador onisciente, por meio do discurso indireto livre, revela os desejos e as inquietações que povoam o imaginário da personagem. e) O predomínio do discurso direto é estratégia do narrador-observador para que o leitor conheça os devaneios amorosos da personagem. 05. (Unimar SP) Leia o fragmento abaixo: O guardador de rebanho (V)

O que penso eu do mundo? Sei lá o que penso do mundo! Se eu adoecesse pensaria nisso. Que ideia tenho eu das cousas? Que opinião tenho sobre as causas e os efeitos? Que tenho eu meditado sobre Deus e a alma E sobre criação do Mundo? Não sei. Para mim pensar nisso é fechar os olhos E não pensar. É fechar as cortinas Da minha janela ( mas ela não tem cortina). Metafísica? Que metafísica têm aquelas árvores? A de serem verdes e copadas e de terem ramos E a de dar fruto na sua hora, o que não nos faz pensar. Dentre as características que se apontam no fragmento do poema acima, qual a que não condiz com ele? a) Retrata o mundo do real-sensível ( ou real-objeto). b) Deve-se considerar como tudo aquilo que existe. c) O que existe pode ser percebido através dos sentidos d) Possui a mesma lógica da ordem natural das coisas. e) Pressente que existe uma força maior, uma entidade implacável a que todos obedecemos. 06. (Unice CE) O ___________ foi um movimento espiritual que constituiu a base ideológica do Renascimento europeu. Caracterizou-se pela redescoberta e revalorização do patrimônio cultural da antiguidade greco-latina e também pela tentativa de solucionar os grandes problemas do homem a partir de uma reinterpretação da civilização cristã. Este movimento foi favorecido pelo contributo dos Árabes, através de Espanha e pela vinda para a Itália dos representantes culturais emigrados de Bizâncio, profundos conhecedores do mundo grego. A revitalização do mundo clássico ganhou corpo como uma atitude filosófico-científica a partir do tratamento esmerado das fontes literárias, seguido de uma imitação selectiva e crítica dos clássicos. Paralelamente desenvolveram-se tentativas para libertar o indivíduo das rígidas normas do cristianismo medieval, acompanhadas de um novo interesse pela natureza e pela afirmação do eu como centro coordenador do Universo. O ___________ favoreceu, em sentido amplo, o desenvolvimento de uma atitude científica livre de directrizes teológicas, que estimulou todas as áreas do pensamento. a) Humanismo b) Iluminismo c) Modernismo d) Ilusionismo e) Expressionismo

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C09  Paráfrase e paródia

o drama do incesto, entre os irmãos Carlos Eduardo e Maria Eduarda, que irá atingir e separar para sempre a família Maia;


FRENTE

C

PORTUGUÊS

MÓDULO C10

ASSUNTOS ABORDADOS n Texto literário e não literário n Quadro-resumo n Texto literário n Texto não literário

TEXTO LITERÁRIO E NÃO LITERÁRIO Partindo do conceito de texto como sendo um conjunto de palavras que formam um sentido relacionado a um contexto, podemos dividir os textos em dois grandes grupos: os literários e os não literários. Mas você já se perguntou por que razão fazemos essa distinção? Para estudar os tipos de textos existentes em nossa sociedade, é importante compreender como podemos usá-los, a fim de tornar nossa comunicação mais clara e aproveitarmos melhor a variedade de textos que temos a nosso dispor. Para isso, foi feita a distribuição dos textos por esses dois grupos. Isso equivale a dizer que a maioria dos textos que existem podem ser colocados em um desses grupos. Os textos literários são aqueles que apresentam função estética, destinam-se ao entretenimento, ao belo, à arte, à ficção. Já os não literários são os textos com função utilitária, pois servem para informar, convencer, explicar, ordenar etc. Entre as diferenças do texto literário e do não literário, estão a forma de linguagem e a apresentação da informação. O texto literário é apresentado em uma linguagem pessoal, envolta em emoção, emprego de lirismo e valores do autor ou do ser (ou objeto) retratado. Já o texto não literário tem como marca a linguagem referencial e, por isso, também é chamado de texto utilitário. Em resumo, o texto literário é destinado à expressão, com a realidade demonstrada de maneira poética, podendo haver subjetividade. O texto não literário, contudo, é marcado pelo retrato da realidade desnuda e crua. É possível tratar sobre o mesmo assunto nas duas formas de texto e apontar o tema ao receptor sem prejuízo da informação. Contudo, as principais diferenças entre os textos literários e não literários estão em seu objetivo e no modo como são construídos. Os textos literários são narrativos e poéticos, sendo que sua principal função é entreter. Por sua vez, os textos não literários são aqueles cujo principal objetivo é transmitir informações e eles não contêm os mesmos elementos narrativos e artísticos dos textos literários.

Quadro-resumo

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Texto literário

Texto não literário

A linguagem empregada é de conteúdo pessoal, cheia de emoções e valores do emissor, havendo o emprego de subjetividade.

Uso da linguagem impessoal, objetiva e culmina na expressão de uma ideia clara e concisa, visando ao público leitor específico.

Uso da linguagem multidisciplinar e cheia de conotações.

Emprego da linguagem denotativa, isto é, cujo sentido não contrasta com o do dicionário.

Linguagem poética, lírica, expressada com objetivos estéticos na recriação da realidade ou criação de uma realidade intangível, somente literária.

Representação da realidade tangível, tal qual os acontecimentos da vida cotidiana. Trata-se da exposição dos fatos e de opiniões, sem recriá-los num contexto poético.

Primor da expressão.

Atenção, prioridade à informação.


Linguagens, Códigos e suas Tecnologias

Nada melhor do que ler um texto literário para entender o que ele realmente significa. Para isso, leia a seguir o capítulo XXXIII da obra Dom Casmurro, de Machado de Assis, publicada em 1899 no Rio de Janeiro. O episódio do qual trata o capítulo é o primeiro beijo dos protagonistas Bentinho e Capitu. Capítulo XXXIII – O penteado Capitu deu-me as costas, voltando-se para o espelhinho. Peguei-lhe dos cabelos, colhi-os todos e entrei a alisá-los com o pente, desde a testa até as últimas pontas, que lhe desciam à cintura. Em pé não dava jeito: não esquecestes que ela era um nadinha mais alta que eu, mas ainda que fosse da mesma altura. Pedi-lhe que se sentasse. — Senta aqui, é melhor.

Fonte: Wikimedia Commons

Sentou-se. Vamos ver o grande cabeleireiro, disse-me rindo. Continuei a alisar os cabelos, com muito cuidado, e dividi-os em duas porções iguais, para compor as duas tranças. Não as fiz logo, nem assim depressa, como podem supor os cabeleireiros de ofício, mas devagar, devagarinho, saboreando pelo tato aqueles fios grossos, que eram parte dela. O trabalho era atrapalhado, às vezes por desazo, outras de propósito para desfazer o feito e refazê-lo. Os dedos roçavam na nuca da pequena ou nas espáduas vestidas de chita, e a sensação era um deleite. Mas, enfim, os cabelos iam acabando, por mais que eu os quisesse intermináveis. Não pedi ao Céu que eles fossem tão longos como os da Aurora, porque não conhecia ainda esta divindade que os velhos poetas me apresentaram depois; mas, desejei penteá-los por todos os séculos dos séculos, tecer duas tranças que pudessem envolver o infinito por um número inominável de vezes. Se isto vos parecer enfático, desgraçado leitor, é que nunca penteastes uma pequena, nunca pusestes as mãos adolescentes na jovem cabeça de uma ninfa... Uma ninfa! Todo eu estou mitológico. Ainda há pouco, falando dos

seus olhos de ressaca, cheguei a escrever Tétis; risquei Tétis, risquemos ninfa; digamos somente uma criatura amada, palavra que envolve todas as potências cristãs e pagãs. Enfim, acabei as duas tranças. Onde estava a fita para atar-lhes as pontas? Em cima da mesa, um triste pedaço de fita enxovalhada. Juntei as pontas das tranças, uni-as por um laço, retoquei a obra alargando aqui, achatando ali, até que exclamei: — Pronto! — Estará bom? — Veja no espelho. Em vez de ir ao espelho, que pensais que fez Capitu? Não vos esqueçais que estava sentada, de costas para mim. Capitu derreou a cabeça, a tal ponto que me foi preciso acudir com as mãos e ampará-la; o espaldar da cadeira era baixo. Inclinei-me depois sobre ela, rosto a rosto, mas trocados, os olhos de uma na linha da boca do outro. Pedi-lhe que levantasse a cabeça, podia ficar tonta, machucar o pescoço. Cheguei a dizer-lhe que estava feia; mas nem esta razão a moveu. — Levanta, Capitu! Não quis, não levantou a cabeça, e ficamos assim a olhar um para o outro, até que ela abrochou os lábios, eu desci os meus, e... Grande foi a sensação do beijo; Capitu ergueu-se, rápida, eu recuei até à parede com uma espécie de vertigem, sem fala, os olhos escuros. Quando eles me clarearam, vi que Capitu tinha os seus no chão. Não me atrevi a dizer nada; ainda que quisesse, faltava-me língua. Preso, atordoado, não achava gesto nem ímpeto que me descolasse da parede e me atirasse a ela com mil palavras cálidas e mimosas... Não mofes dos meus quinze anos, leitor precoce. Com dezessete, Des Grieux (e mais era Des Grieux) não pensava ainda na diferença dos sexos. (ASSIS, Machado J. M. Dom Casmurro. 1899) Figura 01 - Cena da minissérie “Capitu”, inspirada na obra “Dom Casmurro”

C10  Texto literário e não literário

Texto literário

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Português

Texto não literário Para exemplificar um tipo de texto não literário, é preciso esclarecer antes que a linguagem literária contrasta com a não literária pelo simples fato de aquela ser mais duradoura. A linguagem não literária é a forma de escrita do cotidiano, sendo representada claramente por notícias e editoriais de jornais e revistas. Nesse sentido, é um texto que tem pouca duração no âmbito social. Leia então a notícia a seguir: Incertezas políticas e greve reduzem projeção de crescimento do Brasil a 1,8% em 2018, diz FMI. As incertezas políticas e os prolongados efeitos da greve dos caminhoneiros levaram o Fundo Monetário Internacional (FMI) a reduzir com força a projeção de crescimento do Brasil em 2018, deixando a perspectiva para o País bem aquém da expectativa esperada para os mercados emergentes. O FMI cortou em 0,5 ponto percentual sua estimativa para o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil neste ano, a 1,8 por cento, de acordo com a atualização de seu relatório “Perspectiva Econômica Mundial”, publicado nesta segunda-feira (16). Para 2019, o FMI manteve a projeção feita em abril, de expansão de 2,5 por cento. “Embora preços mais altos de commodities continuem a dar suporte a exportadores de commodities na região, o cenário fraco comparado com o mês de abril reflete mais perspectivas difíceis para economias importantes”, apontou o FMI, citando especificamente para o Brasil a greve e a incerteza política. A revisão para baixo promovida pelo FMI acompanha reduções feitas pelo próprio governo, Banco Central e economistas em geral, mas ainda é melhor do que o cenário visto dentro do País. O Ministério da Fazenda chegou a falar em crescimento de 3 por cento neste ano, mas agora calcula expansão de 1,6 por cento, mesmo cenário do BC. A Pesquisa Focus, juntamente com especialistas, aponta expectativa de expansão do PIB em 2018 de 1,5 por cento, projeção que vem sendo reduzida constantemente ainda em meio às incertezas que rondam o País poucos meses antes da eleição presidencial de outubro. O impacto da paralisação dos caminhoneiros no final de maio ficou claro no resultado do Índice de Atividade Econômica do Banco Central (IBC-Br), espécie de sinalizador do PIB, que no referido mês registrou a pior leitura mensal na série histórica iniciada em 2003 ao recuar 3,34 por cento. Com isso, o Brasil fica bem atrás se comparado com as expectativas para as economias emergentes e em desenvolvimento como um todo. O FMI calcula crescimento de 4,9 por cento este ano para o grupo e de 5,1 por cento em 2019, inalterado ante o relatório de abril.

C10  Texto literário e não literário

Para a América Latina e o Caribe, entretanto, as contas foram reduzidas à expansão de 1,6 por cento este ano e 2,6 por cento no próximo, contra, respectivamente, 2 e 2,8 por cento. “O crescimento está se tornando mais desigual entre economias emergentes e em desenvolvimento, refletindo as influências combinadas de alta dos preços do petróleo, rendimentos mais altos nos Estados Unidos, mudanças de sentimento após a intensificação das tensões comerciais e incertezas políticas domésticas”, explicou o FMI. O FMI destacou que muitos desses países precisam melhorar a resiliência através de uma combinação de políticas fiscal, monetária e cambial para reduzir a vulnerabilidade ao aperto das condições financeiras globais e fortes movimentos cambiais, além das reversões dos fluxos cambiais. 688


Linguagens, Códigos e suas Tecnologias

Exercícios de Fixação

ITURRUSGARAI, A. La Vie en Rose. Folha de S.Paulo, 11 ago. 2007.

Os quadrinhos exemplificam que as Histórias em Quadrinhos constituem um gênero textual a) em que a imagem pouco contribui para facilitar a interpretação da mensagem contida no texto, como pode ser constatado no primeiro quadrinho. b) cuja linguagem se caracteriza por ser rápida e clara, que facilita a compreensão, como se percebe na fala do segundo quadrinho: “</DIV> </SPAN> <BR CLEAR = ALL> < BR> <BR> <SCRIPT>”. c) em que o uso de letras com espessuras diversas está ligado a sentimentos expressos pelos personagens, como pode ser percebido no último quadrinho. d) que possui em seu texto escrito características próximas a uma conversação face a face, como pode ser percebido no segundo quadrinho. e) que a localização casual dos balões nos quadrinhos expressa com clareza a sucessão cronológica da história, como pode ser percebido no segundo quadrinho. 02. (Enem MEC) Diferentemente do texto escrito, que em geral compele os leitores a lerem numa onda linear – da esquerda para a direita e de cima para baixo, na página impressa – hipertextos encorajam os leitores a moverem-se de um bloco de texto a outro, rapidamente e não sequencialmente. Considerando que o hipertexto oferece uma multiplicidade de caminhos a seguir, podendo ainda o leitor incorporar seus caminhos e suas decisões como novos caminhos, inserindo informações novas, o leitor-navegador passa a ter um papel mais ativo e uma oportunidade diferente da de um leitor de texto impresso. Dificilmente dois leitores de hipertextos farão os mesmos caminhos e tomarão as mesmas decisões. MARCUSCHI, L. A. Cognição, linguagem e práticas interacionais. Rio: Lucerna, 2007.

No que diz respeito à relação entre o hipertexto e o conhecimento por ele produzido, o texto apresentado deixa claro que o hipertexto muda a noção tradicional de autoria, porque a) é o leitor que constrói a versão final do texto. b) o autor detém o controle absoluto do que escreve. c) aclara os limites entre o leitor e o autor. d) propicia um evento textual-interativo em que apenas o autor é ativo. e) só o autor conhece o que eletronicamente se dispõe para o leitor.

03. (Enem MEC) Concordo plenamente com o artigo “Revolucione a sala de aula”. É preciso que valorizemos o ser humano, seja ele estudante, seja professor. Acredito na importância de aprender a respeitar nossos limites e superá-los, quando possível, o que será mais fácil se pudermos desenvolver a capacidade de relacionamento em sala de aula. Como arquiteta, concordo com a postura de valorização do indivíduo, em qualquer situação: se procurarmos uma relação de respeito e colaboração, seguramente estaremos criando a base sólida de uma vida melhor. Tania Bertoluci de Souza Porto Alegre, RS Disponível em: <:http://www.kanitz.com.br/veja/cartas.htm>. Acesso em: 2 maio 2009 (com adaptações).

Em uma sociedade letrada como a nossa, são construídos textos diversos para dar conta das necessidades cotidianas de comunicação. Assim, para utilizar-se de algum gênero textual, é preciso que conheçamos os seus elementos. A carta de leitor é um gênero textual que a) apresenta sua estrutura por parágrafos, organizado pela tipologia da ordem da injunção (comando) e estilo de linguagem com alto grau de formalidade. b) se inscreve em uma categoria cujo objetivo é o de descrever os assuntos e temas que circularam nos jornais e revistas do país semanalmente. c) se organiza por uma estrutura de elementos bastante flexível em que o locutor encaminha a ampliação dos temas tratados para o veículo de comunicação. d) se constitui por um estilo caracterizado pelo uso da variedade não-padrão da língua e tema construído por fatos políticos. e) se organiza em torno de um tema, de um estilo e em forma de paragrafação, representando, em conjunto, as ideias e opiniões de locutores que interagem diretamente com o veículo de comunicação. 04. (Enem MEC) Em Touro Indomável, que a cinemateca lança nesta semana nos estados de São Paulo e Rio de Janeiro, a dor maior e a violência verdadeira vêm dos demônios de La Motta — que fizeram dele tanto um astro no ringue como um homem fadado à destruição. Dirigida como um senso vertiginoso do destino de seu personagem, essa obra-prima de Martin Scorcese é daqueles filmes que falam à perfeição de seu tema (o boxe) para então transcendê-lo e tratar do que importa: aquilo que faz dos seres humanos apenas isso mesmo, humanos e tremendamente imperfeitos. Revista Veja. 18 fev. 2009 (adaptado).

Ao escolher este gênero textual, o produtor do texto objetivou a) construir uma apreciação irônica do filme. b) evidenciar argumentos contrários ao filme de Scorcese. c) elaborar uma narrativa com descrição de tipos literários. d) apresentar ao leitor um painel da obra e se posicionar criticamente. e) afirmar que o filme transcende o seu objetivo inicial e, por isso, perde sua qualidade.

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C10  Texto literário e não literário

01. (Enem MEC) La Vie en Rose


NDE

Português

um ários urídielhor física e de

Exercícios Complementares 01. (UFG GO)

voluptuosidade errante do calor mil presentes da vida aos homens indiferentes, que meu coração bateu forte, meus olhos inúteis choraram.

adas

O mar batia em meu peito, já não batia no cais. A rua acabou, quede as árvores? a cidade sou eu a cidade sou eu sou eu a cidade meu amor. 20

Carlos Drummond de Andrade Moriconi, Italo (org.). Os cem melhores poemas brasileiros do século. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001.

BUSCATO, Marcela. Época. São Paulo: Editora Globo, n. 487, set. 2007. p. 17.

A referência espacial sugerida no título é recuperada com base a) na posição enunciativa do leitor. b) nas informações não-verbais. c) no conteúdo do texto. d) nas expressões indicadoras de lugar. e) no espaço de circulação do texto. 02. (Uerj RJ) Coração numeroso Foi no Rio. Eu passava na Avenida quase meia-noite. Bicos de seio batiam nos bicos de luz estrelas inumeráveis. Havia a promessa do mar 5 e bondes tilintavam, abafando o calor que soprava no vento e o vento vinha de Minas. C10  Texto literário e não literário

Meus paralíticos sonhos desgosto de viver (a vida para mim é vontade de morrer) faziam de mim homem-realejo imperturbavelmente na Galeria Cruzeiro quente quente e como não conhecia ninguém a não ser o doce vento mineiro, nenhuma vontade de beber, eu disse: Acabemos com isso.

O discurso poético se caracteriza pelo uso de recursos que abrem ao leitor a possibilidade de múltiplas interpretações. A dupla possibilidade de leitura de uma mesma palavra é o recurso que provoca essa multiplicidade em: a) Eu passava na Avenida quase meia-noite.” (v. 2) b) Bicos de seio batiam nos bicos de luz estrelas inumeráveis.” (v. 3) c) Meus paralíticos sonhos desgosto de viver” (v. 9) d) na Galeria Cruzeiro quente quente” (v. 12) 03. (Fuvest SP) Há muitas, quase infinitas maneiras de ouvir música. Entretanto, as três mais frequentes distinguem-se pela tendência que em cada uma delas se torna dominante: ouvir com o corpo, ouvir emotivamente, ouvir intelectualmente. Ouvir com o corpo é empregar no ato da escuta não apenas os ouvidos, mas a pele toda, que também vibra ao contato com o dado sonoro: é sentir em estado bruto. É bastante frequente, nesse estágio da escuta, que haja um impulso em direção ao ato de dançar. Ouvir emotivamente, no fundo, não deixa de ser ouvir mais a si mesmo que propriamente a música. É usar da música a fim de que ela desperte ou reforce algo já latente em nós mesmos. Sai-se da sensação bruta e entra-se no campo dos sentimentos. Ouvir intelectualmente é dar-se conta de que a música tem, como base, estrutura e forma. Referir-se à música a partir dessa perspectiva seria atentar para a materialidade de seu discurso: o que ele comporta, como seus elementos se estruturam, qual a forma alcançada nesse processo. Adaptado de J. Jota de Moraes, O que é música.

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15 Mas tremia na cidade uma fascinação casas compridas autos abertos correndo caminho do mar

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Nesse texto, o primeiro parágrafo e o conjunto dos demais articulam-se de modo a constituir, respectivamente, a) uma proposição e seu esclarecimento. b) um tema e suas variações. c) uma premissa e suas contradições. d) uma declaração e sua atenuação. e) um paradoxo e sua superação.


Linguagens, Códigos e suas Tecnologias

04. (UFCG PB) Será? Aqueles que procuram os Serviços de Atendimento ao Consumidor percebem, de imediato, que entraram num jogo de resistência. Lançados de um lado para outro, repassados de atendente em atendente, obrigados a escutar mensagens publicitárias e a perder tempo ouvindo música, dão-se por felizes quando a ligação não cai. Mas eis que o Chefe da Nação, em pessoa, parece vir em socorro da distinta freguesia. (...) Decidiu o governo, numa canetada, que tais serviços têm de ser gratuitos, têm de funcionar, ininterruptamente, 24 horas por dia, e têm, ainda, de promover o contato imediato com um atendente. E o que é mais importante: as reclamações têm de ser resolvidas em até cinco dias. Não custa lembrar que os setores sob regulamentação do poder público originam o maior número de queixas dos consumidores. São os serviços de telefonia, de água, energia elétrica e transporte aéreo. São, também, os bancos e os planos de saúde. Em suma, são empresas e empreendimentos sob acompanhamento direto do Governo. Se falham, é porque a fiscalização tem sido igualmente falha. Fica, então, a dúvida: será que vai dar certo? Nossa tradição não recomenda a plenitude da boa fé no controle governamental das ações e serviços públicos, sobretudo quando feito por decreto. Aqui, as leis já são muitas e já são duras. Mas lembram a velha piada do Inferno Brasileiro: aquele em cuja porta almas penadas fazem filas quilométricas, enquanto o Inferno Americano e o Europeu, com leis mais brandas, jazem vazios. Por quê? Resposta: porque, no daqui, o diabo não costuma dar expediente. (Jornal da Paraíba, 2/08/2008, p.6)

O texto pode ser classificado como a) artigo de opinião, tendo em vista que o autor argumenta em favor de sua não confiança nas ações do governo. b) exposição de motivos sobre a necessidade de se controlar os Serviços de Atendimento ao Consumidor (SAC). c) carta aberta à comunidade, visto que argumenta junto ao público contra os SAC. d) notícia que relata os aborrecimentos dos consumidores e o decreto presidencial. e) editorial, tendo em vista que expressa a opinião da equipe do jornal sobre os SAC e o controle pelo qual devem passar.

tipos de hormônios e neurotransmissores no organismo. A produção dessas 10substâncias é controlada pelo sistema endócrino, que funciona de acordo com o perfil genético de cada ser humano. Ela sustenta que há, basicamente, quatro tipos de personalidade. Indivíduos com predominância de dopamina seriam os exploradores; de serotonina, os construtores; de 15estrógeno, os negociadores; e de testosterona, os diretores. “Todos nós somos uma combinação dos quatro tipos, mas um deles se expressa com mais destaque em nossa personalidade”, disse Helen a VEJA. Para chegar a esses quatro perfis humanos, a psicóloga submeteu um questionário 20baseado em sua teoria a assinantes da agência americana de namoro pela internet Chemistry.com. Após avaliar 20.000 respostas, ela concluiu que os negociadores, com altos níveis de estrógeno, se sentem mais atraídos pelos diretores, ricos em testosterona. Já os exploradores e construtores sentem 25mais desejo por pessoas do seu próprio grupo. (....) Lima, R. Abreu .www.revistaveja.com.br, 21/05/08.

Quanto ao gênero do texto pode-se afirmar que a) por ser um artigo de opinião, há apenas sequências tipológicas argumentativas. b) por se tratar de uma reportagem, a autora utilizou-se de sequências expositivas e narrativas. c) por ser uma notícia, há a predominância de sequências narrativas e injuntivas. d) é uma reportagem, por predominar sequências argumentativas e injuntivas. e) é um artigo de opinião, por apresentar sequências expositivas. 06. (Enem MEC) A maratona é a mais longa, difícil e emocionante prova olímpica. Desde 1924, seu percurso é de 42,195 km. Tudo começou no ano de 490 a.C., quando os soldados gregos e persas travaram uma batalha que se desenrolou entre a cidade de Maratona e o mar Egeu. A luta estava difícil para os gregos. Comandados por Dario, os persas avançavam seu exército em direção a Maratona. Milcíades, o comandante grego, chamou o soldado Fílcides para pedir reforços. Ele levou o apelo de cidade em cidade até chegar a Atenas, 40 km distante. Com os reforços, os gregos venceram. Milcíades ordenou que Fílcides fosse outra vez a Atenas para informar que tinham vencido a batalha. Quando Fílcides chegou ao seu destino, só teve forças para dizer uma palavra: “Vencemos”. E caiu morto.

TEXTO II A genética da paixão (...) 1 Quanto mais se estudam os genes, mais se atribuem a eles um papel decisivo na escolha de nossos parceiros amorosos. A antropóloga e pesquisadora americana Helen Fisher, da Universidade Rutgers, de Nova Jersey, considerada uma das 5maiores autoridades em comportamento amoroso, avaliza essa teoria e está prestes a lançar um livro sobre ela. Helen relaciona as características de comportamento à predominância de determinados

No texto, de natureza informativa, a) os dois primeiros períodos são dissertativos e os seguintes são narrativos. b) descrição, argumentação e narração estão entrelaçadas nos fatos apresentados. c) os três primeiros períodos são argumentativos e os seguintes são narrativos. d) os segmentos argumentativos e descritivos predominam. e) todos os períodos constituem-se como narrativas.

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C10  Texto literário e não literário

DUARTE, Marcelo. O guia dos curiosos, São Paulo, Companhia das Letras, 1995, p. 197.

05. (UFCG PB)


FRENTE

C

PORTUGUÊS

MÓDULO C11

ASSUNTOS ABORDADOS n Poesia I: o sujeito lírico n O sujeito lírico no Romantismo n Sujeito lírico no Modernismo n Sujeito lírico na contemporaneidade

POESIA I: O SUJEITO LÍRICO A poesia, em especial a poesia lírica, pressupõe a presença de uma voz que enuncia dentro dos versos que compõem o poema. A essa voz dá-se o nome de sujeito lírico. Por muito tempo, praticamente durante toda a tradição literária do Ocidente, o sujeito lírico era coincidente ao sujeito empírico, isto é, o próprio poeta. O que significa que aquilo que estava escrito em determinado poema corresponderia exatamente às emoções que o poeta sentiu. Segundo Friedrich Hegel, filósofo da tradição, o sujeito lírico é a voz do poeta, seus estados de espírito e de ânimo, de maneira que o conteúdo lírico do poema seja a expressão do sujeito empírico. A visão hegeliana vem de uma tradição que identifica a voz que enuncia no poema ao próprio poeta. Tal tradição vem do período da Renascença da cultura greco-romana e do antropocentrismo (o centro da subjetividade é o humano). Nesse sentido, consoante à subjetividade renascentista, a poesia lírica não versa sobre a realidade, ela é o resultado da realidade que causa ânimo no poeta. Friedrich Nietzsche propõe, em contraposição à concepção que identifica o poeta ao sujeito lírico, uma separação entre os sujeitos lírico e empírico e o aparecimento de um “eu” personificado. O sujeito da poesia não é da mesma natureza do homem real. Essa concepção de subjetividade lírica também ganha força na França, principalmente com Charles Baudelaire, que contribuiu para a elaboração de uma poesia impessoal, desligada do poeta: eis a subjetividade simbolista. Trata-se, pois, da ausência de um “eu” no discurso poético (desegotização), uma vez que o eu lírico é um eu criado. O sujeito lírico se define por seu caráter problemático e hipotético, pela dificuldade de identificá-lo. Assim sendo, com a ruptura proposta pela modernidade literária no final do século XIX, pôs-se um fim à coincidência necessária entre sujeito lírico e sujeito empírico. Nesse momento, fica expressa uma tensão dentro da poesia moderna, na qual o sujeito lírico possa se identificar ou não com o poeta. É no poema que o sujeito lírico – que vive num mundo interior mítico – se constitui, mas ele é expressado também pelo ânimo e pelos sentimentos do poeta. Assim, a poesia pode superar o testemunho autobiográfico graças à ficcionalidade alegórica. O sujeito lírico, portanto, não pode ser categorizado de uma forma estável. Ele tem múltiplas máscaras, podendo ou não coincidir com o sujeito empírico.

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Linguagens, Códigos e suas Tecnologias

O sujeito lírico no Romantismo

Sujeito lírico no Modernismo

A noção de sujeito lírico no século XIX, assim como em toda a tradição literária no Ocidente, é marcada pela associação direta entre a voz poética e o próprio poeta. A poesia do Romantismo, movimento literário que no Brasil tem início em 1836 (com a publicação de Suspiros poéticos e saudades, de Gonçalves de Magalhães) e termina em 1882 (com a publicação de Fanfarras, de Teófilo Dias), é dessa maneira entendida como a expressão de um sujeito lírico que se identifica com as emoções do poeta.

Um dos grandes responsáveis pela despersonalização do sujeito lírico é o poeta Charles Baudelaire. Na poética desse autor francês, pode-se perceber como ele se omite em face ao canto de coisas mundanas, inclusive, de objetos e seres que sempre foram rejeitados pela poesia. Mas é, no século XX, com a inauguração do Modernismo literário, que a noção de sujeito lírico se dissocia da imagem do poeta e, no caso da poesia em língua portuguesa, não se pode deixar de citar Fernando Pessoa como inaugurador dessa nova perspectiva poética.

Entre os representantes do Romantismo brasileiro, destaca-se Álvares de Azevedo, poeta da fase ultrarromântica do movimento. A poesia de Álvares é marcada por uma subjetividade intensa e pelo desejo latente pela mulher amada, a qual é sempre inatingível. A musa inspiradora para ele é sempre uma donzela jovem e virgem. E, a fim de manter o status dessa mulher, o poeta nunca alcança a amada em seus poemas, como é o caso deste soneto: Passei ontem a noite junto dela. Do camarote a divisão se erguia

No poema “Autopsicografia”, o trovador português discute acerca da relação entre a associação da dor que o sujeito lírico sente e da dor que o sujeito empírico, o poeta, reverbera. É interessante ressaltar que, embora o autor dissocie o sentimento desses dois sujeitos, ele ainda é capaz de convergir tais sentimentos. Assim sendo, fica instaurada a noção de tensão para a identificação do sujeito lírico com o poeta. Este, como diz Pessoa, é um fingidor. Leia a seguir o poema: Autopsicografia

Apenas entre nós - e eu vivia No doce alento dessa virgem bela...

O poeta é um fingidor. Finge tão completamente

Tanto amor, tanto fogo se revela

Que chega a fingir que é dor

Naqueles olhos negros! Só a via!

A dor que deveras sente.

Música mais do céu, mais harmonia Aspirando nessa alma de donzela!

E os que leem o que escreve, Na dor lida sentem bem,

Como era doce aquele seio arfando!

Não as duas que ele teve,

Nos lábios que sorriso feiticeiro!

Mas só a que eles não têm.

Daquelas horas lembro-me chorando! E assim nas calhas de roda Gira, a entreter a razão,

É sentir todo o seio palpitando...

Esse comboio de corda

Cheio de amores! E dormir solteiro!

Que se chama coração.

(Álvares de Azevedo)

(Fernando Pessoa)

C11  Poesia I: o sujeito lírico

Mas o que é triste e dói ao mundo inteiro

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Português

Sujeito lírico na contemporaneidade A contemporaneidade literária, momento de produção de literatura que compreende desde o fim da Segunda Guerra Mundial até o momento atual, é composta por uma miscelânea de tendências que ora resgatam a tradição, ora rompem com ela. Assim, fica mais evidente ainda a tensão para a identificação do sujeito lírico com o poeta, já que tanto se pode almejar a escrita de poemas como o soneto de Álvares de Azevedo, quanto o poema de Fernando Pessoa. Para ilustrar esse processo da poesia atual, foi elencado o poeta Paulo Henriques Britto. Além de excelente contista, Britto escreveu poemas que, embora sempre em diálogo com a tradição, estão situados na realização contemporânea da literatura brasileira. Desse modo, escreveu ele um soneto, forma típica da tradição, que dialoga com o poema “Autopsicografia” de Pessoa e, por essa paráfrase, reconstrói o raciocínio do poeta português acerca da temática da tensão pela qual passa o sujeito lírico. Leia-o a seguir: OP. CIT., PP. 164-65 “No poema moderno, é sempre nítida Uma tensão entre a necessidade De exprimir-se uma subjetividade Numa personalíssima voz lírica E, de outro lado, a consciência crítica De um sujeito que se inventa e evade, Ao mesmo tempo ressaltando o que há de Falso em si próprio – uma postura cínica Talvez, porém honesta, pois de boaFé o autor desconstrói seu artifício, Desmistifica-se para o ‘leitorIrmão...’” Hm. Pode ser. Mas o Pessoa, Em doze heptassílabos, já disse o Mesmo – não, disse mais – muito melhor.

C11  Poesia I: o sujeito lírico

(Paulo Henriques Britto)

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05.

Linguagens, Códigos e suas Tecnologias

Exercícios de Fixação

Texto comum às questões 02 e 03. Eu moro em Catumbi: mas a desgraça, Que rege minha vida malfadada, Pôs lá no fim da rua do Catete A minha Dulcineia namorada. [...] Ontem tinha chovido... Que desgraça! Eu ia a trote inglês ardendo em chama, Mas lá vai senão quando uma carroça Minhas roupas tafuis encheu de lama... Eu não desanimei. Se Dom Quixote No Rocinante erguendo a larga espada Nunca voltou de medo, eu, mais valente, Fui mesmo sujo ver a namorada... Mas eis que no passar pelo sobrado, Onde habita nas lojas minha bela, Por ver-me tão lodoso ela irritada Bateu-me sobre as ventas a janela... O cavalo ignorante de namoros Entre dentes tomou a bofetada, Arrepia-se, pula, e dá-me um tombo Com pernas para o ar, sobre a calçada... [...] AZEVEDO, Álvares de. Namoro a cavalo. In: Obra completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2000. p. 242-243.

02. (Unievangélica GO) Quanto à metrificação, os versos apresentados são a) endecassílabos c) dodecassílabos b) eneassílabos d) decassílabos 03. (Unievangélica GO) Na composição poética apresentada, a referência ao clássico Dom Quixote a) corrobora o nível de erudição e imodéstia do sujeito poético. b) reitera o caráter burlesco de que o conteúdo dos versos se reveste. c) reforça a intenção do autor de divulgar a literatura brasileira. d) questiona o teor aziago tanto do poema quanto da personagem citada. 04. (Mackenzie SP) 01 Acreditei que se amasse de novo 02 esqueceria outros 03 pelo menos três ou quatro rostos que amei 04 Num delírio de arquivística 05 organizei a memória em alfabetos 06 como quem conta carneiros e amansa 07 no entanto flanco aberto não esqueço 08 e amo em ti os outros rostos 09 10 11 12 13 14

Qual tarde de maio. Como um trunfo escondido na manga carrego comigo tua última carta cortada uma cartada. Não, amor, isto não é literatura Ana Cristina Cesar, “Contagem regressiva”

Assinale a alternativa correta sobre o fragmento do poema “Contagem regressiva”. a) “Contagem regressiva” é um típico poema da Geração de 45, etapa do modernismo da qual Ana Cristina Cesar, assim como Cecília Meireles e João Cabral de Melo Neto, fez parte. b) O vocabulário precioso, o hermetismo e a inventividade sintática revelam ecos neoparnasianos e pós-simbolistas no poema “Contagem regressiva”. c) A temática amorosa de “Contagem regressiva” evidencia o quanto a poesia de Ana Cristina Cesar apoia uma visão conservadora da política e das relações humanas. d) O verso como quem conta carneiros e amansa (verso 06) revela a influência da vanguarda surrealista na poesia de Ana Cristina Cesar. e) “Contagem regressiva” apresenta importantes características da Poesia Marginal, ou Geração Mimeógrafo, tais como a coloquialidade e a temática cotidiana.

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C11  Poesia I: o sujeito lírico

01. (FPS PE) O movimento da produção artística conhecido como Modernismo – que teve, no Brasil, expressiva aceitação também na pintura – deixou na literatura um grande e significativo legado. Entre poetas, romancistas, cronistas, contistas foram muitos os que procuraram: a) rejeitar as concepções estéticas mais centrais das vanguardas europeias, o que se pode ver, por exemplo, nas produções de Mário de Andrade e Oswald de Andrade. b) aproximar-se do cotidiano sociocultural da época, fazendo essa tendência transparecer, inclusive, nos modos do falar brasileiro, o que está expresso, entre outras, na obra de Manuel Bandeira. c) incentivar a volta à valorização da forma, na produção da poesia, com o que externavam sua aliança ao Parnasianismo, ainda remanescente em poetas fiéis a essa proposta estética. d) cultivar o gosto clássico pela linguagem ‘bem cuidada’ e pelos sentimentos intimistas introspectivos, herança do Simbolismo, como se pode ver na poesia e nas crônicas de Cecília Meireles. e) fugir, em suas temáticas, a questionamentos mais radicais sobre o sentido da existência humana, sobre a razão de guerras ou de sofrimentos, como se pode ver em poemas de Drummond e João Cabral de Melo Neto.


Português

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Exercícios Complementares

ue a

01. (Unesp SP) A poesia dos antigos era a da posse, a dos novos é a da saudade (e anseio); aquela se ergue, firme, no chão do presente; esta oscila entre recordação e pressentimento. O ideal grego era a concórdia e o equilíbrio perfeitos de todas as forças; a harmonia natural. Os novos, porém, adquiriram a consciência da fragmentação interna que torna impossível este ideal; por isso, a sua poesia aspira a reconciliar os dois mundos em que se sentem divididos, o espiritual e o sensível, fundindo-os de um modo indissolúvel. Os antigos solucionam a sua tarefa, chegando à perfeição; os novos só pela aproximação podem satisfazer o seu anseio do infinito.

mpre

A imagem possui elementos visuais que dialogam com o poema por apresentarem aspectos constitutivos com formato de a) quadriláteros d) círculos b) retângulos e) linhas c) losangos 03. (UEG GO) Observe a imagem e leia o poema a seguir.

(August Schlegel apud Anatol Rosenfeld. Texto/Contexto I, 1996. Adaptado.)

Os “novos” a que se refere o escritor alemão August Schlegel são os poetas a) românticos. d) clássicos. b) modernistas. e) naturalistas. c) árcades. 02. (UEG GO) Observe a imagem e leia o poema a seguir.

FRANCO, Siron. O aliado (1978), Óleo sobre tela. Disponível em: <http://enciclope-dia.itaucultural.org.br/obra12757/o-aliado>. Acesso em: 24 ago. 2017.

YAYOKI KUSAMA. Dots obsession (Obsessão dos pontos – tradução livre). 1998 Instalação – 600 X 600 X300 cm Fonte: COUTURIER, Élisabeth. Art contemporain. Le gui-de. Paris: Flamarion, s.d. p.60.

Um galo sozinho não tece uma manhã: ele precisará sempre de outros galos. De um que apanhe esse grito que ele e o lance a outro; de um outro galo que apanhe o grito de um galo antes e o lance a outro; e de outros galos que com muitos outros galos se cruzem os fios de sol de seus gritos de galo, para que a manhã, desde uma teia tênue, se vá tecendo, entre todos os galos. E se encorpando em tela, entre todos, se erguendo tenda, onde entrem todos, se entretendendo para todos, no toldo (a manhã) que plana livre de armação. A manhã, toldo de um tecido tão aéreo que, tecido, se eleva por si: luz balão.

C11  Poesia I: o sujeito lírico

MELO NETO, João Cabral de. Tecendo a manhã. Disponível em: <http:// www.-jornaldepoesia.jor.br/joao02.html>. Acesso em: 24 ago. 2017.

PEREIRA, C. Disponível em: <http://1.bp.blogspot.com/_p6aURW6N4ik/Ssvzu47gU7I/ AAAAAAAAACE/68mw5hykZTM/s320/POEMA03.jpg>. Acesso em: 23 ago. 2017.

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O poema apresenta uma linguagem permeada de aliterações e assonâncias, o que lhe confere mais musicalidade, ao passo que a pintura apresenta traços de uma estética a) expressionista d) dadaísta b) impressionista e) cubista c) fauvista


Linguagens, Códigos e suas Tecnologias

(FIGUEIREDO, Luciano (org). História do Brasil para ocupados. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2013, p. 451)

A literatura mais formalizada e o universo das letras de canção podem veicular matizes de grande poesia, tal como se verifica na produção de Chico Buarque, mas também, e anteriormente, na passagem a) da lírica romântica para as composições em tom piadístico, de Murilo Mendes. b) da poesia de fundo místico-religioso para a expressão da vida e da boêmia carioca, em Vinicius de Moraes. c) das preocupações de vanguarda para as mensagens musicais de política engajada, como em Noel Rosa. d) das convicções modernistas para a informalidade poética, entre participantes da geração de 45. e) do tom solene da épica para o colóquio do cotidiano, verificada na obra de Paulo Leminski. 05. (Puc Campinas SP) Nas quatro décadas de transição entre os séculos XIX e XX (1885-1925), paralelamente à expansão acelerada da industrialização, dos fluxos migratórios e de maciços investimentos em benfeitorias e prédios urbanos, propiciados pela valorização crescente do café, constitui-se na cidade de São Paulo um embrião avantajado de mercado de arte, dotado das principais características de seus congêneres estrangeiros. (MICELI, Sergio. Nacional Estrangeiro. História social e cultural do modernismo artístico em São Paulo. São Paulo: Companhia das Letras/Fapesp, 2003, p. 21.)

Observando-se a produção literária do final do século XIX e início do século XX, é preciso destacar o amadurecimento consagrador desses dois prosadores brasileiros, mestres do estilo e observadores realistas da realidade do país, voltados um para a) a configuração da vida social do Rio de Janeiro e o outro para um testemunho épico da tragédia de Canudos. b) o fenômeno migratório dos nordestinos e o outro para a consolidação da República. c) a implantação da escola simbolista e o outro para a consolidação do parnasianismo. d) a abolição da escravatura e o outro para a implantação da escola literária conhecida como pré-modernismo. e) o registro do progresso industrial e o outro para romancear o final do ciclo da cana-de-açúcar. 06. (FGV SP) Poema tirado de uma notícia de jornal João Gostoso era carregador de feira livre e morava no morro da [Babilônia num barracão sem número.

Uma noite ele chegou no bar Vinte de Novembro Bebeu Cantou Dançou Depois se atirou na Lagoa Rodrigo de Freitas e morreu afogado. Manuel Bandeira. Libertinagem.

Só NÃO se encontra, entre os aspectos que contribuem para o efeito poético do texto, a) a concentração dos recursos expressivos nele empregados. b) a presença de marcas da variedade linguística de caráter popular e coloquial. c) a apresentação, sem comentários ou explicações, das ações de “João Gostoso”. d) o tratamento satírico dado à personagem “João Gostoso”. e) o contraste entre a relativa informalidade das referências concernentes a “João Gostoso” e a designação precisa dos demais locais públicos citados. 07. (Mackenzie SP) O gato Uma palavra para o gato: ágil. Também unha, preguiça, pupila. O resto é o que ele (entre uma e outra delas) preenche de charme delgado – enigmático. Adoraria poder nele apalpar o pêlo e saber de que abstração é feito. Mas (felino) ele se enrosca incisivo no vão do meu pensamento e dependura-se (em telepática acrobacia) nas suas prerrogativas. Só me permite escrevê-lo a contrapelo. Maria Lúcia Dal Farra

A partir do poema “O gato”, considere as afirmativas abaixo: I. A poesia brasileira contemporânea, também chamada por teóricos de “pós-moderna”, possui como característica a liberdade criativa na escolha de temas, de formas e intertextualidades; II. O poema de Maria Lúcia Dal Farra retoma o pressuposto modernista da “arte pela arte”; III. Só podemos chamar de poesia contemporânea aquela que aborda, ao contrário de “O gato”, o tema da violência cotidiana das grandes cidades. Assinale a alternativa correta. a) Apenas a afirmativa I está correta. b) Apenas a afirmativa II está correta. c) Apenas a afirmativa III está correta. d) Nenhuma das afirmativas está correta. e) Todas as afirmativas estão corretas. 697

C11  Poesia I: o sujeito lírico

04. (Puc Campinas SP) Se a obra historiográfica de Sérgio Buarque de Hollanda foi um olhar para o passado brasileiro a partir da História de São Paulo (as monções, as entradas e bandeiras, os caminhos e fronteiras) entre a generalidade do ensaio, em Raízes do Brasil, e a sistematização acadêmica de sua produção na USP, a cidade do Rio de Janeiro funda um universo poético e um horizonte criativo inteiramente novos em Chico Buarque, no cruzamento das atividades do “morro” (o samba, sobretudo) com as da “cidade” (A Bossa Nova e a vida intelectual do circuito Zona Sul).


FRENTE

C

PORTUGUÊS

MÓDULO C12

ASSUNTOS ABORDADOS n Poesia II: letra de música n Análise da canção n Canção concretista

POESIA II: LETRA DE MÚSICA Em que medida um poema pode se equiparar a uma letra de música? Essa discussão tem envolvido muitos especialistas nas áreas de Linguagens e Literatura para concluir se uma letra de música tem capacidade de atingir o status de um texto literário. No entanto, apesar dos intensos debates na Academia, os acontecimentos globais têm, cada vez mais, ratificado o caráter literário da canção. Como exemplo, pode-se citar o prêmio Nobel de literatura concedido, pela primeira vez, a um cantor, e não a um escritor, como é o caso de Bob Dylan. Desde o início do século XX, com a difusão do rádio e da televisão, a música conseguiu ampliar sua gama de propagação. No Brasil, o primeiro gênero a se valer de tais artifícios tecnológicos foi o samba. Este é considerado por muitos especialistas em história, como o primeiro gênero musical genuinamente brasileiro. E do samba, originou-se a bossa nova, cujos maiores nomes são Vinícius de Moraes, Tom Jobim e João Gilberto. Para se discutir o status literário da canção, quando se trata de música popular brasileira, é importante ressaltar o poeta e letrista Vinícius de Moraes. Além de um poeta consagrado, que contribuiu para a atualização literária da poesia brasileira afinada com os princípios da estética modernista, ele também foi um letrista e compositor de sucesso. Não só Tom Jobim e João Gilberto foram seus parceiros de composição, como também Vinícius gravou e cantou clássicos da bossa nova com Elis Regina, Nara Leão e Miúcha. Da bossa nova, destacaram-se muitos outros artistas, que viriam a formar o que hoje conhecemos como MPB. Na década de 1960, os festivais de música da TV Record contribuíram enormemente para a difusão dos artistas novos da MPB, entre eles: Caetano Veloso, Gilberto Gil e Chico Buarque. Os dois primeiros integraram um movimento estético intitulado Tropicália. O tropicalismo, como também ficou conhecido, tinha como objetivo o sincretismo das artes e das influências mundiais.

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Linguagens, Códigos e suas Tecnologias

Análise da canção Quando se analisa uma canção, não se pode deixar de lado a realização musical do intérprete. Desse modo, para poder ser compreendido o impacto que a melodia da voz causa na interpretação da letra da música, vamos analisar a canção Samba de uma nota só, composta por Antônio Carlos Jobim e Newton Mendonça. Esse clássico da bossa nova, que conquistou o público na voz do intérprete e violonista João Gilberto, foi vencedor do Grammy no decênio de 1960 e teve inúmeras regravações, entre elas, uma versão em inglês cantada por Frank Sinatra, em 1967. Nos primeiros versos do samba, o sujeito lírico afirma estar compondo uma canção feita em uma só nota musical, o que realmente se concretiza no canto do intérprete, como se pode ver a seguir nos trechos da letra e da partitura desse samba: Eis aqui este sambinha feito numa nota só, Outras notas vão entrar, mas a base é uma só. Esta outra é consequência do que acabo de dizer, Como eu sou a consequência inevitável de você. (JOBIM, Antônio Carlos e NEWTON, Mendonça. Samba de uma nota só.)

Os dois primeiros versos da música são cantados somente em uma nota musical (ré), até o nono compasso do samba. Já no terceiro verso, o sujeito lírico afirma que, consequentemente ao que ele acabou dizer, aparecerá outra nota na canção (sol), que também se repete até o décimo terceiro compasso, quando, enfim, o intérprete volta para a nota original (ré) e canta o quarto verso. Depreende-se, nesse sentido, uma estreita relação entre o endereçamento lírico da canção e a estrutura do samba. Quando o sujeito lírico nos informa que a segunda nota musical a aparecer no samba (sol) é uma consequência do que ele acaba de dizer, ele relaciona as duas notas musicais (ré e sol), as quais estão dispostas em um intervalo harmônico dentro da escala de sol maior. A segunda nota do samba (sol) é, portanto, uma consequência natural do próprio tom da música, de maneira que o compositor pudesse associar a si mesmo como a “consequência inevitável” (metaforicamente: o destino amoroso) da pessoa a quem se endereça o samba. Na sequência, veem-se mais notas a integrar a estrutura melódica da canção, como se pode ver no trecho da partitura a seguir, correspondente aos seguintes versos: C12  Poesia II: letra de música

Quanta gente existe por aí Que fala tanto e não diz nada, Ou quase nada. Já me utilizei de toda a escala E no final não sobrou nada, Não deu em nada. (JOBIM, Antônio Carlos e NEWTON, Mendonça. Samba de uma nota só.)

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Português

Canção concretista Bat Macumba ê ê, Bat Macumba obá Bat Macumba ê ê, Bat Macumba oh Bat Macumba ê ê, Bat Macumba Bat Macumba ê ê, Bat Macum Nos versos da segunda estrofe do samba, o sujeito lírico compõe um par dicotômico entre os verbos “falar” e “dizer”. Na relação proposta na música, o verbo “falar” significaria a ação de proferir várias palavras sem que essas, necessariamente, agregassem algo significativo ao interlocutor; diferente do verbo “dizer”, que corresponderia ao oposto dessa significação, de modo que o discurso do emissor valha como instrumento efetivo de comunicação. Musicalmente, essa dicotomia verbal traduz-se nas notas musicais que estruturam o samba. Falar tanto e não dizer nada é exatamente preencher os compassos do samba com as mais variadas notas de uma escala, sendo que, com uma só nota, o compositor já provou que se faz um samba. Assim, o sujeito lírico finaliza a canção com os seguintes versos: E voltei pra minha nota como eu volto pra você. Vou contar com uma nota como eu gosto de você. (JOBIM, Antônio Carlos e NEWTON, Mendonça. Samba de uma nota só.)

C12  Poesia II: letra de música

Nesse trecho final, o sujeito lírico propõe novamente uma associação entre as notas musicais e a pessoa a quem se endereça o samba. Ao cantar uma variedade de notas da escala da canção, o eu lírico metaforiza as outras relações amorosas que teve no momento em que deixou o seu primeiro amor (ou melhor, a primeira nota do samba). Descobriu ele, assim, que as relações advindas nessa situação foram vazias e agregaram “nada, ou quase nada” à sua vida amorosa. Por fim, ele conclui que o ideal seria voltar para a nota original do samba e retomar os laços de amor com a pessoa a quem ele ama.

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Bat Macumba ê ê, Batman Bat Macumba ê ê, Bat Bat Macumba ê ê, Ba Bat Macumba ê ê Bat Macumba ê Bat Macumba Bat Macum Batman Bat Ba Bat Bat Ma Bat Macum Bat Macumba Bat Macumba ê Bat Macumba ê ê Bat Macumba ê ê, Ba Bat Macumba ê ê, Bat Bat Macumba ê ê, Batman Bat Macumba ê ê, Bat Macum Bat Macumba ê ê, Bat Macumba Bat Macumba ê ê, Bat Macumba oh Bat Macumba ê ê, Bat Macumba obá Essa canção composta por Caetano Veloso e Gilberto Gil está presente no álbum Tropicália: ou panis et circenses. Além de ser bem realizada musicalmente, ela também está afinada com os ideais da poesia concreta. Observe que, pela sua construção formal, o formato que a poesia adquire é de um desenho semelhante à letra K. Com isso, os artistas conseguiram representar a influência da globalização da cultura brasileira, já que o “K”, àquele momento, não pertencia ao nosso alfabeto.


Linguagens, Códigos e suas Tecnologias

Exercícios de Fixação

(LEMINSKI, Paulo. Toda poesia. 12. reimpr. São Paulo: Companhia das Letras, 2013)

Assinale a alternativa que indica corretamente o sujeito gramatical do verbo “poder” na primeira estrofe do poema, (texto), transcrita a seguir: “lá fora e no alto / o céu fazia / todas as estrelas que podia: a) As estrelas. c) Alto. b) O Céu. d) Fora. Texto comum às questões 02 e 03. de repente me lembro do verde da cor verde a mais verde que existe a cor mais alegre a cor mais triste o verde que vestes o verde que vestiste o dia em que eu te vi o dia em que me viste de repente vendi meus filhos a uma família americana eles têm carro eles têm grana eles têm casa a grama é bacana só assim eles podem voltar e pegar um sol em copacabana (LEMINSKI, Paulo. Toda poesia. 12. reimpr. São Paulo: Companhia das Letras, 2013)

02. (Puc GO) A segunda estrofe do texto relata a atitude extrema de um pai que vende os filhos para livrá-los das dificuldades por que passam como membros da classe social menos privilegiada. São várias as razões que esse pai deve ter elencado até chegar a essa triste decisão. Acerca dessa temática, analise os itens a seguir: I. A impossibilidade de superar as dificuldades é tão claramente perceptível ao pai, que o leva à atitude extrema de vender os filhos. II. A justificativa para o ato extremo do pai pode ser desde o medo de que, caso os filhos permanecessem com ele, passariam por sérias dificuldades para suprir necessidades básicas.

III.

IV.

O pai tinha tanto medo de ver os filhos privados das necessidades mais básicas do ser humano que preferiu a dor de tê-los distante de si. Contanto que seus filhos tivessem pelo menos as condições básicas para a sobrevivência digna, o sacrifício de separar-se deles valeria a pena.

Em relação às proposições analisadas, marque a alternativa correta que, relativamente à construção do período e seus operadores sintáticos, demonstra mais claramente a avaliação dos fatos por parte do pai: a) I e II estão claras e III e IV estão pouco claras quanto à avaliação dos fatos. b) I, II e III estão claras, mas IV está pouco clara quanto à avaliação dos fatos. c) I, III e IV estão claras, mas II está pouco clara quanto à avaliação dos fatos. d) II e III estão claras, mas I e IV estão pouco claras quanto à avaliação dos fatos. 03. (Puc GO) O poema de Paulo Leminski, apresentado no texto, compõe o livro Caprichos & relaxos, publicado no início da década de 1980 e foi reunido no livro Toda Poesia. Na relação forma/sentido, assinale a alternativa que analisa corretamente o recurso estilístico mais recorrente no poema: a) A repetição da palavra “verde” cria sugestividade sonora e reforça o sentido de verdura. b) A ironia em “vendi meus filhos” concentra a ideia central do poema. c) A oposição como em “alegre/triste” aparece de forma direta ou sugerida ao longo do texto. d) A segunda estrofe mantém o mesmo tema e a mesma estrutura rítmica da primeira. 04. (Puc Campinas SP) Ao longo da década de 1950, período marcado pelo que se chamou de “desenvolvimentismo”, manifestou-se uma nova geração de escritores, bastante viva, apostando em profundo mergulho num Brasil histórico e mítico, como no caso singular de Guimarães Rosa, ou em tendências de vanguarda, como a dos poetas do “Concretismo”, que concebiam a linguagem como objeto visual, disposta na página em relação funcional com o espaço branco ou colorido, e aproveitando ainda, por vezes, o chamamento de recursos gráficos usuais nas mensagens de propaganda. (MOREIRA, Tibúrcio. Inédito)

Uma das posições estéticas fortemente combatidas pelos poetas do Concretismo foi a) a insistente relação entre as linguagens da poesia e as das outras artes. b) a prática tradicional de se valorizar textos poéticos traduzidos com liberdade. c) o apego à sintaxe discursiva e ao conceito tradicional de verso. d) a influência dos estudos semióticos na prática poética. e) o recurso expressivo da espacialização plástica dos signos verbais. 701

C12  Poesia II: letra de música

01. (Puc GO) lá fora e no alto o céu fazia todas as estrelas que podia na cozinha debaixo da lâmpada minha mãe escolhia feijão e arroz andrômeda para cá altair para lá sirius para cá estrela dalva para lá


Português

Exercícios Complementares 01. (Unicamp SP) O poema abaixo é de autoria do poeta Augusto de Campos, integrante do movimento concretista.

a) no segundo verso. b) no sexto verso. c) no oitavo verso. d) no último verso. 03. (Puc GO) Assinale a alternativa correta em relação ao uso dos recursos rítmicos e sonoros do poema de Paulo Leminski (texto): a) O jogo de oposição entre passageiro e duradouro marca todo o poema. b) O jogo lúdico de palavras centra-se nos significantes do texto, na busca de um possível sentido. c) Os espaços brancos do poema contribuem para a construção das rimas. d) O jogo poético entrelaçado ao ideológico assume tom de denúncia social.

(Augusto de Campos, Viva Vaia. Poesia: 1949-1979. São Paulo: Ateliê Editorial, 2000, p. 116-117.)

Nesse poema, nota-se uma técnica de composição que consiste a) na disposição arbitrária de anagramas, sem produzir uma relação de sentido com o título do poema. b) na disposição exaustiva de anagramas, sem produzir uma relação de sentido com o título do poema. c) na disposição arbitrária de anagramas, para produzir uma relação de sentido com o título do poema. d) na disposição exaustiva de anagramas, para produzir uma relação de sentido com o título do poema. Texto comuns às questões 02 e 03.

C12  Poesia II: letra de música

leite, leitura, letras, literatura, tudo o que passa, tudo o que dura tudo o que duramente passa tudo o que passageiramente dura tudo, tudo, tudo, não passa de caricatura de você, minha amargura de ver que viver não tem cura (LEMINSKI, Paulo. Toda poesia. 12. reimpr. São Paulo: Companhia das Letras, 2013. p. 333.)

02. (Puc GO) Boa parte do que conquistamos apenas passa pela nossa vida: conquistamos, usamos, descartamos. A bem da verdade, tudo passa, já que, da vida, nada se leva. Sobre o conteúdo do texto, assinale a alternativa que indica corretamente a presença de antagonismo semântico:

702

04. (Mackenzie SP) Quando eu tiver setenta anos quando eu tiver setenta anos então vai acabar esta minha adolescência vou largar da vida louca e terminar minha livre docência vou fazer o que meu pai quer começar a vida com passo perfeito vou fazer o que minha mãe deseja aproveitar as oportunidades de virar um pilar da sociedade e terminar meu curso de direito então ver tudo em sã consciência quando acabar esta adolescência Paulo Leminski

A respeito do poema acima, de autoria do escritor contemporâneo Paulo Leminski, assinale a alternativa correta. a) O poema faz uma exortação moral para que os seus leitores tomem o rumo correto na vida. b) O poema possui a típica estrutura formal de um soneto camoniano. c) O título do poema evidencia o seu tom nostálgico. d) O verso “vou fazer o que meu pai quer” não possui nenhum sentido de ironia. e) O eu lírico enxerga com ironia as concepções de “maturidade” e “virar um pilar da sociedade”. 05. (UEL PR) A respeito das correlações entre a poesia de Leminski e os poemas de outras tendências poéticas, períodos e estilos de época, considere as afirmativas a seguir.


Linguagens, Códigos e suas Tecnologias

I.

Como o Concretismo, Leminski perseguiu a representação e a exaltação da vida material em detrimento da exposição da subjetividade. II. Como o Simbolismo, Leminski adotou desenhos e experiências gráficas para representar a saturação de significados e significantes na linguagem poética verbal. III. Com a primeira fase modernista, Leminski aderiu ao poema-piada e aos jogos de palavras, em contraste com o rigor de outras manifestações poéticas. IV. Com a poesia marginal, Leminski compartilhou a espontaneidade e a irreverência como aproximações entre a expressão poética e a vida cotidiana. Assinale a alternativa correta. a) Somente as afirmativas I e II são corretas. b) Somente as afirmativas I e IV são corretas. c) Somente as afirmativas III e IV são corretas. d) Somente as afirmativas I, II e III são corretas. e) Somente as afirmativas II, III e IV são corretas. 06. (UEL PR) Leia o poema a seguir.

a) V, V, F, F, V. b) V, F, V, V, F.

c) V, F, F, V, V. d) F, V, F, V, F.

e) F, F, V, F, V.

07. (Uncisal AL)

Augusto de Campos Disponível em: <http://brasilescola.uol.com.br/literatura/poesia-augusto-campos.htm>. Acesso em: 10 nov. 2016.

A poesia de Augusto de Campos, conforme se pode ver no exemplo acima, propõe uma revisão nas estruturas tradicionais das artes poéticas. Isso quer dizer que esse formato proposto a) valoriza a métrica e a rima. b) abdica das interações com as diversas formas de artes visuais. c) valoriza o sentido hermético da poesia sem pluralidade semântica. d) expande-se para além da retórica pela valorização das múltiplas formas e sentidos. e) considera como material poético a ditadura retórica da palavra em seus vários desdobramentos. 08. (UEL PR) Leia o poema a seguir.

(LEMINSKI, P. Toda Poesia. São Paulo: Companhia das Letras, 2013. p.136.)

Assinale a alternativa que contém, de cima para baixo, a sequência correta.

(LEMINSKI, P. Toda Poesia. São Paulo: Companhia das Letras, 2013. p.144.)

Em relação ao poema, considere as afirmativas a seguir. I. O termo “impressão” tem duplo sentido no texto. II. Há uma supressão do termo “corpo”, no poema, em decorrência da concisão. III. O desenho da fonte escolhida para o verbo reforça a ideia de dinamicidade. IV. A forma da fonte empregada no final do poema desfaz a carga erótica do início. Assinale a alternativa correta. a) Somente as afirmativas I e II são corretas. b) Somente as afirmativas I e IV são corretas. c) Somente as afirmativas III e IV são corretas. d) Somente as afirmativas I, II e III são corretas. e) Somente as afirmativas II, III e IV são corretas. 703

C12  Poesia II: letra de música

Acerca do poema, atribua V (verdadeiro) ou F (falso) às afirmativas a seguir. ( ) A referência ao termo “noite” é acompanhada por recursos gráficos caracterizados pelo escuro. ( ) A inexistência de uma primeira pessoa no poema remete ao apagamento do sujeito na pós-modernidade. ( ) Há um jogo de palavras entre a primeira palavra do poema e outras subsequentes, como a forma verbal “sigo” seguida por palavras com a letra “n”. ( ) Os tipos sombreados antecipam a referência à sombra e estabelecem convergência entre forma e significado. ( ) O uso do termo “noivo” desponta como um vocábulo imprevisto sem coincidência sonora com as demais palavras do poema.


FRENTE

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PORTUGUÊS

Exercícios de Aprofundamento Dois estilos de colonização se inauguraram no norte e no sul do Novo Mundo. Lá, o gótico altivo de frias gentes nórdicas. Para eles, o índio era um detalhe, sujava a paisagem, que, para se europeizar, deveria livrar-se deles. Cá, o barroco das gentes ibéricas, mestiçadas, que se mesclavam com os índios. Um, a tolerância soberba e orgulhosa dos que se sabem diferentes. Outro, a tolerância opressiva de quem quer conviver reinando sobre os corpos e as almas dos cativos, porque toda a diferença lhe é intolerável. Darcy Ribeiro. O povo brasileiro: a formação e o sentido do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1995 (com adaptações).

figura do índio e o tom escuro das vestes do jesuíta, o que revela resquícios do academicismo. 03. (Enem MEC) Dario vinha apressado, guarda-chuva no braço esquerdo e, assim que dobrou a esquina, diminuiu o passo até parar, encostando-se á parede de uma casa. Por ela escorregando, sentou-se na calçada, ainda úmida da chuva, e descansou na pedra do cachimbo. Dois ou três passantes rodearam-no e indagaram se não se sentia bem. Dario abriu a boca, moveu os lábios, não se ouviu resposta. O senhor gordo, de branco, sugeriu que deveria sofrer de ataque. TREVISAN, D. Uma vela para Dario. Cemitério de Elefantes. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1964 (adaptado).

Rodolfo Amoedo. O último tamoio, 1883, óleo sobre tela, 180,3 cm × 261,3 cm, Museu Nacional de Belas Artes, Rio de Janeiro.

01. (UnB DF) Considerando o texto e a obra reproduzida acima — C O Último Tamoio —, de Rodolfo Amoedo, julgue o item a seguir. ( ) Colonização, ou colonialismo, é um processo de dominação econômica, política e/ou cultural de um grupo por outro. 02. (UnB DF) Considerando o texto e a obra reproduzida acima — O Último Tamoio —, de Rodolfo Amoedo, faça o que se pede no item a seguir. A partir do texto e da obra de arte apresentados acima, assinale a opção correta. a) Na obra O Último Tamoio, é retratada a cena em que um padre, com pesar, ampara um tamoio, o que evidencia relação de respeito aos indígenas, constatada também na incorporação da criação artística indígena aos ensinamentos artísticos da escola jesuíta no Brasil. b) Com a chegada da Missão Francesa ao Brasil, em 1816, o Barroco brasileiro fortaleceu-se no que tinha de mais genuíno: a arte indígena. c) Nas obras influenciadas pelo Indianismo, termo cunhado por críticos literários brasileiros, o indígena era retratado como herói nacional, tendência que se observa na obra O Último Tamoio, criada no contexto do movimento nacionalista do século XIX. d) Exemplar do Barroco brasileiro, a obra O Último Tamoio caracteriza-se pelo contraste entre a incidência de luz clara na 704

No texto, um acontecimento é narrado em linguagem literária. Esse mesmo fato, se relatado em versão jornalística, com características de notícia, seria identificado em: a) Aí, amigão, fui diminuindo o passo e tentei me apoiar no guarda-chuva... mas não deu. Encostei na parede e fui escorregando. Foi mal, cara! Perdi os sentidos ali mesmo. Um povo que passava falou comigo e tentou me socorrer. E eu, ali, estatelado, sem conseguir falar nada! Cruzes! Que mal! b) O representante comercial Dario Ferreira, 43 anos, não resistiu e caiu na calçada da Rua da Abolição, quase esquina com a Padre Vieira, no centro da cidade, ontem por volta do meio-dia. O homem ainda tentou apoiar-se no guarda-chuva que trazia, mas não conseguiu. Aos populares que tentaram socorrê-lo não conseguiu dar qualquer informação. c) Eu logo vi que podia se tratar de um ataque. Eu vinha logo atrás. O homem, todo aprumado, de guarda - -chuva no braço e cachimbo na boca, dobrou a esquina e foi diminuindo o passo até se sentar no chão da calçada. Algumas pessoas que passavam pararam para ajudar, mas ele nem conseguia falar. d) Vítima Idade: entre 40 e 45 anos Sexo: masculino Cor: branca Ocorrência: Encontrado desacordado na Rua da Abolição, quase esquina com Padre Vieira. Ambulância chamada às 12h34min por homem desconhecido. A caminho. e) Pronto socorro? Por favor, tem um homem caído na calçada da rua da Abolição, quase esquina com a Padre Vieira. Ele parece desmaiado. Tem um grupo de pessoas em volta dele. Mas parece que ninguém aqui pode ajudar. Ele precisa de uma ambulância rápido. Por favor, venham logo! 04. (UFRGS) Assinale a alternativa correta sobre o álbum Tropicalia ou panis et circenses. a) A incorporação de sons e ruídos, tal como a conversa em uma refeição em panis et circencis, revela um defeito de composição do álbum.


Linguagens, Códigos e suas Tecnologias

I.

O poema reconta a história do Brasil do Nordeste ao Sul, pela perspectiva do trabalho do negro. II. O sujeito-lírico assume-se como negro através da linguagem, marcada pelo lirismo e pelo posicionamento crítico. III. A cultura negra está presente no poema, através dos instrumentos musicais, da religiosidade e da alimentação. Quais estão corretas? a) Apenas I. c) Apenas I e III. e) I, II e III. b) Apenas II. d) Apenas II e III. 06. (Unifor CE) MINIMA MORALIA

05. (UFRGS) Leia o poema Terra de negros, de Oliveira Silveira. Terra de engenhos negro moendo cana escorrendo suor amargando terra de minas negro cavando ouro sorrindo (ouro dos outros) terra café cacau e milho negro plantando negro colhendo esperanças renascendo terra de estância charqueada grande negro se salgando terra quilombo choça e mocambo negro lutando e resistindo se libertando terra xangô tambor de mina e candomblé linha de umbanda batuque e samba macumba e negro reza-dançando terra congada maracatu reisado e negro representando terra comida pratos baianos quindim quitutes negro fazendo terra capoeira rabo-de-arraia negro golpeando terra favela morro e miséria e o negro nela (breque) até quando? Considere as seguintes afirmações sobre o poema.

já fiz de tudo com as palavras agora eu quero fazer de nada (Haroldo de Campos)

O poema concreto de Haroldo de Campos trabalha com o aspecto material das palavras com o intuito de gerar um significado para as palavras a partir de sua estrutura. Sendo assim, o efeito expressivo do poema é baseado na a) estrutura de apenas dois versos (dístico)que é fundamental para que se expressem tais conceitos contemporâneos. b) oposição entre as palavras “tudo” e “nada” cuja antítese é mais importante do que o aspecto semântico da frase. c) estrutura métrica peculiar ao período contemporâneo que é muito similar ao que era utilizado no Parnasianismo. d) oposição entre “fiz” e “quero” que demonstra os anseios de realizar ou não realizar as ações desejadas pelo eu lírico. e) dificuldade de prolongar a escrita na contemporaneidade dado o advento da tecnologia e do homem fragmentado. 07. (Uncisal AL)

ANTUNES, Arnaldo. Rio: o ir. Disponível em: <http://www. arnaldoantunes.com.br/new/index.php?page=32>. Acesso em: 6 nov. 2015.

O texto acima, um poema de Arnaldo Antunes, inscreve-se numa tradição de procedimentos poéticos também recuperáveis no a) Naturalismo, uma vez que o poema faz uso de recurso visual que se assemelha a uma rosa, o que remete à natureza. b) Arcadismo, uma vez que é perceptível que o poema se estrutura em torno da palavra “rio”, o que remete a uma supervalorização deste elemento natural. c) Concretismo, uma vez que o poema investe na materialidade visual da palavra, explorando um arranjo geométrico que, com poucos recursos, provoca diversas leituras e compreensões. d) Modernismo, uma vez que se percebe a estruturação do poema em torno da flexão de primeira pessoa do verbo “rir”, o que recupera o humor característico dos poetas modernistas. e) Parnasianismo, uma vez que a forma do poema se assemelha à de uma pedra preciosa, o que metaforiza a aproximação que os parnasianos estabelecem entre o fazer poético e o trabalho do ourives. 705

FRENTE C  Exercícios de Aprofundamento

b) A escuta do conjunto das canções revela projeto homogêneo, recuperação e valorização da tradição musical brasileira. c) O refrão ―ê bumba-iê-iê-boi‖, de Geleia Geral, sinaliza um aspecto relevante do álbum, a mistura entre a tradição popular brasileira e a música pop. d) A escuta das canções obscurece o potencial crítico das letras pela excessiva variedade de ritmos, de paródias, e pelo humor agressivo, presentes nas interpretações. e) A presença de canções como Coração Materno, de Vicente Celestino, sinaliza uma reverência respeitosa que destoa do humor do álbum.


FRENTE

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PORTUGUÊS Por falar nisso O escriba foi uma figura presente nas mais antigas civilizações conhecidas, como a egípcia, a suméria e a grega. A atividade desse funcionário era, basicamente, escrever e, por isso, era um agente de grande destaque, ocupando uma alta posição na hierarquia social. Ele fazia o registro de operações de compra e de venda, preparava dados biográficos de nobres e aristocratas e, principalmente, acompanhava seus chefes nas campanhas guerreiras, fazendo relatos de cada etapa e nova conquista. O que se pode deduzir de tais registros é que não passavam de uma espécie de “diário de campanha”, cuja fidelidade aos fatos era bastante duvidosa, já que se destinavam a elogiar e a enaltecer o chefe de Estado. No Brasil, esse gênero já surgiu com a primeira manifestação literária em língua portuguesa deste país: a carta de Pero Vaz de Caminha. A partir desses registros, evolui-se para a primeira manifestação de um gênero que, depois, derivou para a crônica ou para o diário. No entanto, o que mais se aproxima, hoje, da atividade dos antigos escribas é, certamente, o noticiarista, encarregado de relatar os fatos do dia a dia para jornais, rádios e televisões. Assim sendo, neste livro, vamos estudar gêneros textuais que muito se assemelham à antiga atividade dos escribas. Nas próximas aulas, estudaremos os seguintes temas

D09 D10 D11 D12

Comentário ................................................................................... 708 Resumo e resenha crítica.............................................................. 712 Carta do leitor ............................................................................... 717 Crônica argumentativa ................................................................... 722


FRENTE

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PORTUGUÊS

MÓDULO D09

ASSUNTOS ABORDADOS n Comentário n Como elaborar um comentário n Estrutura do comentário n Exemplo

COMENTÁRIO O comentário é um gênero textual que, como o próprio nome já indica, comenta o assunto de outro texto. Logo, trata-se de um tipo de produção textual que depende da leitura e da interpretação de um texto diferente, seja ele literário ou não. Assim, é importante atentar-se para que a leitura do texto a ser comentado seja eficiente, já que você não deve produzir um comentário sem ter compreendido totalmente o outro texto. Como vimos na frente C deste livro, ao processo de produção textual que dialoga com outros textos dá-se o nome de intertextualidade. E o comentário é resultado disso. No entanto, você não vai reproduzir as ideias do texto original com outras palavras - a isso nomeia-se paráfrase; como também você não vai deturpar o sentido original, buscando fazer uma sátira do outro texto - a isso nomeia-se paródia. Um comentário tampouco é um resumo de um texto. É muito importante saber o que não se deve fazer na produção de um comentário, porque muitos estudantes acabam por se atrapalhar com esse gênero textual e escrevem em uma modalidade diferente da exigida pela prova de vestibular. Lembre-se de que se em uma redação você não escrever no gênero textual exigido pela banca, seu texto é passível de nota zero. Assim sendo, o comentário é o resultado da opinião de um sujeito leitor acerca de outro texto. Trata-se, na verdade, de um conjunto de observações subjetivas e objetivas que se faz sobre determinado texto.

Como elaborar um comentário Leia a seguir as principais perguntas a que temos de dar respostas quando pretendemos fazer um comentário de um texto: n O que o texto diz? n Como diz? n O que me diz? Também é importante estarmos atentos aos seguintes pontos: n n n n

Fazer uma leitura atenciosa do texto, sublinhando as partes mais importantes; Identificar o assunto de que trata o texto; Fazer um esquema de rascunho para pensar a estrutura do seu texto; Eleger os pontos mais importantes a serem comentados.

Embora um comentário de um texto carregue muita subjetividade, você não deve usar a primeira pessoa do singular. Você, como comentarista, deve ser impessoal. Prefira, portanto, o uso da terceira pessoa do singular ou a primeira pessoa do plural. No tocante à linguagem, ela se diferencia dependendo do objetivo ao qual se pretende com o comentário. Isso significa que o texto pode apresentar uma linguagem mais informal ou coloquial e, em outros casos, uma linguagem mais formal.

708


Linguagens, Códigos e suas Tecnologias

Estrutura do comentário n n n

Introdução: na introdução de um comentário, já deve ficar evidente qual o texto a ser comentado e de qual assunto trata esse texto. Desenvolvimento: é a apreciação crítica do texto, elaborada por meio de uma síntese das suas opiniões pessoais, com citações (entre aspas) do texto original. Conclusão: remate das ideias mais relevantes e fundamentais de ambos os textos - o texto original e sua apreciação crítica.

Exemplo O texto abaixo é um comentário sobre a opinião do crítico literário Antonio Candido acerca do papel da literatura para a formação do ser humano. Neste comentário, são abordados os seguintes tópicos: n n

De que maneira a literatura pode formar o indivíduo; A importância da literatura para suprir a necessidade de ficção do ser humano.

A literatura e a formação do homem Um certo tipo de função psicológica é talvez a primeira coisa que nos ocorre quando pensamos no papel da literatura. A produção e fruição da literatura se baseiam em uma espécie de necessidade universal de ficção e de fantasia, que é coextensiva ao homem, pois aparece invariavelmente em sua vida, como indivíduo e como grupo, ao lado da satisfação das necessidades mais elementares. E isso ocorre no primitivo e no civilizado, na criança e no adulto, no instruído e no analfabeto. A literatura, propriamente dita, é uma das modalidades que funcionam como resposta a essa necessidade universal, cujas formas mais humildes e espontâneas de satisfação talvez sejam coisas como a anedota, a adivinha, o trocadilho, o rifão. Em nível complexo surgem as narrativas populares, os cantos folclóricos, as lendas, os mitos. No nosso ciclo de civilização, tudo isso culminou de certo modo nas formas impressas, divulgadas pelo livro, o folheto, o jornal, a revista: poema, conto, romance, narrativa romanceada. Mais recentemente, ocorreu o “boom” das modalidades ligadas à comunicação pela imagem e à redefinição da comunicação oral, propiciada pela técnica: fita de cinema, radionovela, fotonovela, história em quadrinhos, telenovela. Isso, sem falar no bombardeio incessante da publicidade, que nos assalta de manhã à noite, apoiada em elementos de ficção, de poesia e em geral da linguagem literária. Portanto, por via oral ou visual; sob formas curtas e elementares, ou sob complexas formas extensas, a necessidade de ficção se manifesta a cada instante. Aliás, ninguém pode passar um dia sem consumi-la, ainda que sob a forma de palpite na loteria, devaneio, construção ideal ou anedota. E, assim, justifica-se o interesse pela função dessas formas de sistematizar a fantasia, de que a literatura é uma das modalidades mais ricas.

D09  Comentário

Texto extraído do site: http://fernandofidelix.blogspot.com/2014/02/comentario-critico-sobre-o-papel-da.html

709


osférico, olhar da e o um cima toriolhar 4 nos

Português Questão 02. A representação de Átila, rei dos hunos, alude à imagem aterrorizante que se tinha dos povos denominados de bárbaros pelo ocidente europeu. O excerto descreve a altivez dessa personagem asiática e suas características físicas, relacionando-as às suas origens.

Exercícios de Fixação 01. (UEPB) Os textos abaixo ensejam uma reflexão sobre as diversidades constitutivas do nosso país. Escreva um EDITORIAL para compor a publicação de um jornal de circulação nacional, de modo que convide o leitor a repensar a temática em questão.

minúsculos, sua barba rala, sua cabeleira eriçada, seu nariz muito curto, sua tez escura, eram sinais de suas origens. (Jordanes. Getica XXXV (c. 551), citado por Jaime Pinsky (org.). O modo de produção feudal, 1982.)

Ao representar Átila, que imagem dos bárbaros o autor transmite? 03. (UEPB) Suponha que você vai fazer ou fez a cobertura de um evento que destaca a temática exposta no cartaz abaixo.

02. (Unesp SP) Um autor do século VI assim descreveu o rei Átila, que, comandando os hunos, chegou às portas de Roma: Homem vindo ao mundo em um entrechoque de raças, terror de todos os países, não sei como ele semeava tanto pavor, a não ser pela ligação que se fazia de sua pessoa com um sentimento de terror. Tinha um porte altivo e um olhar singularmente móvel, se bem que cada um de seus movimentos traduzisse o orgulho de seu poder. (...) sua pequena-estatura, seu peito largo, sua cabeça grande, seus olhos

Cartaz Adaptado. In: Revista Educação. São Paulo: Segmento, Ano 28, n. 243, julho, 2001, p. 6.

Escreva um texto para introduzir uma REPORTAGEM a ser publicada em uma revista de circulação nacional, de maneira que informe o leitor sobre o tema em pauta e contribua para a construção de seu posicionamento crítico.

Exercícios Complementares 01. (Fac. Cultura Inglesa SP) Bruninho resolverá a pobreza global?

D09  Comentário

Bruno Monteiro começa sua jornada de bebê às 7h30. Brinca, chora, faz cocô e outras coisas de neném. Ele nem sabe andar, mas já está em curso um intenso debate sobre como ele trabalhará no futuro. A maioria dos economistas e demógrafos acredita que temos um problema pela frente. O número de filhos por casal vem caindo, e a geração de Bruno será menos numerosa que o necessário para garantir que a economia global cresça. Menor produção global significa mais dificuldade para que a humanidade vença a miséria. Por essa perspectiva, os bebês de hoje, por melhores trabalhadores que sejam, não conseguirão produzir o bastante para assegurar boa vida à sociedade toda. Mas um pequeno grupo de otimistas desafia esse prognóstico sombrio.

710

Entre os otimistas estão os pesquisadores austríacos Erich Striessnig, do Centro Wittgenstein para Demografia e Capital Humano Global, e Wolfgang Lutz, do Instituto Internacional de Análise de Sistemas Aplicada. Num estudo feito em 2014, eles concluíram que os adultos do futuro, graças à educação e à tecnologia, poderão se tornar tão produtivos que compensarão a pequena quantidade de braços para trabalhar. Combinada a outros fatores, essa altíssima produtividade garantirá o desenvolvimento global. Hoje, vários governos, como o do Japão, preocupam-se porque os nascimentos ocorrem abaixo da taxa de reposição para compensar mortes precoces e manter a população estável. Os pesquisadores austríacos acham essa preocupação exagerada. “Para encontrar a melhor taxa, não basta olhar o número de crianças necessário para manter constante a população. É preciso olhar para as características dessas crianças”, afirma


Linguagens, Códigos e suas Tecnologias

(Marcelo Moura e Aline Imercio. Época, 02.02.2015. Adaptado.)

Analisando a construção do texto, é correto afirmar que os autores a) introduzem a discussão sobre crescimento populacional por meio de pergunta retórica, para a qual eles dão parecer pessoal. b) expõem o ponto de vista de estudiosos da economia global que, majoritariamente, creem na capacidade de superação da pobreza pelas novas gerações. c) descrevem parte da jornada de Bruninho, bebê cujo papel é servir de exemplo real à situação a ser debatida no texto. d) citam como fato histórico a retração da economia japonesa e suas consequências na configuração populacional do país. e) narram sucintamente experiências pessoais que estão relacionadas à rotina e à educação de bebês como Bruno Monteiro. 02. (PUC GO)

Olhar vítreo

Durante toda a conferência seus olhos se mantiveram fixados na minha figura. Não estou falando do olhar de quem ouve uma conferência e se mantém ligado ao que está sendo dito. Esse olhar é um olhar comum, situacional, que faz corresponder a que veio. É de aluno, se está numa sala de aula; é de secretária se está no escritório; é de vendedor se pretende vender um produto. Mas aquele olhar era vítreo. Não se alterava com a situação. Não se expressava como os olhares dos demais ouvintes. Não sorria quando era para sorrir, não se manifestava insatisfeito, não demonstrava impaciência ou raiva. E começava a interferir na minha fala. Em princípio, tentei eliminar mentalmente sua presença, mas o que ocorre de fato, é o contrário. Passamos a olhar mais para ele do que para os outros. Tornamo-nos presas de um inferno vítreo do qual não conseguimos nos livrar. E ele estava lá me dizendo alguma coisa que não conseguia decifrar. Sua impassibilidade forçava a minha mobilidade insegura. Sua constância ia interferindo nas minhas oscilações de tom de voz e de movimento dos gestos. Conforme foi passando o tempo, foram evoluindo as consequências desastrosas daquele fenômeno. Fui me sentindo oco, com intervalos sensoriais que me atormentavam. Parece que fui deixando de acreditar na veridicção do que falava. E eu estava sozinho, sem testemunha ocular. A não ser aqueles olhos que geravam tudo aquilo e geriam meus procedimentos. Em momento algum acompanhou o movimento do auditório. A impressão que eu tinha é de que ele sabia de tudo. Sabia que estava me deteriorando pouco a pouco. Que estava triturando o último fio de segurança que me restava. Esquálido, fui perdendo o gosto pelo que falava, tentei arrumar uma conclusão e diminuí uns bons minutos para me livrar daquilo. Mal encerrei a última fala, antes dos aplausos de praxe, ele se levantou e saiu. (GONÇALVES, Aguinaldo. Das estampas. São Paulo: Nankin Editorial, 2013. p. 131-132. Adaptado.)

No texto o enunciador (assinale a alternativa correta): a) narra, por meio de verbos de ilocução, as intenções de uma pessoa desconhecida que lhe fixou um olhar de condenação.

b) descreve, por meio de signos linguísticos diversos, as impressões e o desconforto deixados por um olhar profundo durante uma conferência. c) avalia, por meio de adjetivos, o comportamento inadequado de pessoas que vão a eventos formais para perturbar o sossego dos palestrantes. d) aponta, por meio de construções contrastivas, a diferença entre personalidades, revelada pelo olhar que as pessoas têm em situações específicas. 03. (PUC GO) Há pessoas que vivem para destruir. Nasceram no fosso da ignorância e lá construíram o seu mundo de ódio, de desprezo, de traição. Fazem cursos de guerra, especializam-se no manuseio de armas bélicas e exercitam-se diariamente no processo de delação. Têm a língua afiada, pronta para soltar vitupérios e o dedo médio lambuzado de titica e enrijecido de tantas deduragens. São obscuras, raivosas, traidoras, covardes e vivem no anonimato. Têm como lema a destruição. Se não posso ser notável, ser importante, ser escritor, por exemplo, que ninguém o seja. E aí, no laboratório de sua insignificância destilam ódio contra aqueles que estão construindo, mostrando ao mundo que ainda é possível plantar rosas e fabricar perfumes. (TELES, José Mendonça, Crônicas de mim. Goiânia: Kelps, 2011. p. 127.)

Teóricos defendem a ideia de que todo texto é formado de sequências que entram na constituição dos diversos gêneros textuais. O leitor identificará as sequências costumazes, tendo em vista os parâmetros da situação. No trecho “Têm a língua afiada [...] Têm como lema a destruição” depreende-se o seguinte tipo de sequência (marque a alternativa verdadeira): a) Narrativa, pela sucessão temporal dos eventos contados em discurso direto, havendo a predominância de verbos conjugados no pretérito perfeito. b) Descritiva, pela caracterização dos elementos, indicando propriedades, qualidades, atitudes expostas analiticamente, numa ordenação lógica, com a presença de verbos de estado e situação. c) Injuntiva, por apresentar ações numa sequência logicamente ordenada, marcada por verbos no imperativo e no futuro do presente, expressando preocupações de comando. d) Argumentativa, por apresentar ordenação ideológica, com contra-argumentos, com verbos introdutores de opinião e conectores argumentativos. 04. (UEG GO) Um novo sucesso veio porém um dia dar outra cor e andamento aos sucessos; foi o encontro dos dois, padrinho e afilhado, em casa de D. Maria com uma personagem estranha a ambos. Era um conhecido de D. Maria que havia há pouco chegado de uma viagem à Bahia. Figure o leitor um homenzinho nascido em dias de maio, de pouco mais ou menos trinta e cinco anos de idade, magro, narigudo, de olhar vivo e penetrante, vestido de calção e meias pretas, sapatos de fivela, capote e chapéu armado, e terá ideia do físico do sr. José Manoel, o recém-chegado. ALMEIDA, Manuel Antônio de. Memórias de um sargento de milícias. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 102.

a) O texto acima contém elementos narrativos e descritivos. Transcreva quatro expressões de caráter descritivo. b) “Um novo sucesso veio porém um dia dar outra cor e andamento aos sucessos”. Reescreva a frase, substituindo as palavras sublinhadas por outras de sentido equivalente.

Questão 04. a) “um homenzinho nascido em dias de maio”; “de pouco mais ou menos trinta e cinco anos de idade”; “magro”; “narigudo”; “de olhar vivo e penetrante”; “vestido de calção e meias pretas, sapatos de fivela, capote e chapéu armado”. b) Um novo fato/evento/acontecimento/episódio/caso veio porém um dia dar outra cor e andamento aos atos/eventos/acontecimentos/episódios/casos.

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D09  Comentário

Striessnig. “Uma população que passou mais anos na escola tem um maior capital humano e tende a ser mais produtiva.” Cabe, portanto, a cada sociedade zelar para que bebês como Bruno tenham educação primorosa – um desafio que o Brasil, até o momento, não conseguiu superar.


FRENTE

D

PORTUGUÊS

MÓDULO D10

ASSUNTOS ABORDADOS n Resumo e resenha crítica n Resumo n Resenha crítica n Resumo X Resenha

RESUMO E RESENHA CRÍTICA Resumo No gênero textual resumo, é importante ter estas duas habilidades: a síntese e a objetividade. Trata-se, nesse sentido, de um texto em que são dispostos e apresentados os pontos essenciais, ideias ou fatos principais que foram desenvolvidos no decorrer de outro texto. Esses pontos são expostos de forma abreviada, sempre respeitando a ordem em que aparecem no texto resumido. Fazer um resumo não é fazer uma colagem ou compilação de partes do texto original. É, na verdade, a apresentação dos pontos mais importantes de um texto. Assim sendo, o resumo é uma redução do texto original, uma condensação fiel dos fatos ou das ideias apresentadas em outro texto. Tipos de resumo Existem dois tipos de resumo: o resumo indicativo e o resumo informativo. n n

Resumo indicativo: evidencia apenas os pontos principais do texto. Não apresenta dados quantitativos ou qualitativos do texto original. Resumo informativo: informa suficientemente ao leitor, expondo as finalidades, a metodologia, os resultados e a conclusão do texto original.

Como fazer um bom resumo? Para estruturar um resumo de forma correta, é preciso seguir alguns passos essenciais: n n n n

n n n n n n n

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Faça uma leitura inicial do texto, sem se preocupar em separar nada; Em uma segunda leitura, sublinhe as palavras importantes que serão usadas como base para o resumo; Selecione os fatos ou ideias mais importantes do texto; Elimine ideias ou fatos secundários, tudo que contribua para um estilo do texto, repetições e redundâncias, expressões como “ou seja”, “isto é”, que têm caráter explicativo, além de pormenores desnecessários, como exemplos e citações; Troque frases por outras que sejam mais econômicas e sucintas; Mantenha a linha principal do texto; Use linguagem clara e concisa; Transforme discurso direto em indireto; Não exprima opiniões pessoais; Reduza o texto para cerca de 2/3 de sua extensão original em tamanho ou número de palavras; À medida que for resumindo, leia o texto para ver se está ficando com sentido quando comparado ao texto inicial.


Linguagens, Códigos e suas Tecnologias

Resenha crítica A resenha é um gênero textual sucinto, cuja principal característica é tecer, de maneira breve, uma crítica sobre determinado assunto. A resenha ideal é composta não apenas pela crítica direta, mas também por momentos de descrição, e esses dois elementos devem estar em perfeito equilíbrio em seu texto. Por ser uma síntese, muitas pessoas acabam caindo na armadilha da superficialidade, utilizando expressões como “eu gostei” ou “eu não gostei”, esquecendo-se de que é preciso também argumentar para justificar as críticas positivas ou negativas que constarem na resenha. Tudo isso deve ser feito por meio do emprego de um vocabulário simples, porém preciso, prezando a concisão e a impessoalidade. Como fazer uma boa resenha crítica Para escrever uma resenha crítica, é importante que você se atenha aos seguintes tópicos: n

n

n

Imparcialidade: ser imparcial significa deixar as emoções de lado e escrever sem tomar partido, isto é, sem deixar que motivos pessoais contaminem a escrita. Assim como um bom juiz, você deve ponderar, apresentando aspectos positivos e negativos sobre o tema resenhado. Se a resenha tiver como assunto uma obra literária, não permita que motivos externos à obra, como a falta de simpatia pelo escritor ou pela editora, transpareçam em sua opinião. Isso, definitivamente, não é conveniente. Cientificidade: por ser um trabalho de cunho acadêmico, a resenha deve ter cunho científico, ou seja, ela deve ser racional (prezar a objetividade e impessoalidade), sistemática (apresentar um sistema de ideias ordenadas de maneira lógica) e verificável (conter afirmações que podem ser comprovadas por meio da observação); Objetividade: na resenha deve constar aquilo que for estritamente essencial, respeitando a característica principal do gênero, que é a brevidade. Detalhes e subjetividades não são elementos bem-vindos, pois o leitor que busca uma resenha busca também uma análise sintética sobre o assunto.

Resumo

Resenha

Referência do texto resumido

Referência do texto resenhado

Ressaltar objetivo, método, resultados e conclusões do documento

Informações sobre o autor (nacionalidade, formação, livros publicados)

Retirar elementos redundantes e aspectos irrelevantes

Comentários e julgamentos do resenhista

Usar, predominantemente, o verbo na voz ativa e na terceira pessoa

Recomendações do resenhista, público-alvo ao qual a obra é endereçada

D10  Resumo e resenha crítica

Resumo X Resenha

713


que erceorta-

Português Questão 01. Transpondo-se o trecho em um só período para o discurso indireto, tem-se: “O líder indígena disse que eles viviam lá que nem gado e não podiam sair daquela cerca”.

ação

Questão 02. Reescrevendo, tem-se: “Os outros decidem promover (produzir, efetuar) uma festa para levá-lo (estimulá-lo, incentivá-lo) a rir (…). Todos realizam (praticam, elaboram) coisas engraçadas”. Há outras possibilidades e somente dois verbos deveriam ser substituídos.

Exercícios de Fixação 01. (Fuvest SP) Examine a transcrição do depoimento de Eduardo Koge, líder indígena de Tadarimana, MT. Nós vivemos aqui que nem gado. Tem a cerca e nós não podemos sair dessa cerca. Tem que viver só do que tem dentro da cerca. É, nós vivemos que nem boi no curral. Paulo A. M. Isaac, Drama da educação escolar indígena Bóe-Bororo.

Reescreva, em um único período, os trechos “Nós vivemos aqui que nem gado” e “nós não podemos sair dessa cerca”, empregando discurso indireto. Comece o período conforme indicado na página de respostas. 02. (Fuvest SP) Leia o texto. Um tema frequente em culturas variadas é o do desafio à ordem divina, a apropriação do fogo pelos mortais. Nos mitos gregos, Prometeu é quem rouba o fogo dos deuses. Diz Vernant que Prometeu representa no Olimpo uma vozinha de contestação, espécie de movimento estudantil de maio de 1968. Zeus decide esconder dos homens o fogo, antes disponível para todos, mortais e imortais, na copa de certas árvores – os freixos – porque Prometeu tentara tapeá-lo numa repartição da carne de um touro entre deuses e homens. Na mitologia dos Yanomami, o dono do fogo era o jacaré, que cuidadosamente o escondia dos outros, comendo taturanas assadas com sua mulher sapo, sem que ninguém soubesse. Ao resto do povo – animais que naquela época eram gente – eles só davam as taturanas cruas. O jacaré costumava esconder o fogo na boca. Os outros decidem fazer uma festa para fazê-lo rir e soltar as chamas. Todos fazem coisas engraçadas, mas o jacaré fica firme, no máximo dá um sorrisinho. Betty Mindlin, O fogo e as chamas dos mitos. Revista Estudos Avançados. Adaptado.

Reescreva o trecho “Os outros decidem fazer uma festa para fazê-lo rir (...). Todos fazem coisas engraçadas”, substituindo o verbo “fazer” por sinônimos adequados ao contexto em duas de suas três ocorrências. 03. (Uncisal AL) Adolescentes nunca dormiram tão pouco – e celular é o vilão D10  Resumo e resenha crítica

Um novo estudo mostra que os jovens não estão dormindo tempo o suficiente e que, se comparados a gerações anteriores, os adolescentes nunca tiveram tão poucas horas de sono. Os psicólogos responsáveis pela pesquisa dizem que quanto mais tempo os adolescentes passam online, menos eles dormem. O corpo humano precisa de quantidades distintas de sono ao longo da vida. Uma criança de 4 anos necessita de 11 a

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12 horas na cama. O tempo ideal para um idoso saudável é de sete a oito horas – embora muitos não consigam dormir tanto. Mas para um adolescente ter um dia produtivo, o recomendado pelos especialistas é que se durma, no mínimo, nove horas por noite. Nessa faixa etária, menos que sete horas é considerado insuficiente. […] De acordo com os autores da pesquisa, o fenômeno celular X sono pode ser notado desde o início da década, quando houve um crescimento no uso de smartphones e, como consequência, as horas de sono dos jovens diminuíram. Eles alertam para os impactos da luz dos dispositivos eletrônicos na qualidade do sono já que o azul das telas inibe a produção de melatonina, o hormônio natural do corpo, e como não dormir o bastante pode ser negativo para o desenvolvimento dos adolescentes em várias esferas da vida. Os smartphones são pré-requisitos para a vida moderna, tanto que se tornaram extensões do nosso corpo. Entre adolescentes e adultos, a dependência é tanta que já existe um termo para descrever o medo de ficar sem celular: nomofobia. O conselho da líder do estudo, Jean Twenge que também é autora de diversos livros sobre comportamento adolescente, é que o uso desses dispositivos seja limitado a duas horas por dia. “Dada a importância do sono para a saúde física e mental, adolescentes e adultos devem considerar se os smartphones não estão interferindo na qualidade de seu sono. É realmente importante não usar eletrônicos com tela antes de dormir, porque eles prejudicam o processo de adormecimento”. [...] Disponível em: <https://super.abril.com.br/sau-de/adolescentes- nunca-dormiram-tao-pouco-e-celular-e-o-vilao/>. Acesso em: 24 out.2017.

Os elementos coesivos são importantes recursos para estabelecer diferentes relações de sentido no texto. Assinale a alternativa em cujo excerto se constata uma relação de causa e consequência entre as informações enunciadas. a) “Os psicólogos responsáveis pela pesquisa dizem que quanto mais tempo os adolescentes passam online, menos eles dormem.” b) “O tempo ideal para um idoso saudável é de sete a oito horas – embora muitos não consigam dormir tanto.” c) “De acordo com os autores da pesquisa, o fenômeno celular X sono pode ser notado desde o início da década [...]”. d) “Entre adolescentes e adultos, a dependência é tanta que já existe um termo para descrever o medo de ficar sem celular: nomofobia.” e) “É realmente importante não usar eletrônicos com tela antes de dormir, porque eles prejudicam o processo de adormecimento.”


Linguagens, Códigos e suas Tecnologias

Exercícios Complementares

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Arnold Hauser, Teorias da arte. Adaptado.

No trecho “Numa palavra, qualquer gênero de arte que, de fato, nos afete, torna-se, deste modo, arte moderna” (Refs. 5-6), as expressões sublinhadas podem ser substituídas, sem prejuízo do sentido do texto, respectivamente, por a) realmente; portanto. b) invariavelmente; ainda. c) com efeito; todavia. d) com segurança; também. e) possivelmente; até. 02. (Fac. Santo Agostinho BA) “(...) ergueu-se rapidamente, passou para o outro lado da sala e deu alguns passos, entre a janela da rua e a porta do gabinete do marido. Assim, com o desalinho honesto que trazia, dava-me uma impressão singular. Magra, embora, tinha não sei que balanço no andar, como quem lhe custa levar o corpo”. ASSIS, Machado de. Páginas Recolhidas. Rio de Janeiro: Editora Rovelle, 2008

A reescrita da passagem “Magra, embora”, de forma que o sentido original seja mantido, está correta na alternativa a) Desde que fosse magra… b) Porque era magra... c) Ainda que fosse magra... d) Como era magra... 03. (Uerj RJ) O retirante explica ao leitor quem é e a que vai

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— O meu nome é Severino, não tenho outro de pia. Como há muitos Severinos, que é santo de romaria, deram então de me chamar Severino de Maria; como há muitos Severinos com mães chamadas Maria, fiquei sendo o da Maria

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do finado Zacarias. Mas isso ainda diz pouco: há muitos na freguesia, por causa de um coronel que se chamou Zacarias e que foi o mais antigo senhor desta sesmaria. Como então dizer quem fala ora a Vossas Senhorias? Vejamos: é o Severino da Maria do Zacarias, lá da serra da Costela, limites da Paraíba. Mas isso ainda diz pouco: se ao menos mais cinco havia com nome de Severino filhos de tantas Marias mulheres de outros tantos, já finados, Zacarias, vivendo na mesma serra magra e ossuda em que eu vivia. Somos muitos Severinos iguais em tudo na vida: na mesma cabeça grande que a custo é que se equilibra, no mesmo ventre crescido sobre as mesmas pernas finas, e iguais também porque o sangue que usamos tem pouca tinta. E se somos Severinos iguais em tudo na vida, morremos de morte igual, mesma morte severina: que é a morte de que se morre de velhice antes dos trinta, de emboscada antes dos vinte, de fome um pouco por dia (de fraqueza e de doença é que a morte severina ataca em qualquer idade, e até gente não nascida). JOÃO CABRAL DE MELO NETO Morte e vida severina e outros poemas em voz alta. Rio de Janeiro: José Olympio, 1980.

As marcas coesivas de um texto nem sempre estão explícitas em sua superfície, como se observa no seguinte trecho: Mas isso ainda diz pouco: há muitos na freguesia, (l. 12-13) Indique a relação semântica existente entre as duas orações contidas no trecho acima. Depois, reescreva o trecho, substituindo os dois-pontos por um conectivo que explicite essa relação de sentido. Questão 03. Relação semântica: explicação / causa. Uma das respostas: • Mas isso ainda diz pouco, pois há muitos na freguesia. • Mas isso ainda diz pouco, já que há muitos na freguesia. • Mas isso ainda diz pouco, porque há muitos na freguesia. • Mas isso ainda diz pouco, uma vez que há muitos na freguesia.

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D10  Resumo e resenha crítica

01. (Fuvest SP) 1 Uma obra de arte é um desafio; não a explicamos, 2 ajustamo-nos a ela. Ao interpretá-la, fazemos uso dos nossos 3 próprios objetivos e esforços, dotamo-la de um significado que 4 tem sua origem nos nossos próprios modos de viver e de pensar. 5 Numa palavra, qualquer gênero de arte que, de fato, nos afete, 6 torna-se, deste modo, arte moderna. 7 As obras de arte, porém, são como altitudes inacessíveis. 8 Não nos dirigimos a elas diretamente, mas contornamo-las. 9 Cada geração as vê sob um ângulo diferente e sob uma nova 10 visão; nem se deve supor que um ponto de vista mais recente é 11 mais eficiente do que um anterior. Cada aspecto surge na sua 12 altura própria, que não pode ser antecipada nem prolongada; 13 e, todavia, o seu significado não está perdido porque o 14 significado que uma obra assume para uma geração posterior 15 é o resultado de uma série completa de interpretações anteriores.


Português

04. (UECE) A imigrante italiana que se formou em nutrição aos 87 anos escreveu o TCC inteiro à mão 154 Os cabelos brancos de Luísa Valencic 155 Ficara contrastaram com a juventude dos 156 colegas durante sua formatura. Nascida na 157 Itália, Luísa imigrou para a América do Sul 158 durante a Segunda Guerra Mundial, viveu 159 em três países sul-americanos e se 160 estabeleceu em Jundiaí, no interior de São 161 Paulo. Aos 87 anos, ela acaba de se formar 162 em nutrição. 163 Dona Luísa, como é conhecida, vive 164 na cidade há 40 anos. Após o 165 falecimento do marido e de sua irmã, ela 166 decidiu voltar a estudar para se manter 167 ocupada. Foi assim que surgiu a ideia de se 168 matricular no curso de nutrição do Centro 169 Universitário Padre Anchieta. A graduação 170 foi concluída após seis anos de estudos, 171 com um TCC sobre a cana-de-açúcar no 172 Brasil. Segundo informações do Grupo 173 Anchieta, todo o trabalho foi escrito à mão. 174 Colegas, professores e funcionários da 175 instituição ajudaram com a parte da 176 digitação, configuração e impressão do 177 trabalho, para apoiar Dona Luísa. 178 Mas a graduação não é o limite para 179 a idosa. Ela, que também frequenta aulas 180 de alemão, inglês e francês, já está 181 pensando em ingressar em um curso de 182 pós-graduação para continuar estudando, 183 segundo contou ao G1. Disponível em: http://www.hypeness.com.br/2017/09/aimigrante- italiana-que-se-for-mou-em-nutricaoaos- 87-anos/. Acesso: 23/9/17.

A notícia acima apresenta elementos coesivos que ajudam na “costura” temática do texto. A partir dessa ideia, é correto asseverar que a) o pronome “sua” (Ref. 156) se relaciona à “juventude” (Ref. 155). b) “todo o trabalho” (Ref. 173) retoma “graduação” (Ref. 169). c) “instituição” (Ref. 175) substitui “Grupo Anchieta” (Refs. 172-173). d) “cidade” (Ref. 164) refere-se à “Itália” (Ref. 157).

D10  Resumo e resenha crítica

05. (ESPM SP) As frases abaixo apresentam ou duplo sentido, ou construção estranha. Assinale a única em que isso NÃO ocorre: a) Estação Espacial Internacional ajudará a proteger tartarugas gigantes de Galápagos. b) Prefeitura de SP também quer mandar usuários para avaliação médica contra a sua vontade. c) Pesquisas brasileiras testam tratamento de câncer sem efeitos colaterais de quimioterapia com nanopartículas. d) Em tom inflamado, apresentador Datena desafia a Globo a processar ao vivo. e) China se esforça para lidar com Coreia do Norte, que considera caso perdido. 06. (USF SP) Arqueólogos descobrem uma dinastia feminina pré-colombiana Análises de DNA acabam de revelar um caso relativamente raro de poder feminino numa das sociedades mais enigmáticas da América pré-colombiana. No túmulo que abrigava a elite de Pueblo Bonito, cidadela com cerca de mil anos de idade construída no deserto do Novo México (EUA), só podiam ser enterradas pessoas que pertenciam a uma dinastia materna específica, afirmam pesquisadores. 716

Combinando datações relativamente precisas, por meio do método do carbono-14, com as análises genéticas, Douglas Kennett, do Departamento de Antropologia da Universidade do Estado da Pensilvânia (EUA), e seus colegas conseguiram reconstruir como as governantes (e seus consortes homens) de Pueblo Bonito teriam solidificado seu domínio da área ao longo dos séculos. Os pesquisadores conseguiram obter mtDNA (DNA mitocondrial, presente nas mitocôndrias, (1) as usinas de energia das células) de nove dos 14 indivíduos exumados na cripta. O mtDNA só é transmitido de mãe para filha ou filho, diferentemente do DNA do núcleo das células. Foi então que veio a primeira surpresa: todas as nove pessoas tinham mtDNA praticamente idêntico, indicando que compartilhavam uma ancestral pelo lado materno. Poderiam ser nove filhas e filhos de uma mesma mãe? Não, porque as datações indicavam que os enterros na cripta foram acontecendo de forma gradual, ao longo de alguns séculos. Foi possível, a seguir, fazer análises ainda mais refinadas de DNA – (2) incluindo aí o DNA do núcleo – (2) em seis dos esqueletos. Eram três mulheres e três homens, mostraram os dados genéticos. Desses, quatro eram parentes próximos entre si: uma mulher que morreu na casa dos 40 anos e um homem que morreu por volta dos 30, que seriam avó e neto; (3) e uma mulher de 45 anos e uma jovem de 25, que devem ter sido mãe e filha. Por outro lado, o primeiro morto da linhagem a ser enterrado ali era do sexo masculino e morreu aos 40, com uma pancada na cabeça. “O poder e a influência política nessa sociedade (4) estavam associados à linhagem materna, (5) de forma que tanto homens quanto mulheres compartilhavam poder e influência”, desde que pertencessem ao clã feminino “nobre”, explica Kennett. Se a inferência estiver correta, isso significa que os habitantes de Pueblo Bonito talvez tenham deixado descendentes entre os atuais indígenas do sudoeste dos EUA, apesar de terem abandonado seus assentamentos faraônicos antes da chegada dos europeus. É que, entre as tribos atuais hopis e zunis, as linhagens ainda são determinadas pelo lado materno, e não pelo lado paterno. Quando um homem se casa, por exemplo, os filhos que gera com a mulher são considerados membros da linhagem dela, e não da dele (seria como se levassem o “sobrenome” da mãe). Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/ciencia/2017/02/1861896-arqueo-logos-descobrem-uma-dinastia-feminina-pre-colombiana.shtml>. Acesso em: 12/10/17. (Excerto).

Para construir um texto, utilizamos certas estruturas que conferem a ele coesão e progressão. Assinale a alternativa que faz uma análise correta sobre os operadores de coesão sublinhados no texto. a) A locução conjuntiva “desde que” estabelece uma relação temporal no trecho em que aparece. b) A locução prepositiva “por meio” pode ser substituída por “através” sem incorreção gramatical. c) O advérbio interrogativo “como” funciona como um pronome relativo, introduzindo uma oração adjetiva. d) A contração “nessa” poderia ser substituída por “nesta” sem incorreção semântica ou gramatical. e) O nexo “apesar de” veicula ideia concessiva e indica uma quebra de expectativa sobre o evento.


FRENTE

D

PORTUGUÊS

MÓDULO D11

CARTA DO LEITOR Veiculada, geralmente, em jornais e revistas, a carta do leitor é um tipo de carta – portanto, um gênero epistolar – que contém as opiniões dos leitores da mídia. É um espaço reservado para opiniões, sugestões, críticas, perguntas, elogios e reclamações dos leitores, que são publicadas e podem ser visualizadas por qualquer outro leitor do jornal ou revista.

ASSUNTOS ABORDADOS n Carta do leitor n Características n Estrutura da carta do leitor n Exemplos

Esse tipo de texto possui uma função relevante para os meios de comunicação, de modo que a carta do leitor possa assegurar uma resposta de seus leitores. É um importante instrumento de comunicação, já que o leitor pode interagir com o veículo de comunicação, expondo, assim, seu ponto de vista acerca de uma determinada notícia, reportagem, pesquisa ou qualquer outro assunto atual. Além disso, ele pode sugerir algum tema a ser abordado. Por esse motivo, é uma importante ferramenta de produção de pauta para os meios de comunicação. Desse modo, devemos nos lembrar de que a carta do leitor possui um remetente (emissor ou locutor) e destinatário (receptor ou interlocutor). Antes de ser publicada, ela passa pela equipe de revisão, a qual adaptará o texto e corrigirá possíveis erros. Por esse motivo, não existe um modelo específico, uma vez que segue o padrão de apresentação e o espaço destinado para esse fim, determinado pelo meio de comunicação. Vale lembrar que a carta do leitor é uma pequena seção do veículo de comunicação, a qual pode ser publicada na íntegra, ou somente os trechos relevantes. Como será publicada, as expressões de baixo calão, ou posições preconceituosas não devem ser pronunciadas. Além disso, o leitor deve evitar expressões populares, gírias, vícios de linguagem, apresentando seu texto em uma linguagem formal, ou seja, que segue a norma culta da língua portuguesa. É importante destacar que, de acordo com o público, a linguagem pode ser mais descontraída, por exemplo, em uma revista para adolescentes.

Características As principais características da carta do leitor são: n n n n n

Textos breves e escritos em 1ª pessoa; Temas atuais e de caráter subjetivo; Linguagem simples, clara e objetiva; Presença de destinatário e remetente; Texto expositivo e argumentativo.

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Português

Estrutura da carta do leitor Geralmente, as cartas dos leitores não seguem uma estrutura padrão. No entanto, devem apresentar alguns elementos estruturais: n n n n n

Vocativo: aparece o nome da revista ou do jornal e pode vir acompanhada de local e data (chamado de cabeçalho); Introdução: pequeno trecho que aborda o assunto que será apresentado e explorado pelo leitor; Desenvolvimento: desenvolvimento da argumentação do leitor sobre sua ideia central; Conclusão: o leitor arremata suas ideias e, geralmente, inclui uma sugestão para o assunto abordado; Despedida: representa as saudações finais do leitor, por exemplo, atenciosamente, cordialmente, abraços etc.

Exemplos Exemplo 1 Goiânia, 8 de fevereiro de 2018. Caro editor, Gostaria de parabenizar os responsáveis pela reportagem sobre a região Centro Oeste, especialmente o destaque feito a Goiânia, capital onde nasci e vivo até hoje. Os aspectos sociais e culturais presentes na cidade foram brilhantemente descritos no texto e muito bem representados por meio das imagens que representam tão bem o nosso povo. Atenciosamente. J. S. Exemplo 2 São Paulo, 12 de dezembro de 2013. Caros Editores da Revista Viagens e Lazer,

D11  Carta do leitor

Antes de mais nada, gostaria de agradecer a matéria publicada no mês de outubro intitulada “Lugares Inóspitos do Planeta” pela riqueza de detalhes e das fotos acrescidas ao texto. Após ler a matéria, fiz uma lista dos locais que me interessam conhecer, uma vez que sou antropólogo e um grande viajante e explorador de lugares. Quanto a isso, tenho uma sugestão para o próximo mês, a inclusão de uma matéria sobre as ilhas Fiji. Estive ali durante dois anos de minha vida e pude contemplar belezas naturais estonteantes. Parabéns pelo trabalho! Agradeço a atenção! João Ribeiro, Porto Alegre (Rio Grande do Sul) 718


Linguagens, Códigos e suas Tecnologias

Exercícios de Fixação

Alexandre Eulálio, “Livro que nasceu clássico”. In: Helena Morley, Minha vida de menina.

De acordo com Alexandre Eulálio, a protagonista do romance Minha vida de menina a) vivencia um conflito – uma ideia fortalecida por “a bem dizer” (Ref. 5). b) apresenta certo vínculo com o protestantismo – uma ideia sintetizada por “ecos de uma formação britânica” (Ref. 7-8). c) formou-se num meio alheio ao trabalho escravo – um fato referido por “num ambiente de corte ibérico e católico” (Refs. 8-9). d) rejeita as influências do meio em que vive – uma característica revelada por “precisão e finura notáveis” (Ref. 14). e) tem a sua lucidez psicológica abalada pelas ambivalências de sua educação – um traço reiterado por “equilíbrio mesmo de suas contradições” (Refs. 17-18). 02. (Fuvest SP) 1 Uma obra de arte é um desafio; não a explicamos, 2 ajustamo-nos a ela. Ao interpretá-la, fazemos uso dos nossos 3 próprios objetivos e esforços, dotamo-la de um significado que 4 tem sua origem nos nossos próprios modos de viver e de pensar. 5 Numa palavra, qualquer gênero de arte que, de fato, nos afete, 6 torna-se, deste modo, arte moderna. 7 As obras de arte, porém, são como altitudes inacessíveis. 8 Não nos dirigimos a elas diretamente, mas contornamo-las. 9 Cada geração as vê sob um ângulo diferente e sob uma nova 10 visão; nem se deve supor que um ponto de vista mais recente é 11 mais eficiente do que um anterior. Cada aspecto

surge na sua 12 altura própria, que não pode ser antecipada nem prolongada; 13 e, todavia, o seu significado não está perdido porque o 14 significado que uma obra assume para uma geração posterior 15 é o resultado de uma série completa de interpretações anteriores. Arnold Hauser, Teorias da arte. Adaptado.

De acordo com o texto, a compreensão do significado de uma obra de arte pressupõe a) o reconhecimento de seu significado intrínseco. b) a exclusividade do ponto de vista mais recente. c) a consideração de seu caráter imutável. d) o acúmulo de interpretações anteriores. e) a explicação definitiva de seu sentido. 03. (Fuvest SP) (...) procurei adivinhar o que se passa na alma duma cachorra. Será que há mesmo alma em cachorro? Não me importo. O meu bicho morre desejando acordar num mundo cheio de preás. Exatamente o que todos nós desejamos. A diferença é que eu quero que eles apareçam antes do sono, e padre Zé Leite pretende que eles nos venham em sonhos, mas no fundo todos somos como a minha cachorra Baleia e esperamos preás. (...) Carta de Graciliano Ramos a sua esposa.

(...) Uma angústia apertou-lhe o pequeno coração. Precisava vigiar as cabras: àquela hora cheiros de suçuarana deviam andar pelas ribanceiras, rondar as moitas afastadas. Felizmente os meninos dormiam na esteira, por baixo do caritó onde sinhá Vitória guardava o cachimbo. (...) Baleia queria dormir. Acordaria feliz, num mundo cheio de preás. E lamberia as mãos de Fabiano, um Fabiano enorme. As crianças se espojariam com ela, rolariam com ela num pátio enorme, num chiqueiro enorme. O mundo ficaria todo cheio de preás, gordos, enormes. Graciliano Ramos, Vidas secas.

A comparação entre os fragmentos, respectivamente, da Carta e de Vidas secas, permite afirmar que a) “será que há mesmo” e “acordaria feliz” sugerem dúvida. b) “procurei adivinhar” e “precisava vigiar” significam necessidade. c) “no fundo todos somos” e “andar pelas ribanceiras” indicam lugar. d) “ padre Zé Leite pretende” e “Baleia queria dormir” indicam intencionalidade. e) “todos nós desejamos” e “dormiam na esteira” indicam possibilidade.

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D11  Carta do leitor

01. (Fuvest SP) 1 Voltada para o encanto da vida livre do pequeno núcleo 2 aberto para o campo, a jovem Helena, familiar a todas as 3 classes sociais daquele âmbito, estava colocada num invejável 4 ponto de observação. (...) 5 Sem querer forçar um conflito que, a bem dizer, apenas 6 se esboça, podemos atribuir parte desta grande versatilidade 7 psicológica da protagonista aos ecos de uma formação 8 britânica, protestante, liberal, ressoando num ambiente de 9 corte ibérico e católico, mal saído do regime de trabalho 10 escravo. Colorindo a apaixonada esfera de independência da 11 juventude, reveste-se de acentuado sabor sociológico este caso 12 da menina ruiva que, embora inteiramente identificada com o 13 meio de gente morena que é o seu, o único que conhece e ama, 14 não vacila em o criticar com precisão e finura notáveis, se essa 15 lucidez não traduzisse a coexistência íntima de dois mundos 16 culturais divergentes, que se contemplam e se julgam no 17 interior de um eu tornado harmonioso pelo equilíbrio mesmo de 18 suas contradições.


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ontra 839-

Português

os e ouo alarem ferro havia

Exercícios Complementares 01. (Uerj RJ) Considere o conto “O espelho”, do livro Primeiras estórias, de João Guimarães Rosa. Marcelo Gleiser, em “O poder criativo da imperfeição”, formula uma tese a respeito da relação entre ciência e realidade. O narrador do conto estabelece reflexões acerca do conhecimento que dialogam com essa tese. O trecho do conto que melhor sintetiza esse diálogo é: a) porque vivemos, de modo incorrigível, distraídos das coisas mais importantes. b) a espécie humana peleja para impor ao latejante mundo um pouco de rotina e lógica. c) primeiro a humanidade mirou-se nas superfícies de água quieta, lagoas, lameiros, fontes. d) Vejo que começa a descontar um pouco de sua inicial desconfiança, quanto ao meu são juízo. 02. (Unicamp SP)

b) a Samarco teria pago uma grande parte do que devia e o prazo provavelmente está sendo cumprido. c) a Samarco já quitou o que devia , conforme valor homologado na justiça. d) a mineradora não deveria arcar sozinha com a despesa da tragédia de Mariana. 03. (Unicamp SP) Em maio deste ano, uma festa do 3º ano do Ensino Médio de uma escola do Rio Grande do Sul propôs aos alunos que se preparavam para o vestibular uma atividade chamada “Se nada der certo”. O objetivo era “trabalhar o cenário de não aprovação no vestibular”, e como “lidar melhor com essa fase”. Os alunos compareceram à festa “fantasiados” de faxineiros, garis, domésticas, agricultores, entre outras profissões consideradas de pessoas “fracassadas”. O evento teve repercussão nacional e acirrou o debate sobre a meritocracia. Para Luis Felipe Miguel, professor de ciência política, “o tom de chacota da festa-recreio era óbvio”, e teria sido mais interessante “discutir como se constrói a hierarquia que define algumas ocupações como subalternas e outras como superiores; discutir como alguns podem desprezar os saberes incorporados nas práticas dessas profissões (subalternas apenas porque contam com quem as faça por eles); discutir como o que realmente ‘deu certo’ para eles foi a loteria do nascimento, que, na nossa sociedade, determina a parte do leão das trajetórias individuais”. (Adaptado de Fernanda Valente, Dia do ’se nada der certo’ acende debate sobre meritocracia e privilégio. Carta Capital, 06/06/2017. Disponível em http://justificando.cartacapital.com.br/2017/06/06/dia-do-se-nada-der-certoacende-debate-sobre-meritocracia-e-privilegio/. Acessado em 08/06/2017.)

As alternativas a seguir reproduzem trechos de uma entrevista do professor Sidney Chalhoub (Unicamp e Harvard) sobre o mito da meritocracia. (Manuel Alves Filho, A meritocracia é um mito que alimenta as desigualdades, diz Sidney Chalhoub. Jornal da Unicamp, 07/06/2017.)

(“Caneta Desmanipuladora.” Facebook. 17/10/2016. Disponível em https:// www.facebook.com/canetadesmanipuladora/. Acessado em 15/07/2017.)

D11  Carta do leitor

Em relação ao post adaptado da página do Facebook “Caneta Desmanipuladora”, é correto afirmar que a “desmanipulação” (substituição de “já” por “só” e acréscimo de “até agora”) explicita a tentativa do jornal de levar o leitor a pensar que a) ainda falta muito a ser pago pela mineradora e há atrasos no pagamento.

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Assinale aquela que dialoga diretamente com a notícia acima. a) É preciso promover a inclusão “e fazer com que o conhecimento que essas pessoas trarão à Universidade seja reconhecido e disseminado”. b) Com a adesão da Unicamp ao sistema de cotas, um “novo contingente de alunos colocará em cheque vários hábitos da universidade”. c) “As melhores universidades do mundo (que servem de referência) adotam a diversidade no ingresso dos estudantes há bastante tempo”. d) “O ideal seria que todos aqueles que tivessem condições intelectuais e interesse em entrar na universidade obtivessem uma vaga”.


Linguagens, Códigos e suas Tecnologias

(Hagar, o Horrível, vol 1, 2014.)

O ensinamento ministrado por Hagar a seu filho poderia ser expresso do seguinte modo: a) “A fome é a companheira do homem ocioso.” b) “O estômago que raramente está vazio despreza alimentos vulgares.” c) “Nada é mais útil ao homem do que uma sábia desconfiança.” d) “Muitos homens querem uma coisa, mas não suas consequências.” e) “É impossível para um homem ser enganado por outra pessoa que não seja ele mesmo.” Texto comum às questões 05, 06 e 07 Leia o excerto do “Sermão do bom ladrão”, de Antônio Vieira (1608-1697). Navegava Alexandre [Magno] em uma poderosa armada pelo Mar Eritreu a conquistar a Índia; e como fosse trazido à sua presença um pirata, que por ali andava roubando os pescadores, repreendeu-o muito Alexandre de andar em tão mau ofício; porém ele, que não era medroso nem lerdo, respondeu assim: “Basta, Senhor, que eu, porque roubo em uma barca, sou ladrão, e vós, porque roubais em uma armada, sois imperador?”. Assim é. O roubar pouco é culpa, o roubar muito é grandeza: o roubar com pouco poder faz os piratas, o roubar com muito, os Alexandres. Mas Sêneca, que sabia bem distinguir as qualidades, e interpretar as significações, a uns e outros, definiu com o mesmo nome: [...] Se o rei de Macedônia, ou qualquer outro, fizer o que faz o ladrão e o pirata; o ladrão, o pirata e o rei, todos têm o mesmo lugar, e merecem o mesmo nome. Quando li isto em Sêneca, não me admirei tanto de que um filósofo estoico se atrevesse a escrever uma tal sentença em Roma, reinando nela Nero; o que mais me admirou, e quase envergonhou, foi que os nossos oradores evangélicos em tempo de príncipes católicos, ou para a emenda, ou para a cautela, não preguem a mesma doutrina. Saibam estes eloquentes mudos que mais ofendem os reis com o que calam que com o que disserem; porque a confiança com que isto se diz é sinal que lhes não toca, e que se não podem ofender; e a cautela com que se cala é argumento de que se ofenderão, porque lhes pode tocar. [...]

Suponho, finalmente, que os ladrões de que falo não são aqueles miseráveis, a quem a pobreza e vileza de sua fortuna condenou a este gênero de vida, porque a mesma sua miséria ou escusa ou alivia o seu pecado [...]. O ladrão que furta para comer não vai nem leva ao Inferno: os que não só vão, mas levam, de que eu trato, são os ladrões de maior calibre e de mais alta esfera [...]. Não são só ladrões, diz o santo [São Basílio Magno], os que cortam bolsas, ou espreitam os que se vão banhar, para lhes colher a roupa; os ladrões que mais própria e dignamente merecem este título são aqueles a quem os reis encomendam os exércitos e legiões, ou o governo das províncias, ou a administração das cidades, os quais já com manha, já com força, roubam e despojam os povos. Os outros ladrões roubam um homem, estes roubam cidades e reinos: os outros furtam debaixo do seu risco, estes sem temor, nem perigo: os outros, se furtam, são enforcados: estes furtam e enforcam. (Essencial, 2011.)

05. (Unesp SP) No primeiro parágrafo, Antônio Vieira caracteriza a resposta do pirata a Alexandre Magno como a) dissimulada. b) ousada. c) enigmática. d) servil. e) hesitante. 06. (Unesp SP) No segundo parágrafo, Antônio Vieira torna explícito seu descontentamento com a) o filósofo Sêneca. b) os príncipes católicos. c) o imperador Nero. d) a doutrina estoica. e) os oradores evangélicos. 07. (Unesp SP) Assinale a alternativa cuja citação se aproxima tematicamente do “Sermão do bom ladrão” de Antônio Vieira. a) “Rouba um prego, e serás enforcado como um malfeitor; rouba um reino, e tornar-te-ás duque.” (Chuang-Tzu, filósofo chinês, 369-286 a.C.) b) “Para quem vive segundo os verdadeiros princípios, a grande riqueza seria viver serenamente com pouco: o que é pouco nunca é escasso.” (Lucrécio, poeta latino, 98-55 a.C.) c) “O dinheiro que se possui é o instrumento da liberdade; aquele que se persegue é o instrumento da escravidão.” (Rousseau, filósofo francês, 1712-1778) d) “Que o ladrão e a ladra tenham a mão cortada; esta será a recompensa pelo que fizeram e a punição da parte de Deus; pois Deus é poderoso e sábio.” (Alcorão, livro sagrado islâmico, século VII) e) “Dizem que tudo o que é roubado tem mais valor.” (Tirso de Molina, dramaturgo espanhol, 1584-1648)

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D11  Carta do leitor

04. (Unesp SP) Examine a tira Hagar, o Horrível do cartunista americano Dik Browne (1917-1989).


FRENTE

D

PORTUGUÊS

MÓDULO D12

ASSUNTOS ABORDADOS n Crônica argumentativa n Características n Como fazer uma crônica argumentativa? n Estrutura da crônica n Exemplo

CRÔNICA ARGUMENTATIVA A principal marca da crônica argumentativa é a argumentação, ou seja, o poder de persuasão do autor para convencer o leitor. Ela é muito utilizada pelos meios de comunicação, sobretudo jornais e revistas. Em resumo, a crônica argumentativa funde aspectos da crônica e dos textos argumentativos, aproximando-se do artigo de opinião. Nesse tipo de texto, os cronistas expressam um tema e sua posição, ponto de vista ou juízo de valor sobre tal assunto. Antes de explanarmos as características fundamentais da crônica argumentativa, é relevante destacar que a nomenclatura “crônica” deriva-se do latim chronica e do grego khrónos (tempo). Em função desse tempo, é que podemos assemelhá-lo à narração, ao se tratar de um relato sobre um ou mais acontecimentos permeados em um determinado tempo. A crônica é um tipo de texto constituído por poucos personagens ou, em muitos casos, não há nem personagens, já que na crônica argumentativa prevalece a demarcação de um posicionamento acerca de um fato cotidiano com implicações sociais, políticas e culturais. Dessa maneira, o cronista, lançando mão de sua criatividade imaginativa, incrementa situações cotidianas com toque de bom humor e ironia, de modo a permitir que as pessoas vejam por outra ótica aquilo que lhes parece relativamente óbvio. Trata-se de um texto essencialmente veiculado por jornais e revistas, razão pela qual ele oscila entre jornalismo e literatura. Isso porque o emissor parte da observação dos fatos reais, embora os relate de forma predominantemente subjetiva. Entretanto, em determinadas ocasiões, esse lado poético cede lugar a um instinto opinativo, no qual a realidade observada passa a ser retratada como forma de protesto em função de um fato polêmico. Atribui-se a esse caso o que denominamos de crônica argumentativa. Tal posicionamento defendido materializa-se por meio da argumentação e da exemplificação. Nesse caso, ironia e sarcasmo parecem fundir-se ao mesmo tempo, caracterizados pela forma em que o cronista se propõe a defender seu ponto de vista, divergindo-se da maneira pela qual a maioria o concebe.

722


Linguagens, Códigos e suas Tecnologias

Características As principais peculiaridades de uma crônica argumentativa são: n n n n n n n n n n n

Argumentação e persuasão; Linguagem coloquial, simples e direta; Textos relativamente curtos; Temas cotidianos e polêmicos; Crítica, humor e ironia; Induz a reflexão; Subjetividade e criatividade; Fusão do estilo jornalístico e literário; Poucos personagens, se houver; Tempo e espaço limitados; Caráter contemporâneo.

Como fazer uma crônica argumentativa? Para elaborar uma crônica argumentativa, primeiramente, é preciso escolher um tema contemporâneo, como a fome no mundo, o aumento do preço do tomate, a economia brasileira atual, uma briga entre vizinhos, o aumento do trânsito nas grandes cidades, dentre outros. Feita a escolha, leia sobre o assunto, organize suas ideias e selecione argumentos. Lembre-se de que a crônica argumentativa tem que apresentar argumentos. Caso contrário, trata-se apenas de um texto meramente informativo. Uma importante característica das crônicas é o acentuado teor crítico, com presença de humor, ironia e sarcasmo. Portanto, seja criativo! Um dos segredos de uma boa crônica é a ótica com que se observam os detalhes. Por meio disso, vários cronistas podem fazer um texto falando do mesmo fato ou assunto, mas de forma individual e original, pois cada um observa de um ângulo diferente e destaca aspectos distintos. A característica mais relevante de uma crônica é o objetivo com que ela é escrita. Seu eixo temático é sempre em torno de uma realidade social, política ou cultural. Essa mesma realidade é avaliada pelo autor da crônica e uma opinião é gerada, quase sempre com um tom de protesto ou de argumentação. Esse tipo de crônica pode ser simplesmente argumentativa e dispensar o uso da narração. É possível que se percam, assim, elementos típicos do gênero como personagens, tempo e espaço.

Estrutura da crônica Geralmente, as crônicas argumentativas seguem o padrão da estrutura dos textos dissertativos − argumentativos, a saber:

n n

Introdução (exposição): apresentação do tema que será discorrido durante a crônica. Desenvolvimento (interpretação): momento em que a opinião e a argumentação são os principais recursos utilizados. Conclusão (opinião): finalização da crônica com apresentação de sugestão de ideias para solucionar os problemas sobre o tema proposto.

D12  Crônica argumentativa

n

Exemplo Para melhor exemplificar, escolhemos uma crônica de ninguém menos que Lya Luft. Leia-a a seguir: 723


Português

Quanto nós merecemos? O ser humano é um animal que deu errado em várias coisas. A maioria das pessoas que conheço, se fizesse uma terapia, ainda que breve, haveria de viver melhor. Os problemas podiam continuar ali, mas elas aprenderiam a lidar com eles. Sem querer fazer uma interpretação barata ou subir além do chinelo: como qualquer pessoa que tenha lido Freud e companhia, não raro penso nas rasteiras que o inconsciente nos passa e em quanto nos atrapalhamos por achar que merecemos pouco. Pessoalmente, acho que merecemos muito: nascemos para ser bem mais felizes do que somos, mas nossa cultura, nossa sociedade, nossa família não nos contaram essa história direito. Fomos onerados com contos de ogros sobre culpa, dívida, deveres e… mais culpa. Um psicanalista me disse um dia: – Minha profissão ajuda as pessoas a manter a cabeça à tona d’água. Milagres ninguém faz. Nessa tona das águas da vida, por cima da qual nossa cabeça espia – se não naufragamos de vez –, somos assediados por pensamentos nem sempre muito inteligentes ou positivos sobre nós mesmos. As armadilhas do inconsciente, que é onde nosso pé derrapa, talvez nos façam vislumbrar nessa fenda obscura um letreiro que diz: “Eu não mereço ser feliz. Quem sou eu para estar bem, ter saúde, ter alguma segurança e alegria? Não mereço uma boa família, afetos razoavelmente seguros, felicidade em meio aos dissabores”. Nada disso. Não nos ensinaram que “Deus faz sofrer a quem ama”? Portanto, se algo começa a ir muito bem, possivelmente daremos um jeito de que desmorone – a não ser que tenhamos aprendido a nos valorizar. Vivemos o efeito de muita raiva acumulada, muito mal-entendido nunca explicado, mágoas infantis, obrigações excessivas e imaginárias. Somos ofuscados pelo danoso mito da mãe santa e da esposa imaculada e do homem poderoso, pela miragem dos filhos mais que perfeitos, do patrão infalível e do governo sempre confiável. Sofremos sob o peso de quanto “devemos” a todas essas entidades inventadas, pois, afinal, por trás delas existe apenas gente, tão frágil quanto nós. Esses fantasmas nos questionam, mãos na cintura, sobrancelhas iradas: – Ué, você está quase se livrando das drogas, está quase conquistando a pessoa amada, está quase equilibrando sua relação com a família, está quase obtendo sucesso, vive com alguma tranquilidade financeira… será que você merece? Veja lá! Ouvindo isso, assustados réus, num ato nada falho tiramos o tapete de nós mesmos e damos um jeito de nos boicotar – coisa que aliás fazemos demais nesta curta vida. Escolhemos a droga em lugar da lucidez e da saúde; nos fechamos para os afetos em lugar de lhes abrir espaço; corremos atarantados em busca de mais dinheiro do que precisaríamos; se vamos bem em uma atividade, ficamos inquietos e queremos trocar; se uma relação floresce, viramos críticos mordazes ou traímos o outro, dando um jeito de podar carinho, confiança ou sensualidade.

D12  Crônica argumentativa

Se a gente pudesse mudar um pouco essa perspectiva, e não encarar drogas, bebida em excesso, mentira, egoísmo e isolamento como “proibidos”, mas como uma opção burra e destrutiva, quem sabe poderíamos escolher coisas que nos favorecessem. E não passar uma vida inteira afastando o que poderia nos dar alegria, prazer, conforto ou serenidade. No conflitado e obscuro território do inconsciente, que o velho sábio Freud nos ensinaria a arejar e iluminar, ainda nos consideramos maus meninos e meninas, crianças malcomportadas que merecem castigo, privação, desperdício de vida. Bom, isso também somos nós: estranho animal que nasceu precisando urgente de conserto. Alguém sabe o endereço de uma oficina boa, barata, perto de casa – ah, e que não lide com notas frias?

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Linguagens, Códigos e suas Tecnologias Questão 01. a) São alterações que ocorreram no processo de transformação de “bebês, idosos, enfermos e sem-teto são mais vulneráveis ao frio extremo e devem evitar ao ar livre” para “A ministra da Saúde na França orientou os sem-teto a “ficarem em casa” no inverno”: i. A omissão de “bebês, idosos, enfermos”; ii. A substituição de “devem evitar sair ao ar livre” por “ficarem em casa”;

iii. A substituição de “frio extremo” por “inverno”; iv. A substituição de “são mais vulneráveis ao frio extremo” por “orientou [...] a ficarem em casa no inverno”; v. Mudança de tempos verbais: no discurso indireto há a forma verbal no infinitivo (“ficarem”) e no discurso direto, formas verbais no presente (“são” e “devem evitar”).

Exercícios de Fixação

Sensibilidade de um trator A ministra da Saúde na França orientou os sem-teto a “ficarem em casa” no inverno. E o Departamento de Trabalho e Previdência britânico quer que doentes terminais “arrumem emprego”. Isso mesmo. Nora Berra recomendou, em março: “bebês, idosos, enfermos e sem-teto são mais vulneráveis ao frio extremo e devem evitar sair ao ar livre”. Já o Department for Word and Pensions (a Previdência do Reino Unido) enviou carta para motivar mil pacientes terminais: se eles conseguirem emprego, terão apoio do DWP. Erro de idioma, como se sabe, é obter o entendimento oposto ao pretendido. Língua Portuguesa. Ano 7, n. 78, abril de 2012. p. 17 (adaptado)

No texto, há a presença de discursos direto e indireto. A fala da ministra da Saúde na França é reproduzida na forma de discurso direto (Nora Berra recomendou em março “que bebês, idosos, enfermos e sem-teto são mais vulneráveis ao frio extremo e devem evitar sair ao ar livre.”), mas também é parafraseada pelo jornalista na forma de discurso indireto (A ministra da Saúde na França orientou os sem-teto a “ficarem em casa” no inverno.). A partir dessas informações, faça o que se pede. a) No processo de transformação do discurso direto em discurso indireto, acima referido, ocorreram várias alterações. Explique duas das alterações ocorridas no texto. b) As alterações ocorridas nesse processo de transformação do discurso direto em discurso indireto têm efeitos sobre o perfil que se constrói da ministra Nora Berra. Em outras palavras, a partir do enunciado “A ministra da Saúde na França orientou os sem-teto a “ficarem em casa” no inverno”, constrói-se um perfil da ministra. Que perfil é esse? 02. (FGV SP) Na crise, viramos fantoches na rede Quando um fato de grande repercussão social ocorre, o primeiro impacto é o congestionamento. Todos buscam se comunicar, gerando sobrecarga nas linhas de celular, tornando o acesso à internet móvel lento ou inexistente. Logo a seguir vem a onda de incerteza e desinformação. No anseio da busca por notícias rápidas, começam a circular na rede vários dados falsos ou imprecisos, que são replicados massivamente. Estudos mostram que as informações falsas circulam três vezes mais que as corretas, publicadas depois. O dano é enorme. A recomendação nesses casos é contraintuitiva: não replicar qualquer informação sem checá-la antes. Evitar o desejo de “participar” do acontecimento retuitando ou compartilhando informações vindas de fontes não confiáveis, por maior que seja o número de pessoas fazendo o mesmo. Nesses momentos de grande comoção e agitação, extremistas com agendas políticas deletérias aproveitam para fazer circular suas mensagens. Esse é um dos principais efeitos desejados pelo terrorismo contemporâneo: criar uma situação de grande agitação na internet e pegar carona nela para disseminar sua mensagem. Situações como essas transformam as pessoas em veículos. Viramos agentes de disseminação ampla de mensagens pré-fabricadas, produzidas intencionalmente por algumas

poucas fontes que sabem exatamente o que estão fazendo. O objetivo não é o debate, mas mera ocupação de espaço. São teses e antíteses incapazes de produzir qualquer síntese. Não passam de narrativas pré-concebidas com o objetivo de ocupar espaço. Ronaldo Lemos, Folha de S. Paulo, 28/03/2016. Adaptado.

A frase “tornando o acesso à internet móvel lento ou inexistente” ganha em clareza e precisão se for assim reescrita: a) Transformando em vagaroso o acesso à internet inexistente. b) Transformando a internet móvel num acesso lento e inexistente. c) Tornando a busca pela internet móvel lenta e impossível. d) Tornando a pesquisa na internet móvel morosa e inexistente. e) Tornando lento ou impossível o acesso à internet móvel. 03. (FGV SP) Foi exatamente durante o almoço que se deu o fato. Almira continuava a querer saber por que Alice viera atrasada e de olhos vermelhos. Abatida, Alice mal respondia. Almira comia com avidez e insistia com os olhos cheios de lágrimas. – Sua gorda! disse Alice de repente, branca de raiva. Você não pode me deixar em paz?! Almira engasgou-se com a comida, quis falar, começou a gaguejar. Dos lábios macios de Alice haviam saído palavras que não conseguiam descer com a comida pela garganta de Almira G. de Almeida. – Você é uma chata e uma intrometida, rebentou de novo Alice. Quer saber o que houve, não é? Pois vou lhe contar, sua chata: é que Zequinha foi embora para Porto Alegre e não vai mais voltar! Agora está contente, sua gorda? Na verdade Almira parecia ter engordado mais nos últimos momentos, e com comida ainda parada na boca. Foi então que Almira começou a despertar. E, como se fosse uma magra, pegou o garfo e enfiou-o no pescoço de Alice. O restaurante, ao que se disse no jornal, levantou-se como uma só pessoa. Mas a gorda, mesmo depois de ter feito o gesto, continuou sentada olhando para o chão, sem ao menos olhar o sangue da outra. Alice foi ao pronto-socorro, de onde saiu com curativos e os olhos ainda regalados de espanto. Almira foi presa em flagrante. Na prisão, Almira comportou-se com delicadeza e alegria, talvez melancólica, mas alegria mesmo. Fazia graças para as companheiras. Finalmente tinha companheiras. Ficou encarregada da roupa suja, e dava-se muito bem com as guardiãs, que vez por outra lhe arranjavam uma barra de chocolate. (Clarice Lispector. A Legião Estrangeira, 1964. Adaptado)

Considerando-se o contexto em que está empregado o período “O restaurante, ao que se disse no jornal, levantou-se como uma só pessoa.” (7.o parágrafo), a oração em destaque pode ser substituída, sem prejuízo de sentido ao enunciado, por: a) quando disseram algo no jornal. b) conforme o que se disse no jornal. c) caso se tenha dito algo no jornal. d) embora dissessem algo no jornal. e) à medida que se disse algo no jornal.

Questão 01. b) A partir do enunciado “A ministra da Saúde na França orientou os sem-teto a ficarem em casa no inverno”, constrói-se um perfil, uma imagem negativa da ministra. Esse perfil poderá ser descrito como sendo: i. O de uma pessoa insensível; ii. O de uma pessoa alheia à realidade social; iii. O de uma pessoa cuja fala é extremamente inadequada, pois fala o que não se deve falar. Obs.: caracterizações da ministra que se aproximem desses três perfis serão consideradas.

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D12  Crônica argumentativa

01. (UFU MG)


Português

ei no mennção escitáxis mau ando “não ima.

Exercícios Complementares Texto comum às questões 01 e 02 O mundo como pode ser: uma outra globalização Podemos pensar na construção de um outro mundo a partir de uma globalização mais humana. As bases materiais do período atual são, entre outras, a unicidade da técnica, a convergência dos momentos e o conhecimento do planeta. É nessas bases técnicas que o grande capital se apoia para construir uma globalização perversa. Mas essas mesmas bases técnicas poderão servir a outros objetivos, se forem postas a serviço de outros fundamentos sociais e políticos. Parece que as condições históricas do fim do século XX apontavam para esta última possibilidade. Tais novas condições tanto se dão no plano empírico quanto no plano teórico. Considerando o que atualmente se verifica no plano empírico, podemos, em primeiro lugar, reconhecer um certo número de fatos novos indicativos da emergência de uma nova história. O primeiro desses fenômenos é a enorme mistura de

D12  Crônica argumentativa

povos, raças, culturas, gostos, em todos os continentes. A isso se acrescente, graças ao progresso da informação, a “mistura” de filosofia, em detrimento do racionalismo europeu. Um outro dado de nossa era, indicativo da possibilidade de mudanças, é a produção de uma população aglomerada em áreas cada vez menores, o que permite um ainda maior dinamismo àquela mistura entre pessoas e filosofias. As massas, de que falava Ortega y Gasset na primeira metade do século (A rebelião das massas, 1937), ganham uma nova qualidade em virtude de sua aglomeração exponencial e de sua diversificação. Trata-se da existência de uma verdadeira sociodiversidade, historicamente muito mais significativa que a própria biodiversidade. Junte-se a esses fatos a emergência de uma cultura popular que se serve dos meios técnicos antes exclusivos da cultura de massas, permitindo-lhe exercer sobre esta última uma verdadeira revanche ou vingança. É sobre tais alicerces que se edifica o discurso da escassez, afinal descoberta pelas massas. A população, aglomerada em poucos pontos da superfície da Terra, constitui uma das bases de reconstrução e de sobrevivência das relações locais, abrindo a possiblidade de utilização, ao serviço dos homens, do sistema técnico atual. No plano teórico, o que verificamos é a possiblidade de produção de um novo discurso, de uma nova metanarrativa, um grande relato. Esse novo discurso ganha relevância pelo fato de que, pela primeira vez na história do homem, se pode constatar a existência de uma universalidade empírica. A universalidade deixa de ser apenas uma elaboração abstrata na mente dos filósofos para resultar da experiência

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ordinária de cada pessoa. De tal modo, em mundo datado como o nosso, a explicação do acontecer pode ser feita a partir de categorias de uma história concreta. É isso, também, que permite conhecer as possiblidade existentes e escrever uma nova história. SANTOS, Milton. Por uma outra globalização. 13. ed. São Paulo: Record, 2006. p. 20-21. (Adaptado).

01. (UEG GO) O segundo parágrafo é construído a partir da enumeração de uma série de fatos sociais que, segundo o autor, indicam possibilidade de emergência de uma nova história. Esses fatos são: a) racionalismo filosófico; globalização socioeconômica; popularização da tecnologia; recrudescimento das políticas e práticas nacionalistas e xenófobas. b) precarização da vida urbana como consequência da alta demografia; retração e baixa qualidade dos serviços públicos essenciais; miscigenação étnica. c) aumento dos fluxos migratórios; diversificação de teorias filosóficas na educação básica; empobrecimento contínuo das periferias urbanas; cultura do consumo. d) hibridismo étnico-cultural; mescla filosófica; concentração e diversificação demográfica em pequenos espaços urbanos; apropriação das tecnologias por parte da cultura popular. e) convergência das mídias; expansão do uso das redes sociais na vida cotidiana; segregação dos espaços urbanos por meio da expansão dos condomínios; elitismo político. 02. (UEG GO) O processo argumentativo do texto é construído a partir do seguinte procedimento: a) são expostas, de forma detalhada, duas consequências econômicas de um determinado modelo de organização de produção. b) relata-se o conjunto de ações desenvolvidas por uma instituição pública como fundamento e justificativa de um projeto de lei. c) elabora-se um quadro comparativo, no qual se apresentam a aproximação e os contrastes de dois tipos de pesquisa social. d) faz-se a explanação dos dados de um relatório técnico-científico de uma pesquisa desenvolvida por dois cientistas sociais. e) são apresentadas, de forma paralela, duas dimensões teórico-conceituais como argumentos em defesa de uma tese. 03. (Mackenzie SP) A arqueologia não pode ser desvencilhada de seu caráter aventureiro e romântico, cuja melhor ima-


Linguagens, Códigos e suas Tecnologias

gem talvez seja, desde há alguns anos, as saborosas aventuras

— Errou! interrompeu Camilo, rindo.

do arqueólogo Indiana Jones. Pois bem, quando do auge do su-

— Não diga isso, Camilo. Se você soubesse como eu tenho andado, por sua causa. Você sabe; já lhe disse. Não ria de mim, não ria...

“Indiana Jones deve morrer!”. Para ele, assim como para outros arqueólogos profissionais, envolvidos com um trabalho árduo, sério e distante das peripécias das telas, essa imagem aventureira é incômoda. O fato é que o arqueólogo, à diferença do historiador, do geógrafo ou de outros estudiosos, possui uma imagem muito mais atraente, inspiradora não só de filmes, mas também de romances e livros os mais variados. Bem, para usar uma expressão de Eça de Queiroz, “sob o manto diáfano da fantasia” escondem-se as histórias reais que fundamentaram tais percepções. A arqueologia surgiu no bojo do Imperialismo do século XIX, como um subproduto da expansão das potências coloniais europeias e dos Estados Unidos, que procuravam enriquecer explorando outros territórios. Alguns dos primeiros arqueólogos de fato foram aventureiros, responsáveis, e não em pequena medida, pela fama que se propagou em torno da profissão. Adaptado de Pedro Paulo Funari, Arqueologia

Assinale a alternativa correta. a) Encontra-se no texto o predomínio da conotação, uma vez que as palavras empregadas transmitem sentidos figurados com várias possibilidades de interpretação. b) O texto possui um caráter predominantemente estético, com os sentidos das palavras reinventados constantemente pelo seu autor, a aprofundar o valor literário do texto. c) A referência a um autor português reforça o caráter literário que o texto assume ao direcionar subjetivamente o teor das informações transmitidas. d) O domínio discursivo do texto apresenta um caráter instrucional, pois seu principal objetivo é transmitir um conhecimento ou um saber definido pelo seu autor. 04. (Ibmec SP) A cartomante HAMLET observa a Horácio que há mais cousas no céu e na terra do que sonha a nossa filosofia. Era a mesma explicação que dava a bela Rita ao moço Camilo, numa sexta-feira de novembro de 1869, quando este ria dela, por ter ido na véspera consultar uma cartomante; a diferença é que o fazia por outras palavras. — Ria, ria. Os homens são assim; não acreditam em nada. Pois saiba que fui, e que ela adivinhou o motivo da consulta, antes mesmo que eu lhe dissesse o que era. Apenas começou a botar as cartas, disse-me: “A senhora gosta de uma pessoa...” Confessei que sim, e então ela continuou a botar as cartas, combinou-as, e no fim declarou-me que eu tinha medo de que você me esquecesse, mas que não era verdade...

Camilo pegou-lhe nas mãos, e olhou para ela sério e fixo. Jurou que lhe queria muito, que os seus sustos pareciam de criança; em todo o caso, quando tivesse algum receio, a melhor cartomante era ele mesmo. Depois, repreendeu-a; disse-lhe que era imprudente andar por essas casas. Vilela podia sabê-lo, e depois... — Qual saber! tive muita cautela, ao entrar na casa. — Onde é a casa? — Aqui perto, na Rua da Guarda Velha; não passava ninguém nessa ocasião. Descansa; eu não sou maluca. Camilo riu outra vez: — Tu crês deveras nessas cousas? perguntou-lhe. Foi então que ela, sem saber que traduzia Hamlet em vulgar, disse-lhe que havia muita cousa misteriosa e verdadeira neste mundo. Se ele não acreditava, paciência; mas o certo é que a cartomante adivinhara tudo. Que mais? A prova é que ela agora estava tranquila e satisfeita. Cuido que ele ia falar, mas reprimiu-se. Não queria arrancar-lhe as ilusões. Também ele, em criança, e ainda depois, foi supersticioso, teve um arsenal inteiro de crendices, que a mãe lhe incutiu e que aos vinte anos desapareceram. No dia em que deixou cair toda essa vegetação parasita, e ficou só o tronco da religião, ele, como tivesse recebido da mãe ambos os ensinos, envolveu-os na mesma dúvida, e logo depois em uma só negação total. Camilo não acreditava em nada. Por quê? Não poderia dizê-lo, não possuía um só argumento: limitava-se a negar tudo. E digo mal, porque negar é ainda afirmar, e ele não formulava a incredulidade; diante do mistério, contentou-se em levantar os ombros, e foi andando. Separaram-se contentes, ele ainda mais que ela. Rita estava certa de ser amada; Camilo, não só o estava, mas via-a estremecer e arriscar-se por ele, correr às cartomantes, e, por mais que a repreendesse, não podia deixar de sentir-se lisonjeado. A casa do encontro era na antiga Rua dos Barbonos, onde morava uma comprovinciana de Rita. Esta desceu pela Rua das Mangueiras, na direção de Botafogo, onde residia; Camilo desceu pela da Guarda Velha, olhando de passagem para a casa da cartomante. Vilela, Camilo e Rita, três nomes, uma aventura e nenhuma explicação das origens. Vamos a ela. (Machado de Assis, Obra Completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar 1994. v. II)

No discurso indireto, a forma verbal presente em “Tu crês deveras nessas cousas?” deve ser transformada em a) cria b) creste c) crera d) crias e) crê 727

D12  Crônica argumentativa

cesso de Indiana Jones, o arqueólogo brasileiro Paulo Zanettini escreveu um artigo no Jornal da Tarde, de São Paulo, intitulado


FRENTE

D

PORTUGUÊS

Exercícios de Aprofundamento 01. (Uerj RJ) Viagem ao centro da Terra De início, não enxerguei nada. Havia muito tempo sem verem a luz, meus olhos imediatamente se fecharam. Quando consegui ver de novo, fiquei mais assustado que admirado: – O mar! – É – respondeu meu tio –, o mar Lidenbrock, e espero que nenhum navegador vá me contestar a honra 5de tê-lo descoberto e o direito de batizá-lo com meu nome! Um enorme lençol de água, o começo de um lago ou de um oceano, estendia-se até onde minha vista não podia alcançar. As ondas vinham bater numa praia bastante recortada, formada por uma areia fina e dourada, salpicada por aquelas conchinhas que abrigaram os primeiros seres da criação. As ondas quebravam com aquele barulho característico dos ambientes muito amplos e fechados. Uma espuma 10leve era soprada por um vento moderado, e uma garoa me batia no rosto. A cerca de duzentos metros das ondas, naquela praia ligeiramente inclinada, estavam as escarpas de rochedos enormes, que se elevavam a uma altura incalculável. Alguns deles, cortando a praia com sua aresta aguda, formavam cabos e promontórios desgastados pelos dentes da arrebentação. Mesmo ao longe, seus contornos podiam ser vistos em contraste com o fundo nebuloso do horizonte. 15 Era realmente um oceano, com o contorno irregular das praias terrestres, mas deserto, com um aspecto selvagem assustador. Se minha vista podia passear ao longe naquele mar, era porque uma luz “peculiar” iluminava seus menores detalhes. Não a luz do Sol, com seus fachos brilhantes e sua irradiação plena, nem a da Lua, com seu brilho pálido e impreciso, que é apenas um reflexo sem calor. Não, aquela fonte de luz 20tinha uma propagação trêmula, uma claridade branca e seca, uma temperatura pouco elevada e um brilho de fato maior que o da Lua, evidenciando uma origem elétrica. Era como uma aurora boreal, um fenômeno cósmico permanente numa caverna capaz de conter um oceano. Júlio Verne 1

Viagem ao centro da Terra. São Paulo: Ática, 2000.

Não, aquela fonte de luz tinha uma propagação trêmula, uma claridade branca e seca, uma temperatura pouco elevada e um brilho de fato maior que o da Lua, evidenciando uma origem elétrica. (ref. 15-20) A passagem transcrita acima revela uma característica na descrição do cenário que pode ser definida como: 728

a) exemplificação do tema do diálogo entre personagens b) intensificação do envolvimento do narrador com a cena c) contraposição com os aspectos visuais relativos à paisagem d) enumeração de elementos díspares na composição do espaço 02. (Fuvest SP) Leia o texto. A complicada arte de ver Ela entrou, deitou-se no divã e disse: “Acho que estou ficando louca”. Eu fiquei em silêncio aguardando que ela me revelasse os sinais da sua loucura. “Um dos meus prazeres é cozinhar. Vou para a cozinha, corto as cebolas, os tomates, os pimentões — é uma alegria! Entretanto, faz uns dias, eu fui para a cozinha para fazer aquilo que já fizera centenas de vezes: cortar cebolas. Ato banal sem surpresas. Mas, cortada a cebola, eu olhei para ela e tive um susto. Percebi que nunca havia visto uma cebola. Aqueles anéis perfeitamente ajustados, a luz se refletindo neles: tive a impressão de estar vendo a rosácea de um vitral de catedral gótica. De repente, a cebola, de objeto a ser comido, se transformou em obra de arte para ser vista! E o pior é que o mesmo aconteceu quando cortei os tomates, os pimentões... Agora, tudo o que vejo me causa espanto.” Ela se calou, esperando o meu diagnóstico. Eu me levantei, fui à estante de livros e de lá retirei as “Odes Elementares”, de Pablo Neruda. Procurei a “Ode à Cebola” e lhe disse: “Essa perturbação ocular que a acometeu é comum entre os poetas. Veja o que Neruda disse de uma cebola igual àquela que lhe causou assombro: ‘Rosa de água com escamas de cristal’. Não, você não está louca. Você ganhou olhos de poeta... Os poetas ensinam a ver”. Rubem Alves, Folha de S. Paulo, 26/10/2004. Adaptado.

Reescreva o trecho “Agora, tudo o que vejo me causa espanto.”, substituindo o termo sublinhado por “Naquela época” e empregando a primeira pessoa do plural. Faça as adaptações necessárias. 03. (Acafe SC) De currais e caricaturas [...] Nada mais coerente, portanto, do que criarmos um movimento em busca de indenização, certo? Errado. O exemplo anterior [sobre a perseguição aos alemães no Brasil no período da Segunda Guerra] serve apenas para mostrar que as coisas não são tão simples quanto parecem. Nos anos 1940, os japoneses que viviam no Brasil sofreram ainda mais que os alemães. Questão 02. O trecho apresentado, reescrito, passa a ser “Naquela época, tudo o que víamos nos causava espanto”.


Linguagens, Códigos e suas Tecnologias

coletivamente, e não apenas de nos “tolerarmos”. A “guetificação” não é boa para ninguém. Se insistirmos nisso, acabaremos voltando aos currais de arame farpado. TENFEN, Maicon. Revista Veja. Edição 2499, de 12 de outubro de 2016. p. 62-63. Fragmento adaptado.

Assinale a alternativa em que a expressão destacada pode ser substituída pela expressão sugerida entre parênteses, sem que o sentido do texto seja alterado. a) “Se você acredita que desencavar rancores contribui para o amadurecimento do país, está guiando por uma contramão arriscada, da qual é sempre difícil retornar.” (segundo a qual) b) “Não importa sua opinião, se é a favor ou contra, pois já foi tachado como o machista do grupo e ponto-final.” (acusado) c) “De repente começamos a nos ver como membros de clãs que sentem a obrigação de erigir totens para impor nossa verdade à vizinhança.” (como defensores de uma seita religiosa) d) “Por isso, antes de leis arbitrárias elaboradas por “iluminados” e impostas a uma população que ainda não teve tempo de digerir preconceitos ancestrais, precisamos é de educação igualitária e multicultural para todos.” (obsoletas) 04. (Fuvest SP) Examine o cartum.

Frank e Ernest – Bob Thaves. O Estado de S. Paulo. 22.08.2017.

O efeito de humor presente no cartum decorre, principalmente, da a) semelhança entre a língua de origem e a local. b) falha de comunicação causada pelo uso do aparelho eletrônico. c) falta de habilidade da personagem em operar o localizador geográfico. d) discrepância entre situar-se geograficamente e dominar o idioma local. e) incerteza sobre o nome do ponto turístico onde as personagens se encontram. 05. (Fac. Santo Agostinho BA) Refeição em família Anna Veronica Mautner

Conversar é preciso, assim como é também bater papo, palpitar. Precisamos de conversa fiada – é conversando que construímos as imagens que temos uns dos outros. Não conheço melhor lugar que a mesa de refeição para esse tipo de conversa à toa. Mas como a mesa de refeição está sendo cada vez menos usada, e como são poucos os que reclamam – esse espaço foi encolhendo devagar. É em volta da mesa que se relata o cotidiano de cada um e também é compartilhado. E, dentro do clima de “sem-cerimônia”, 729

FRENTE D  Exercícios de Aprofundamento

O mesmo pode ser dito de judeus, árabes, poloneses e italianos. Não foram apenas os índios e os negros que padeceram nas garras de um Estado imaturo e elitizado como o nosso, ainda que tenham padecido numa escala maior e mais documentada. Se procurarmos nos livros certos, descobriremos que todos os grupos étnicos, religiosos e sexuais teriam direito a alguma forma de reparação. Pois é aí que reside o problema. Se você acredita que desencavar rancores contribui para o amadurecimento do país, está guiando por uma contramão arriscada, da qual é sempre difícil retornar. Em vez de resolveremas demandas das quais se originaram, as iniciativas de reparação histórica e as admoestações politicamente corretas que as acompanham têm o poder de complicar ainda mais a situação. Normalmente transformam-se em bandeiras de políticos irresponsáveis que querem ver o circo pegar fogo para se dar bem nas urnas. As consequências são evidentes: mais do que polarizada, a sociedade brasileira está “guetificada”, e não apenas por razões étnicas ou político-partidárias. Das igrejas que lutam contra a descriminalização do aborto aos coletivos feministas sediados em universidades, das ações dos grupos LGBT às bancadas conservadoras que cunharam a expressão “heterofobia”, parece que todo mundo quer vestir a capa do Supercidadão e sair voando para salvar o planeta. De repente começamos a nos ver como membros de clãs que sentem a obrigação de erigir totens para impor nossa verdade à vizinhança. Quem discorda é “ignorante” e por isso merece a fogueira. Nunca é demais lembrar que a ascensão dos movimentos de autoafirmação minoritária foi uma das maiores vitórias do nosso tempo, mas – muita calma nessa hora – a radicalização de palavras de ordem e o resgate forçado de ressentimentos transformaram essa conquista numa faca de dois gumes. Vivemos num período tão complexo que talvez seja impossível encontrar alguém que possa se definir sem ressalvas. Diante da confusão, apelar para o estereótipo tornou-se a saída mais cômoda. De todas as caricaturas que passaram a simbolizar as mazelas da humanidade, o Homem Branco Ocidental parece ser a mais recorrente, como se todos os homens brancos, sem exceção, fossem racistas, machistas e homofóbicos. Se você pertence a esse grupo, já deve ter sido silenciado em algum debate por aí. Não importa sua opinião, se é a favor ou contra, pois já foi tachado como o machista do grupo e ponto-final. Em compensação, a caricatura que se costuma desenhar como resposta também não deixa de ser injusta: a feminista furibunda que pensa pouco e grita muito é outro dos estereótipos que criamos para empobrecer o debate. Ninguém gosta de receber lições de moral por aquilo que é. Por isso, antes de leis arbitrárias elaboradas por “iluminados” e impostas a uma população que ainda não teve tempo de digerir preconceitos ancestrais, precisamos é de educação igualitária e multicultural para todos. Conhecer a cultura daqueles que consideramos diferentes é a melhor maneira de nos aceitarmos


Português Questão 06. Vocês, que o conheceram, meus senhores, vocês podem dizer comigo que a natureza parece estar chorando a perda inconsolável (= irremediável = irrecuperável) de uma das mais belas personalidades (= idiossincrasias) que têm honrado a humanidade.

nos reconhecemos. É no “à toa” mesmo. Quando falta ou é rara essa rotina caseira, passamos a viver como se a vida se tornasse um texto que não foi relido. A conversa na mesa é reler, rever o dia que passou. A partir deste bate-papo inconsequente, podemos testar escolhas e até nos corrigir. É nesse clima que os indivíduos se avaliam e são avaliados, gerando a família – entidade única e original. Quando uma pessoa não tem este espaço, ela terá que fazer a tarefa de se avaliar, sozinha. Na sociedade em que vivemos, estamos imersos numa trama exigente e paradoxal. É tão diferente do clima em torno da mesa. Aí captamos o significado de olhares, gestos, entonações que conhecemos bem, mas os detalhes mudam dia a dia. Se tivermos interpretado erroneamente o ocorrido, não tem importância – hoje ou amanhã a família estará junta de novo e tudo poderá ser esclarecido. É, pois, no “um dia depois do outro”, que são lançadas as sementes do respeito e do conhecimento mútuo. Este mesmo mundo em que se pede pessoas conscientes, flexíveis e tolerantes inviabiliza, ou pelo menos dificulta, os rituais de família, em que se encontra a melhor e a maior probabilidade de vivê-las. A agenda escolar de cada um dos filhos, as exigências do trabalho, os cursos extras, os hábitos de entretenimento fazem concorrência aberta à possibilidade de interação familiar. Cada um tem seu horário de ir e vir ou de aparecer, mas ninguém se ausenta eternamente. Faltar muito dá saudade. Evocando aqui e agora o meu dia a dia dos meus tempos de criança, vejo-me na minha casa – a gente se conhecia bem, nas profundezas da alma e nas coisas mais corriqueiras. Nas nossas conversas, qualquer um de nós era capaz de prever o rumo da conversa. A nossa escala de valores valorizava o bem pensar e o bem sentir. Éramos tolerantes para quase tudo, menos para o uso do pensamento. Lá na minha casa, na casa de minha infância, o empenhar-se, o esforçar-se sempre foi mais valorizado que o sucesso. E eu, até hoje, julgo assim. Não tenho dúvida alguma: é de famílias conversadeiras, afetivas, tolerantes, prolixas que saem as pessoas que sabem escolher bem – pessoas aptas a fugir da dominação cega que os fortes podem exercer – é esse o maior e mais importante legado das refeições em família.

(...) expirei às duas horas da tarde de uma sexta-feira do mês de agosto de 1869, na minha bela chácara de Catumbi. Tinha uns sessenta e quatro anos, rijos e prósperos, era solteiro, possuía cerca de trezentos contos e fui acompanhado ao cemitério por onze amigos. Onze amigos! Verdade é que não houve cartas nem anúncios. Acresce que chovia — peneirava uma chuvinha miúda, triste e constante, tão constante e tão triste, que levou um daqueles fiéis da última hora a intercalar esta engenhosa ideia no discurso que proferiu à beira de minha cova: — “Vós, que o conhecestes, meus senhores, vós podeis dizer comigo que a natureza parece estar chorando a perda irreparável de um dos mais belos caracteres que têm honrado a humanidade. Este ar sombrio, estas gotas do céu, aquelas nuvens escuras que cobrem o azul como um crepe funéreo, tudo isso é a dor crua e má que lhe rói à natureza as mais íntimas entranhas; tudo isso é um sublime louvor ao nosso ilustre finado”. Bom e fiel amigo! Não, não me arrependo das vinte apólices que lhe deixei. E foi assim que cheguei à cláusula dos meus dias; foi assim que me encaminhei para o undiscovered country de Hamlet, sem as ânsias nem as dúvidas do moço príncipe, mas pausado e trôpego como quem se retira tarde do espetáculo. Tarde e aborrecido. Machado de Assis, Memórias póstumas de Brás Cubas.

Vós, que o conhecestes, meus senhores, vós podeis dizer comigo que a natureza parece estar chorando a perda irreparável de um dos mais belos caracteres que têm honrado a humanidade. Reescreva esse trecho, fazendo as modificações necessárias, de acordo com as seguintes instruções: n substitua “vós” por “vocês”; n mantenha os verbos no mesmo modo e tempo; n substitua as palavras sublinhadas por sinônimos adequados ao contexto. 07. (FGV SP) Leia a tira.

FRENTE D  Exercícios de Aprofundamento

Folha de S. Paulo. 14/9/2015. p. A3, opinião.

Após a leitura e a interpretação do texto, assinale a alternativa que apresenta sua ideia principal. a) O mundo requer que as pessoas sejam conscientes, flexíveis e tolerantes para tomarem decisões acertadas. b) O hábito de usar pouco a mesa de refeição nos tempos atuais, embora seja algo importante. c) Rituais familiares e sua importância na interação do indivíduo consigo mesmo e com os outros. d) Conversas em volta da mesa são bate-papos inconsequentes em que as pessoas se reconhecem. 06. (FGV) Leia o texto.

730

(Laerte. “Piratas do Tietê”. Folha de S.Paulo, 20.09.2016)

Reescreva a fala do quarto quadrinho na forma afirmativa, substituindo “Eu não deveria...” por “Eu supunha que...” e o verbo “flutuar” por “dirigir-se”. Questão 07. Eu supunha que seria transportado pelo ar, dirigindo-me para uma nave espacial.


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