O Fotógrafo dos Espiritos

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Capítulo II

Introdução Eu tinha, o quê? 17 anos! Estava em plena adolescência. Trabalhava durante o dia em uma indústria, fabricante de fios e cabos elétricos, revestidos de plásticos. Uma multinacional americana concorrendo com outras já existentes no país. O Rio de Janeiro possuía, na época, ainda com reflexos do pós­‑guerra, um parque industrial crescente e o maior da nação. Atendendo ao anúncio de recrutamento, inserido no jornal, me apresentei. Fiz os exames de rotina, e fui admitido como office­‑boy e a promessa da oportunidade de seguir carreira dentro da empresa10. A noite, estudava. Fazia o ginasial11. A escola era em frente a minha casa12. Casa grande, Admitido em 01/01/1950, saí em 15/09/1950 da empresa Fios e Cabos Plásticos do Brasil S/A. – No Rio de Janeiro. Em Campinas, comecei a trabalhar no dia 19/01/1951 e saí em 21/03/1952 na empresa S/A. White Martins. Em 20/03/1952 comecei a trabalhar na Cia. Mogiana de E. E. Ferro e saí no dia 18/06/1971). 11 Cursava o 3º ano ginasial. Meu último dia de aula foi no dia 08/11/1950 no “Ginásio Silveira da Mota”. 12 Rua Cirne Maia, 128 no bairro Méier, Rio de Janeiro. 10


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construída no centro de um terreno com aproximadamente 800 metros quadrados, todo murado, alto. Sombreavam a construção, seis pés de mangueiras e outras árvores frutíferas. O terreno ia de uma rua a outra. No Rio, uma casa com terreno assim, era muito raro. A imensidade e diversidade de pássaros, procurando alimentação nas frutas, e fazendo seus ninhos nas árvores existentes, transformavam nosso quintal em um viveiro natural, que os abrigava, e permitia­ que nos trouxessem a paz e a beleza com seus cantos e suas plumagens. Na casa tinha um pequeno apartamento isolado da construção principal, onde eu fazia meus estudos e passava as horas vagas. O meu fiel companheiro, um cão da raça policial, Leão, estava sempre ao meu lado, preenchendo esses momentos, com suas brincadeiras. Deitava­‑se na soleira da porta e ali ficava até a hora em que eu fosse para outras atividades. Meus irmãos, já maiores, pouco paravam em casa, ou trabalhando, ou na escola – um estudava na escola agrícola na cidade de Barbacena, Minas Gerais – de modo que eu estava sempre só. Foi num desses dias comuns, pela manhã, dia normal de trabalho, acordei, mais de 9 horas, assustado, pois deveria nesse horário estar trabalhando, tentei levantar rápido, para tomar meu banho, me preparar para logo sair para o trabalho, mas sem conseguir. A cabeça estava pesada, queixo dolorido, corpo mole, não respondia a minha vontade. Braços e pernas sem ação.


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Assustei. Logo pensei num resfriado “brabo”, daqueles de derrubar. Chamaria urgente o médico da fábrica, para me examinar e atestar o motivo de minha ausência ao trabalho. Essas coisas correm a mil em nossos pensamentos. Faltei por doença, atestaria ele. De repente sinto uma presença, saindo de trás da minha cama e vindo em minha direção, com um sorriso meigo, de amor, que só as mães possuem, parecia um anjo. Era a minha mãezinha querida, passando sua mão suave na minha fronte. A seu lado, meu pai e um homem, que nunca tinha visto, olhando­‑me, sorridente. Mais tarde vim a saber, tratar­‑se de médico da Marinha, que atendeu ao chamado de meu pai, e que, pelo terceiro dia consecutivo, vinha a nossa casa para me atender. Meu pai me acalmou, dizendo que não me preocupasse com o trabalho, pois já havia se comunicado com o meu chefe, explicando o motivo da minha ausência. Fazia três dias que eu estava dormindo. Nada conseguia me acordar. Somente naquele momento havia despertado. Foi assim o meu despertar para as coisas da espiritualidade. Os primeiros contatos com o plano espiritual, sem que eu soubesse. Fiquei internado no Hospital Central da Marinha, na ala de Psiquiatria, fazendo exames e, o pior, fazendo o tratamento existente na época, choque elétrico nas têmporas, para me acalmar. Lá permaneci por aproximadamente dez dias, quando um médico amigo de meu pai aconselhou­‑o a me retirar do hospital e procurar ajuda em um Centro Espírita.


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Em busca de um Centro Espírita Kardecista e o despontar de minha mediunidade Depois de muita procura no Rio de Janeiro por um Centro Espírita, pois lá existiam muitos centros de umbanda e alguns mistos “mesa branca e terreiro às sextas­ ‑feiras” fomos orientados a procurar um centro espírita kardecista por uma entidade espiritual que se manifestou numa tenda de quimbanda, lá no bairro do Fonseca, na cidade de Niterói. Nessa época uma tia que residia em Campinas estava de passagem por minha casa e informou que naquela pequena cidade do interior de São Paulo existia um centro espírita que poderia nos ajudar. Não soube dizer que linha seguia, o que não ia adiantar muito, pois nada entendíamos. Com essas informações meu pai foi para Campinas e visitou o centro recomendado pela minha tia, que era o Centro Espírita Allan Kardec. Conversando com dirigentes inteirou­‑se do funcionamento do centro e da possibilidade de meu tratamento por aquela casa. Convencido que eu poderia ser ajudado providenciou nossa mudança para Campinas. Foi assim que passamos, então, a frequentar o centro Espírita Allan Kardec, em Campinas. Devido à minha mediunidade ser muito ostensiva e eu não saber controlá­‑la, pois nada conhecia de Espi­ ritismo, tive algumas dificuldades no próprio centro, como também, e o pior, na rua, no percurso entre o centro espírita e a minha casa. Caía na rua, me feria, ficava desacordado.


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A ambulância pública me levou várias vezes para casa, cheio de hematomas, todo ensanguentado, tantas vezes que os motoristas já sabiam onde eu morava. Meu irmão Nelson passou a ser o meu anjo de guarda, me acompanhando até o Centro Espírita Allan Kardec, me deixava na porta de entrada e, na hora de saída lá estava ele me aguardando. Mas nem sempre nos encontrávamos porque, às vezes, as reuniões acabavam mais cedo. Aí acontecia... Quem muitas vezes, inúmeras vezes, me socorreu foi Servílio Marrone, diretor daquele centro, grande orador e profundo conhecedor da doutrina, que muito me ajudou e esclareceu sobre o fenômeno. Quantas vezes ele saía altas horas de minha casa, quando era solicitado por minha mãe, nos momentos de crise. O Marrone foi como um segundo pai para mim. Ele costumava dizer assim para minha mãe: “Quisera ter um caso desse na minha família”, referindo­‑se à fenomenologia da minha mediunidade. Os episódios se repetiam cada vez mais e com muita intensidade. Algumas vezes independente de minha vontade sintonizava as ondas emitidas pelas emissoras de rádio (naquele tempo não existia rádio portátil como hoje, nem telefone ou celular), e conseguia ouvir programas, jingles da Coca­‑Cola, notícias etc. Aí eu entrava em crise. Gritava pelo meu irmão Nélio, que trabalhava comigo na mesma empresa, perdia os sentidos e só vinha a acordar horas depois, prostrado, na minha casa. Outras vezes, sentado na sala, lendo ou conversando com meus pais, de repente, levantava­‑me num impulso, como que obedecendo a alguma ordem, e dirigia­‑me des-


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norteado para fora de casa, derrubando e quebrando tudo que estivesse na minha frente, pronunciando palavras ininteligíveis, gritando, blasfemando, só contido pelas preces e as palavras carinhosas de minha santa mãezinha que, em lágrimas, se punha à minha frente, impedindo a continuação dos meus desatinos. Quanto sou reconhecido a minha amada mãe! Quantas preces! Todas as noites ao me deitar, lá estava ela, fazendo suas preces e evocando os bons espíritos para me protegerem. Anos e anos a fio, como uma verdadeira protetora, aguardando que eu dormisse, para então se recolher a seus aposentos.

Como se iniciaram as sessões de efeitos físicos – O nascimento do Grupo Espírita Casa do Caminho Eu vinha frequentando o Centro Espírita Allan Kardec, em Campinas, mas não tinha tido sucesso no alívio dos meus problemas, pois esse tipo de mediunidade de efeitos físicos13, era rara, e as casas espíritas da época ainda não tinham estrutura para cuidar desse fenômeno. Além disso minha mediunidade era muitas vezes confundida com manifestação de animismo descontrolado e por esse motivo prejudicial à harmonia dos ambientes. O que acontecia frequentemente comigo, era a oscilação do meu humor. Passava de um momento calmo, agradável, para momentos de fúria, de raiva, com muita facilidade. No início de minha mediunidade um simples olhar 13

Ver Capítulo III


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de alguém, como uma indagação, era o suficiente para que me despertasse um sentimento de culpa. Daí partia para a agressão, chegando por vezes a explodir fisicamente em alguém ou em algum objeto. A fim de melhor atender as necessidades do filho que além de “sofrer” assédio de Espíritos obsessores, possuía mediunidade de efeitos físicos que lhe traziam sofrimentos, meu pai convidou alguns espíritas amigos para que o ajudassem a estruturar sessões de desobsessão. Meu pai, então comprou uma casa no bairro Castelo, deu uma reformada, onde surgiu o “quartinho” que daria início ao centro espírita que ele iria fundar. As sessões em casa passaram a ser realizadas uma vez por semana, às terças­‑feiras. Eram dirigidas, inicialmente pelos confrades Marques e Honório. Passamos a estudar sistematicamente as obras básicas14 com vários companheiros interessados em aprender, recebendo orientação dos mais entendidos. Esses estudos geralmente ocorriam aos sábados. Posteriormente juntaram­‑se a nós André, Thomaz e Hélio, e tendo meu pai como um dos coordenadores, passamos à prática de trabalhos de intercâmbio espiritual voltados ao estudo e à desobsessão. Contávamos, ainda, com outras pessoas, que também estavam iniciando nas lides espíritas como: minha mãe, Izaura, o Nélio, meu irmão e a Walderez, hoje sua esposa, eu – Nedyr, a Alayde Olivieri, com quem me casaria, a mãe dela, Angelina, os irmãos da Alayde, o Laércio e o Maurílio, a Lili, es14

O Pentateuco espírita: O Livro dos Espíritos, O Livro dos Médiuns, O Evangelho segundo o Espiritismo, A Gênese, O Céu e o Inferno.


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posa do Hélio, Júlia, esposa do André, os noivos, Zélia e Salomão15. As sessões eram realizadas na sala de visitas na casa de meu pai. Tínhamos na sala uma mesa de jantar de madeira, grande, que dava para acomodar cerca de dez pessoas sentadas em volta. Ao lado, outras cadeiras disponíveis e alguns móveis próprios de uma sala de jantar, como “tajer” e cristaleira. Tinha, ainda, um piano colocado junto a uma das paredes16. Dessa sala saíam as portas de comunicação com os quartos e com a cozinha, e a porta de ferro trabalhado, com vidros opacos, que dava para um pequeno alpendre que antecedia a entrada da casa. Foi, portanto, nessa sala que se iniciaram os trabalhos do que é hoje o Grupo Espírita Casa do Caminho. As sessões mediúnicas e de estudos ocorriam com muita atividade e terminavam altas horas da noite. Devido ao grande número de médiuns naturais, e aos dirigentes sem muita experiência, as manifestações dos espíritos eram muito barulhentas, soltas, deseducadas. E, por serem assim, espíritos obsessores e outro tanto de espíritos ignorantes e sofredores, promoviam verdadeira algazarra, acompanhada de efeitos físicos. Muitos eram os médiuns possuidores da faculdade de produzir esses fenômenos. Mas foi aí, numa dessas sessões, que recebi a minha “alforria” espiritual. Aquele espírito que atuava comigo como obsessor ti Que se casaram na presença do espírito materializado da Irmã Josepha – ver Capítulo III ou IV. 16 Ver Capítulo III ou IV – história com o piano. 15


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nha sido um ex­-companheiro de vida passada ao qual eu havia prejudicado seriamente, e ele estava no seu direito de “cobrar” essa dívida do passado. Vários foram os anos em que ele exerceu ação perniciosa sobre mim, me escravizando e me fazendo sofrer. Depois de muitos anos de doutri­ nação em vários centros espíritas, foi ali que, finalmente, ele resolveu me perdoar, mas com uma condição; que eu continuasse nos estudos doutrinários e trabalhasse mediunicamente para servir, pois este seria o único escudo que garantiria a minha integridade física. Deu essa comunicação por meu intermédio e, ao sair da incorporação, me arremessou da mesa para fora da sala, através da porta do alpendre. Depois ele voltou em outras sessões, narrando algumas passagens de nossas vidas e informando que, agora, estava me auxiliando, e que seu nome era Raphael. De fato, esse espírito ficou vários anos se comunicando através da minha mediunidade, dando conselhos belíssimos, mostrando um vasto conhecimento sobre a Doutrina Espírita e uma filosofia de vida muito profunda. Assim eram as sessões naquela pequenina sala. As residências vizinhas àquela casa foram construídas por uma imobiliária e depois postas à venda através de financeira. Talvez por ser mais econômica a transação do imóvel, a maioria foi parar nas mãos das prostitutas que haviam sido desalojadas do seu antigo endereço no “Mercadão”de Campinas. Aquele local tornou­‑se ponto de encontro de pessoas de baixo nível moral que à noite promoviam verdadeiras orgias, trazendo intranquilidade para a vizinhança. Tínhamos que colocar no portão de entrada uma plaqueta anunciando que ali era uma residência familiar.


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Os Espíritos Leocádio e José Grosso nos narravam, nas sessões, os sustos que eles davam nas pessoas que se aproximavam de nossa casa. Ficamos ilhados, mas muito raramente nos sentíamos molestados pelos menos avisados. Talvez por esses fatos as prostitutas tenham debandado da região.

Uma sessão de materialização em Andradas Certa vez fomos convidados a assistir a uma sessão de materialização na cidade de Andradas, Sul de Minas Gerais. Acolhendo ao convite, para lá nos dirigimos. Os traba­lhos foram realizados no Centro Paz e Amor. Iniciaram às 20 horas e foram dirigidos por Antenor Risso. A médium, uma mulher magra, baixa, aparentando 32 anos que trajava um vestido largo, sentou-se numa cadeira a ela reservada, em cima de um tablado alto de madeira em forma de palco. Podia-se ver, ao lado, no palco, algumas garrafas com água para fluidificar. No outro lado uma vitrola com discos de vinil de 12 polegadas, próximo à cadeira da médium que se chamava Otília Diogo. Inicialmente Antenor fez uma explanação abordando passagens do Evangelho. Passados uns 30 minutos ele encerrou a sua fala com uma prece e em seguida desligou a luz. A escuridão era total. Nesse instante meu inconsciente me traiu e fui conduzido a uma passagem marcante em minha vida, quando jovem. A aventura de subir a serra da Cantareira, até o Pico do Jaraguá, conforme descrito a seguir.


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Foi assim que me senti naquele momento do início da sessão. Total penumbra. Não entrei em pânico, pois os sons eram diferentes da estrada do Pico. Eram de pessoas que acompanhavam em voz alta as preces, os cânticos dos hinos entoados, os petitórios. E os sons guturais que emanavam da direção de onde se sentara a médium... Típico de pessoa que está com ânsia de vômito. Mais próximo de mim, outras pessoas também emitiam de suas gargantas aqueles espasmos, com menos intensidade.

A mesma escuridão do salão de materialização Trabalhara até às vinte e três horas no Jornal onde exercia a função de repórter fotográfico. Era uma hora da madrugada quando desci do ônibus, na Via Anhanguera, frente à estradinha que me conduziria na direção do famoso Pico do Jaraguá. Estava sozinho. O tempo era de chuva, característico do mês de dezembro. Podia sentir na atmosfera a densa umidade. Passando pelo portal de entrada da estreita estrada, margeada por exuberante folhagem que às vezes a invadia fazendo com que eu perdesse o rumo, seguia a pé. Sempre subindo, essa era a certeza de estar no caminho correto. Entre um clarão e outro dos trovões, vislumbrava a densa floresta que estava atravessando. O local é de mata protegida e refúgio de caça, como pude constatar ouvindo a todo instante o ruído de animais passando próximo, o rastejar de cobras, o barulho de aves que se assustavam comigo e voavam, o assovio dos micos, e mais outros ruí­dos que a


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imaginação é capaz de criar, numa noite sem lua, com o céu carregado ameaçando desabar, a qualquer instante, em uma tempestade fenomenal. Os raios e trovões cortavam o firmamento e, através da folhagem das árvores permitiam que eu enxergasse a estreita estrada de terra e cascalhos que levavam até o cume. Não conseguia ver nem a própria mão, pois não havia levado nada que pudesse iluminar. Caminhando mais ou menos uma hora, na metade da jornada quase perdi os sentidos pelo susto que levei: Uma gargalhada alta, quase humana, me levou momentaneamente ao pânico. Aos poucos fui me recuperando do susto e voltei a caminhar. Mais tarde vim a saber que se tratava de um pequeno pássaro de hábitos noturnos, existente na floresta, e esse é o seu cantar. Uma hora depois, chegaria ao meu destino. Uma estação operadora de rádio da Polícia Rodoviária, onde passaria a noite com meu irmão Nélio.

De repente, acende­‑se uma tênue luz vermelha e surge um vulto recoberto da cabeça aos pés com uma espécie de hábito branco semelhante aos usados pelas freiras. Era o espírito materializado da Irmã Josepha, que repetiria o refrão “Viva Jesus” durante o transcorrer da sessão, como a confirmar o momento de paz que reinava no ambiente. Foi assim que conhecemos Otília Diogo. Mais tarde, meu pai viria a convidá­‑la a participar de nossos trabalhos.


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Os Hinos Os hinos entoados durante as sessões de efeitos físicos, de uma forma geral, podem parecer ao observador inexperiente e dogmático em relação ao Espiritismo, como uma prática mística e anti­‑doutrinária. Sabemos que para o desenvolvimento das atividades há necessidade de manter os participantes dos trabalhos de efeitos físicos, constantemente atentos e concentrados no trabalho que está sendo realizado. Poder­‑se­‑ia obter o mesmo efeito e talvez até melhor se os participantes praticassem a educação doutrinária recebida, mas não podemos ser intransigentes a ponto de proibir uma prática que já vem entranhada no subconsciente de cada um e estaríamos violentando a crença da maioria das pessoas, inclusive do próprio Espírito que se materializava e demonstrava apreciar os hinos.

Depois da minha cura ‑­ Trabalho constante Mas foi a partir daquela sessão, na cidade de Andradas, que comecei a me interessar mais pelos estudos. E esta curiosidade me acompanharia vida afora. Lia o que achava pela frente sobre o assunto materialização, ou melhor, efeitos físicos. Os livros eram raros, a maioria em francês, língua que não dominava, dificultando o estudo. Kardec, nas obras básicas, pouco se estendeu sobre o assunto. Encontrei referência em O que é o Espiri‑ tismo, nas Revistas Espíritas e em O Livro dos Médiuns. Numerosos outros autores, contemporâneos de Kardec, estudaram o assunto. A médium Otília Diogo mudou­‑se para Campinas e


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passou a frequentar assiduamente nossos trabalhos e com sua vinda, e o sempre crescente número de pessoas que procuravam o centro, o número de trabalhadores também foi crescendo, chegaram: a minha irmã Ney; Lazinho, médium psicógrafo já educado na mediunidade; José, espo­­­so da Otília; o casal Neli e Cunha e Antenor, dirigente expe­ riente que orientava, em Andradas a médium Otília e ­usualmente frequentava nosso Grupo em Campinas. Meu pai, então, reformou o “quartinho de despejo” existente nos fundos da casa, ampliando­‑o um pouco mais, e passamos a fazer as sessões em local um pouco maior, mas ainda apertado. Nesse novo local, fizemos célebres sessões de efeitos físicos, com fenômenos de materialização, voz direta e transporte. Minha cura só ocorreu, definitivamente, depois que assumi com responsabilidade a mediunidade que coloquei em prática. Mas para essa conquista, foram anos e anos de trabalho e aprendizado. As sessões de efeitos físicos eram realizadas, como já dissemos, às terças-feiras, com a finalidade de atendimento a pessoas portadoras de doenças físicas e distúrbios mentais. Como era de se esperar, a frequência aumentou rapidamente. Passamos a realizar trabalhos às quintas-feiras, voltados a desobsessão e esclarecimento espiritual. Meu pai comprou um terreno em frente à nossa casa e lá construiu nossa nova residência, que possuía uma edícula com espaço maior, assim os trabalhos passaram a ser realizados no novo endereço. Como a frequência aumentasse e existia um número


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grande de curiosos e interessados em aprender o Espiritismo, desdobramos as sessões para dois dias, às terças-feiras trabalhos de cura e às quintas-feiras trabalhos de desobsessão. E a cada quinze dias fazíamos, na quinta-feira, reunião pública com fenômenos de efeitos físicos. As pessoas que assistiam as reuniões públicas com fenômenos de efeitos físicos eram previamente selecionadas e preparadas. Desnecessário dizer o número crescente de pessoas que procuravam se inscrever. Era muito grande. Como o formato da sala era irregular, meio triangular, acompanhando o terreno, o número de assistentes não passava de trinta. A médium Otília ficava num cômodo contíguo onde, com uma cortina, vedava­‑se a entrada de luz na cabine em que ela se acomodava. Os demais médiuns auxiliares e outros trabalhadores acomodavam­‑se junto aos assistentes. Quando ocorriam as sessões de efeitos físicos aplicávamos externamente nas janelas placas de madeira (aglomerado prensado), e a porta de entrada era trancada e coberta com uma cortina preta, para proteger o ambiente contra a entrada de luz externa. Nesse recinto assistimos dezenas de sessões de efeitos físicos em variadas modalidades: materialização, transporte, voz direta, levitação17, desmaterialização e 17

O fenômeno de levitação é descrito por Kardec, em O Livro dos Mé‑

diuns com o nome de translação e de suspensão, onde o objeto inerte é suspenso sem nenhum ponto de apoio e é movido, ou transladado aereamente, podendo o médium, em casos raros, elevar­‑se a si mesmo. O fenômeno, no seu todo, é de difícil execução por parte dos Espíritos.


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muitos casos de curas comprovadas, pois acompanhávamos os resultados18. O grande afluxo de pessoas ao local fez com que, após algum tempo, muitas crianças e mães pobres se postassem nas imediações do Grupo Espírita Irmã Josepha19. Trabalhadores da casa começaram a se articular no sentido de atender àqueles irmãos em estado aflitivo de pobreza. E aquelas crianças pobres, maltrapilhas a perambular pelas ruas? Naquela época, Campinas não tinha favelas. O que existia nas redondezas eram casas de antigos colonos, dos remanescentes das fazendas loteadas, que eram ocupadas pelos desabrigados migrantes de outros Estados. Iniciou­ ‑se, então, um movimento para atender as famílias com as “campanhas do quilo”20, realizadas principalmente pelos jovens que frequentavam o Grupo Espírita, que eram auxiliados por outros frequentadores da casa naquela maratona petitória que se fazia às residências dos bairros próximos, angariando alimentos, vestuário, brinquedos, móveis, enfim tudo o que pudesse servir para compor um lar. Assim o Grupo Espírita foi crescendo, aumentando suas atividades espirituais e materiais, surgindo, como seria de esperar, a ideia de se construir uma casa definitiva que abrigasse todos os seus trabalhos.

Ver capítulo III ou IV Nome inicialmente escolhido para a nova casa espírita. 20 Arrecadação de quilos de alimentos para distribuição. 18 19


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Nascem uma creche e um centro espírita Desta forma surgiram concomitantemente a Casa da Criança Meimei, creche para crianças pobres, e o Grupo Espírita Irmã Josepha, que mais tarde viria a ter seu nome rebatizado para Grupo Espírita Casa do Caminho, nome sugerido pela espiritualidade. Mário Boari Tamassia e sua esposa Geni, família que frequentava o Grupo Espírita, doaram dois terrenos para a construção da creche Casa da Criança Meimei. Em menos de um ano as obras da creche ficaram prontas e no dia 9 de agosto de l964, foi inaugurada e o início de seu funcionamento ocorreu em 25 de dezembro, com o ingresso das crianças matriculadas, recebidas com festejos natalinos. De início, os trabalhos da creche eram feitos pelas voluntárias frequentadoras do Grupo Espírita, que vinham prestar sua caridade, mas com o passar do tempo notou­ ‑se que a frequência das voluntárias era muito oscilante, sobrecarregando aquelas mais assíduas e gerando descontentamento entre elas próprias. As crianças vinham sempre e em maior número, mas as voluntárias faltavam constantemente, por diversos motivos. Em reunião do conselho administrativo e da diretoria, ficou resolvido que as funções executivas diretas com as crianças, seriam executadas por funcionárias contratadas e assalariadas. As voluntárias continuariam a ajudar nas campanhas e demais atividades que não se envolvessem diretamente com as crianças. A creche está em funcionamento e atende crianças de


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três meses a 5 anos e 11 meses, em período integral. Também proporciona assistência material às famílias, além de ministrar cursos aos pais ou responsáveis, sobre os mais variados temas. Outro terreno, ao lado da creche, doado por Orlando Paschoal e sua esposa, Sílvia, foi destinado ao Grupo Espírita Casa do Caminho. Tanto para a construção da Creche como para a Casa do Caminho foram realizadas muitas campanhas, para angariar fundos para as construções. Assim, rapidamente assistimos a concretização dos sonhos dos envolvidos nesse belo movimento de irmandade, espiritualidade e responsabilidade. As duas construções foram erguidas nos moldes mais modernos e práticos para os fins a que se destinavam. O Grupo Espírita Casa do Caminho continuaria a receber a atenção dos Espíritos benfeitores e a realizar os trabalhos de atendimento espiritual. O aprendizado doutrinário cresceu vertiginosamente, colhendo uma população de trabalhadores mais conscientes de seus deveres espirituais. Com dependências maiores, foi possível organizar as diversas tarefas da casa e ampliá­‑las. As sessões de efeitos físicos, com suas diversas modalidades de fenômenos, continuaram a se realizar, agora com mais objetividade em despertar as mentes adormecidas, realizando sessões de materialização e esclarecimento a um público que nos procurava, ávidos em “ver para crer”. Nessas oportunidades o Espírito Irmã Josepha não só era visto materializado, mas também se fazia ouvir com seus conselhos de amor que levava aos presentes, estimu-


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lando famílias inteiras à tolerância, ao respeito e, principalmente, ao amor, a fim de levarem a bom termo os reajustes para os quais se uniram21. (Figura 2)

(Figura 2) – Fenômeno de materialização do Espírito Irmã Josepha – ao lado encontra­‑se Nestor Mendes da Rocha.

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Lei de Causa e Efeito – A Gênese de Allan Kardec, Capítulo 15 – item 15 “Por meio da pluralidade das existências, ele ensina que os males e aflições da vida são muitas vezes expiações do passado, bem como que sofremos na vida presente as consequências das faltas que cometemos em existência anterior e, assim, até que tenhamos pago a dívida de nossas imperfeições, pois que as existências são solidárias umas com as outras.”


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Nesse tempo a Casa do Caminho já possuía um quadro de trabalhadores permanente tanto para desenvolver suas atividades espirituais como sociais e de caridade. Desde a sua criação a Casa dá ao estudo da doutrina um papel relevante, não descuidando dos trabalhos práticos no atendimento espiritual. Na época, os estudos eram realizados às sextas-feiras e aos domingos pela manhã, ocasião em que os pais levavam seus filhos para a Evangelização e para a Mocidade. As palestras ocorriam aos sábados à noite e o salão recebia mais de uma centena de participantes.

Meu Pai Diariamente estava a frente da casa de meu pai tomada por pessoas interessadas em receber alguma coisa, em alimento, em roupa, enfim algum benefício. E com isso meu pai se via prisioneiro dentro de casa, quase sem poder sair para fora, pois era sempre abordado por essas pessoas. Isso despertou mais o amor do meu pai, fazendo com que ele sentisse que algo teria que ser feito por aquelas pessoas, por aquela gente. Foi aonde esse pensamento sempre crescente foi se instalando e vemos o velho Nestor empunhando a liderança frente a grupos que foram formados pelos frequentadores da casa. Meu pai e minha mãe tinham esse objetivo de angariar de imediato alimento, roupas e outros utensílios para os necessitados que batiam à porta, e também fazer um fundo que possibilitasse o mais rápido possível, uma construção visando o atendimento mais adequado àquela gente. Meu pai era oficial da marinha, subtenente reformado, e sempre foi do tipo empreendedor, ajudava amigos a adquirirem


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meios de sobrevivência. Por exemplo, ele tinha um amigo chamado Mandarim que foi ajudado por ele a adquirir mercadorias para negociar, como meio de sustento de sua família. Ele não professava nenhuma religião, dizia­‑se católico por tradição, mas não frequentava a igreja católica, a não ser a missa do Galo nos finais de ano. Diferentemente de minha mãe que era “carola”. Quando o médico amigo, que cuidava de mim, falou que os choques elétricos não iriam me ajudar muito, e que ele procurasse ajuda espiritual, meu pai, não titubeou. Tirou­ ‑me do hospital e passamos a procurar um centro espírita, como já foi narrado. Em Campinas também pudemos observar uma coragem e iniciativa quando ao sair do Centro Espírita Allan Kardec, e sem conhecer nada, contando com ajuda de amigos recentes, passou a fazer estudos e depois trabalhos práticos, confiando sempre em algo que ele ainda não conhecia, mas no qual colocou toda a sua fé. Por esse esboço quero deixar para o leitor a forma de proceder de meu pai, sempre atirado como foi no meu caso e como seria no futuro da creche. Sem que tivesse nenhum conhecimento ele “arregaçou” as mangas e partiu para várias frentes de trabalho: os estudos da doutrina, os trabalhos mediúnicos, por um lado e por outro, ações imediatas uma para alimentar os pobres e para prover meios para uma futura construção. E o que assistimos foi a imediata resposta do Alto, logo surgiram doadores de terrenos e vários companheiros que atuaram ativamente nas campanhas. O Nestor sempre esteve à frente desses trabalhos, e conquistou a confiança de todos.


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No que se refere à mediunidade meu pai sempre agiu com o mesmo entusiasmo. Procurava nos estudos em grupo os conhecimentos necessários para compreender o que ocorria. Assim não é de estranhar o empenho e a dedicação que aqueles que formavam o grupo demonstravam. Chegamos a ganhar um carro de uma concessionária, para colocar em rifa, mas era necessário licença, fomos até o Ministério da Fazenda e conseguimos a permissão. A construção da Creche durou um ano. O desenho utilizado para a construção da Creche foi fornecido pelo Governo do Estado, que o considerava modelo de estrutura física para o atendimento pedagógico das crianças. Tanto o berçário como as demais dependências (banheiros, refeitórios, cozinha, salas de aula e espaços de recreação) seguiram esse planejamento. Após a sua inauguração foram iniciadas as obras da sede do Grupo Espírita que também demorou um ano para sua conclusão. Tudo pronto, iniciou­‑se uma nova fase. Devo registrar que as lideranças tanto da Creche como do Centro nunca foram desenvolvidas com uma visão individualista, muito ao contrário, até hoje a participação de todos na administração é tranquila, e a presença da equipe espiritual é também percebida por todos. Quanto ao Centro Espírita desde o início, ainda em casa de meu pai, o estudo em grupo da doutrina teve papel de destaque, a princípio todos os trabalhos eram dirigidos pelo Nestor e com o passar do tempo novos trabalhadores despontaram e foram assumindo funções. Após quase meio século essa forma de funcionamento ainda permanece no Grupo Espírita Casa do Caminho, onde trabalhadores têm


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sua formação no Grupo de Estudos da Doutrina Espírita – GEDE. Meu pai nasceu em Niterói no dia 08 de outubro de 1901, e desencarnou na cidade de Campinas em 28 de outubro de 1977.



Capítulo III

Efeitos físicos – duas ciências Hoje, já em início de vivência do século XXI, sentem­ ‑se alguns efeitos que o avanço tecnológico produz, mormente no campo da Física onde alguns tabus são derribados. Também na ciência médica, em que o corpo humano é perscrutado no seu interior, da cabeça aos pés, através de aparelhagem sofisticada, que penetra nas entranhas do homem desvendando­‑lhes os mistérios até então inconcebíveis, descobrindo­‑se como futuro co­criador e participante ativo nas correções de deficiências físicas e, porque não, na criação de seres através da clonagem como já vem ocorrendo. “Construindo” órgãos utilizando­‑se de células­‑tron­ cos ou, regenerando tecidos e recuperando membros com a mesma desenvoltura, estão conseguindo algum êxito mas alguns “mistérios” permanecem. Uma indagação que há muito estava no esquecimento mas que hoje, devido a todo esse avanço alcançado somos lembrados a toda hora: Por que o corpo humano não se desmancha? Sim. É isso mesmo. O que nos estrutura neste formato que temos desde que nascemos até hoje, vivos, apesar de a todo instante trocarmos as nossas células que constituem os tecidos e ór-


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gãos de nosso corpo físico. Existe um “molde” estruturador para mantê­‑lo intacto, sem que se deforme ao longo de sua vida? É um verdadeiro mistério para a ciência o fato dos corpos produzirem células novas no lugar das antigas, sem que se altere a sua quantidade e formação. Falta alguma coisa ainda não captada pelos cientistas e seus instrumentos. Mas que o molde existe, existe. E em breve, acredito até muito em breve ele será detectado. Aí haverá uma transformação gigante com o ser humano. Podemos afirmar que o terceiro milênio, que já estamos vivendo, será caracterizado pelo estudo e aplicação desses ditos fenômenos não normais, hoje ainda considerados místicos ou não científicos. No campo da física moderna, principalmente na quântica, novos conceitos estão sendo acrescentados. Por exemplo, na teoria de Einsten a velocidade da luz seria o limite máximo que um objeto físico poderia alcançar. Com a observação da física quântica, essa velocidade pode ser estendida na região do espaço/tempo não físico, relativos aos campos sutis que englobam o etérico, o astral22, o mental e o espiritual. Começamos aí a vislumbrar e admitir os campos da mente, do espírito, adentrando em conceitos até então só da ciência espírita. Depois de todos esses avanços, obrigatoriamente temos de acreditar que existem duas ciências: a ortodoxa ou física e a ciência espírita ou transcendental. Ambas caminham paralelamente, mas em breve se encontrarão e caminharão juntas. 22

A quântica não observa o não físico, o astral. Pode apenas cogitar.


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Muitos conhecimentos que foram trazidos à ciência espírita ocorreram através de revelações, ou seja, Espíritos Superiores e Sábios, utilizando­‑se de médiuns, revelaram esses conhecimentos para que os estudássemos e melhor compreendêssemos o sentido da vida, da reencarnação. Naturalmente o homem com o seu orgulho e acreditando somente no que os seus cinco sentidos captassem, desacreditou e sempre tratou como superstição os fenômenos que não fossem explicados pela ciência material. Isso, porém, não desabilitou o homem de receber informações do plano espiritual sob a forma de intuições, que possibilitaram avanços científicos e tecnológicos. Muito embora, também nesses casos, o homem tenha entendido as descobertas como mérito apenas seu. Os fenômenos de efeitos físicos, mormente os de materializações, sempre foram tratados com muita desconfiança por aqueles que se dispunham a pesquisá­‑los. Os chamados experimentadores ou observadores, como os próprios sensitivos ou médiuns, passavam a todo o momento por desconfianças de todos os gêneros. Os sensitivos, em sua maioria inconscientes, pouco ou nada contribuíam para desvendarem os mistérios que o fenômeno encerrava. No século XIX grande número de sábios se dedicou aos experimentos, alguns por vontade própria, mas, a maioria convidados por autoridades eclesiásticas ou por sociedades de estudos da paranormalidade, essas formadas por alguns sábios e em grande parte integradas por elementos vinculados à igreja. Mas, quando os experimentadores levaram a sério a pesquisa, sempre che-


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garam a conclusões que confirmaram a existência dos fenômenos. Contrariando, assim, as intenções dos seus patrocinadore­s. Ainda nesse período o Plano Espiritual Superior organizou um modo de despertar o homem para as coisas da vida após a morte, enfrentando religiões seculares que pregavam a culpa, a vergonha e o medo, tudo em nome de Deus.

Para melhor entender os fenômenos Quando a Espiritualidade Superior ditou a Kardec (1804­‑1869) as revelações sobre os fenômenos espiri­tuais, passaram a ele conhecimentos referentes a diversos fenômenos. Kardec, então, para tornar mais fácil a compreensão dividiu, de forma didática, em dois grandes grupos esses fenômenos que estavam sendo revelados: Os de efeitos intelectuais que compreendiam a audiência, psicofonia, vidência, inspiração, pressentimentos, psicografia, dentre os mais comuns, e os de efeitos físicos, nas variedades, tiptologia, levitação, voz direta, materialização, transporte, pneumatografia e cura, os mais conhecidos. Vamos estudar esse último grupo, o de efeitos físicos, que foram os que mais se apresentaram nos trabalhos que presenciei e fotografei. Como poderemos observar, as manifestações físicas ou objetivas são as que se traduzem por efeitos sensíveis tais como ruído, movimento, aparição e deslocação de corpos sólidos. O fenômeno mais comum nessas sessões medianímicas era a materialização, ou seja, o Espírito como


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que se revestia da matéria ectoplásmica e aparecia ao público tal qual ele fora quando encarnado. Ele, Espírito, tem o seu perispírito, que é de um ser desencarnado, portanto de constituição diferente da matéria que conhecemos. Segundo o pesquisador alemão Zöllner23, alguns fenômenos de efeitos físicos poderiam ser explicados pela existência de uma realidade de mais que três dimensões espaciais, ou seja, talvez uma 4ª dimensão ou 5ª, ou talvez até uma 6ª dimensão que não são visíveis aos nossos olhos materiais de 3ª dimensão. Por sua vez, em algumas ocasiões, talvez pelo ambiente não oferecer condições adequadas, o Espírito não consegue revestir seu próprio perispírito com o ectoplasma e, então, lança mão do perispírito do médium, revestindo­‑o com aquela matéria orgânica. Aí acontece, como é de se esperar, a semelhança do vulto materializado com o do médium. A esse fenômeno dá­‑se o nome de superincorporação. Assisti a esse fenômeno por várias ocasiões, mas nunca coloquei em dúvida a autenticidade dos fatos, como outros fizeram. Sempre tive o cuidado de ponderar à luz da razão à medida que coisas novas aconteciam. Devemos analisar friamente os acontecimentos, com o olhar de experimentador incrédulo mas honesto, que vê nos fenômenos que não entende uma possibilidade de fraude. Senão vejamos, a médium poderia se revestir com algum tecido e se fazer parecer com o Espírito materializado ou, nesse 23

J. K. Friedrich Zöllner Provas Científicas da Sobrevivência, São Paulo, Edicel


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caso, superincorporado? Sim, desde que se oferecessem condições materiais para tanto. (Figura 3) Vamos analisar por partes. Quando a médium era introduzida na cabine, nas sessões de demonstração em

(Figura 3) – Nestor e o espírito materializado Dr. Alberto Veloso (Campinas-SP)


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Uberaba, ela vestia uma túnica preta sem nenhuma outra peça por baixo, a não ser a calcinha. Sentava­‑se à cadeira, suas pernas eram presas às da cadeira por fortes correias de couro, unidas por um cadeado fechado, cuja chave era entregue a um dos espectadores. As mãos eram manietadas por algema do tipo usado pela polícia, e em outras vezes por correia de couro fechada por cadeado. Passava­ ‑se, ainda, em torno de seu tórax, outra correia, que a prendia ao espaldar da cadeira. A médium ficava, assim, imobilizada, sem poder levantar­‑se da cadeira e passear pelo recinto. Mas vamos admitir que por quaisquer circunstâncias, dificílimas por sinal, a médium conseguisse se desvencilhar de todo esse aparato ­– silenciosamente para que ninguém percebesse, pois todos estavam muito próximos e o silêncio era total – e viesse a se apresentar na frente dos espectadores toda vestida com um filó24 branco, deixando aparecer por baixo um outro tecido também branco. Teria assim ela burlado a vigilância dos presentes? À primeira vista sim, mas atentando com mas cuidado, começamos a perquirir: se ela conseguiu se soltar de todas as suas amarras e está ali na frente toda jubilosa, de branco, com vestido que a cobre da cabeça aos pés, ocorre uma pergunta final. Como todo esse tecido apareceu em cena? Porque, convenhamos, é muito pano. Dá uns dez metros de filó – cujo padrão é de 60 centímetros de largura. Isso sem contar o outro tecido que fica por baixo do filó e que também é de cor branca, com trama mais fechada, 24

Tecido que maior semelhança apresenta com o aspecto da roupagem das entidades materializadas.


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mais pesado. Imaginemos o volume considerável formado por esses tecidos. Posso dizer que é muito grande porque, certa vez, junto com o jornalista Jorge Rizzini25, fomos até o Instituto de Polícia Técnica do Estado de São Paulo levar fotos e negativos das imagens que obtive durante os trabalhos que ocorreram em Uberaba, para que eles os examinassem. Na ocasião foi sugerida a ideia de vestirmos com filó um manequim e um outro tecido que ficaria sob o filó. A ideia era para podermos dimensionar a quantidade de tecido necessária para a composição do modelo que estaria imitando a Irmã Josepha. Fomos a uma loja de tecidos próxima ao Instituto e lá conseguimos emprestados dois rolos de tecidos. De volta ao Instituto de Polícia, no seu estúdio fotográfico, vestimos o manequim da mesma forma como a Irmã Josepha se apresentava. E o teste foi surpreendente. Foram gastos 10 metros de filó para a roupa de cima e para a roupa debaixo o equivalente, ou pouco mais, à medida de um lençol de casal, isso sem se levar em consideração o tecido que envolvia a cabeça do Espírito. (Figuras 4 e 5) Diante disso, é fácil dimensionar o volume do pacote que seria necessário para acondicionar esses tecidos. A pergunta é: como todo esse enorme pacote foi parar dentro da cabine sem que ninguém notasse? Isso sem se considerar o tecido usado pela outra entidade que também se materializava, o Dr. Alberto Veloso, que foi médico no Rio de Janeiro, serviu na Marinha de Guerra no HCM – Hospital Central da Marinha – e com quem meu pai, Nestor Mendes da Rocha, que foi enfermeiro naquele nosocômio, 25

Autor do livro Materializações de Uberaba


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(Figura 4) – Manequim


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(Figura 5) Filó ­– volume do filó necessário para revestir uma pessoa

trabalhou e que se apresentava regularmente, e muitas vezes simultaneamente à Irmã Josepha, mas com um outro formato de roupa, também sempre de cor branca. Impossível esses pacotes entrarem no recinto sem serem notados. Seriam notados mesmo que fossem colocados antes da chegada das pessoas, visto que todo o recinto era minuciosamente examinado e não havia móvel ou outro objeto onde se pudesse escondê­‑los. Só existia uma cadeira onde a médium se sentava e ali era imobilizada. Mas vamos continuar a pesquisar com seriedade, como aliás deve ser feita toda pesquisa a que nos dispomos realizar. Já vimos que o Espírito pode se materializar ou pode se superincorporar. Estudamos esta última modalidade, e agora vamos passar a estudar a materialização propriamente dita, aquela em que o Espírito utiliza­‑se do seu próprio perispírito.


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Como sabemos os perispíritos, tanto dos desencarnados como dos encarnados, não são visíveis aos nossos olhos materiais. São vistos apenas caso haja no recinto um médium vidente e/ou clarividente, que tem a faculdade de ver o perispírito. Outra possibilidade é a do Espírito desencarnado desejar aparecer aos presentes e, momentaneamente, por sua vontade, utilizando­‑se dos fluidos existentes no ambiente, “condensá­‑los” em torno de si e aparecer a todos. A esse fenômeno Kardec deu o nome de aparição, mas é um fenômeno de pouca duração. Ainda, dentro da modalidade materialização temos aquela que, podemos dizer, é a real. O Espírito se apresenta com o seu próprio perispírito, utilizando­‑se de uma mescla dos ectoplasmas dos minerais, das plantas, e dos animais, no caso do ser humano. Manipulando­‑os pela força da sua vontade, o Espírito se materializa e torna­‑se visível a todos os presentes. Aliás, uma importante propriedade do ectoplasma é ser ideoplástico, isto é, suscetível à ação da vontade dos circundantes Não sabemos a forma como isso ocorre, se o Espírito se “embebe” todo com a argamassa formada pelos diversos ectoplasmas ou se utiliza de outro procedimento. Uma coisa é certa. É muito sutil a realização da materialização. Não é só visível e fiel a fisionomia do Espírito materializado como também, em alguns casos, foi possível medir os batimentos cardíacos do ser materializado, medir sua temperatura e dialogar com a médium que ele estava utilizando. Como não existem ainda comprovações do procedimento do fenômeno, pelas observações e estudos que pude fazer ao longo desses quase cinquenta anos e lendo os livros mais atualizados em química e física e em ciência


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espírita, aventuro­‑me a chegar a uma hipótese que traz alguma luz a este importante assunto. O ectoplasma, tal como expelido pelos médiuns, é uma substância amorfa. Minha hipótese é que no processo de materialização o espírito é embebido pelo ectoplasma, como uma esponja é embebida pela água quando mergulhada nesse líquido. O espírito por sua própria ação ou auxiliado pelos químicos da espiritualidade, de alguma forma, altera os arranjos moleculares do ectoplasma, tornando­‑o visível e tangível a nós encarnados, e fazendo­ ‑o assumir características de tecidos biológicos diversos. Além de materializar­‑se, o espírito usa a ideoplasticidade do ectoplasma para fazê­‑lo assumir as aparências de indumentárias e artefatos variados. O que me fez chegar a esta conclusão foi que certa vez, assistindo a um trabalho de efeitos físicos na cidade de São Paulo, apresentou­‑se materializado o Espírito Padre João. Esse Espírito em outras ocasiões materializou­‑se em nosso centro em Campinas. Era um Espírito de grande envergadura física, trajando uma roupa branca de frade e trazia, abaixo do queixo, na altura do peito, uma luz clara que iluminava bem o seu rosto e boa parte do restante de seu corpo. Pois bem, era assim que ele estava materializado em São Paulo. (Figura 6) Eu e Armando Valente do Couto, que era médico e também de Campinas, havíamos sido convidados a participar daquele trabalho. Em dado momento o Espírito do Padre chamou Armando para ir lá na frente, junto dele, a fim de receber um presente. Armando se dirigiu até lá e o Padre João lhe mostrou um disco fonográfico, daqueles de antigamente, de acetato preto de 12 polegadas. Em se-


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(Figura 6) – Padre João e Dr. Alberto Veloso materializados (Campinas-SP)

guida virou­‑se de costas, e quando virou­‑se de frente ao Armando, entregou­‑lhe o disco todo retorcido. Em seguida, chamou-me também lá na frente, e repetiu o ato, só que, antes que se virasse de costa, pedi que ele me emprestasse o disco antes de retorcê­‑lo, e o rubriquei,


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devolvendo­‑o ao padre, que a seguir repetiu o gesto, ou seja, virou­‑se de costas, e ao retornar, me entregou o disco retorcido. Mais tarde, terminada a reunião, verifiquei que o disco continha a minha rubrica, tratando­‑se, portanto, da mesma peça. Mas, o que me chamou mais a atenção naquele momento, e que inclusive me assustou, foi que quando o padre João, ao se virar novamente de frente para mim com aquela luz clara a lhe iluminar, apresentava falta de uma boa parte do seu rosto, no lugar da qual havia um buraco, causando­‑me um certo mal-estar, uma repugnância. Passados alguns meses e conversando com a Irmã Josepha em nosso centro em Campinas, ela me confidenciou que quando os Espíritos não conseguiam a quantidade de ectoplasma necessária para se materializarem por completo, utilizavam­‑se desse expediente de recobrir a parte faltante, principalmente quando era no rosto, com um véu, a fim de não causar mau impacto, não assustar as pessoas, mostrando um rosto deformado com um buraco no meio. Desde então, venho construindo esta ideia de que o ectoplasma preenche os espaços existentes entre as células do perispírito da entidade desencarnada.

O ectoplasma Nas dezenas de oportunidades observei o ectoplasma sendo expelido pelos médiuns – saindo das fossas nasais, da boca e dos ouvidos. Tive a oportunidade de vê­‑lo sob a ação da luz vermelha e também, da luz do flash que, apesar de sua velocidade de um milésimo por segundo, deixava as pessoas e o ectoplasma bastante iluminado, permitindo uma observação visual mais detalhada.


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Posso afirmar que o ectoplasma se apresenta com a forma de um algodão bem denso, como se fora apertado, podendo­‑se notar alguns pedaços como que desprendidos do todo, sem, contudo estar solto, uma espécie de fiapo. Branquinho, sem cheiro, movimentando­‑se e, às vezes, nos seus extremos, já começando a tomar a forma de alguma peça. Certa vez numa das sessões de experimentação em Uberaba, Minas Gerais, o tecido preto pendurado em varal de arame, que formava a cabine de proteção foi recolhido pelos Espíritos, deixando os médiuns doadores de ectoplasma, à vista dos assistentes, causando um impacto a todos. (Figura 7)

(Figura 7) – Médiuns Feitosa e Otília expelindo ectoplasma (Uberaba-MG)


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