Memórias de um pastor comum

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“Leia este livro e seja fortalecido. Você tem em suas mãos história, humor, e uma surpreendente quantidade de sabedoria para a vida cristã (e sabedoria especialmente para os pastores!). Frases surpreendentes e até impressionantes existem em abundância. Por exemplo, ‘Ele não costumava humilhar as pessoas, mas sim as colocava em sua lista de oração’. Deus novamente encoraja sua igreja através do que Don Carson escreve.” MARK DEVER, Pastor, Capitol Hill Baptist Church

“Nos dias em que se exaltam pastores de mega-igrejas, é animador ler este relato de um pastor comum – representando heróis desconhecidos entre nós que não aspiram a grandeza, mas sim piedade e fidelidade. Este relato a respeito do pai do Dr. Don Carson nos oferecve um valioso insight da vida de um homem que aceitou os desafios do ministério com integridade e graça, e lendo sua história também temos o raro insight da vida de um pastor protestante da Quebec francesa. Este livro é um poderoso lembrete de que não existem lugares pequenos se somos fiéis ao Deus que nos chamou. Leia-o para ser abençoado, desafiado, e instruído nas questões que realmente valem a pena.” ERWIN W. LUTZER, Pastor, Moody Church, Chicago, EUA


“Memórias de um Pastor comum: A Vida e Ministério de Tom Carson é um livro profundamente edificante e oportuno. Fidelidade, não números, não ‘sucesso’, não inovação, não ‘relevância’, mas simplesmente fidelidade é a marca aprovada do ministério do evangelho, e essa mensagem aparece claramente desde a introdução até a conclusão desta biografia. Ao lê-lo lembrei-me das palavras de Anna Waring: ‘contente em ocupar este pequeno lugar, se Tu és glorificado.’ Achei o conteúdo profundamente convidativo e instrutivo no aspecto pastoral. Numa época de pastores celebridades e ministérios impelidos por personalidade, é profundamente revigorante ser instruído e encorajado pelo narrar detalhado de batalhadores desconhecidos, perseverantes, mergulhados na fidelidade bíblica ao evangelho. Leia. Arrependa-se. Seja encorajado. E então vá e faça o mesmo.” LIGON DUNCAN, Pastor, First Presbyterian Church, Jackson, Mississippi, EUA; Presidente da Alliance of Confessing Evangelicals;

“Como pode a aplicação de uma mente saturada pela Bíblia (a de Don) a uma vida saturada pela Bíblia (a de Tom) produzir uma história ainda mais útil para encorajar pastores? Deixe que a ‘mente’ seja levada por um rio de amor porque a ‘vida’ é do pai dele. A isso acrescente um tipo de criatividade narrativa que você não sabia que Don Carson possuía. É assim que funciona. JOHN PIPER , Pastor, Bethlehem Baptist church, Minneapolis, EUA


“Este livro é um presente precioso e raro de um dos grandes estudiosos do evangelicalismo. É raro, porque com a nossa fascinação moderna para com mega igrejas e pastores-celebridades, temos a tendência de negligenciar pastores simples e fiéis. É precioso para pastores comuns como eu, porque a vida de Tom Carson é um modelo bíblico e inspirador para o ministério pastoral – o ministério que tem como centro o evangelho, marcado pela integridade, e fiel até o fim. Quão nobre do Dr. Carson deixar para a posteridade o discreto legado de seu pai para todos nós. Que cada pastor e cristão que ler este livro possa aspirar passar adiante um legado ‘comum’. C.J. MAHANEY, Sovereign Grace Ministries

“Grande número de livros nos asseguram – a nós comuns – que deveríamos ser extraordinários ou deveríamos realizar coisas extraordinárias para Deus. Bem, graças a Deus que este pequeno livro de D. A. Carson não é um deles. Narrando detalhadamente parte da vida e ministério comuns de seu pai, e refletindo neles em sua maneira característica e lúcida centrada no evangelho, Dr. Carson atinge o centro do que está errado conosco quando esquecemos que, como servos, caberia a nós viver de maneira simples sob o evangelho da graça. E talvez você seja corrigido quanto à sua visão do que é verdadeiro sucesso. Talvez você até acabe orando para que você seja considerado tão comum quanto Tom.” MICHEL LEMAIRE, Pastor da Église Baptiste de La Foi, Drummondville, Quebec, Canadá – 1984-2005


“Nós que ministramos aqui na parte francesa do Canadá temos orgulho de destacar que D. A. Carson começou aqui entre nós em Quebec. No livro Memórias de um Pastor Comum, não somente temos um vislumbre íntimo desse começo, através da vida e da época de seus pais, mas vemos uma outra faceta, outra perspectiva, da rica história do movimento Fellowship Baptist (Comunhão Batista) em Quebec. Homens obedientes e fiéis como Tom Carson, colocaram os alicerces para que outros pudessem construir sobre eles. Construtores comuns trabalhando num edifício extraordinário, a habitação de Deus nas pedras vivas francesas. Gloire à Dieu!” REV. TERRY CUTHBERT, Diretor da Fellowship French Region Church Planting; Ex-presidente da FEBCC “Eis aqui o livro mais pessoal de D. A. Carson, fornecendo-nos detalhes a respeito de sua infância na parte francesa do Canadá. Esta história a respeito de seu pai, documentada a partir dos diários, correspondência particulares e testemunhos póstumos de Thomas Carson, é uma clara demonstração da fidelidade de Deus para com o homem cuja integridade, paciência, e compromisso profundo aos Canadenses franceses trouxe resultados eternos em meio a poucos frutos, pobreza e desânimo. Em nossa tendência de glamour do século 21, nossa obcessão com o crescimento numérico, e por resultados rápidos, este testemunho pessoal é um saudável lembrete das prioridades celestiais no pastorado e no ministério cristão.” PIERRE CONSTANT, Pastor adjunto, Église Baptiste Montclair de Hull, Canadá 1982-1997; Professor de Estudos do Novo Testamento no Toronto Baptist Seminary.


D.A.CARSON

MEMÓRIAS DE UM

PASTOR COMIOUM A VIDA E MINISTÉR DE TOM CARSON


Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Carson, D. A. Memórias de um pastor comum : a vida e reflexões de Tom Carson / D. A. Carson ; [tradução Eros Pasquini]. -- São José dos Campos, SP : Editora Fiel, 2013. Título original: Memoirs of an ordinary pastor : the life and reflections of Tom Carson ISBN 978-85-8132-163-9 1. Batistas - Canadá - Clero - Biografia 2. Carson, Tom, 1911- I. Título. 13-09952

CDD-280.4092

Índices para catálogo sistemático: 1. Pastores evangélicos : Biografia e obra 280.4092 Memórias de um Pastor Comum A vida e reflexões de Tom Carson Traduzido do original em inglês Memoirs of an ordinary pastor : the life and reflections of Tom Carson Copyright © 2008 por D.A. Carson

Todos os direitos em língua portuguesa reservados por Editora Fiel da Missão Evangélica Literária

Publicado por Crossway Books, Um ministério de publicações de Good News Publishers 1300 Crescent Street Wheaton, Illinois 60187, USA.

Diretor: James Richard Denham III Editor: Tiago J. Santos Filho Tradução: Eloísa Pasquini Revisão: Eros Pasquini; Editora Fiel Diagramação: Layout Produção Gráfica Capa: Rubner Durais

Copyright © 2012 Editora Fiel Primeira Edição em Português: 2013

Proibida a reprodução deste livro por quaisquer meios, sem a permissão escrita dos editores, salvo em breves citações, com indicação da fonte.

ISBN: 978-85-8132-163-9

Caixa Postal 1601 CEP: 12230-971 São José dos Campos, SP PABX: (12) 3919-9999 www.editorafiel.com.br


Thomas Donald Mcmillan Carson 26 de agosto de 1911 – 26 outubro 1992

Elizabeth Margaret Maybury Carson 6 de janeiro de 1909 – 31 de dezembro 1989 In Memoriam



Sumário

Prefácio........................................ 13 Capítulo 1 Oh Canadá! Uma Descrição de Québec.............. 21 Capítulo 2 Tom Carson Começo de Vida e de Ministério....... 37 Capítulo 3 Trabalho Francês em Montreal.................... 55 Capítulo 4 Crise........................................... 71 Capítulo 5 Os Primeiros Anos em Drummondville.............. 89


Capítulo 6 Desânimo, Desespero e um Voto................... 109 Capítulo 7 Funcionário Público e Ministro do Evangelho.... 143 Capítulo 8 Seguindo Em Frente: Transformação E Crescimento..................... 159 Capítulo 9 Os Anos de Marg com Alzheimer................... 175 Capítulo 10 Terminando Bem: Ministério Final e promoção para a Glória...... 201 Apêndice A Carta de 5 de Maio de 1948................... 215




Prefácio

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lguns pastores, poderosamente dotados por Deus, são dádivas extraordinárias para a igreja. Eles amam seu povo. Manejam bem as Escrituras, veem muitas conversões, seus ministérios se estendem por gerações, entendem bem sua própria cultura, mas, se recusam serem domados por ela, são teologicamente robustos e pessoalmente disciplinados. Não preciso lhe fornecer uma lista de nomes; você conhece algumas dessas pessoas, e você foi encorajado e desafiado por elas, como eu também fui. Algumas delas, é claro, carregam enormes fardos que, às vezes, não são facilmente percebidos. Todavia, quando nós mesmos não estamos sendo tentados pela inveja, nós agradecemos a Deus por tais líderes cristãos do passado e oramos pelos presentes. Muitos de nós, entretanto, servimos a Deus em rincões modestos. A maioria dos pastores não prega regularmente a milhares, muito menos a dezenas de milhares. Eles não escrevem livros influentes, não supervisionam grandes equipes, e


Memórias de um Pastor Comum

nunca verão nada além de um crescimento modesto. Eles se engajam em visitar os idosos, em aconselhamento, em estudos bíblicos e pregações. Alguns trabalham com tão pouco apoio que preparam seus próprios boletins. Eles não conseguem discernir se seus constrangimentos em sua própria esfera de serviço se devem mais aos desafios específicos da situação local ou a suas próprias limitações. De vez em quando, lançam um olhar de desejo sobre os ministérios “bem sucedidos”. Muitos frequentam as conferências patrocinadas pelos mestres venerados e voltam com uma leve combinação discordante de, por um lado, gratidão e encorajamento e, por outro lado, alguma inveja, sentimentos de inadequação e culpa. A maioria de nós – sejamos sinceros – somos pastores comuns. Meu pai era um deles. Este pequeno livro é uma modesta tentativa de deixar a voz e o ministério de um pastor comum serem ouvidos, porque servos assim têm muito a nos ensinar. Esporadicamente, ao longo de um ministério que se estendeu por seis décadas, papai manteve diários. Não existe quase nada sobre os primeiros 25 anos (aproximadamente 1933-1959); a maioria dos diários pertence aos anos 19591992. No entanto, nesses documentos mais recentes, algumas vezes existem comentários com retrospecção perceptiva das memórias do papai dos primeiros anos. Até nos anos em que escrevia o diário, papai algumas vezes passava algum período de tempo sem escrever nada. Em outras ocasiões, ele registrava nada mais que os detalhes seculares de seu ministério comum: sua preparação de sermões, lista das pessoas que ele havia visitado naquele dia, tarefas seculares de administração, suas listas de oração, registrava quando ia buscar os filhos na 14


Prefácio

escola – esse tipo de coisa. E às vezes ele se estendia por várias páginas de auto-reflexão, confissão, dirigindo-se a Deus através de palavras na página, numa intercessão de cortar o coração. Certamente ele não esperava que nenhuma de suas linhas fosse publicada: ele escrevia como forma de autodisciplina para manter-se responsável. Ele não estava tentando escrever literatura devocional clássica. Além de seu diário, ele escreveu milhares de páginas de anotações de sermões. Guardou todas as cartas que recebeu e cópias de muitas cartas que escreveu. Depois que meu pai deixou esta vida, meu irmão Jim me enviou todos os arquivos, e eu encontrei todas as cartas que eu enviei para casa – duas a três mil páginas. E recortes de jornais: Papai tinha envelopes e fichários e álbum de recortes de jornais e outras publicações, tentando ficar a par do que acontecia, não somente em sua própria casa, mas, seletivamente ao redor do mundo. A certa altura comecei a imaginar se haveria material suficiente que valesse a pena, nos diários, para escrever um livro. Nesse caso, tais “memórias de um pastor comum” teriam usado a palavra memórias no sentido que a forma plural geralmente gosta: o trabalho seria uma auto biografia e eu a teria simplesmente editado. Você então teria à sua frente a imagem de um ministério comum. Mas falando francamente, os diários como um todo, não se prestam para publicação. Grandes partes de sua vida não teriam sido consideradas – de qualquer modo, páginas incontáveis não merecem uma grande circulação. Então, finalmente, decidi fazer de seu livro um amálgama. Tentei tecer alguma parte do material dos diários do papai (“memórias” no sentido estrito) com memórias e relatórios de outras pessoas. Meu irmão e minha irmã mandaram também várias páginas de suas próprias 15


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recordações e reflexões; as igrejas em que o papai serviu me emprestaram seus registros; amigos de confiança em Quebec me orientaram que livros e ensaios deveriam ser lidos para me lembrar do tempo e lugar onde papai serviu. Algumas vezes apelei para suas cartas, especialmente dos primeiros anos de seu ministério enquanto ele ainda não tinha o diário. Onde fiz isso, omiti os nomes daqueles que receberam ou enviaram as cartas, usando suas iniciais, porque algumas dessas pessoas ainda vivem, e com certeza a maioria de seus filhos ainda estão vivos. Ocasionalmente eu editei este material para corrigir erros óbvios (de escrita, digitação), mas tomei cuidado para não mudar o sentido. Quando coloco um asterisco ao lado da data, é para indicar que não incluí tudo que papai escreveu naquela data, apenas parte. Portanto, esta não é uma biografia crítica. Se fosse, eu teria incluído muito mais a respeito dos antepassados de meu pai, muito mais detalhes factuais de seu ministério, um relato completo de sua esposa, nossa mãe, sondagem prolongada das circunstâncias sociais e históricas de sua vida e serviço, mais sondagem teológica a respeito do que ele pensava, e a tentativa de uma avaliação crítica de sua vida. Mas meu objetivo é muito mais modesto: transmitir o suficiente a respeito de seu ministério e seu modo de pensar para que pastores comuns sejam encorajados, não menos que pelo considarar que o Deus de Agostinho, Calvino, Spurgeon e Piper não é menos que o Deus de Tom Carson, de você e eu. Mais três breves explicações completarão o cenário. Primeiro, a maior parte do ministério do meu pai foi na parte francesa do Canadá. Trata-se de uma cultura desconhecida para muitos leitores do mundo de fala inglesa (ou portuguesa!); sendo assim, no primeiro capítulo tentei preencher ao menos alguns detalhes necessários para que a visão e a paixão do papai sejam coerentes. 16


Prefácio

Na primeira metade do século vinte, Quebec era a “nação” mais católica no mundo, se isso pudesse ser calculado pelo número de padres e freiras per capita que foram enviados como missionários católicos para outros países. O testemunho evangélico era extraordinariamente difícil. Entre 1950 e 1952, pastores batistas passaram um total de oito meses na cadeia por pregarem o evangelho (apesar das acusações prestadas contra eles serem inevitavelmente algo parecido com “incitar revoltas” ou “perturbar a paz”). Em comparação, hoje Quebec é surpreendentemente secular, e até anticlerical. A vida do papai estendeu-se durante os anos de mudanças dramáticas – apesar de raramente, naquele tempo, papai e outros pastores compreenderem completamente a importância das mudanças que vivenciavam. Segundo, os diários do papai, por vezes, foram escritos em francês e às vezes em inglês. O inglês prevalecia nos primeiros anos do diário; os últimos anos mais em francês. Às vezes papai mudava de uma língua para a outra no meio de uma frase, ou de uma para a outra, várias vezes durante o dia. Aqui, é claro, tudo foi traduzido para o português. Começando seu ministério naquela época, sua Bíblia em inglês era, inevitavelmente, a versão King James; sua Bíblia em francês era a versão menos antiga de Louis Segond, de 1910. Nenhuma das duas é muito usada nos dias de hoje. Mas em consideração à localização histórica e cultural do papai, guardei uma versão da Bíblia King James para as citações bíblicas dele, a não ser que ele mesmo não tenha usado tais versões. Eu, é claro, traduzi os raros fragmentos de grego, hebraico e latim. Terceiro, decidi me referir ao meu pai como Tom (como todos seus amigos os chamavam) no decorrer deste livro, mamãe como Marg ou Margaret (papai muitas vezes a chamava de 17


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“minha querida”, mas geralmente a chamava ou se referia a ela como Margaret). A exceção será quando eu estiver falando a respeito de assuntos da família. Nesse caso eles se tornarão, “pai” e “mãe” novamente. Meus agradecimentos à minha irmã Joyce e meu irmão Jim por seus relatos, sugestões e críticas. Minha sincera gratidão a Michel Lemaire por ter me fornecido material importante que teria tomado muito mais de meu tempo se tivesse de procurar sozinho. Seria inconcebível terminar este prefácio sem expressar minha imensa gratidão à Eglise Baptiste de Montclair e seus dois pastores durante os últimos anos de vida do papai, a saber, André e Pierre Constant. Eu sei muito bem que estes homens e muitos outros se sentem gratos para com meu pai. Tudo que posso dizer é que eles e a igreja que serviram “pagaram a dívida de gratidão” totalmente com o amor e o apoio que deram a ele durante os oito anos que minha mãe teve Alzheimer e nos três anos que meu pai ficou sozinho. Deus revelou seu grande amor por papai no cuidado fiel que a igreja teve para com ele, certificando-se que as tarefas fossem feitas em sua casa, até mesmo encorajando-o a voltar a pregar, fazer visitas e aconselhamento novamente com setenta e oito anos de idade. Com o risco de falar demais, precocemente, eu termino este prefácio com duas observações. A primeira é que a consciência pessimista de seus fracassos e imperfeições raramente se alinham com a opinião que seus contemporâneos tinham dele. Pensei muito nessa discrepância e vou refletir nela de tempos em tempos neste livro. A discrepância pode dizer algo importante a outros pastores comuns que se sentem desanimados. 18


Prefácio

Segundo, poucas avaliações do diário do papai são passíveis de serem mais penetrantes do que a de Michael Tate, meu assistente administrativo. Michael, com alegria, transcreveu as partes do diário escritas em inglês. Quando ele me enviou os últimos arquivos digitais, ele os acompanhou de um e-mail que dizia em parte, “Eu aspirava ser o próximo Henry Martin [um britânico, missionário aos muçulmanos da Índia e da Pérsia e heroico tradutor da Bíblia]. Entretanto, depois de ler o diário de seu pai, o Senhor me deu ao coração um alvo muito mais alto: simplesmente ser fiel. Eu sei que nós homens somos apenas pó, mas que pó era esse homem de quem li a respeito neste diário!” E depois de revisar o manuscrito ele me enviou um recado dizendo que se lembrou de algumas linhas do Tolkien a respeito de Strider. Tudo que é ouro não brilha, Nem todos que vagueiam estão perdidos O velho que é forte não enfraquece Raízes profundas não são atingidas pela geada Das cinzas um fogo será despertado, Uma luz das sombras brotará; Renovada será a lâmina que foi quebrada O sem coroa mais uma vez se tornará rei. Tudo verdade. E mesmo assim Tom era o mais comum dos pastores. D.A. Carson Trinity Evangelical Divinity School Soli Deo gloria

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Capítulo 1

Oh Canadá! Uma Descrição de Québec

T

oda vida e todo ministério possui um contexto histórico. Quando tal contexto é bem parecido com o do leitor, muito pouco precisa ser dito a respeito dele. O contexto de Tom é um tanto diferente daquele da maioria das pessoas que lerá este livro. Como ele dificilmente será compreendido de imediato fora do seu contexto, este pequeno capítulo fornece o necessário.

CANADÁ Os primeiros europeus a colonizarem o país que agora chamamos de Canadá eram franceses. Samuel de Champlain chegou em 1535 – muitas décadas antes dos primeiros Peregrinos desembarcarem centenas de milhas ao sul, no que hoje são os Estados Unidos. Muitos dos colonizadores franceses eram caçadores e comerciantes de pele – coureurs de bois – eram chamados, literalmente “corredores da mata.” Eles estabeleceram comunidades


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unidas e postos de comércio em pontos estratégicos ao longo do rio St.Lawrence, e através dos Grandes Lagos, pelo rio Mississipi até Nova Orleans. Dessa maneira compuseram o que acabou conhecido como as Treze Colônias, cujos moradores tinham a tendência de ser mais agrários. As diferenças entre os colonizadores franceses e ingleses eram mais que econômicas e geográficas. Os franceses eram convictamente católicos e trouxeram consigo as tradições francesas do serem membros de igreja, de educação, e de governo. Os colonizadores norte-americanos eram em sua maioria da Inglaterra, uma mistura de congregacionais, anglicanos, e presbiterianos, e com o passar do tempo, batistas e metodistas. Inevitavelmente os constantes conflitos entre a França e a Inglaterra acabaram transbordando no novo mundo. Até mesmo no interior do Canadá Francês – naquela época chamado de Nova França – as tensões na Europa geraram violência. Na França, o Edito de Nantes tinha garantido uma extraordinária liberdade religiosa para os Protestantes que cresciam rapidamente, os huguenotes. Entretanto, em 1685, o rei Louis XIV, da França, revogou o Edito de Nantes. Dezenas de milhares de huguenotes foram mortos ou enviados para as galés ou simplesmente fugiram. Os historiadores continuam a debater quantos deles foram mortos na Nova França. Entrementes, números crescentes de colonizadores de fala inglesa se estabeleciam ao leste de Québec, na Acádia. Quando os britânicos tomaram posse da Nova França, grande número de colonizadores se estabeleceu mais para o interior, o que mais tarde passou a se chamar de Ontário. O momento crítico aconteceu em 1759. O general Wolfe da Inglaterra conduziu uma flotilha de navios de guerra pelo rio St. Lawrence até a cidade de Québec, capital da província de Québec, ponderando como 22


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haveria de desembarcar suas tropas e levá-las a subir o acentuado escarpamento sem serem massacradas pelas tropas francesas concentradas nas regiões altas. Na escuridão da noite ele conseguiu conduzi-las por uma pequena trilha que havia sido deixada desprotegida, e de manhã houve uma batalha clássica nas Planícies de Abraão, nos arredores da cidade. Os ingleses venceram. Tanto o general Wolfe quanto o general francês Montcalm, que estava na defensiva, foram mortos. Os ingleses tomaram posse do governo de Nova França, e este arranjo foi finalizado e preservado no Tratado de Paris, assinado em Versalhes no dia 10 de fevereiro de 1763, entre a França e a Inglaterra. O Canadá e os Estados Norte-americanos eram governados de Londres. Em 1791 foi feita uma distinção entre o Baixo Canadá e o Alto Canadá. O Baixo Canadá, assim chamado por estar situado a jusante do rio St. Lawrence , a área que agora chamamos - de Província de Québec – era de fala francesa e católica romana, e sua influência se estendeu através dos Grandes Lagos e para o Mississipi até Nova Orleans. Alto Canadá - assim chamado porque ficava a montante do sistema St. Lawrence, naquilo que agora é Ontário – era tradicionalmente inglês e protestante. Em 1776, quando irrompeu a guerra americana pela independência, nem todos os norte-americanos estavam convencidos que rebelião contra os britânicos era a coisa certa a ser buscada. Milhares de norte-americanos fizeram viagens longas e difíceis para o norte e se reestabeleceram no Baixo e Alto Canadá. No Canadá, eles eram conhecidos como UELs - United Empire Loyalists (Leais do Império Unido). Historiadores muitas vezes comparam os sermões dos patriotas norte-americanos, neste período, com os sermões dos UELs: como a Bíblia era manejada pelas duas populações? Contudo não havia somente uma profunda 23


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fissura entre os UELs e outros norte-americanos, havia também uma divisão fundamental entre os próprios UELs. Os que chegaram ao Alto Canadá foram absorvidos pela população de fala inglesa que era, na sua maioria, protestante; os que chegaram ao Baixo Canadá enfrentaram um mundo completamente hostil. Uma pequena porcentagem deles fundou novas comunidades que falavam, ensinavam e prestavam culto em Inglês, formando pequenos vilarejos com nomes tais como Sawyerville – enclaves protestantes ingleses que ficaram, em grande parte, entregues a si mesmos. Mas a maioria dos UELs que colonizaram o baixo Canadá, com o passar do tempo, acabaram se casando com pessoas da população francesa e foram absorvidos pela sua cultura e religião. Por isso ainda é possível visitar cidades que são praticamente 100% de fala francesa e encontrar na lista telefônica pessoas com sobrenomes como Williams, Smith e Rogers (nomes ingleses) que não entendem uma única palavra de Inglês. Acontecimentos subsequentes na história norte-americana foram, por vezes, fortemente influenciados por tais desmembramentos nos povoados vizinhos, ao norte. Vale a pena citar dois. Tensões progressivas entre a Inglaterra e a América, também se transformaram em tensões entre o Canadá e os Estados Unidos, vindo à tona de maneira mais intensa na guerra anglo-americana de 1812-14. No começo do século XIX, a Grã- Bretanha se encontrava em guerra com a França, esforçando-se para derrotar Napoleão, e usou sua marinha para impedir o comércio entre a América e a França, o que, compreensivelmente, a América via como uma restrição ilegal do livre comércio internacional. A marinha real também forçou muitos norte-americanos para o serviço militar. Igualmente frustrante para os norte-americanos era o fortalecimento Canadense-francês e os fortes dos índios ao redor 24


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dos Grandes Lagos e no Mississipi até Nova Orleans, armando-os com um suprimento do armamento mais moderno disponível na época. Os norte-americanos, a essa altura, procuravam ir para o oeste e enxergavam tais desmembramentos militares com temor. No dia 18 de junho de 1812 os norte-americanos declararam guerra à Grã-Bretanha e invadiram o Canadá. A luta não precisa ser recapitulada: o resultado é que importa para a nossa história. Os norte-americanos enxergavam o conflito como uma segunda guerra de independência, enquanto os Britânicos estavam menos interessados nesse conflito do que na guerra contra a França. Uma vez que Napoleão havia sido derrotado, tal guerra tinha alcançado seu objetivo principal. A Grã-Bretanha minimizou suas perdas e assinou o Tratado de Ghent, no dia 24 de Dezembro de 1814, para por fim à guerra com a América. Antes que essa notícia pudesse alcançar a costa sul dos Estados Unidos, as forças dos norte-americanas tiveram uma vitória retumbante em Nova Orleans (suas perdas em terra haviam sido consideráveis até esse ponto, incluindo o pilhar de Washington e o fracasso em tomar qualquer parte do Canadá), enquanto as forças britânicas capturavam Fort Bowyer no Alabama. Os livros de história norte-americanos e canadenses relatam os resultados de maneiras diferentes. Enxergando esses acontecimentos (conforme já citei) como a segunda guerra de independência, os norte-americanos não só enxergaram o resultado como uma vitória retumbante (a batalha de Nova Orleans se tornou lendária). Mas também perceberam estarem mais unidos como nação do que estavam antes da guerra. Orgulhosos e gratos que não haviam perdido nada de seu território, os canadenses também enxergaram o resultado como uma vitória retumbante, pois sob a competente liderança do 25


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General Sir Isaac Brock eles tinham repelido as forças invasoras norte-americanas, e também perceberam estar mais unidos que antes da guerra. Muitos da população de fala francesa não mantinham especial apreço pelo governo britânico, mas certamente preferiam-no ao norte-americano, porque temiam ser inundados pela língua inglesa e cultura dos norte-americanos, sem falar em seu Protestantismo, se ficassem sob o governo de Washington. Os habitantes do Baixo e Alto Canadá começaram a perceber que tinham mais em comum um com o outro que com seus vizinhos ao sul. Tal sentimento recente de unidade, por fim, resultou na fundação do Canadá. O segundo acontecimento mais importante que deve ser compreendido é o nascimento do Canadá. Foi somente em 1867 que o Governo do Canadá nasceu sob os termos do Ato Britânico da América do Norte (agora chamado de Ato de Constituição, 1867). Até então, o Canadá (chamado de América do Norte Britânica até 1867) era basicamente dirigido por governadores enviados pelo Parlamento Britânico de Westminster. Agora o Canadá havia obtido plena liberdade legislativa, salvo o direito de mudar a Constituição de maneira independente, um direito não repatriado (como era chamado) para a Câmara dos Comuns do Canadá até 1982. O motivo dessa demora não era porque Westminster se ressentia em abrir mão de seu poder; na verdade, os canadenses não conseguiam concordar com a formula para modificar sua própria constituição. Até 1982 foram feitas emendas (semelhantes aos “artigos adicionais da Constituição” dos Estados Unidos) através de Westminster. A incapacidade de concordar brotou em grande parte da minoria substancial de cidadãos de fala francesa, compreensivelmente exaltados a respeito das emendas que lhes tirariam seus direitos singulares. É preciso 26


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compreendermos isso, se quisermos entender a forma do ministério evangélico em Québec em meados do século XX.

QUÉBEC Da mesma maneira que os inexperientes Estados Unidos começaram a adicionar estados até atingirem os atuais cinquenta estados, assim fez o inexperiente Canadá que continuou adicionando províncias até que alcançou o total atual de dez, e mais três territórios. A última província a ser adicionada foi Newfoundland (1949). Desde o seu começo, entretanto, o Canadá teve de concordar em estabelecer uma constituição que asseguraria que as províncias desfrutassem de certos direitos legais que permitiriam que Québec preservasse sua linguística, sua cultura e seu caráter religioso peculiar. Apesar de ter a minoria de canadenses franceses em Ontário, juntamente com pequenos grupos em Alberta e aproximadamente metade de cada grupo em New Brusnwick, só Québec desfruta de uma maioria avassaladora de pessoas de fala francesa como primeira língua. Apesar de Québec ser apenas uma das dez províncias, durante grande parte do século XX, aproximadamente um terço dos cidadãos canadenses declaravam ser o francês sua língua materna. (Tal porcentagem, em anos recentes, caiu para 30 por cento). O resultado foi uma constituição que fez com que tanto o inglês como o francês, pelo menos no papel, se tornassem línguas oficiais em todo o país. Além disso, ela concedeu às províncias grandes direitos legislativos em praticamente todo o setor, com exceção do Direito Penal, da política econômica nacional e de relações exteriores. Em outras palavras, apesar das outras nove províncias terem desenvolvido leis que eram, em linhas gerais, alinhadas com a herança britânica, em Québec assuntos criminais eram limitados pelas leis 27


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derivadas da herança britânica, mas os setores civil, educacional, e religioso como outros setores culturais eram restringidos por leis adaptadas da herança francesa, não incomumente reportando-se ao Código Napoleônico. Talvez a maior exceção tenha sido na área religiosa, onde Québec não seguia nem a Grã-Bretanha, nem a França. Québec jamais passou por nada parecido com a Revolução Francesa com seu anticlericalismo ardoroso. As leis de Québec concediam grande autoridade à igreja católica, especialmente no âmbito da educação. É difícil para aqueles que não viveram naquela época imaginarem a influência da igreja católica entre os seis milhões de pessoas, que falam francês como primeira língua, em Québec, até os anos 1960 e 1970. Uma percentagem surpreendentemente alta da população frequentava a missa semanal, e a vontade da igreja era mediada através de milhares de padres. É necessário entender pelo menos um pouco de como isso se processava. Primeiro, o índice de natalidade era muito alto e o índice de abortos, muito baixo. A família que morava atrás da nossa casa tinha onze filhos. Na mesma rua em que morávamos havia uma família que tinha vinte e um filhos, não havia gêmeos e eram todos da mesma mãe. Isso não é boato; nós conhecíamos a família. Não era incomum ouvirmos os padres encorajando La revanche des berceuax (“a revanche do berço”): os ingleses podem ter tomado posse do país pelo poder militar, mas a disparidade no índice de natalidade, mais cedo ou mais tarde, renovaria a força francesa e católica. Segundo, a forma de catolicismo em Québec na época era francamente medieval. Este era o catolicismo ainda não influenciado pelo Vaticano II (1962-1965) e basicamente não influenciado pela secularização europeia ou da Reforma. Lembro-me 28


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das indulgências que eram vendidas, a visão de peregrinos devotos subindo a escada do l’ Oratoire St-Joseph de joelhos enquanto recitavam o rosário a cada degrau, e formas populares de adoração a Maria que eu não vi igual a não ser na Polônia. Lembro-me da vasta multidão que foi ver o Cardeal Léger passando bem devagar num carro aberto, na rua principal da nossa cidade, e enquanto ele passava - todos – bem, todos a não ser a família Carson – se ajoelharam ou até se prostraram rosto em terra, ao longo da rua, uma onda humana que seguia o itinerário do carro. Terceiro, o clero encorajava abertamente um tipo de separatismo do resto do país. Um pouco disso era compreensível. Se pessoas demais aprendessem inglês, talvez a língua, história e a cultura, francesas seriam apagadas. Entretanto, o sistema que produzia padres, freiras, e advogados tendia a não produzir engenheiros e administradores graduados, porque eles teriam de interagir com colegas que falavam inglês. O resultado foi inevitável: canadenses ingleses, jamais lentos para dar um empurrão em seus próprios interesses, tinham a tendência, até mesmo em Québec, de serem administradores, chefes, planejadores, pelo menos nas frentes econômicas, enquanto os canadenses franceses eram os trabalhadores braçais. Ressentimentos que estavam se inflamando explodiram nos anos 1960. Tais ressentimentos eram também abastecidos por injustiças básicas. Tanto o inglês quanto o francês eram, nominalmente, as línguas nacionais. Enquanto que os de fala inglesa podiam ser julgados num tribunal em Inglês em Québec, os de fala francesa não podiam ser julgados em tribunais de fala francesa em boa parte do país. As placas nas ruas em Québec eram bilíngues; em qualquer outro lugar do país, eram somente em inglês. Um caixa de cereais vendida em todo país era impressa somente em inglês. 29


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O quarto fator era, quem sabe, o mais importante para os primeiros anos de ministério de Tom. A igreja católica tinha tanta autoridade, através da legislação de Québec, no campo da educação, que duas diretorias eram formadas – uma Católica e a outra Protestante. A chamada diretoria protestante não era, na realidade, nenhum pouco protestante. Ela se comparava às diretorias das escolas de outras províncias: basicamente movia-se rumo à crescente secularização. Católicos, judeus, protestantes, e qualquer outra pessoa podia frequentá-la. O engodo era que tal diretoria de escola protestante tinha permissão de ter escolas somente na língua inglesa. Em contraste, a diretoria de escola católica era distintamente católica. Muitas vezes, os professores eram freiras e irmãos que ensinavam; não era incomum haver um padre como diretor. Em outras palavras, o sistema público para seis milhões de fala francesa em Québec era basicamente a escola paroquial católica conservadora de hoje. Tais escolas, é claro, eram em sua maioria francesas. Aqui, também tinha havia uma cilada. Se as famílias de fala francesa com filhos na escola católica (francesa) se convertessem, e se, por exemplo, se tornassem membros de uma igreja batista, por vezes não tinham mais permissão de enviar seus filhos para a escola católica. Onde isso acontecia - era bem comum, embora dependesse muito dos administradores locais – os pais logo descobriam que, se quisessem mandar seus filhos para uma escola dirigida por uma diretoria protestante, quer fosse por serem forçados a fazê-lo ou por convicção teológica, as escolas de diretoria protestante eram de língua inglesa. Não havia escolas de língua francesa sob o comando de uma diretoria protestante. As crianças frequentemente perdiam um ano aprendendo inglês, e com o tempo seus amigos eram ingleses, e suas 30


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habilidades de leitura e força educacional eram em inglês, e então quando cresciam, muitos tinham a tendência de irem a igrejas de fala inglesa. Isso queria dizer que as igrejas evangélicas francesas eram perenemente igrejas de primeira geração, já que muitos dos filhos desertavam para o lado Inglês. No começo do século XX, havia aproximadamente setenta igrejas batsitas evangélicas de língua francesa, salpicadas ao longo do vale do St. Lawrence, a maioria pertencente à Grande Ligne Mission. A maioria delas era pequena, e algumas enfrentavam o desafio de serem perenemente de primeira geração. O liberalismo teológico acabou com quase todas essas igrejas nas primeiras décadas do século XX. Em meados dos anos 1930, só havia um punhado delas, junto com algumas poucas assembleias dos Plymouth Brethren (Igreja dos Irmãos ou Casa de Oração) de fala francesa, para uma população de seis milhões. Este foi o contexto em que três homens – Wilfred Wellington e Tom Carson, ambos do Canadá de fala inglesa e um homem da Suiça, William Frey – no fim dos anos 1930, se comprometeram ao ministério de tempo integral de plantar igrejas no Canadá de fala francesa. Frey, é claro, era fluente no francês; os outros dois tiveram de começar aprendendo a língua. Mas, antes de começarmos a história, é importante entender como Québec se transformou completamente nas últimas sete décadas. Da mesma maneira que outros países do mundo ocidental passaram por suas próprias formas de rebelião nos anos 1960 e 1970, Québec também passou. Enquanto os Estados Unidos fumavam maconha em Haight-Ashbury, agonizavam em relação ao Vietnã e se dilaceraram por causa de Watergate, Québec desenvolveu seus próprios terroristas autóctones. Eles se autodenominavam de FLQ – Front de Libération Du Québec, e achavam 31


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que eram revolucionários marxistas de vanguarda ao detonarem cerca de duzentas bombas entre 1963 e 1970. A violência do grupo matou cinco pessoas e feriu multidões. O fim chegou em Outubro de 1970, quando os FLQ sequestraram o cônsul britânico James Richard Cross (mais tarde liberto) e mataram Pierre Laporte, o vice premier e ministro do trabalho de Québec, supostamente estrangulando-o com seu rosário. Encorajado por Jean Drapeau, o prefeito de Montreal, e Robert Bourassa, o premier de Québec, o Primeiro Ministro Pierre Elliot Trudeau invocou o War Measures Act (Lei de Medidas de Guerra), impondo eficazmente um tipo de lei marcial por todo território do Canadá. A FLQ foi rapidamente desmantelada (suas células já haviam sido infiltradas pela polícia antiterrorista), e a lei marcial foi revogada. Trudeau foi astuto o suficiente para perceber que alguns descontentamentos tinham de ser tratados. Em pouco tempo, não somente as caixas de cereal, mas tudo que fosse vendido em todo país teria de utilizar de propaganda bilíngue, e qualquer projeto que fosse financiado pelo governo federal – as grandes rodovias, por exemplo, e aeroportos – teriam de dispor de placas bilíngues. Isso se constituiu em fator de irritação, a princípio, para os canadenses dos setores ingleses do país, mas na verdade eles estavam experimentando o outro lado da moeda que os de fala francesa haviam experimentado durante muitos anos. Escolas de imersão foram abertas por todo o país, para que se aprendesse a outra língua, e os tribunais se tornaram mais justos. Em 1972, apenas 40 anos atrás, havia apenas quarenta igrejas evangélicas locais de fala francesa em Québec, metade batistas e metade Plymouth Brethren, todas pequenas – tão pequenas que as que tinham pastores assalariados só conseguiam sustentá-lo por causa das doações de igrejas da parte inglesa do Canadá. 32


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Mas Québec estava mudando. Em oito anos - de 1972 a 1980 - o número de tais igrejas e pontos de pregação cresceu de maneira exponencial, chegando próximo de quinhenta, algumas de grande porte, e representando inúmeras denominações. De certa forma este foi um mover do Espírito de Deus. Todavia Deus normalmente usa meios, e olharmos retrospectivamente para a história, por vezes, nos permite um vislumbre desses meios. E na providência de Deus, o caminho desse crescimento foi aberto, em parte, pela crescente inquietação da juventude de Québec, a consciência crescente de um mundo maior, e o correspondente enfraquecimento da Igreja Católica, especialmente nas cidades. De 1960 em diante, Québec experimentou o que veio a se chamar de Quiet Revolution (a Revolução Silenciosa), uma título abrangendo as partes mais importantes da legislação e um amplo conjunto de mudanças culturais. Em setembro daquele ano, Jean-Paul Desbiens, um frei e educador, publicou Les insolences Du frère Untel (“As insolências do irmão fulano de tal”), uma sátira hilária sobre as diversas fraquezas do sistema educacional em Québec e um best-seller. A pressão para a mudança havia começado. Apesar de serem apenas pequenas partes na Quiet Revolution, três políticas educativas exercidas pelo governo provincial resultaram em um enorme impacto inesperado para o evangelho. O primeiro foi o esforço determinado para haver mais ciência e engenharia nas universidades, combinados com a conclusão formal do controle da Igreja Católica na educação na província. A segunda era a invenção, em 1967, do sistema CEGEP. CEGEP é um acrônimo de Collège d’enseignement general et profissionnel (Colégio de Ensino Geral e Educação Profissionalizante). O ensino médio terminava no décimo primeiro ano (último ano do 33


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ensino médio). Os alunos que quisessem continuar estudando, frequentavam a CEGEP, que oferecia tanto um diploma de três anos para uma das profissões de “conhecimento profissional” ou de “negócios”, ou um curso de dois anos de pré-universidade antes de entrarem num curso superior. Em 1967, o ano em que começaram, havia doze CEGEPs; hoje existem quarenta e oito, sendo seis de fala inglesa. Quando o evangelho começou a avançar rapidamente, de 1972 em diante, muitas vezes isso ocorreu entre os alunos, especialmente entre os rapazes do recém-instituido sistema CEGEP. Centenas deles se converteram firmemente, e muitos se tornaram, durante os anos seguintes, o núcleo da próxima geração de líderes evangélicos franceses. Terceiro, em novembro de 1969 a legislatura de Québec aprovou uma lei visando promover a língua francesa em Québec (conhecido como Lei 63). Seu propósito e realização eram complexos, mas um dos efeitos deste e de outros passos na reforma educacional foi que as escolas de fala francesa poderiam ser frequentadas por qualquer pessoa sem se levar em consideração a religião; outro de seus efeitos foi que a língua francesa foi favorecida de várias formas. Isso tornou muito mais fácil construir igrejas evangélicas de segunda e terceira gerações. Hoje, a cidade de Montreal tem o mais alto número de alunos terciários (pós-ensino médio) que qualquer cidade da America do Norte, incluindo-se Boston, nos Estados Unidos. Québec tem o índice mais alto de abortos e o índice mais baixo de natalidade da América do Norte. Estas últimas estatísticas não devem ser celebradas, mas elas constituem um aspecto da quase embaraçosa fraqueza da antiga herança católica da atual Québec. A porcentagem de canadenses cuja primeira língua é o francês está diminuindo aos poucos, e a razão principal pela qual não está 34


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diminuindo mais rapidamente é pelo grande número de imigrantes haitianos que trazem a língua francesa e o créole com eles. La revanche des berceuax (“a revanche dos berços”) terminou. Québec é agora notoriamente secular, a não ser em vilas remotas – e até nesses lugares a vitalidade da igreja católica foi enfraquecida1. Tom Carson viveu em meio a muitas dessas mudanças. Em 1972, quando o evangelho começou a avançar rapidamente, Tom completou sessenta e um anos.

1 - A maior parte dos leitores deste livro provavelmente não se interessará pelos muitos estudos técnicos das mudanças sociais e religiosas no Canadá, especialmente em Québec, nas décadas que nos dizem respeito. Para os que se interessarem, entretanto, o ponto de partida é o importante ensaio escrito por Mark A. Nol, “What Happened to Christian Canada?” Church History 75 (2006): 245-273. Vejam, também Hubert Guindion, “Chronique de l`évolution sociele et politique du Québec depuis 1945”, disponível online em http://classiques.uqac.ca/contemporains/ guindom_hubert/chronique_evoc_qc/chronique.html. Menos digno de confiança é o estudo de Glenn Smith, “Le mouvement ‘evangelique’ au Québec depous 1960”, Revua Scriptura 7/2 (2005): 29-46, cujos números nem sempre se alinham com os da Estatística do Canadá. Em especial, a análise dele das cifras apresentadas depende da equivocada (embora reconhecidamente popular) definição de “evangelicalismo” apresentada por Bebbington (David W. Bebbington, Evangelicalism in Modern Britain: A History from the 1730s to the 1830s [London: Unwin Hyman, 1989], 2-17). O resultado é que ele encontra menos que 1 por cento dos habitantes de Québec se auto-entitulando “evangélicos” (Estatística do Canadá, com uma pergunta ligeiramente diferente, coloca esse percentual como sendo 2,7), mas cerca de 30 por cento dos Católicos se identificam com as quatro características definidoras de evangelicalismo, segundo Bebbington, e, portanto, devem ser considerados Católicos evangélicos. Na verdade, o que tal análise exibe é uma inadequação irremediável, especialmente no contexto Católico, da rede de Bebbington.

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