Graça Extravagante - Barbara Duguid

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Neste livro excelente, Barbara Duguid combina seu amor pela história da igreja, seu entusiasmo por John Newton, suas inteligentes percepções como esposa de pastor e, acima de tudo, seu amor por Cristo e sua igreja. Nesta obra, o leitor encontrará percepções acuradas sobre a psicologia do pecado e conselhos práticos e saudáveis a respeito de como a Bíblia aborda as rebeliões comuns do dia a dia da existência humana. O coração é, de fato, a mais inquieta de todas as coisas. Barbara Duguid nos guia habilmente para onde podemos encontrar descanso: somente em Cristo. — Carl R. Trueman, professor de História da Igreja no Westminster Theological Seminary, na Filadélfia, e pastor da Cornerstone Presbyterian Church, em Ambler, Pensilvânia.

Considerem isto: ‘E se crescer na graça tiver mais a ver com humildade, dependência e exaltação a Cristo do que com derrotar o pecado?’ Não, isto não é heresia, é um cuidado pastoral arrojado e amoroso. Se você está convicto em seu desejo de seguir Jesus, porém se pergunta por que ainda se sente tão pecador, este é o livro perfeito para você. — Edward T. Welch, membro do corpo docente da Christian Counseling and Education Foundation


John Newton foi um pastor muito bom porque compreendeu muito bem o pecado, o sofrimento e a maravilhosa graça de Jesus Cristo. Ouvir daqueles que estão familiarizados com seu trabalho, resumindo-o à luz de sua própria jornada na fé, é de grande ajuda. Barbara Duguid fez à igreja de hoje um grande serviço ao compartilhar conosco sua visão precisa acerca do entendimento que Newton tinha da alma cristã. Banqueteie-se; seja encorajado e edificado. — Eric Johnson, professor de Cuidado Pastoral no Southern Baptist Theological Seminary, em Louisville, Kentucky.

Se, pelo menos, houvesse algum segredo — uma estratégia, uma resposta, uma verdade, uma solução — para findar toda a batalha desagradável da vida! Há, porém, um jeito de viver que nos ensina a lutar contra os erros em nosso interior e ao nosso redor. Barbara Duguid luta bem. Ela aprendeu com um outro antigo guerreiro, John Newton. Ambos aprenderam muito bem com o Homem de dores e graça. — David Powlison, membro do corpo docente da Christian Counseling and Education Foundation


Barbara é qualificada para lhe trazer uma mensagem sobre a graça extravagante, porque ela mesma bebeu abundantemente dessa graça. Ela sabe que, como John Newton, é uma grande pecadora que possui um grande Salvador. E é essa mensagem da misericórdia de Deus a pecadores indignos que irá encorajá-lo a viver à luz da mais doce boa-nova já ouvida: “Ele morreu em favor de um miserável como eu!” — Elyse Fitzpatrick, autora de Vencendo Medos e Ansiedades e coautora de Pais Fracos, Deus Forte. Entretecendo as encantadoras percepções de John Newton com sua própria experiência e a de muitas pessoas que ela aconselhou ao longo dos anos, Barbara conta, com profunda sabedoria, a história da incansável compaixão de Deus para com pecadores como nós. Quão maravilhosa é a graça? Assim como Newton, Barbara aprendeu bem, com o maior de todos os contadores de histórias, a resposta para essa pergunta. — Michael S. Horton, professor de Teologia Sistemática e Apologética no Westminster Seminary, na Califórnia. Autor de Bom Demais Para Ser Verdade e Simplesmente Crente.



“Se você deseja seguir Jesus, mas ainda se sente como um grande pecador, este é o livro perfeito para você” Edward T. Welch

GRAÇA EXTRAVAGANTE A GLÓRIA DE DEUS REVELADA EM NOSSA FRAQUEZA

Barbara R. Duguid


D868g

Duguid, Barbara R. Graça extravagante : a glória de Deus revelada em nossa fraqueza / Barbara Duguid – São José dos Campos, SP : Fiel, 2015. 284 p. ; 21cm. Inclui referências bibliográficas. Tradução de: Extravagant grace. ISBN 9788581322940 1. Newton, John, 1725-1807. 2. Graça (Teologia). 3. Vida cristã. 4. Fracasso (Psicologia) – Aspectos religiosos – Cristianismo. I. Título. CDD: 234/.1

Catalogação na publicação: Mariana C. de Melo – CRB07/6477

Graça Extravagante: A Glória de Deus Revelada em Nossa Fraqueza Traduzido do original em inglês: Extravagant Grace: God’s Glory Displayed in Our Weakness Copyright ©2013 por Barbara Duguid

Publicado por P&R Publishing Company, P.O. Box 817, Phillipsburg, New Jersey 08865, USA Copyright ©2015 Editora Fiel Primeira Edição em Português: 2016

Todos os direitos em língua portuguesa reservados por Editora Fiel da Missão Evangélica Literária Proibida a reprodução deste livro por quaisquer meios, sem a permissão escrita dos editores, salvo em breves citações, com indicação da fonte.

Diretor: James Richard Denham III Editor: Tiago J. Santos Filho Coordenação Editorial: Renata do Espírito Santo Tradução: Translíteris Revisão: Translíteris, Francisco Wellingtom Ferreira Diagramação: Wirley Corrêa - Layout Capa: Rubner Durais ISBN: 978-85-8132-294-0

Caixa Postal, 1601 CEP 12230-971 São José dos Campos-SP PABX.: (12) 3919-9999

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Para Wayne, meu querido e amado filho, que ama Newton, precisa de Jesus tanto quanto eu e me persuadiu a escrever este livro.



Ora, àquele que é poderoso para vos guardar de tropeços e para vos apresentar com exultação, imaculados diante da sua glória, ao único Deus, nosso Salvador, mediante Jesus Cristo, Senhor nosso, glória, majestade, império e soberania, antes de todas as eras, e agora, e por todos os séculos. Amém! Judas 1.24-25



sumário Prefácio....................................................................13 Agradecimentos.......................................................17 Apresentação...........................................................21 1. Bem-vindo ao seu coração.......................................27 2. Crianças em Cristo..................................................47 3. Amadurecendo na fé................................................71 4. Maduros na fé..........................................................89 5. A ilusão da Disney.................................................107 6. Santos e pecadores................................................129 7. Descobrindo a sua depravação..............................153 8. Graça para cair.......................................................169 9. Permanecendo em Cristo somente.......................195 10. Pecadores que sofrem............................................221 11. Amor constrangedor.............................................249 12. As jubilosas implicações da maravilhosa graça....273 13. Daqui à eternidade................................................307



prefácio

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ste livro esteve em preparo por muito tempo. Suas raízes foram lançadas na época de nosso seminário na Filadélfia, quando Tim Keller recomendou à Barbara a leitura de The Letters of John Newton (As Cartas de John Newton) como recurso para entender a vida cristã. Especificamente, a preocupação de Barbara era o fato de que as áreas de sua vida em que buscava lutar com mais vigor contra o pecado eram precisamente as áreas em que parecia estar obtendo menos progresso. Desde então, o afável entendimento pastoral de John Newton sobre a santificação, centrado na graça de Deus, teve um impacto tremendo e crescente no modo de pensar de Barbara (e no meu também).


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Ainda assim, este assunto nunca foi um campo de investigação intelectual e abstrato para Barbara. Como uma das pessoas mais honestas que conheço, ela tem se esforçado na aplicação prática destas verdades às suas batalhas contra o pecado que habita o seu interior, como você lerá nestas páginas. Além disso, quando cresceu em seu entendimento, Barbara foi capaz de compartilhar suas percepções com outras pessoas no gabinete de aconselhamento, em pequenos grupos de estudo bíblico e em retiros da igreja. Muitos têm sido abençoados por meio de seu ministério com um novo entendimento sobre a dinâmica da graça de Deus que opera em meio aos nossos pecados. Para a maioria dos cristãos, o fato de que o evangelho da graça de Deus é uma boa notícia e de que precisamos crescer em nossa santidade não é algo novo. O desafio é conciliar estas duas verdades de maneira bíblica. Alguns enfatizam tanto a graça de Deus, que pessoas perdem de vista o esforço em direção ao alvo da santidade; enquanto outros colocam tanta ênfase na necessidade de santidade que, para aqueles que lutam com seus pecados, parece difícil o cristianismo ser boas-novas. Para muitos, nosso entendimento de como Deus pensa a nosso respeito é baseado naquele antigo hino infantil: Jesus me ama quando sou bom, quando faço as coisas que devo. Jesus me ama quando sou mau, embora isso o entristeça muito. Como resultado, somos levados a crer que o favor de Deus está sobre nós quando obedecemos, mas, quando desobedecemos 14


prefácio

(o que, para a maioria de nós, ocorre em grande parte do tempo), Deus fica profundamente decepcionado conosco. Isso leva muitos a lutarem com uma sensação predominante de fracasso e culpa que resulta numa falta de alegria e paz, sobre as quais tanto lemos na Bíblia. Neste livro, você lerá a respeito de como a graça de Deus para nós em Cristo é a melhor de todas as notícias, precisamente quando a nossa luta contra o pecado é mais intensa. A graça extravagante e soberana de Deus é realmente maior do que todos os nossos pecados! Iain Duguid

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agradecimentos

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evo a John Newton cada um dos pensamentos brilhantes que você encontrará neste livro. Onde não o citei de maneira direta, eu o parafraseei livremente. Não posso, portanto, receber o menor crédito nem pela imensa profundidade das verdades bíblicas, nem pelas aplicações saturadas de graça dessas doutrinas. Por vezes, levei os pensamentos de Newton além do que ele mesmo o fez, aplicando-os à vida de um modo que ele não o fez. Contudo, acredito que Newton concordaria com o que fiz e acrescentaria seu amém. Tim Keller foi o primeiro a me apresentar as cartas de John Newton há vinte e oito anos. Estou em grande dívida para com ele e Kathy, por todo seu amor e apoio durante nossos anos de


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seminário e por nos servirem como exemplos vivos do evangelho naquela época de formação. Há muitas pessoas a quem preciso agradecer a ajuda para escrever este livro. Meus pais, Sam e Pat Befus, que plantaram pela primeira vez em meu coração a semente da fé, regando-a fielmente. Eu lhes agradeço a devoção a Cristo, a sua ajuda editorial e o fato de terem sido verdadeiros animadores de torcida em todo o processo. Meu marido, Iain, foi meu herói e apoiador no processo de escrita. Ele pegou meus pensamentos confusos, colocou ordem no caos e ganhou minha admiração e gratidão incessantes ao longo do caminho. Quero também agradecer a meus filhos: Wayne, Jamie, Sam, Peggy, Hannah, Rob e Rosie. Vê-los crescer na graça tem sido o maior prazer e honra de minha vida. Quando os ouço me confortarem com as palavras de John Newton, meu coração estremece e se regozija em louvor Àquele que prometeu ser o Deus deles, bem como o meu Deus. Ele certamente tem cumprido essa promessa. Gostaria de agradecer a Matt Harmon, a Ralph Davis e a Eric Johnson os comentários proveitosos sobre os manuscritos. Agradeço também à Amanda Martin a sua ajuda editorial. Agradeço a Bryce Craig e à sua equipe da P&R a oferta desta grande oportunidade e a Aaron Gottier, meu gerente de projeto, a sua paciência para com meu nervosismo. Sou grata à Louise Schimidtberger e à Kim Ware pelo grande entusiasmo e orações fervorosas, especialmente quando fiquei paralisada e pensei que jamais terminaria. Também estou em 18


agradecimentos

dívida para com todas as jovens mulheres que comigo têm estudado John Newton ao longo dos anos e amado as verdades que ele ensina. Elas me tem aprimorado com suas perguntas e me maravilhado com sua fome por crescimento. Agradeço de modo especial à Kat Kuciemba, Michelle Bowser, Larissa Lisk e Carolyn Wise o fato de beberem profundamente desta fonte comigo. Agradeço à Elyse Fitzpatrick a sua amizade e o encorajamento à escrita. Sou grata também à Kathy Daane, editora da revista Anchor, por me conceder a primeira chance de explorar estas ideias em forma impressa. Louvo a Deus pelo fato de que todos os princípios explorados neste livro são totalmente verdadeiros e dados gratuitamente a cada um de seus filhos amados, que ele uniu a seu Filho, Jesus Cristo. Quer tropecemos ou permaneçamos de pé, quer corramos a corrida ou tenhamos fé apenas para olhar na direção correta, ele é fiel a nós. E usará toda a criação, por meio de seu poderoso Espírito Santo, para sua própria glória e para o bem eterno e espiritual de seus filhos. Louvado seja Deus, porque não estamos sob a lei, antes, temos o privilégio de progredir sob a sua rica graça extravagante.

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apresentação

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ara onde quer que eu vá, encontro cristãos que são depressivos, ansiosos e desencorajados porque ainda pecam. De fato, os pecados que eles mais se esforçam para vencer são frequentemente os mesmos que não conseguem derrotar. Muitos desses cristãos frequentam igrejas que pregam a Bíblia, creem nela e amam apaixonadamente a Palavra de Deus. Eles leem suas Bíblias desejando viver em obediência crescente. Oram intensamente, pedindo a Deus, sinceramente, que os transforme. De vez em quando, vão a um retiro ou ouvem um sermão e, com energia e determinação renovadas, fazem um plano para vencer esse pecado de uma vez por todas. Oram e jejuam, memorizam as Escrituras, participam de grupos de oração


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e refletem sobre seu progresso. Por um tempo, isso parece funcionar, e as coisas melhoram. Mas logo seu antigo pecado reaparece furtivamente e, mais uma vez, os vence – só que desta vez, pior do que antes. Agora, o desencorajamento os atinge como um tsunami de vergonhas, enquanto a esperança de uma mudança real se desfaz novamente. Muitos cristãos sofrem desse ciclo incansável de condenação, arrependimento, esforços, tentativas de mudança e derrotas completas. Leem a respeito de uma vida cristã alegre e vitoriosa e pensam que Deus deve estar muito decepcionado com eles, pois esses relatos não descrevem a sua experiência. Talvez até concluam que nem mesmo são salvos. Então, por que cristãos verdadeiros ainda pecam tanto, mesmo após terem sido salvos há décadas? Por que não conseguimos firmar nossas atitudes e prosseguir melhorando? O que Deus quer ao permitir que tanta desobediência e desgraça permaneçam nas igrejas e na vida de seu povo amado? Se a santificação se resume em pecarmos cada vez menos, então, devemos concluir que o Espírito Santo não está fazendo muito bem o seu trabalho. Até mesmo o apóstolo Paulo chamou a si mesmo de o principal dos pecadores (1 Timóteo 1.15), ao final de sua carreira apostólica. Em vez de crescer liberto de seus pecados, parece que Paulo se deparava cada vez mais com eles. Talvez nosso maior problema não seja a realidade de nosso pecado, mas a nossa expectativa antibíblica a respeito do que, supostamente, deve ser o crescimento cristão. E se crescer na graça tiver mais a ver com humildade, dependência e exaltação 22


apresentação

a Cristo do que com derrotar o pecado? Como isso impactaria nossa luta contra o pecado e nosso gozo em Cristo, enquanto continuamos a viver como pecadores fracos em um mundo caído? Certamente isso faria toda a diferença do mundo! Este livro busca recuperar uma teologia mais bíblica quanto à santificação e ao pecado, uma teologia que era querida e familiar aos pastores que escreveram a Confissão de Fé de Westminster e seus sucessores. Em particular, examinaremos com uma nova perspectiva os escritos de John Newton, aquele que fora um comerciante de escravos e se tornou um ministro anglicano, que escreveu o famoso hino: Amazing Grace (Maravilhosa Graça). Esse pastor do século XVIII delineou uma teologia do fracasso na luta contra o pecado, uma teologia que, além de tornar os pecadores fracos em pessoas mais humildes, magnifica a obra consumada de Jesus Cristo e conforta pessoas que parecem não conseguir parar de pecar, direcionando-as para Cristo em seus piores momentos de derrota. Essa é uma verdade que foi grandemente perdida pela igreja contemporânea, maravilhada pelo triunfalismo individual e pelo mito da vida cristã vitoriosa. Como resultado, muitos cristãos vivem uma vida de desencorajamento e angústia profundos, escondendo suas lutas vergonhosas uns dos outros. É um pensamento radical e quase assustador saber que Deus opera em nossos piores momentos de pecado, tanto quanto em nossos melhores momentos de obediência. Longe de nos conduzir a pecar ainda mais, esse conceito nos atrai a uma dependência mais profunda das promessas de Deus e de 23


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seu poder. Se aquele que começou a boa obra em nós prometeu ser fiel para completá-la, estamos seguros. Se as Escrituras nos apresentam um Deus que é absolutamente soberano sobre o pecado de todas as pessoas, inclusive o de seus próprios filhos, podemos ser confortados. Se Deus utiliza nossos pecados reincidentes para nos revelar a beleza estarrecedora de nosso Salvador, seremos cativados por ele. Se nosso pecado atual nos mantém aos pés da cruz, desesperadamente carentes de um refúgio e de um Redentor, a festa começa aqui e agora, e o meu pecado diário se torna o canal para uma surpreendente alegria e celebração. Por isso, deixem que as comemorações comecem. Neste livro, estou demonstrando, através de histórias, um trabalho progressivo da graça. As histórias são todas verdadeiras, embora em alguns lugares nomes tenham sido mudados para proteger os culpados! A maior parte dessas histórias envolvem a mim mesma — não porque eu esteja tentando proclamar quão maravilhosa pessoa eu sou. Na verdade, trata-se exatamente do contrário. Muitas delas falam de mim, pois o meu coração é o único que realmente conheço, e o meu pecado é o único a respeito do qual posso falar com algum grau de conhecimento. As histórias que você encontrará aqui têm como objetivo fazer a conexão de grandes e poderosas verdades doutrinárias com os minutos e as horas da vida cotidiana. É maravilhoso estudar as verdades a respeito de Deus. Todavia, ainda mais maravilhoso é revestir-se delas dia após dia: trabalhar revestido delas, alegrar-se nelas, dormir descansando nelas, festejar 24


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baseado nelas e, inclusive, morrer acolhido seguramente nelas. Espero que este livro o abençoe e que o entusiasmo com o qual escrevo mova seu coração a um grande desejo de perseverar em descobrir a abundante alegria que é sua herança em Cristo Jesus.

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capítulo um

bem-vindo ao seu coração

O espírito de escravidão está indo embora gradualmente, e a hora da liberdade, pela qual ele tanto anseia, se aproxima. — John Newton1

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u me remexia inquieta no banco da igreja, enquanto aguardava meu grande momento chegar. Pensamentos passavam rapidamente em minha mente, e meu coração batia acelerado, cheio de empolgação, conforme ouvia os murmúrios intermináveis da preletora. Eu estava interessada em apenas uma coisa, e estava difícil esperar por isso. A preletora era uma grande amiga minha, uma jovem com quem eu fizera amizade no trabalho. Eu estava empolgada por ela ter sido convidada a dar seu testemunho na igreja. O testemunho de Heather era uma história excepcional de 1 John Newton, “Grace in the Blade” Select Letters of John Newton (repr., Edinburgh: Banner of Truth, 2011), 6.


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transformação, na qual eu tive grande participação. Quando conheci Heather, como colega de trabalho no laboratório de um grande hospital da cidade, ela era quase invisível. Falava baixo e de maneira hesitante, e suas expressões faciais eram quase sempre as mesmas e indiferentes em uma conversa. Heather andava vagarosamente, cada passo era arrastado, cada ação era feita de forma penosamente lenta, como se as tarefas mais simples da vida fossem um fardo pesado. Eu sentia pena dela. Heather era alvo de fofocas entre os funcionários, e alguns a maltratavam. Desde que se mudara para aquela cidade a fim de assumir seu trabalho, ela não tinha nenhum amigo, e sua vida parecia triste e solitária. Heather precisava de ajuda: precisava de Jesus; e, evidentemente, ela precisava de mim! Havendo crescido em um lar de missionários, forte e entusiasta, eu sabia exatamente o que Deus queria que eu fizesse. Queria que eu amasse Heather, me tornasse sua amiga e compartilhasse com ela o evangelho. Comecei a trabalhar imediatamente. Tinha acabado de voltar para os Estados Unidos, após trabalhar como missionária na África, e era recém-casada com um homem que havia sido chamado para o ministério e estudava num seminário. O evangelismo estava no topo da lista de coisas que eu sabia que Deus requeria de mim, e, sendo honesta, a África não tinha sido uma experiência muito boa nessa área. Eu havia trabalhado por dois anos no laboratório de um hospital, esforçando-me para testemunhar do evangelho a algumas pessoas 28


bem-vindo ao seu coração

e discipulá-las, mas sem conseguir levar ninguém ao Senhor. Na verdade, comportara-me bem mal como uma jovem missionária imatura de vinte e um anos de idade, que tinha uma suspeita irritante de que muitas pessoas boas haviam desperdiçado muito dinheiro ao investir em mim. Ninguém mais sabia que eu pensava essas coisas sobre mim mesma, mas eu era atormentada pelo meu fracasso em ser uma boa missionária. Ministrar à Heather seria minha chance de redimir minha reputação. Heather acabou sendo um projeto ainda melhor do que eu poderia ter imaginado. Ela correspondeu maravilhosamente a todas as minhas tentativas de tornar-me sua amiga. Em pouco tempo, Heather já fazia parte da casa e começou a frequentar a igreja conosco. Quando mudei de emprego, Heather nos acompanhou e mudou-se para perto de nós e da igreja que frequentávamos. Ela fez sua confissão pública de fé e parecia ter uma nova vida bem diante de nossos olhos. A história de Heather era muito dramática, pois envolvia todos os piores pecados que os bons cristãos não podiam sequer imaginar, pecados como promiscuidade sexual e aborto. A culpa e a vergonha haviam revestido o corpo e a vida de Heather, e ela vivia a vida no modo zumbi, perambulando em seu mundo, blindada dos olhares dos outros por um invisível e portátil caixão de silêncio. À medida que sua culpa era aliviada, seu semblante começava a mudar. Heather falava mais, ficava mais animada e começou a sorrir e a gargalhar. Após alguns anos, começou a namorar um cristão afável e decente 29


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que a pediu em casamento. Uma nova vida tomou conta dela e transformou aquela garota invisível de dentro para fora. Essa foi uma história dramática, e eu era a protagonista no palco da nova vida de Heather. No entanto, à medida que eu ouvia a interminável narrativa de Heather, comecei a ficar irritada. Sua versão da história parecia altamente imprecisa. Ela continuava falando sobre Deus e o que ele havia feito em sua vida, mas não mencionou meu nome uma única vez. Minha irritação desabrochou em uma profunda raiva quando comecei a me perguntar se ela iria ou não mencionar meu nome. Como ela poderia explicar toda a sua história sem agradecer e dizer a todos como eu havia dado minha vida para alcançá-la com o evangelho? Ministrar à vida de Heather havia sido custoso para mim, e com certeza eu merecia algum crédito! E, além disso, aquele grupo de pessoas em particular não ficara impressionado com a minha biografia missionária. Eles não se importaram com o fato de eu ter ido para as zonas mais profundas e sombrias da África. Na verdade, não repararam de maneira alguma em mim, por isso eu precisava de uma pequena ajuda no departamento de notoriedade. A história de Heather estava chegando ao fim, e minha raiva profunda se transformou em fúria quando percebi que ela não tinha absolutamente nenhuma intenção de mencionar meu nome. Pensamentos amargos inundaram minha mente, ao passo que eu ensaiava o que diria para puni-la por sua repugnante ingratidão. Eu a odiei desesperadamente naquele momento. 30


bem-vindo ao seu coração

UM MOMENTO DE DISCERNIMENTO De repente, do nada, um pensamento surgiu em minha mente: Barbara, você é uma farejadora de glória e amante de holofotes, não é? Essa história não é sua; é minha, e todo o crédito e glória pertencem a mim. Nunca em minha vida eu tivera um pensamento como esse. Não foi uma voz; foi um pensamento, mas um pensamento tão poderoso e emocionante que repentinamente me senti tomada por uma luz que me expunha à essência de minha alma. Quatro anos antes, eu tinha ouvido palavras como essas, vindas da boca de minha colega de quarto da faculdade, quando, no campus, competíamos descaradamente pela posição de presidente de um dos grupos evangélicos de comunhão cristã. Ela tinha visto em mim coisas para as quais eu estava completamente cega e escolheu um momento na escadaria do refeitório para me bombardear. Ela me disse: “Barbara, você ama os holofotes e sempre tem de ser o centro das atenções”. Naquele dia, eu não fui detida por nenhum pensamento repentino. Ao invés disso, a ira cresceu dentro de mim como uma tempestade violenta, e dei um empurrão maldoso em minha colega que quase a fez cair escada abaixo. Não houve nenhuma luz que deteve meus pensamentos; houve apenas ódio amargo e repugnante para com uma garota que não gostava de mim e ameaçou a elevada visão que eu tinha a respeito de mim mesma. Com Heather, porém, o caso foi completamente diferente. Senti-me como o apóstolo Paulo provavelmente se sentiu na 31


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estrada para Damasco, quando Jesus o confrontou e lhe disse: “Saulo, Saulo, por que me persegues?” (Atos 9.4). Foi como se tivesse sido jogada mentalmente ao chão e cegada por uma glória tão reluzente que eu não podia suportar. Agora o Senhor estava me perguntando: “Barbara, Barbara, por que você está roubando a minha glória?” Imaginei Jesus pregado à cruz, esmagado e sangrando, olhando para mim, conhecendo meus pensamentos e indagando-me: “Como você poderia receber crédito por aquilo que eu fiz? Você morreu pela Heather? Você lhe deu fé e vida? Abriu os olhos dela para que enxergasse?” Por um breve instante me senti profundamente condenada; e a repugnância desses pecados ameaçavam me consumir. Estava chocada e arruinada pela feiura dos meus pensamentos, uma vez que eu não tinha ideia de que era capaz de crimes tão nojentos contra Deus e contra a humanidade! Ainda que fosse verdade o tempo todo! Eu vinha pecando desse modo havia anos, pois minha colega de quarto tinha visto isso claramente muitos anos antes. Aos poucos, entretanto, outro pensamento despontou em minha mente. Em vez de sentir desespero e rejeição, comecei a me sentir ricamente estimada. Deus não estava sequer surpreso com a minha alma que ama glória e busca atenção. Eu estava cega sobre a verdade acerca de mim mesma, mas Jesus foi pregado naquela cruz por mim, por causa desse pecado específico. Enquanto visualizei a mim mesma diante de Jesus sangrando, nu, envergonhado e exposto, eu esperava e merecia repreensão, rejeição e desapontamento da parte do 32


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meu Salvador. Mas não era isso que eu estava recebendo. Em vez disso, ele estendeu amor, compaixão e infinita paciência sobre a minha fragilidade e fraqueza. Eu me senti amada e valorizada por Deus, embora nada em mim houvesse mudado ainda. Eu era como um fariseu orgulhoso naquele momento e ainda o sou de muitas maneiras. Naquele dia, tristeza e gratidão percorreram juntas meu coração como se fossem alegres companheiras pela primeira vez. Respondi: “Senhor, perdoa-me por apressar-me em querer roubar a tua glória; verdadeiramente esta é quem eu realmente sou. Obrigada por me amar e me perdoar diante de tamanha traição”. Até aquele momento, sempre acreditei que Deus tinha sorte em me ter do lado dele. Agora, eu finalmente me via como uma inimiga amarga a quem Deus escolhera para amar e receber como uma filha preciosa. Pela primeira vez na minha vida, a graça me pareceu maravilhosa, de uma maneira completamente inesperada à luz de meu comportamento rebelde para com Deus. Muitos anos se passariam até que eu pudesse entender o que aconteceu naquele dia. O Espírito Santo estava começando a abrir meus olhos para que eu visse mais claramente a mim mesma, a fim de me libertar da escravidão do meu eu! A verdade estava começando a substituir a frustração, e o sabor da condenação começava a se tornar doce, em vez de simplesmente amargo e humilhante. No entanto, esses pensamentos bons e verdadeiros ficaram para um momento posterior, pois vergonha e humilhação reinaram naquela noite em particular, enquanto 33


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minha compreensão do amor paciente de Deus desapareceu. Minha companheira de quarto estava certa a meu respeito, e eu estava envergonhada. Como pude não perceber? Como pôde uma garota cristã de uma família com forte tradição missionária ser tão egoísta em busca de glória pessoal? Como fui capaz de tamanho ódio para com pessoas que eram meus irmãos e irmãs em Cristo? Como pude ser assim tão pecadora, mesmo sendo cristã há mais de vinte anos? Que sujeira era essa que brotava de mim, e como eu sobreviveria a ela? A ANATOMIA DA ALMA Alguma vez você já se fez essas perguntas perturbadoras? Talvez já tenha visto os pecados secretos e interiores de seu coração, que ninguém mais vê, e tenha se perguntado como pode ser um cristão tão mau ou, até mesmo, se você é, de fato, um cristão. Talvez fique alarmado com os novos padrões de comportamento pecaminoso que você vê emergindo atualmente e sua própria incapacidade de vencê-los. Você se pergunta a respeito daqueles velhos pecados que estão por aí há muito tempo e que você não consegue dominar, não importando o quanto se esforce? Espero que seja confortado ao saber que não está sozinho. Na verdade, todos os cristãos têm esse problema, quer estejam dolorosamente conscientes dos pecados secretos que os mantêm cativos, quer ainda estejam cegos para eles, como eu estive por muitos anos. 34


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A difícil situação que todos nós compartilhamos é que, mesmo sendo novas criaturas em Cristo (2 Coríntios 5.17) e tendo recebido corações vivos para conhecermos e adorarmos a Deus (Ezequiel 36.26-27), ainda somos pessoas altamente pecaminosas. Permanecemos fracos, rebeldes e inclinados a nos afastar de Deus até o dia em que o veremos face a face. Junto com o escritor do hino, cada um de nós pode dizer: “Propenso a vaguear, Senhor, eu sei, propenso a me afastar do Deus que amo”.2 Talvez você não ouça muitos ensinamentos sobre esse problema em nossas igrejas. Poucas pessoas, e especialmente talvez poucos pastores, estão dispostas ou são capazes de abrir suas vidas e corações para serem expostos e analisados publicamente. A maioria de nós prefere esconder seu pecado e sua fraqueza em vez de revelar a própria vida e experimentar vergonha e humilhação. Como resultado, nossas igrejas se tornaram lugares onde demonstramos aos outros uma boa performance e falamos muito mais sobre as nossas vitórias do que de nossas lutas. Consequentemente, muitos cristãos lutam contra a agonia do fracasso pecaminoso, isolados e em desespero. A mensagem silenciosa é ensurdecedora: cristãos são pessoas que crescem e são transformadas rapidamente. Se você está fraco e enfrentando lutas, não deve ser um crente ou, quem sabe, ainda pior, deve ser um cristão particularmente mau, com quem Deus está muito, muito decepcionado. Este silêncio nem sempre foi a regra. Em particular, houve um pastor do século XVIII que foi notoriamente sincero em 2 Robert Robinson, “Come Thou Fount of Every Blessing”, 1758.

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relação aos pecados secretos de seu coração — John Newton. Talvez você o conheça como o autor do famoso hino “Maravilhosa Graça”. John Newton nasceu em 1725 e, nos primeiros seis anos de sua vida, beneficiou-se do amor e dos ensinos de sua mãe. Ela era uma cristã devota que, com muita fé, lhe ensinou a Palavra de Deus, enchendo a sua jovem mente com salmos, hinos e ensinamentos de catecismos históricos. Quando ela morreu, John foi deixado aos cuidados de seu pai, que era um homem íntegro, mas não tinha fé em Deus nem interesse em religião. Na tenra idade de onze anos, Newton se viu trabalhando em um navio pela primeira vez, na companhia de rudes marinheiros. Newton logo se tornou um jovem capaz de xingar e blasfemar como o restante da tripulação. Desenvolveu um gosto perverso por profanar o nome de Deus e instigar encrencas e caos onde quer que pudesse. Apesar de muitas tentativas de reforma moral, mais onze anos se passariam até que ele fosse convertido. Ele prosseguiria em descrever-se como um homem que fora resgatado por Deus contra sua própria vontade. Ao longo de sua carreira de marinheiro, Newton se envolveu com o tráfico de escravos, tornando-se o capitão de vários navios em viagens para a África com o propósito de buscar carga nova. Embora não tenha sido condenado de imediato pela perversidade da prática de tráfico de escravos na ocasião de sua salvação, Newton nutria desgosto por sua ocupação, que envolvia correntes e algemas. Por fim, problemas de saúde o 36


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forçaram a abandonar a vida a bordo de navios e se estabelecer em um trabalho mais estável de inspetor de embarques em Liverpool. Sua mãe havia predito e tinha esperança de que, um dia, ele seria separado para ser um ministro ordenado da Palavra de Deus, mas Newton sequer ousou esperar que tal privilégio pudesse, algum dia, ser dado a alguém que fora tão pecador e perverso como ele. No entanto, foi exatamente isso que Deus fez. Após vários anos de crescimento e treinamento aos pés de piedosos ministros evangélicos, dentro e fora da Igreja da Inglaterra, Newton foi aceito como ministro de uma igreja local e, posteriormente, tornou-se vigário na igreja de Olney, onde serviu por vários anos antes de se mudar para Londres. Ficou conhecido por seu coração de pastor e sua enorme habilidade em aconselhar um grande número de pessoas que vinham até ele — ou escreviam para ele — em busca de conselhos. Ao longo de anos ministrando pessoas em diversas fases da vida, Newton se tornou um especialista em “anatomia da alma”, desenvolvendo um interesse e um gosto particular em estudar a obra progressiva do crescimento espiritual dos crentes, aquilo que os teólogos chamam de “santificação”. Newton foi cativado pelo que Deus ensina a seus filhos por meio do complexo processo de amadurecimento de pecadores pela graça, do momento da salvação em diante. Livros excelentes foram escritos sobre o tema da santificação, mas, ainda assim, o trabalho de Newton se destaca dos demais por um simples e (para nós) chocante motivo: 37


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John Newton era transparente sobre o fato de ainda ser um miserável pecador, mesmo anos depois de tornar-se um cristão. Muitos crentes estão dispostos e ansiosos para falar a respeito de quão grandes pecadores eram antes da conversão, mas poucos nos convidam a adentrar seus corações para vermos quão grandes pecadores eles ainda são hoje. Isso é muito arriscado. As pessoas poderão olhar para você com recriminação e rejeitá-lo caso você faça isso. Elas talvez não venham mais à sua igreja nem ouçam seus sermões. Elas podem destruir sua reputação e fofocar a seu respeito. Esses perigos são de fato reais. Entretanto, Newton tinha tamanha confiança no amor de Deus para com ele e um amor tão grande por aqueles que aconselhava, que se recusou a participar dessa conspiração silenciosa. Ele não permitia que outros crentes tivessem pensamentos a seu respeito mais elevados do que deveriam ter. Por seu tremendo conhecimento da Escritura, sua vasta experiência pessoal como pecador e seu ministério como pastor de pecadores, John Newton percebeu que Deus planeja coisas específicas para o coração daqueles que ele salva. Se você tivesse que perguntar aos cristãos ao redor do mundo o que Deus quer daqueles a quem salvou, a maioria provavelmente responderia “obediência”. Há muita verdade nessa resposta, porém isso não é tudo. Se o objetivo principal do Deus soberano na santificação dos crentes é simplesmente nos tornar mais santos, é difícil explicar por que a maioria de nós experimenta apenas “pequenos começos” na estrada da santidade pessoal ao longo da vida, conforme descreve o catecismo de 38


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Heidelberg (ver Catecismo de Heidelberg - Pergunta 113). Na verdade, Deus quer algo muito mais precioso em nossas vidas do que a mera conformidade exterior à sua vontade. Afinal de contas, obediência é uma questão confusa para nós e pode até mesmo ser traiçoeira. Podemos ser obedientes por fora e, ao mesmo tempo, pecar loucamente por dentro, como nos ensina, de forma clara, o exemplo dos fariseus. Mais do que isso, posso dizer que muitos dos meus piores pecados ocorreram no contexto de minhas melhores obediências. Antes da noite em que Heather prestou seu testemunho à igreja, eu via minha relação com ela como a de um discipulador amável para com seu novo convertido. Muito do meu comportamento para com Heather era exatamente conforme deveria ser. Entretanto, eu também era um fariseu julgador e hipócrita, que ansiava por reconhecimento por tudo que fazia. Minha obediência exterior realmente se tornou a moldura e o contexto para meu pecado interior. Da mesma maneira, quando testemunhamos para descrentes, estamos obedecendo a Deus. Se ficamos cheios de orgulho ao fazê-lo, desprezando aqueles que encontram dificuldade em fazê-lo e não o fazem, podemos estar pecando mesmo quando estamos obedecendo. Se pensarmos que aquele que rejeita o evangelho o faz porque é menos inteligente ou moralmente inferior a nós, pecamos. Se ficarmos com o crédito pela nova vida de fé que só Deus pode dar, pecamos. Portanto, nós cristãos nos encontramos em uma situação delicada e muito perturbadora: quanto mais bem sucedidos somos em obedecer a 39


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Deus, tão mais frequentemente ouvimos aquele sussurro de autopromoção e superioridade. Não conseguimos fugir disso. Se isso se aplica a nós como verdade até em nossos melhores momentos, que esperança há para nós na corrida em direção à verdadeira santidade que nos transforma de dentro para fora? John Newton nos ensina, porém, que o objetivo de Deus em nossa santificação não se trata simplesmente de uma melhor obediência e redução de pecados. Ele observa que, se Deus quisesse fazer isso, poderia nos fazer instantaneamente perfeitos no momento de nossa salvação. Afinal, sabemos que Deus nos fará instantaneamente perfeitos quando morrermos ou quando ele voltar; e, já que todas as coisas são igualmente fáceis para o Deus todo poderoso, ele poderia prontamente nos santificar completamente no momento em que somos salvos. Sejamos honestos: se a principal obra do Espírito Santo na santificação é tornar os cristãos cada vez mais livres do pecado, então, ele não está fazendo um bom trabalho. A igreja ao longo do tempo e por todo o mundo não tem sido muito conhecida por sua pureza e bondade. Em vez disso, ela é combalida por uma história constante de contenda, violência e hipocrisia. As pessoas não conseguem diferenciar um crente de um descrente por sua bondade aparente. Na verdade, há muitos descrentes que são superiores moralmente em relação aos cristãos, e vivem vidas de muito mais nobreza, generosidade e propósito do que nós que professamos a fé em Cristo. Deus poderia nos ter salvado e nos feito perfeitos instantaneamente. Em vez disso, ele escolheu nos salvar, deixando um pecado 40


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remanescente, em nossas vidas e corpos, que trava guerra contra os nossos novos desejos de agradar a Deus, os quais florescem com a salvação. Essa é uma batalha acirrada que frequentemente perdemos e que quase sempre nos faz sentir derrotados e sem alegria em nossa caminhada com Deus. Contudo, Newton também destaca que, uma vez que sabemos que Deus faz tudo visando à sua própria glória e ao bem de seu povo, sua decisão de deixar os cristãos viverem com muitas lutas contra o pecado deve, de alguma forma, servir igualmente para glorificá-lo e beneficiar seu povo. Essa é uma notícia chocante, não é? Pense no que isso significa. Deus pensa que você de fato o conhecerá e o amará melhor na condição de pecador, desesperado e fraco, em contínua necessidade da graça, do que você o faria como um guerreiro cristão triunfante que ganha toda e qualquer batalha contra o pecado. Isso dá sentido à nossa experiência como cristãos. Se a obra do Espírito Santo é nos tornar mais humildes e dependentes de Cristo, mais gratos por seu sacrifício e mais dispostos a adorá-lo como um Salvador maravilhoso, ele deve estar fazendo um trabalho muito, muito bom, embora você ainda peque dia após dia. POR QUE ISSO IMPORTA Que diferença faz se você acredita que os cristãos devem caminhar de força em força e viver vidas vitoriosas de obediência ou se você acredita que os cristãos permanecerão na terra em um estado de grande fraqueza e total dependência de Deus em 41


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cada bom pensamento que tiverem? Isso faz toda a diferença do mundo. Aquilo que você acredita sobre si mesmo e sobre Deus é imensamente importante. É importante que você tenha uma avaliação verdadeira e exata de quem você é como crente diante de Deus, o que Deus espera de você, e o que você deveria esperar de si mesmo. É muito importante que você compreenda o que o Espírito Santo está fazendo em sua vida e de que forma ele faz a sua obra. Jesus nos convidou a viver uma vida de alegria e descanso, ao mesmo tempo que seguimos o árduo trabalho de lutar para obedecer a Deus e crescer em santidade (Mateus 11.28-30). Conheço muitos cristãos que estão se esforçando tremendamente para se tornarem santos, mas são poucos os que conseguem equilibrar, ao mesmo tempo, esse trabalho árduo com o descanso prazeroso. Se você é um cristão desencorajado, surpreendido pelo seu pecado e certo de que Deus está decepcionado com você, então precisa da verdade da palavra de Deus para libertá-lo dessas voltas de montanha-russa emocional de seus sucessos e fracassos. Se você é um cristão orgulhoso, que se sente melhor do que os outros por causa de seus muitos pontos fortes e triunfos, precisa do Espírito de Deus para lhe mostrar a verdade sobre seu coração e humilhá-lo. Se sua paz agora repousa no que você é capaz de fazer, para onde você se voltará quando cair e cometer pecados que jamais sonhou ser capaz de cometer? Nesse dia, você precisará conhecer essa verdade para sobreviver ao seu fracasso e se regozijar em meio a ele. Quem quer que você seja e qualquer que seja o estado espiri42


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tual em que se encontre, suplico que jamais desista de buscar a sua alegria em Cristo nesta vida. A perfeição livre do pecado e a plenitude de paz e alegria devem esperar pelo céu, mas a alegria abundante em Cristo aqui e agora é seu direito e herança, ainda que você peque e fracasse miseravelmente em ser um bom cristão. John Newton nos mostra através da Escritura que a verdadeira santificação significa basicamente crescer em humildade, dependência e gratidão. A alegria desabrocha em nosso coração, não à medida que nos esforçamos mais e mais para crescer, e sim à medida que percebemos mais claramente as profundezas de nossos pecados e entendemos mais plenamente a nossa total impotência. Só então tiraremos os nossos olhos de nós mesmos e olharemos em direção a Cristo para tudo que precisamos na vida e na morte. Só então estimaremos verdadeiramente o nosso Salvador e acreditaremos que precisamos dele em cada minuto de cada dia e que sem ele não conseguimos fazer nada (João 15.5). Newton também demonstra que Deus tem maneiras surpreendentes de livrar seu povo da escravidão de suas próprias ações, direcionando-o para a alegria e a liberdade de descansar somente em Cristo. Se é verdade que “o coração é mais enganoso que qualquer outra coisa e sua doença é incurável” (Jeremias 17.9) e que continuaremos lutando contra o nosso coração depravado ao longo da vida, o nosso pecado mais recorrente pode realmente ser o recurso utilizado por Deus para glorificar a si mesmo, até quando nos humilha. 43


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E se Deus escolher glorificar a si mesmo tanto em nossos fracassos pecaminosos, suportando-nos pacientemente, quanto ele o faz ao demonstrar seu poder para nos transformar e fortalecer para a obediência? E se o pecado continuar vencendo as nossas melhores intenções muitas vezes a cada dia? É possível termos alegria profunda mesmo quando nos encontramos pecando muito? Investigaremos essas importantes questões neste livro, a fim de entendermos a nós mesmos e a forma como Deus trabalha neste mundo e, individualmente, em nossos corações. Iniciaremos essa investigação observando os três estágios do crescimento cristão descritos por John Newton, e analisando o que Deus faz em cada uma das fases e como ele faz isso. Apertem os cintos, meus amigos — há muita alegria por vir!

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PARA REFLEXÃO 1. Como você esperava e gostaria que fosse o crescimento cristão quando se converteu? Como você descreveria a forma como aconteceu o seu crescimento? 2. Em seu interior, você se considera melhor ou pior que outros cristãos? Por quê? 3. Você está chocado com o pecado que percebe ainda existir em seu coração e em suas atitudes? Por quê? 4. De que novas maneiras você tem visto padrões de pecado que têm, realmente, feito parte da sua vida há muito tempo? 5. Você costuma compartilhar seus fracassos pecaminosos com outros crentes ou os esconde e os acoberta? Por quê? 6. Em sua opinião, qual é o objetivo de Deus em santificá-lo?

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