COMO MEUS PAIS
NUTRIRAM
minha
FÉ a
ELISABETH ELLIOT
Como Meus Pais Nutriram a Minha Fé
Traduzido do original em inglês The shaping of a christian family: How my parents nurtured my faith
Copyright © 1992 by Elisabeth Elliot Gren
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Publicado originalmente por Revell uma divisão do Baker Publishing Group 6030 East Fulton Road Ada, MI 49301
Para mais informações sobre o legado, trabalho e escritos de Elisabeth Elliot, por favor visite: www.elisabethelliot.org.com
Copyright © 2021 Editora Fiel Primeira edição em português: 2022
Todos os direitos em língua portuguesa reservados por Editora Fiel da Missão Evangélica Literária Proibida a reprodução deste livro por quaisquer meios, sem a permissão escrita dos editores, salvo em breves citações, com indicação da fonte.
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Diretor: Tiago Santos Supervisor Editorial: Vinícius Musselman Editor: Renata do Espírito Santo Coordenação Editorial: Gisele Lemes Tradução: Wellington Ferreira Revisão: Zípora Dias Diagramação: Rubner Durais Capa: Rubner Durais
ISBN impresso: 978-65-5723-215-6 ISBN eBook: 978-65-5723-214-9
Caixa Postal, 1601 CEP 12230-971 São José dos Campos-SP PABX.: (12) 3919-9999 www.editorafiel.com.br
Com amor para Phil, Dave, Ginny, Tom e Jim, herdeiros comigo do inestimável legado do lar que tentei descrever.
Amarás, pois, o Senhor , teu Deus, de todo o teu coração, de toda a tua alma e de toda a tua força. Estas palavras que, hoje, te ordeno estarão no teu coração; tu as inculcarás a teus filhos, e delas falarás assentado em tua casa, e andando pelo caminho, e ao deitar-te, e ao levantar-te.
Deuteronômio 6.5-7
O espírito de fé e piedade dos pais deve ser considerado como o meio mais poderoso para preservação, desenvolvimento e fortalecimento da vida de graça nos filhos.
Teófano, o Recluso
SUMÁRIO
Introdução
11 Prefácio
17 1. Um lar vitoriano
21 2. Uma herança considerável
29 3. Uma linda casa nova
35 4. O bangalô, a chotiça, a igreja
Corajosos pela amada de papai
Luz e vida
41
47
51
55 8. Um homem de decisão
Espera, minha filha
61 9. Nasce um lar cristão
73 10. Os novos missionários
Ele viveu o que nos ensinou
Frugalidade, hospitalidade e heróis
O dia do Senhor
Um hábito de ordem
ternura de um pai
79
85
99
107
17. Uma mãe é um cálice
139 18. Autoridade sacrificial
147 19. Confiança
159 20. O amor é paciente e benigno
167 21. Regras
173 22. Disciplina: uma missão em benefício da redenção
183 23. Encorajamento
195 24. Franconia
203 25. Trabalho e brincadeira
215 26. Cortesia
227 27. A devoção de uma mãe
237 28. Deixando-nos crescer ................................................................................ 247 29. Deixando-nos partir ................................................................................... 253 30. O assunto de casamento ............................................................................ 259 31. As cartas da família ..................................................................................... 271 Epílogo
289 Lista de leitura para pais
INTRODUÇÃO
Quando mamãe tinha 79 anos de idade, a revista Moody Monthly lhe pediu que escrevesse um artigo sobre a educação de crianças. Suas perspectivas, conforme descritas aqui, parecem ser a melhor introdução para a história de nossa família:
Ensinando Seu Filhinho, por Katharine G. Howard Uma pequena batalha de vontades aconteceu entre meu filho primogênito e eu mesma. Papai e mamãe haviam acabado de tomar o café da manhã. Mas, sentado em sua cadeira alta, Phil enrolava com o restante de seu leite. E anunciou firmemente: “Quero descer”.
“Termine o seu leite. Assim, você poderá descer”, eu lhe disse, não imaginando que aquilo seria uma crise.
Ele ficou quieto por um tempo e, em seguida, declarou: “Quero descer”.
“Sim, logo que você terminar o seu leite.” Repetimos essa cena por vários minutos durante mais de uma hora. Comecei a compreender que minha autoridade estava sendo testada. Interiormente, decidi que ele ficaria sentado ali até que fizesse o que eu lhe dissera. Se não fosse por causa da vinda do leiteiro, não sei quanto tempo teríamos ficado ali. Phil amava ver o leiteiro descer a rua de paralelepípedo em nosso bairro, Schaerbeek,
em Bruxelas, na Bélgica, com sua pequena carroça puxada por seu cachorro. Quando Phil o ouviu, engoliu o leite e escapou rapidamente da cadeira alta. Anos mais tarde, durante seu serviço militar, Phil escreveu para seu pai e nos agradeceu por lhe ensinar obediência. Nunca lhe ocorreu desobedecer a uma ordem, ele disse, mas muitos homens tentaram esquivar-se de fazer o que lhes fora dito e, por consequência, passaram muito tempo na prisão.
“Ensina a criança no caminho em que deve andar, e, ainda quando for velho, não se desviará dele” é tão verdadeiro hoje como era quando Salomão o escreveu milhares de anos atrás. Examinar as colunas de qualquer concordância bíblica sobre as palavras obedecer, obediência e obediente nos dá uma ideia da sua importância aos olhos de Deus. “Eis que o obedecer é melhor do que o sacrificar, e o atender, melhor do que a gordura de carneiros”, disse Samuel a Saul. A fim de atender apropriadamente, o que é o começo do aprendizado, deve-se ser obediente.
Treinar deve vir antes de ensinar. Antes de os pais poderem treinar seus filhos corretamente, eles devem primeiramente disciplinar-se a si mesmos. Um lar ordeiro e hábitos ordeiros podem ser alcançados apenas por concordarem juntos sobre essas coisas. Nosso lar seguia um programa rígido. Meu marido tinha de pegar na hora certa o seu trem, e cada filho tinha de terminar seus deveres e sair para a escola no horário. Meu marido insistia num café da manhã demorado e em orações familiares. Isso é impossível se os filhos não cooperarem. E não cooperam se não forem disciplinados desde seus primeiros dias. Essa disciplina é o fundamento para o ensino.
Orar juntos por sabedoria e manterem-se firmes juntos em questões de disciplina deve ser uma norma para os pais. Os filhos mais velhos percebem rapidamente que podem jogar um pai contra o outro. “Se mamãe não me deixar ir, pedirei ao papai. Ele não saberá que mamãe disse não.” Os pais de filhos mais novos (e de filhos mais velhos, também) devem ler frequentemente o livro de Provérbios e se encharcar da sabedoria dada pelo Espírito de Deus.
Os pequeninos não são novos demais para receberem treinamento sério? Anos atrás, quando nossos três filhos mais velhos eram bem pequenos, meu marido e eu convidamos para o nosso lar um pai de dez filhos, os quais se tornaram, todos, homens e mulheres cristãos excelentes. Depois de acomodarmos seguramente nossos três filhos na cama, nós, pais jovens, começamos a fazer, ao nosso convidado, perguntas sobre criação de filhos. Nunca esqueci algo que ele disse: “Se você não consegue obediência por volta de quando eles têm dezoito meses, é tarde demais!”
Raramente diríamos que dezoito meses é tarde demais para ensinar obediência a uma criança. Mas, certamente, a obediência se tornará tanto mais difícil quanto mais uma criança for deixada na dúvida sobre quem está em autoridade. Nestes dias, ouvimos muito sobre não frustrar a criança por dizer “não”. De fato, a frustração vem quando ela é desobediente e não é punida por isso. Observei, frequentemente, que uma aplicação imediata de uma punição física clareava a atmosfera. Nas semanas seguintes, não houve necessidade de mais castigo. A Bíblia nos diz: “O Senhor corrige a quem ama.” A menos que sigamos firme e consistentemente o exemplo do Senhor, estamos realmente amando os nossos filhos?
Quando cada um de nossos seis filhos chegaram aos dezoito meses, eu descobri que nosso amigo sábio estava certo. Quando a criança começa a engatinhar e, depois, a andar, ela coloca seus pais à prova. “Mamãe quis dizer realmente não toque nisso?”, parece que a criança se pergunta. “Vou testá-la e ver se é verdade!” E faz exatamente isso.
Lembro-me de observar meu filho Dave, quando seu filhinho Michael se arrastava em direção a meu fogão a gás, em nossa cozinha, na Flórida. Ele havia sido retirado de lá e ordenado a não ligar as bocas de gás. Mas, ele se arrastou devagarzinho rumo ao fogão, parando de vez em quando e olhando para seu pai, que continuava a dizer calmamente: “Michael, não toque nisso”. Quando Michael tocou, descobriu que seu pai estava falando sério. Houve lágrimas intensas como resultado.
Até os pequeninos bebês podem ser ensinados, quando colocados na cama, que chorar não faz nenhum bem. A mãe tem de disciplinar-se a si mesma. Se ela tem certeza de que o bebê está sequinho, quente e bem alimentado, então, ela deve deixá-lo chorar. Serão necessárias apenas algumas noites para ele aprender que chorar é desperdício de tempo. Podemos lidar facilmente com a criança de colo que chora e grita por deixá-la sozinha em um quarto. Chorar e gritar não são muito divertidos quando não se tem audiência.
Nestes dias há muita conversa sobre ter coisas não estruturadas. Como um cristão pode fazer essa zombaria com as Escrituras, tais como “Tudo, porém, seja feito com decência e ordem” (1Co 14.40) ou com um estudo diligente da criação de Deus? O que aconteceria às galáxias se fossem não estruturadas? Certamente, deve haver ordem no lar.
Estrutura em um lar inclui mais do que planejar o horário. Significa ensinar um filho a disciplinar sua mente. Até uma criança pequena pode aprender a prestar atenção e a olhar para seus pais quando estão falando com ela. No tempo de nossas orações em família, não permitíamos brincadeiras ou divagação da mente. Esperávamos que nossos filhos ouvissem.
Treinar uma criança começa bem cedo, mas, quando começamos a ensiná-la? Há maior alegria para uma mãe do que uma cadeira de embalo, balançando suavemente, e um bebezinho em seu colo para quem ela canta? Os seus pequeninos ouvidos devem escutá-la cantar “Jesus me Ama”, ou “Lá na Manjedoura”, ou “Salvador, guia-nos como um Pastor”. O ritmo de embalo insere automaticamente versos e canções na mente de uma criança. Tranquilizada pelo movimento e pelo amor de sua mãe, a criança fica mais aberta e pode aprender sem esforço.
Uma apreciação de boa literatura pode ser instilada bem cedo. Pedro Coelho, o Coelho Benjamin, o Esquilo Nutkin e Jeremias Pescador se
tornaram amigos de nossos filhos. Eles também amavam o vaivém cativante dos poemas escritos por A. A. Milne. E desgastamos dois livros de histórias da Bíblia.
Meu marido instituiu as orações familiares logo que nos casamos. Imediatamente após o café da manhã, tínhamos um hino, uma breve leitura bíblica, uma oração entregando cada membro da família aos cuidados de Deus e, depois, nos uníamos em dizer a oração do Pai Nosso. Quando nossos filhos eram pequenos, eu os segurava no colo enquanto meu marido tocava o hino no piano. Eu segurava os braços do bebê Jim e o ajudava a marcar o tempo para a música. Logo ele o fazia sozinho.
Descobri que simplesmente repetir o Salmo 23, toda noite, para o Jim, depois que estava na cama, era uma maneira simples de implantar essa linda canção de Davi no coração e na mente de Jim. Em uma semana, ele estava começando a dizê-la comigo, e isso era parte do ritual de ir para cama. Quando ele dominou o Salmo 23, acrescentamos outra Escritura.
Ao ensinar os filhos mais novos, é bom lembrarmos as palavras de Isaías 28.10: “Porque é preceito sobre preceito, preceito e mais preceito; regra sobre regra, regra e mais regra; um pouco aqui, um pouco ali”. É assim que o nosso Deus paciente tem lidado conosco; e assim devemos lidar com os nossos pequeninos, repetindo frequentemente a Palavra de Deus, para que fique escondida no coração deles, para não pecarem contra Deus.
Observamos que a repetição do Pai Nosso no final do culto familiar era uma maneira que facilitava seu aprendizado. Meu netinho Charles quis se unir a nós em recitá-lo, mas não conseguia dizê-lo bem. No entanto, ele se tornou bom e forte no que sabia. Em voz clara, ele dizia: “Céu... nome... venha... feita...”. “Ofensas” era um tropeço para ele, mas, com o passar do tempo, ele superou isso também e logo pôde se unir a nós em toda a oração.
A antiga versão do Salmo 127.3, dada no Livro de Oração Comum, desafia todo pai: “Eis que os filhos e o fruto do ventre são uma herança e dádiva que vem do Senhor”. Como estamos valorizando essa dádiva? Nenhum tempo gasto nessa responsabilidade é perdido.
Só damos o que é teu, Seja este dom qual for.
Só temos o que vem do céu, Confiado a nós, Senhor.1
Vivamos diante de nossos filhos para que nos honrem verdadeiramente como diz Efésios 6.2: “Honra a teu pai e a tua mãe (que é o primeiro mandamento com promessa)”.
Filhos muito novos são capazes de dar seu coração a Cristo. Um de meus filhos não se lembra de quando isso aconteceu em sua vida, mas sabe que aconteceu. Minha filha mais nova se lembra de quando, aos quatro anos de idade, ela e eu nos ajoelhamos ao lado de minha cama e ela pediu ao Senhor Jesus que viesse morar em seu coração. Ela diz que nunca duvidou de sua salvação desde então. Lembre-se do amoroso convite do Senhor: “Deixai os pequeninos, não os embaraceis de vir a mim, porque dos tais é o reino dos céus” (Mt 19.14).
Deus permita que nenhum de nossos pequeninos tenha de dizer em sua vida adulta as tristes palavras de Provérbios 5.12-14: “Como aborreci o ensino! E desprezou o meu coração a disciplina! E não escutei a voz dos que me ensinavam, nem a meus mestres inclinei os ouvidos! Quase que me achei em todo mal que sucedeu no meio da assembleia e da congregação”.
PREFÁCIO
O quarto da frente no piso superior da casa em que passei os primeiros nove anos de minha vida era grande e ensolarado, com uma cadeira de embalo na janela saliente onde mamãe amava sentar-se para alimentar e embalar seus bebês, cantar para nós e contar-nos histórias. Éramos três na época – Philip, chamado Sonny, naquele tempo, eu, Elisabeth, conhecida por Bets para mamãe e Betsy para papai, e David, o qual, então, era Davy. Minha recordação mais antiga é de sentar-se no colo de mamãe, de frente para ela, olhando para seus olhos azuis vívidos (eles eram muito, muito azuis) e brincando com um broche de ouro em formato de raios solares na gola em V de seu vestido azul.
Ela cantava “A Capital Ship” (Uma Nau Capitânia), “Go Tell Aunt Nancy” (Vá Dizer à Tia Nancy), “I Went to Visit a Friend One Day” (Fui Visitar um Amigo Um Dia), “Bobby Shaftoe”, “Matilda Told Such Awful Lies” (Matilda Contou Mentiras Horrorosas) e “She Is a Darling, She Is a Daisy” (Ela é Um Encanto, Ela é uma Maravilha). Das muitas canções evangélicas que ela cantava, lembro-me em especial de “Luz Bendita, Luz Gloriosa” e “Belas Palavras de Vida”. Amávamos ler histórias de uma série de livros intitulada My Bookhouse, bem como de A. A. Milne e de Beatrix Potter. Amávamos as histórias que ela criou sobre um macaquinho chamado Jocko, porém implorávamos muito frequentemente para ouvir sobre “quando você era uma menina”.
Quando mamãe chegou aos setenta anos, eu lhe pedi que colocasse toda a história em forma escrita.
“Oh! Bobagem”, ela disse. “Quem jamais desejaria ler isso?” (Mamãe jamais conseguia falar sem ênfase. Acho que peguei seu hábito.)
“Todos nós”, eu respondi, significando os seis filhos e nossos cônjuges, filhos, netos e quem sabe quantas gerações mais.
O argumento a convenceu de que certamente haveria alguns leitores. Afinal de contas, eu ressaltei, qual geração na história da humanidade tinha visto as mudanças cataclísmicas em tecnologia e na sociedade que a sua geração tinha visto – desde porcelana óssea a isopor, desde o tecido rude de linho e lã aos tecidos sintéticos, desde as pias de porcelana e bacias de latão às jacuzzis, desde querosene e lâmpadas a gás à eletricidade, desde cavalos e carroças a aviões a jato?
“Oh! Misericórdia!”, ela disse. “Eu não sei o que dizer. Não sou uma escritora. Você faz isso!”
Eu lhe respondi: “Consiga um caderno de anotações e comece a escrever as coisas à medida que vêm à sua mente, uma história por folha, para que depois você possa inserir coisas que esqueceu. Use o tempo que for necessário”.
Ela o fez. Foi adiante com o projeto. Gastou dez anos nele, colou até fotos e acabou em dois volumes grossos.
Isso, então, e não as minhas recordações infantis dessas histórias, foi a minha principal fonte para os fatos e a cronologia da vida de nossa família. Excertos da história de mamãe estão impressos em letras menores.
Papai morreu aos 65 anos. Infelizmente, não tivemos a ideia de lhe pedir que escrevesse sua história. Desejamos muito que tivéssemos pedido. Mas temos a meia dúzia de livros que ele escreveu, alguns poucos anos de diário que ele manteve, algumas de suas cartas e cartas escritas para mamãe a respeito dele, depois de sua morte. E ainda temos sua irmã Anne, que é muito boa em responder perguntas.
As histórias da vida de meus pais são, naturalmente, de grande interesse para mim, mas não pensei em colocá-las na forma de livro até alguns anos atrás, quando comecei a ouvir de muitos pais e mães jovens que desejavam sinceramente estabelecer lares cristãos, mas não tinham um contexto familiar como eu tive. Como uma pessoa desenvolve um lar cristão? Que forma ele deve assumir? Quais são os modelos dignos de ser copiados?
Ofereço esta história da família de um homem. Talvez alguns queiram aceitá-la como uma prescrição para si, mas não a ofereço como tal. Seu alvo primário é ser uma descrição de como um casal cristão trabalhou para ordenar o seu próprio lar. Os Howard procuraram aprender e aplicar princípios espirituais da Bíblia; e esses princípios são dignos de ser frequentemente revistos, embora sua aplicação possa ser diferente em outros lares. Nossos pais oravam todos os dias buscando a ajuda de Deus. Eles cometiam erros e pediam o perdão de Deus e, às vezes, o nosso também.
A pergunta que surge é esta: quais foram os resultados? O que aconteceu com os seis filhos da família Howard? Falo por todos eles quando digo que agradecemos a Deus pelo lar em que crescemos. Amávamos nossos pais e sabemos que eles nos amavam. Nós os respeitávamos, e os princípios que nos ensinaram contribuíram certamente para a formação dos seis lares que estabelecemos quando formamos nossas famílias, embora sejamos cônjuges diferentes e lares diferentes. Falo por mim mesma quando digo que tanto desnorteei quanto entristeci meus pais, sem dúvida muito mais frequentemente do que sei, mas as orações deles me acompanharam e somente a eternidade mostrará quão grande é a dívida que tenho para com eles.
Magnolia, Massachusetts, julho de 1991
UM LAR VITORIANO
“Vista-se rapidamente, Tom. Há uma surpresa para você lá embaixo.”
O tio Tom tinha cerca de 90 anos quando nos falou, seus sobrinhos e sobrinhas, sobre aquela manhã memorável em junho de 1899, quando Granny Marshall, a idosa enfermeira, foi ao seu quarto para acordá-lo.
A bicicleta! Certamente, era a bicicleta pela qual ele tanto anelara. Quase tudo que ele tinha era de segunda mão, bem usado pelo seu irmão mais velho Frank. Se ele pudesse ter apenas uma única coisa nova, maravilhosa e brilhante.
Vestiu a camisa, as cuecas, meias pretas e os sapatos de cano alto (sem tempo para abotoá-los) e correu para baixo. Algum menino de oito anos foi mais terrivelmente desapontado? Não era uma bicicleta brilhante. Era um pequeno pacote nos braços de sua mãe, uma criancinha vermelha e chorosa, de cuja chegada ele não tivera nenhuma indicação.
“Sua irmã, Tom”, disse sua mãe. “O nome dela é Katharine.”
Katharine, mamãe, nasceu de Frank e Ida Keen Gillingham na Avenida Clarkson, em Germantown, uma parte da cidade de Filadélfia onde seu pai tinha uma madeireira. Sua casa ampla e confortável era metade do que na época chamavam casa “dupla”, que compartilhava uma parede com os vizinhos ao lado. A primeira fotografia do bebê Katharine é uma daquelas antigas fotos de tom azul. Mostra um carrinho de vime bem acolchoado, com rodas altas e um guarda-sol fechado. Cercada por almofadas e mantas, está
sentada uma criança lindamente vestida com roupa de babado e touca, com uma face redonda e olhos brilhantes.
Sua autobiografia conta a história:
O Dr. Thomas Carmichael, pai do agora famoso Leonard Carmichael [por muitos anos, diretor do Instituto Smithsonian], colocou a meus dois irmãos e a mim no mundo, na casa para a qual papai e mamãe mudaram depois que se casaram.
Granny Marshall, a enfermeira, é uma das primeiras pessoas das quais me lembro.
Viúva de um marinheiro perdido no mar, Granny gastava boa parte de seu tempo fazendo “kits de costura para homens do mar”. Quando Katharine tinha três anos de idade, a idosa senhora quebrou a perna, que foi mal restaurada e ficou permanentemente rígida. “Quando ela vinha nos visitar, como o fazia com frequência, tornou-se meu dever ajudá-la a calçar seus sapatos pretos de cano alto e abotoá-los, um dever do qual nunca gostei!”
Outra mulher que a menininha aprendeu a amar bem cedo era sua “babá”, Sarah Ann Hackley, que sempre usava um vestido preto, com colarinho e punhos de manga brancos; um avental branco e um chapéu branco. “O mundo chegou ao fim (por um tempo) no dia em que ela foi embora, quando eu tinha uns seis anos. Lembro-me de ficar sentada no topo da longa escada e observá-la partindo. Não podia imaginar a vida sem ela.”
Na frente, a casa tinha uma cerca de ferro e uma grande varanda, com cadeiras de balanço de vime. No jardim da frente, havia “um pequeno grupo de árvores sempre-vivas, e, em uma delas, havia um arranjo de galhos que formavam um ótimo lugar para alguém se sentar. Era meu refúgio especial, e eu o amava”.
Quando você entrava pela porta da frente, passava por um vestíbulo para um hall espaçoso e, depois, para o salão à direita, que continha um enorme piano mecânico de pernas grossas, com rolos de músicas.
Fotos desse cômodo mostram lâmpadas com imensos toldos franjados, mesas de pernas torneadas, com toalhas de renda ou veludo, e cadeiras elegantes cobertas com veludo franjado, espalhadas no que parece ser, um século depois, um formato aleatório que tem pouco a ver com as noções atuais de conforto, conveniência e simetria. Pesadas molduras douradas, na parede, sustentam quadros de lindas donzelas. Na cornija da lareira, há vasos de vidro decorado, um relógio de pêndulo, um candelabro com prismas de cristal, as mesmas coisas que mais tarde adornaram a cornija da lareira de que me lembro em nossa casa. Atrás desse cômodo havia o escritório onde a menininha podia se ver num grande espelho, enquanto dançava a música tocada no piano mecânico. Então, vinha a sala de jantar com uma porta de vaivém que dava para a cozinha, onde a comida era feita num fogão a carvão, que tinha um aquecedor de água acoplado. Aqui aconteceu uma tragédia quando Katharine tinha uns quatro anos de idade.
Mamãe era alegre e feliz. Contudo, acho que ela nunca se recuperou totalmente da tragédia... Sua irmã, depois de ficar viúva, decidiu construir uma casa em Belmar (New Jersey), para fugir do calor da cidade nos verões. Ela estivera lá para supervisionar a obra e deixara suas duas meninas com mamãe. Acho que elas tinham dez e sete anos. Betty era a mais nova. Ela tinha acabado de almoçar, e mamãe quis ir para a cozinha, para falar com a empregada. Ela nos ordenou, as três meninas, que subíssemos. Betty, que era apegada a mamãe, seguiu-a até a cozinha. Repentinamente, houve uma explosão horrível. O aquecedor havia explodido ao lado do fogão. Uma peça de metal atingiu Betty, matando-a instantaneamente. Helen e eu não sabíamos o que havia acontecido, mas fomos levadas rapidamente para a casa ao lado, onde fomos colocadas na sala de estar e deixadas ali pelo que pareceu ser várias horas.
No andar de cima, ficava a sala de estar. Aqui, além do sofá de pelo de cavalo e cadeiras de braços estofadas de pelúcia, estava a linda escrivaninha Governador Winthrop, de Ida (agora, em minha sala de visitas), um telefone alto, na moldura da lareira, com suas campainhas montadas acima na parede, e um “tubo de falar”, um tipo de interfone pelo qual alguém podia assoprar para atrair a atenção da cozinheira na cozinha. O móvel de fumar de seu pai propiciava alegria à menina, quando ela guardava ali as cartas e o cribbage dele, com suas fichas e pinos de latão.
O quarto dos pais era na frente, e o de Katharine ao lado. No terceiro piso, estava o quarto dos irmãos e uma sala de estar, um quarto de empregada e um depósito.
Limpar a casa naqueles dias era uma tarefa formidável. Tapetes tinham de ser levados para fora, ao quintal, e um homem era contratado para BATÊ-los com varas fortes, uma em cada mão, e, se ele tivesse um senso de ritmo apropriado, era divertido ouvi-lo. A fim de preparar-nos para o verão, os carpetes de linho eram colocados em cima dos outros carpetes, e todos os móveis eram envolvidos em enormes lençóis de linho, e os quadros, cobertos com morim.
No amplo quintal, havia uma caixa de areia, uma treliça coberta com videiras e um maravilhoso pé de cereja, do qual Katharine podia ter apenas algumas poucas cerejas por vez, visto que não eram consideradas “boas para meninas”. Os galinheiros para as galinhas de Tom e os pombos de Frank estavam no fundo do quintal. Gatos da vizinhança eram interessados nas galinhas e nos pombos, por isso, Teddy, o buldogue de Katharine era treinado a persegui-los. “Isso me causou muita tristeza posteriormente, quando eu costumava trazer para casa lindos gatos ‘coon’, do Maine, na esperança de que Teddy aprendesse a gostar deles. Ele nunca aprendeu, e, sob suas atenções, as nove vidas dos gatos foram consumidas rapidamente. Uma única chacoalhada era o suficiente!”
Katharine e seu amado Teddy, nascidos quase no mesmo tempo, eram inseparáveis. Ele tinha os mesmos sentimentos de Katharine a respeito de muitas coisas, inclusive sobre o 4 de julho. Juntos, eles se escondiam, tremendo, debaixo da cama, para fugir dos grandes “tiros canhão” que Tom e Frank disparavam.
Certa vez eu estava sentada na varanda da frente, em meu pequeno banco de balanço. Mamãe havia me dado um punhado de amendoim descascado (outra coisa que meninas não deviam comer muito). Teddy veio e se sentou diante de mim, babando. Ele também gostava muito de amendoim. De repente, deixei cair um, e, antes que eu pudesse pegá-lo, Teddy o engoliu totalmente. Fiquei desnorteada. Eu o teria de volta ou saberia o motivo. Meti a mão em sua boca e tentei enfiá-la em sua garganta, enquanto ele gritava alto o tempo todo. Nosso carteiro estava passando no outro lado da rua e, vendo-me naquela posição, largou sua bolsa e veio correndo em minha ajuda, pensando que o pobre Teddy estava comendo o meu braço.
Teddy detestava o geleiro e tornou sua vida infeliz, rosnando e latindo ferozmente quando ele vinha cambaleando até ao barracão do fundo, puxando um enorme bloco de gelo, talvez de 22 quilos, com suas pinças. A caixa de gelo, “uma coisa em formato de esquife”, tinha um grande compartimento de gelo com um buraco no fundo, para permitir que a água escoasse para um coletor embaixo. “Ai da empregada que se esquecesse de esvaziá-lo uma ou duas vezes por dia! Um fiozinho de água anunciaria o transbordamento do coletor!” Katharine ficava sempre alegre em ver o geleiro, pois, enquanto o cavalo paciente esperava na frente da casa, era-lhe permitido subir na parte de trás da carroça do geleiro e pegar as raspas de gelo que ele havia deixado depois de cortar os blocos com seu cinzel.
Havia poucas diversões para crianças no início do século XX, e obtemos a clara impressão de que elas eram mais felizes por causa disso. Coisas
simples que custavam nada proviam entretenimento suficiente; e a travessura em que Katharine e sua amiga Dorothy se meteram foi relativamente inofensiva.
Ao lado deles, residia a idosa Sra. Manship, uma matriarca que havia se esforçado para manter todos os seus filhos adultos ao redor dela — Horace, um solteirão austero, e três irmãs solteironas: Dovey, Wheaty e Browny, distantes e intocáveis, todos eles. Katharine e Dorothy, determinadas a, de algum modo, quebrar o silêncio, jogaram areia, da caixa de areia, por sobre a cerca de trás, para o jardim dos Manship. Não há registro das consequências da diversão que isso deve ter oferecido aos Manship. Talvez eles precisassem, de vez em quando, de uma interrupção em sua vida quieta. No lado oposto, estava a grande Propriedade Wistar, outra fortaleza impenetrável. “Nunca tínhamos permissão de ir lá, embora eu me lembre de tentar entrar furtivamente e pegar umas violetas de debaixo das árvores deles na primavera.”
A fazenda Wistar ficava no fim da rua sem saída, e o velho Billy, com sua cabeça inclinada para frente, numa curvatura permanente (alguém disse que ela havia caído de uma carroça de feno e fraturado o pescoço muitos anos antes), costumava entregar leite da fazenda. Lembro-me de ficar esbugalhada num dia de inverno, quando ele veio à cozinha e ficou de pé apoiando sua mão casualmente no fogão quente. Certa manhã, acordei com a notícia de que o celeiro da fazenda Wistar havia se incendiado completamente durante a noite. Fiquei furiosa pelo fato de que tinha dormido durante toda a agitação, quando os carros de bombeiro, puxados por três cavalos, passaram a galope por nossa casa, e ninguém me acordou. Nos dias quentes de verão, a poeira formava uma camada grossa na rua. Podíamos observar o carro de água vindo para assentar a poeira por breve tempo. Era um tipo de carro tanque, com um sistema de irrigação ligado ou desligado à vontade do motorista.
Um dos sons que me lembro de ouvir era o agradável tilintar do pequeno sino que o amolador de tesouras usava para deixar as pessoas cientes de que ele estava na vizinhança. Depois, pessoas podiam levar para ele todas as facas e tesouras que precisavam ser afiadas, observá-lo girar seu esmeril e ver as faíscas voando.
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