A glรณria da graรงa de Deus
J. Richard Denham Jr.
A glória da graça de Deus Ensaios em honra a J. Richard Denham Jr. por ocasião dos 58 anos de ministério no Brasil
Franklin Ferreira Editor
a glória da graça de deus Ensaios em Honra a J. Richard Denham Jr. por ocasião dos 58 anos de ministério no Brasil • Primeira Edição em Português © Editora FIEL 2010 eBook 2013 • Todos os direitos em língua portuguesa reservados por Editora Fiel da Missão Evangélica Literária Proibida a reprodução deste livro por quaisquer meios, sem a permissão escrita dos editores, salvo em breves citações, com indicação da fonte. •
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Presidente: James Richard Denham III Presidente Emérito: James Richard Denham Jr. Editor: Tiago J. Santos Filho Editor da obra: Franklin Ferreira Tradução capítulo 12 e apêndice: Francisco Wellington Ferreira Revisão: Flávio Ezaledo, Franklin Ferreira, Marilene Paschoal, Tiago. J. Santos Filho e Valdir P. Santos Capa e Diagramação: Edvânio Silva ISBN: 978-85-8132-073-1
Sumário Apresentação - James Richard Denham III........................................................................9 Apresentação - Valter Graciano Martins...........................................................................13 Prefácio - Franklin Ferreira................................................................................................17 Introdução - Maurício Andrade.........................................................................................21 Colaboradores.....................................................................................................................27 O casal Denham no Brasil e o ministério da Editora Fiel - Gilson Santos.......................31 História...............................................................................................................................65 1. Quem é realmente reformado? - Valdeci Santos.........................................................67 2. O caráter confessional da fé reformada - João Alves dos Santos................................93 3. A presença dos reformados franceses no Brasil Colonial - Franklin Ferreira...........115 4. A evangelização no Brasil e a redescoberta da fé reformada - Josafá Vasconcelos.......145 5. Por um pacto evangélico: exortação sobre a unidade evangélica - Tiago J. Santos Filho...................................................................... 163 Teologia............................................................................................................................189 6. Fides et Scientia: indo além da discussão de “fatos” - Davi Charles Gomes...............191 7. A importância das Escrituras para a Igreja brasileira - Renato Vargens....................209 8. Lutero ainda fala - Augustus Nicodemus Lopes.........................................................221 9. A necessidade e a importância da Teologia Sistemática - Hermisten Costa.............239 10. Uma introdução à teologia do pacto - Mauro Meister.............................................263 11. O Deus Soberano e o problema do mal em Habacuque - Luiz Sayão.......................291 12. A compreensão puritana da intercessão de Cristo - João Serafini..........................309 13. Os benefícios devocionais dos cinco pontos do calvinismo - Clodoaldo Machado..........331 14. O lugar da fé e da obediência na justificação - Heber Campos Júnior....................355 Igreja.................................................................................................................................373 15. O princípio regulador no culto - Paulo Anglada.......................................................375 16. Uma perspectiva teológica do ministério pastoral - Paulo Valle..............................393 17. A centralidade da pregação expositiva - Daniel Deeds.............................................417
18. O batismo na Didaquê - Wilson Porte Jr...................................................................439 19. O ministério pastoral e a catequese nas igrejas confessionais - Juan de Paula...............451 20. Aconselhamento bíblico: um ministério essencial na igreja - Flávio Ezaledo.........463 21. Crescimento da igreja: com reforma ou com reavivamento?- Heber Campos........479 22. A revitalização da igreja - Leonardo Sahium............................................................493 23. A piedade e a espiritualidade nos comentários e sermões de João Calvino sobre os Salmos - Jorge Noda.......................................505 Sociedade..........................................................................................................................523 24. A filosofia reformada: suas origens e seu lugar na história do pensamento protestante - Guilherme Carvalho.................................................525 25. A centralidade da ética na vida cristã - Jorge Max...................................................561 26. Estado e política em João Calvino, na Confissão de Fé de Westminster e em Abraham Kuyper - Solano Portela....................................................................593 27. O ensino da graça comum na tradição reformada - Fernando de Almeida.............619 28. A criação no contexto da fé reformada - Adauto Lourenço.....................................649 29. Os fundamentos teológicos da família cristã - Sillas Campos.................................661 30. Uma educação integral e transformadora - Paulo César de Oliveira.......................675 Doxologia - Paixão pela glória de Deus - Franklin Ferreira............................................693 Apêndice - Uma proposta de Declaração de Fé submetida pela Comissão de Teologia da Fraternidade Mundial de Igrejas Reformadas.........................701 Agradecimentos...............................................................................................................727
C ap í t u l o
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O ministério pastoral e a catequese nas igrejas confessionais Juan de Paula Santos Siqueira
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ivemos em um tempo que os pensadores chamam de pós-modernidade, “caracterizada por irracionalidade, relativismo, individualismo e consumismo”.1 Já não se trabalha mais com conceito de verdade absoluta e com a objetividade, gerando uma busca pelo bem estar interior através de uma realização subjetiva.2 A Igreja de Jesus Cristo é assaltada por essas ideias, gerando uma busca pela glorificação do homem e a secularização, em detrimento da busca pela glória, grandeza e majestade de Deus.3 Os pastores e líderes são desafiados a resgatarem os verdadeiros ensinos da fé cristã, tais como pecado, graça, justificação, cruz, expiação e ressurreição, pregando a verdade da Palavra de Deus. A catequese tem um papel muito importante na formação espiritual dos membros de uma igreja local, pois historicamente este foi “o processo em que a igreja treinou seus membros para que conhecessem e compreendessem a doutrina cristã”.4 Em toda a história da cristandade, nunca houve igreja sem catequese. Na igreja 1 Franklin Ferreira, Gigantes da Fé: espiritualidade e teologia na igreja cristã (São Paulo: Vida, 2006), p. 336. 2 Gene Edwards Veith, “Catequese, pregação e vocação”, em James Montgomery Boice (ed.), Reforma Hoje: Uma convocação feita pelos evangélicos confessionais (São Paulo: Cultura Cristã, 1999), p. 78. 3 Jadiel Martins Sousa, Charles Finney e a secularização da igreja (São Paulo: Parakletos, 2002), p. 15-16. 4 Gene Edwards Veith, “Catequese, pregação e vocação”, p. 88.
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primitiva a catequese era usada para instruir os novos convertidos à fé cristã antes do batismo. Na catequese eram abordados temas básicos como fé, Deus, Cristo, sacramentos, além de questões éticas. Os pais da igreja fizeram uso do catecismo para os fiéis até o batismo, porém ele não foi usado com esse nome e formatado em perguntas e respostas até o século XVI, embora Agostinho e outros pais da igreja tenham feito uso da instrução catequética. Os reformadores não deixaram de lado essa prática e muitos destes elaboraram catecismos para atender as suas necessidades doutrinárias.5 O primeiro trabalho a receber o título de “catecismo” foi o texto escrito por Andreas Althamer, em 1528.6 Porém, os mais influentes foram o Catecismo Menor de Lutero, que será abordado nesse trabalho, e o catecismo escrito por João Calvino, não no modelo de perguntas e respostas, mas escrito de modo acessível para toda a igreja com o objetivo claramente didático. Essa obra se chamava Instrução e Confissão de fé, Segundo o uso da Igreja de Genebra.7 Os puritanos do século XVII também fizeram uso dos catecismos, porém no modelo de perguntas e respostas. Breve história da catequese protestante Definição e filosofia educacional da catequese Pode-se definir um catecismo como “um manual de instrução popular nas crenças cristãs, normalmente na forma de perguntas e respostas”.8 Os termos “catequese”, “catecumenato”, “catequista” e correlatos são derivados etimologicamente do verbo grego katechein, que significa “soar de cima”. Referia-se originalmente à voz do ator no teatro. Assumiu depois o significado de “dar notícia”, “informar”, “instruir”. Por exemplo, Lucas dedica sua obra a Teófilo, para que este tenha plena certeza da verdade em que foi instruído, ou seja, “catequizado” (Lc 1.4).9 Portanto, catecismo significa “livro de aprender”, e numa perspectiva luterana pode ser chamado de “Bíblia para os leigos”.10 O catequista é aquele que instrui os outros na fé cristã.11 A função não é limitada ao vocabulário; então, o catequista é o professor 5 Hermisten Maia Pereira da Costa, “Os símbolos de fé na história: sua relevância e limitações”, em Fides Reformata Nº 9, vol. 1 (Janeiro-Junho 2004), p. 60-61. 6 D. F. Wright, “Catecismos”, em Walter A. Elwell (ed.), Enciclopédia histórico-teológica da igreja cristã. vol. 1 (São Paulo: Vida Nova: 1993), p. 250. 7 Hermisten Maia Pereira da Costa, “Os símbolos de fé na história: sua relevância e limitações”, p. 61. 8 D. F. Wright, “Catecismos”, p. 251. 9 Gottfried Brakemeier, “‘Pregação pura e correta ministração dos sacramentos’: significando e implicações”, em Estudos Teológicos no 43, v.1 (2003), p. 126. 10 Albérico Baeske, “Introdução ao catecismo”, em Nelson Kilpp (org.), Proclamar libertação: catecismo menor (São Leopoldo, RS: Sinodal, 1987), p. 8, 10. 11 Peter Toon, “Catequista”, em Walter Elwell (ed.), op. cit., p. 253.
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- didaskalos, e o aluno é o discípulo - matetes, estando, para o apóstolo Paulo, entre os dons do Espírito (1Co 12.28 e Ef 4.11).12 Na atividade catequética, as crianças e os novos membros aprendiam os Dez Mandamentos, a oração do Pai Nosso e o Credo Apostólico. Depois, o professor ou o pastor faziam perguntas acerca do que foi ensinado e, assim prontos, professavam sua fé publicamente. Essa instrução era baseada no trivium.13 Veith define o trivium, moldura filosófico-educacional da catequese, da seguinte forma: A educação clássica se constrói sobre o trivium, a base tríplice de três caminhos: gramática, lógica e retórica. (...) Gramática se refere ao conhecimento fundamental dos fatos; lógica, também conhecida como dialética, refere-se à capacidade de pensar, processar ideias, analisar conceitos, levantar dúvidas e tirar conclusões; retórica refere-se à pessoa criar sua própria fala, à capacidade de colocar suas próprias ideias de modo persuasivo.14
E este autor conclui: “O trivium, portanto, pode ser considerado como sendo conhecimento, pensamento e expressão, ou a combinação de fatos, raciocínio e criatividade”.15 Nos inícios da igreja cristã, a catequese antecedia o batismo, como preparação. Distinguiam-se os catecúmenos dos batizados. Somente estes eram considerados membros plenos da comunidade. O catecumenato, portanto, representava um estágio na vida do crente que se encerrava com o batismo. Mesmo assim, observam-se muito cedo indícios de um catecumenato para batizados.16 Seus objetivos eram divididos em: “(1) educação na fé, (2) na inserção na vida comunitária e (3) no comprometimento com a conduta cristã”.17 A catequese visa à formação teológica das pessoas e da comunidade. Da mesma forma, ela procura familiarizar as pessoas com os costumes da comunidade e a prática da fé. Introduz a compreensão doutrinaria na espiritualidade da igreja, aguçando, enfim, as consciências, e habilitando as pessoas para a opção em favor de um estilo de vida condizente com a vontade de Deus. Embora o Novo Testamento não ofereça um modelo elaborado de “ministério catequético”, ele incumbe a igreja cristã do atendimento dos imperativos resultantes do catecumenato.18 12 Gottfried Brakemeier, “‘Pregação pura e correta ministração dos sacramentos’: significando e implicações”, p. 128. 13 Gene Edwards Veith, “Catequese, pregação e vocação”, p. 88. 14 Gene Edwards Veith, op. cit., p. 85-86. 15 Ibid. 16 Gottfried Brakemeier, “‘Pregação pura e correta ministração dos sacramentos’: significando e implicações”, p. 128. 17 Ibid. p. 129. 18 Ibid. p. 130.
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Os Catecismos Maior e Menor de Lutero Martinho Lutero nasceu em 10 de novembro de 1483, em Eisleben, filho de um minerador de prata. Destinado para o estudo do direito, tornou-se monge em 1505, após uma tempestade violenta que desabou perto dele, quando ia para a universidade, no qual, após muitas lutas, desenvolveu uma nova compreensão de Deus, da salvação e da fé e da igreja. Isso o envolveu num conflito com o papado, seguido de sua excomunhão e da fundação da igreja evangélica, a qual serviu até morrer, em 1546.19 Lutero escreveu seu Catecismo Menor depois de experimentar uma grande decepção em seu ministério. Ao visitar algumas igrejas da Saxônia, com alguns colegas para uma inspeção eclesiástica, a pedido do príncipe, entre 1527 e 1528, ficou profundamente decepcionado com o estado que essas igrejas se encontravam.20 Portanto, “para satisfazer a necessidade de instrução popular, Lutero imediatamente preparou cartazes de paredes, contendo explicações dos Dez Mandamentos em linguagem simples, bem como a Oração do Senhor e do Credo dos Apóstolos”.21 Por causa da negligência dos colegas, Lutero resumiu e publicou este catecismo menor como uma exposição curta e simples da fé, um ano depois, em 1529, doze anos após a reforma. “O catecismo menor foi mais o resultado de um gradual desenvolvimento do que o produto de um súbito impulso”.22 Assim sendo, o Catecismo Menor de Lutero visava a ensinar os fundamentos da fé cristã, num contexto de ignorância espiritual por parte dos pastores, que nada sabiam de doutrina cristã e, consequentemente, de paroquianos mal instruídos na fé. Seu alvo era que o catecismo fosse usado nas igrejas, nas escolas e nos lares. Já o Catecismo Maior de Lutero é relativamente desconhecido, mas foi o primeiro a ser elaborado, escrito em forma de explanação, e não de perguntas e respostas. O catecismo menor insiste no método de ouvir e aprender; o maior, na exposição da Palavra de Deus, pois Lutero “se importava com um jeito de conservar para o dia útil da semana aquilo que havia dito no sermão”.23 Por isso, Brakemeier salienta que há uma interação entre catequese, educação cristã e pregação em Lutero, sendo estas inseparáveis, pois “os catecismos nasceram das prédicas de Lutero. Por isto querem servir não só para instrução. Querem ser usados também como texto de homilias”.24 Catecismo de Heidelberg Uma das principais características da Reforma Protestante do século XVI foi a 19 20 21 22 23 24
Timothy George, Teologia dos reformadores (São Paulo: Vida Nova, 1993), p. 53. Mark Noll, “Breve Catecismo de Lutero”, em Walter Elwell, op. cit., p. 209. Ibid., p. 210. J. Th. Mueller e Mário L. Rehfeldt, As confissões luteranas: história e atualidade (Porto Alegre: Concórdia, 1980), p. 17. Albérico Baeske, “Introdução ao catecismo”, p. 9. Gottfried Brakemeier, “‘Pregação pura e correta ministração dos sacramentos’: significando e implicações”, p. 131.
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produção de um grande número de declarações doutrinárias na forma de confissões e catecismos. Estas declarações resultaram tanto de necessidades teológicas quanto pastorais, à medida que os novos grupos definiam a sua identidade em um complexo ambiente religioso, cultural, social e político.25 Neste contexto, “uma das mais extraordinárias declarações de fé escritas naquele período foi o famoso Catecismo de Heidelberg, também conhecido como o Heidelberger – o mais importante documento confessional da Igreja Reformada Alemã”.26 A história deste documento confessional começa quando “o Palatinado [Kurpfalz], a sudoeste do Mainz, tornou-se luterano em 1546, sob o Eleitor Frederico”,27 mas em pouco tempo ideias calvinistas chegaram à área, e surgiu uma série de amargas disputas teológicas no tocante a questão da “presença real” na Ceia do Senhor. Quando o Eleitor Frederico III herdou a área, tinha consciência das disputas, e estudou os dois lados da questão da “presença real”. Chegou à conclusão de que o décimo segundo artigo da Confissão de Augsburgo era papista, e optou pela posição reformada. Para reforçar sua posição, embora sofresse oposição de outros príncipes luteranos que lhe faziam pressões para apoiar a Paz de Augusburgo, que não reconheciam a posição dos reformadores, Frederico colocou no corpo docente da faculdade de teologia do Collegium Sapientiae, em Heildeberg, a capital, homens que adotavam a posição reformada, e começou a reformar o culto nas igrejas do Palatinado. Num esforço para harmonizar os partidos teológicos, para realizar a reforma e defender-se dos príncipes luteranos, Frederico pediu que o corpo docente da faculdade de teologia redigisse um novo catecismo que pudesse ser usado nas escolas como manual de instrução, orientação para a pregação e a confissão de fé. Embora muitos professores de teologia estivessem envolvidos na escrita deste texto, bem como o próprio Frederico, os dois mais conhecidos planejadores do Catecismo foram Caspar Oleviano e Zacarias Ursino.28 O “Heidelberger” é importante por ser uma declaração da fé reformada escrita de forma pessoal, escrita num estilo pacífico, moderado, devocional e prático e seguir a divisão presente na epístola de Paulo aos Romanos, enfatizando nossa miséria diante de Deus, nossa salvação em Cristo e a vida no Espírito.29 Os Catecismos Maior e Menor de Westminster A partir do primeiro dia de julho de 1643 reuniu-se na Abadia de Westminster, pelo período de cinco anos e meio, um sínodo de teólogos puritanos que é considerada 25 Alderi de Sousa Matos, “O Catecismo de Heidelberg: sua história e influência”, em Fides Reformata Nº 1, vol. 1 (Janeiro-Junho 1996), p. 26-27. 26 Ibid., p. 25. 27 R. V. Schnucker, “Catecismo de Heidelberg”, em Walter Elwell, op. cit., p. 247. 28 Ibid., p. 248. 29 Ibid.
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a mais notável assembléia protestante de todos os tempos, não só pelos membros dela participantes, como também pelo trabalho por ela produzido – a Confissão de Fé, os Catecismos, Maior e o Breve, o Diretório de Culto Público a Deus, a Forma de Governo de Igreja e Ordenação e um Saltério. Os dois catecismos foram preparados após a Confissão de Fé de Westminster ter sido escrita. Houve consenso entre os delegados presentes na Assembléia de Westminster de se produzir dois catecismos, um mais denso, mais abrangente e que deveria ser usado para exposição no púlpito, sendo esse o Catecismo Maior, efetivamente produzido em 1648, que, infelizmente, caiu em desuso nas igrejas reformadas. Um ano antes, em 1647, foi produzido o Breve Catecismo, algumas vezes chamado de Catecismo Menor, que é mais fácil, breve e escrito principalmente para crianças, embora se diga que tem sido difícil usá-lo para esta faixa etária.30 Richard Baxter afirmou: este “é o melhor catecismo que eu conheço, o mais excelente resumo da fé cristão, e apto para testar a ortodoxia dos professores”.31 Os principais tópicos teológicos da catequese Os Dez Mandamentos A igreja luterana numerou os Dez Mandamentos da mesma maneira que a igreja cristã ocidental, colocando três mandamentos na primeira tábua e sete na segunda, assim como fez Agostinho, ao contrário da igreja cristã oriental, que atribuiu quatro mandamentos à primeira tábua e seis à segunda, como fizeram Calvino e os demais reformadores.32 Para Lutero, o amor é o princípio bíblico que vinha à sua mente, quando explicava a lei divina como em Romanos 13.10 e resumido em Mateus 22.37-40: “Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma e de todo o teu entendimento... Amarás o teu próximo como a ti mesmo. Destes dois mandamentos dependem toda a lei e os profetas”,33 embora a visão do reformador alemão quanto à lei fosse mais negativa no que tange a graça divina, ao enfatizar a miséria do gênero humano neste contexto. O Catecismo de Heildelberg coloca os Dez Mandamentos em sua última parte, e sugestivamente interpreta o mandamento do descanso diferente do Breve Catecismo de Lutero. Para este, “no Novo Testamento não há mais um sábado especial, como havia antes de Cristo vir ao mundo para redimir-nos do pecado e anular as leis cerimoniais do Antigo Testamento. Para os que crêem em Cristo, cada dia é um dia santo...”34 30 31 32 33 34
J. M Frame, “Catecismos de Westminster”, em Walter Elwell (ed.), op. cit., p. 252. D. F. Wright, “Catecismos”, p. 251. J. Th. Mueller e Mário L. Rehfeldt, As confissões luteranas: história e atualidade, p. 22-23. Ibid., p. 22. Ibid., p. 21.
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Os Catecismos Menor e Maior preparados pela Assembléia de Westminster seguem a mesma estrutura do Catecismo de Heidelberg, no que tange a divisão dos mandamentos e da posição acerca do Dia do Senhor. Porém acrescenta mais elementos negativos e proibitivos, pois antes da exposição do Decálogo fazem uma explanação do uso da lei cerimonial ainda válida para os crentes na nova aliança, em detrimento da lei cerimonial e lei civil,35 segundo os teólogos de Westminster. Genthner descreve a posição luterana do Dia do Senhor numa perspectiva diferente dos catecismos reformados, alegando que para os crentes os mandamentos não significam mais o mesmo que significavam para Israel.36 O Dia do Senhor sinaliza que “a cruz de Cristo nos diz: um forte que confessou que finalmente conseguiu um novo dia, um novo amanhecer, a conquista da libertação”,37 ou seja, libertação do jugo da lei, libertação do pecado. O Pai Nosso, oração do Senhor Lutero, preocupado com a objetividade, e com a instrução dos pastores e paroquianos, estruturou o Pai Nosso em forma de pergunta e resposta para catequese. Brunken, enfatizando o lugar do Pai Nosso, escreve que este faz parte do Catecismo Menor e Maior de Martim Lutero. Este quis, nas seis Partes que compõe o Catecismo, descrever os pontos mais importantes contidos na Sagrada Escritura. E um desses pontos é a oração do Pai Nosso. A oração foi, em todos os tempos, o elo entre as criaturas e Deus. Orar é falar com Deus. Como temos necessidade de falar uns com os outros, assim precisamos sentir que temos a necessidade de falar com Deus.38
Os catecismos reformados e puritanos citados aqui concordam com a exposição da Oração do Senhor como explicada no Catecismo Menor de Lutero, apenas acrescentando perguntas e respostas, ao tratar do assunto da oração. O Credo Apostólico Também chamado de Symbolum Apostolicum, é uma das confissões mais antigas da cristandade, datada dos primeiros séculos da igreja cristã.39 “A Palavra de Deus e a confissão de fé estão numa sequência (...): A confissão nasce do ouvir da Palavra. Esta Palavra divina contida na Bíblia Sagrada sempre precede à confissão”.40 O Credo dos Apóstolos 35 36 37 38 39 40
Cf. as perguntas 39 a 43 do Breve Catecismo de Westminster e as perguntas 91 a 101 do Catecismo Maior de Westminster. Friedrich Genthner, “O Terceiro Mandamento”, em Nelson Kilpp (org.), Proclamar libertação: catecismo menor, p. 31. Ibid., p. 34. Werner Bruken, “O Pai Nosso – Introdução”, em Nelson Kilpp (org.), Proclamar libertação: catecismo menor, p. 136. A. J. Moggre, Los doce artículos de la fé (Barcelona, Espanha: Felire, 2001), p. 3. Martin Weingaertner, “O Credo Apostólico – Primeiro Artigo”, em Nelson Kilpp (org.), Proclamar libertação: catecismo menor, p. 73.
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tem sua origem no segundo século, recebendo alguns acréscimos no decorrer dos primeiros séculos, chegando à sua forma final em torno do sétimo século.41 Esse credo era usado na preparação dos catecúmenos, preparando-se para professar a fé no batismo, e servindo de guia para a fé e a devoção dos cristãos42. Schaff resume em duas boas definições o lugar e importância do credo apostólico: “A Bíblia é a Palavra de Deus ao homem; o credo é a resposta do homem a Deus. A Bíblia revela a verdade em forma popular de vida e fato; o Credo declara a verdade em forma lógica de doutrina. A Bíblia é para ser crida e obedecida; o Credo é para ser professado e ensinado”.43 E que assim como “a Oração do Senhor é a Oração das orações, o Decálogo, a Lei das leis, também o Credo dos Apóstolos é o Credo” entre os credos.44 Esse Credo foi muito valorizado e muito utilizado na Reforma Protestante do século XVI, não só no trabalho catequético, mas recebendo lugar de destaque na liturgia. Lutero expõe o Credo de maneira bem simples, dividindo-o em três artigos, sendo que o primeiro trata de Deus o Pai, todo-poderoso, criador dos céus e da terra; o segundo disserta sobre Jesus Cristo, o filho unigênito, sua pessoa, sua obra redentora e sua ressurreição; e o terceiro trata do Espírito Santo, da santa igreja cristã, o perdão dos pecados e as realidades últimas, como a ressurreição da carne e a vida eterna. O Catecismo de Heidelberg também é estruturado seguindo a divisão do Credo, de maneira tríplice e trinitária, versando sobre Deus Pai, Filho e Espírito Santo. Resgatando a pastoral catequética Estudos com famílias Escrevendo para a capacitação de presbíteros, Sittema diz que “o diabo está promovendo um ataque frontal contra o casamento e as famílias de nosso povo”.45 Portanto, precisa-se resgatar com urgência a concepção bíblica e pactual da família. A formação de uma família é um mandato social de Deus, estabelecida na criação (Gn 1.27; 2.21-24). A família foi ordenada por Deus, como “a fundação da sociedade”.46 A família é o principal campo para o ministério catequético. Beeke escreve sobre a catequese e o aperfeiçoamento do culto doméstico entre os puritanos:
41 Hermisten Maia Pereira da Costa, Eu Creio no Pai, no Filho e no Espírito Santo (São Paulo: Parakletos, 2002), p. 29. 42 Ibid. 43 Phillp Schaff, The Creed of Christendom. vol. 2 (Grand Rapids, MI: Baker Book, 1977), p. 3, citado em Hermisten Maia Pereira da Costa, Eu Creio no Pai, no Filho e no Espírito Santo, p. 13. 44 Phillp Schaff, The Creed of Christendom, p. 14, citado em Hermisten Maia Pereira da Costa, Eu Creio no Pai, no Filho e no Espírito Santo, p. 30. 45 John Sittema, Coração de Pastor; resgatando a responsabilidade pastoral do presbítero (São Paulo: Cultura Cristã, 2004), p. 93. 46 Alan Myatt, Filosofia de ministério (Rio de Janeiro: manuscrito não-publicado, 1998).
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Quanto mais os seus esforços públicos para purificar a igreja eram subjugados, mais os puritanos se voltavam para o lar como a fortaleza para a instrução e influência religiosa. Eles escreviam livros sobre o culto doméstico e a ordem divina da autoridade familiar. Robert Openshawe iniciou o seu catecismo com um apelo àqueles que estavam habituados a perguntar como se deveriam passar as noites de inverno: ‘Voltem-se a cântico de Salmos e ao ensino de sua família e à oração com ela’. Na época da realização da Assembléia de Westminster, por volta de 1640, os puritanos consideraram a falta do culto doméstico e da catequização como evidência de uma vida sem conversão.47
O puritano Richard Baxter foi um mestre do ministério pastoral e catequético, tendo servido como ministro anglicano no interior da Inglaterra, em Kidderminster e também como capelão de Oliver Crowell. A prática pastoral de Baxter consistia em visitar família a família, sistematicamente, com o objetivo de ministrar espiritualmente a cada uma delas, chegando a visitar sete a oito famílias por dia, a cada duas vezes por semana, catequizando assim as oitocentos famílias que faziam parte de sua congregação.48 A filosofia pastoral e ministerial de Baxter era a catequese como elemento fundamental do ministério pastoral reformado, levando-o a escrever a obra O pastor aprovado, que originalmente tinha o título The Reformed Pastor. Para Baxter, o pastor deveria ser “reformado” no que tange a prática pastoral moldada pelas Escrituras Sagradas. White escreve que “a maior contribuição de Baxter foi seu sistema de discipulado de modo detalhado e individual, família por família, membro por membro”.49 E prossegue: “Por catequizar ele queria dizer ensinar, pelo método de perguntas, respostas e discussão em conferências particulares, os pontos essenciais da fé contidos em um catecismo público”.50 White descreve a experiência de ser catequizado por Baxter como “formidável”.51 Acerca de conselhos práticos para catequizar os filhos, Beeke escreve: “Catequizai vossos filhos pelo menos uma vez por semana. Trinta minutos são suficientes no caso de crianças novas; um tempo de 45-60 minutos será mais apropriado para adolescentes interessados. Se eles não estiverem sendo catequizados na igreja ou na escola, deveis catequizá-los com mais frequência”.52 E comentando sobre o ministério de Baxter em Kidderminster, este autor diz que “era possível que uma família em cada rua honrasse a Deus com o culto doméstico; no fim de seu ministério naquele local, havia ruas nas quais todas 47 Joel Beeke, “Aprendendo com os puritanos (II)”, em Tom Ascol (org.). Amado Timóteo (São José dos Campos, SP: Fiel: 2005), p. 224. 48 Franklin Ferreira, op. cit., p. 182. Cf. também Franklin Ferreira, “Servo da Palavra de Deus; O ofício pastoral de Richard Baxter”, em Fides Reformata 9/1 (Janeiro-Junho 2004), p. 136. 49 Peter White, O pastor mestre (São Paulo: Cultura Cristã, 2003), p. 153. 50 Ibid. 51 Ibid. 52 Joel Beeke, “Trazendo o Evangelho aos Filhos da Aliança”, em Jornal Os Puritanos, ano 13, no 4 (2005), p. 17.
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as famílias realizavam o culto doméstico”.53 E conclui, mostrando que “poderia dizer que, dos seiscentos convertidos que foram trazidos a fé sob sua pregação, nenhum havia apostatado aos caminhos do mundo”, ao fim do ministério de Baxter naquela cidade.54 Visitação de membros da igreja no trabalho Outra pista para o resgate de uma pastoral reformada seguindo a proposta do ministério catequético é a visitação dos membros e catecúmenos da igreja em seus respectivos trabalhos. Kiddminster, em Worcestershire, era uma aldeia com aproximadamente dois mil habitantes adultos55 e, numa região rural do interior da Inglaterra. Richard Baxter catequizava alguns membros de sua congregação no próprio trabalho. Muitos deles eram artesões manuais, que trabalhavam em suas próprias casas, e paravam para receber administração através da catequese de Baxter. Amorese narra a história da cidade fictícia de Cabo Verde, que transitou de uma dinâmica rural e pacata para a transformação em centro urbano mediado pela chegada das indústrias, que geraram empregos e aumentou a possibilidade dos meios de comunicação, globalizando aquela cidade que, de cidadela rural, virou um centro urbano com uma cosmovisão pós-moderna. Ele escreve que “uma das regras básicas da vida urbana (...) é o respeito para com a privacidade emocional e social de outras pessoas, talvez por ser a privacidade física tão difícil de conseguir”.56 Brakemeier, sensível a estas mudanças culturais, históricas e sociais escreve que a catequese “tem ainda outros ambientes, a exemplo daqueles do lazer e do trabalho. Não pretendemos ser exaustivos. Queríamos tão-somente chamar a atenção ao fato de que a catequese de modo algum se limita à esfera escolar ou então à educação formal. Tem horizontes abrangentes”.57 Ênfase em catequese com jovens e adolescentes O bispo anglicano J. C. Ryle escreveu no século XIX um texto para exortar os jovens, propondo quatro razões para isso: primeiro, o fato de serem poucos os moços que demonstram espiritualidade genuína; segundo, que a morte e o julgamento estão diante dos moços, embora eles pareçam se esquecer disso; terceiro, o que eles virão a ser depende daquilo que são no momento; e, por fim, o Diabo faz um esforço especial para destruir as almas dos jovens.58 Por esse motivo, os catequistas precisam atentar para a realidade e necessidade da 53 54 55 56 57 58
Joel Beeke, “Aprendendo com os puritanos (II)”, p. 225. Ibid. Franklin Ferreira, “Servo da Palavra de Deus: O ofício pastoral de Richard Baxter”, p. 133. Rubem Amorese, Icabode: da mente de Cristo à consciência moderna (Viçosa, MG: Ultimato, 1999), p. 96-97. Gottfried Brakemeier, “‘Pregação pura e correta ministração dos sacramentos’: significando e implicações”, p. 135. J. C. Ryle, Uma palavra aos moços (São José dos Campos, SP: Fiel. 2002).
O M i n i s t é r io Pas tor a l e a C at equ e s e nas Ig r e jas C on f e s s iona i s
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catequese entre os jovens e adolescentes. Dietrich Bonhoeffer, conhecido teólogo luterano e mártir alemão, foi destacado pelo consistório que o ordenou, no começo de 1932, para servir na paróquia Zion, no distrito pobre de Wedding, em Berlim. Ele aceitou o desafio de catequizar os confirmados,59 obtendo resultados positivos que outros pastores não obtiveram.60 Quer por classe de escola dominical, discipulado, visita em lares, os jovens e adolescentes são outro grupo importante para ser alcançado pelo ministério catequético, tratando de problemas específicos desta faixa etária. Sittema, por exemplo, oferece em seu livro um catecismo sobre sexo para auxiliar pais e familiares a educarem jovens e adolescentes nessa área, na qual são bastante atacados: “Pergunta 1: Por que se preocupar?”; “pergunta 2: Por que os presbíteros devem se envolver e por que devem preparar os pais?”; além de outras três perguntas, contendo no final uma instrução exortativa para o padrão sexual bíblico.61 Conclusão A catequese pastoral em tempos de mudança tem um papel relevante e fundamental para a evangelização, assim como instrumento de mentoria e discipulado, podendo e devendo ser verdadeira e poderosamente usados por Deus para reformar e reavivar a igreja de Cristo no Brasil. Temos em Richard Baxter um grande modelo de visitação pastoral e catequese. Deus o usou poderosamente através de seus labores, e seu legado marcou a história da igreja inglesa. Estudiosos dizem que seu pastorado foi o mais influente e mais bem sucedido na história da igreja, apesar da igreja moderna achar que esse método da catequese não é mais relevante para hoje. Mas, por outro lado, a catequese e o ministério pastoral reformado resgatam a essência bíblica da vocação pastoral, que é o cuidado pessoal daqueles sob o cuidado dos pastores.62 Que o soberano Deus não deixe sua igreja no Brasil perecer, mas a reavive e levante homens que sejam modelos do ministério pastoral reformado, especialmente na área da catequese, pois, como ensinou o reformador alemão há muito tempo atrás, “quando se aprende o catecismo, faz-se o necessário”.63 59 Confirmados significa, na tradição luterana, aqueles que se batizaram na infância, mas que aos doze ou treze anos de idade são preparados para confirmarem sua fé publicamente. 60 Eberhard Bethge & Victoria J. Barnett, Dietrich Bonhoeffer: a biography (Minneapolis: Augsburg Fortress, 2000), p. 226-231. 61 John Sittema, Coração de Pastor, p. 183. 62 Cf. especialmente Eugene Peterson, A sombra da planta imprevisível; uma investigação da santidade vocacional (São Paulo: United Press, 1999). 63 Albérico Baeske, “Introdução ao catecismo”, p. 6.