S ANSÃO
E A
SEDUÇÃO
DA
CULTURA
Fé para Hoje Fé para Hoje é um ministério da Editora FIEL. Como outros projetos da FIEL — as conferências e os livros — este novo passo de fé tem como propósito semear o glorioso Evangelho de Cristo, que é o poder de Deus para a salvação de almas perdidas. O conteúdo desta revista representa uma cuidadosa seleção de artigos, escritos por homens que têm mantido a fé que foi entregue aos santos. Nestas páginas, o leitor receberá encorajamento a fim de pregar fielmente a Palavra da cruz. Ainda que esta mensagem continue sendo loucura para este mundo, as páginas da história comprovam que ela é o poder de Deus para a salvação das ovelhas perdidas — “Minhas ovelhas ouvem a minha voz e me seguem”. Aquele que tem entrado na onda pragmática que procura fazer do evangelho algo desejável aos olhos do mundo, precisa ser lembrado que nem Paulo, nem o próprio Cristo, tentou popularizar a mensagem salvadora. Fé para Hoje é oferecida gratuitamente aos pastores e seminaristas.
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Dez efeitos de crer nas doutrinas da graça John Piper
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stes dez efeitos são um testemunho pessoal a respeito de crer nas Doutrinas da Graça, que podem ser resumidos através dos cinco pontos do calvinismo. Acabei de ministrar um seminário sobre este assunto. Os alunos me pediram que escrevesse um artigo sobre estas reflexões, ao qual eles teriam acesso. Sinto-me feliz por fazer isso. Na verdade, eles conhecem o conteúdo do curso, que está acessível no site do ministério Desiring God. Contudo, escreverei na esperança de que este testemunho estimule outros a examinarem, como os bereianos, se a Bíblia ensina o que chamo de “Calvinismo”. 1. As Doutrinas da Graça enchem-me de temor a Deus e levamme à verdadeira adoração profunda centrada em Deus. Recordo a época em que vi, pela
primeira vez, enquanto ensinava Efésios no Bethel College, no final dos anos 1970, a afirmação concernente ao alvo de toda a obra de Deus — ou seja: “Para louvor da glória de sua graça” (Ef 1.6, 12, 14). Isso me fez perceber que não podemos enriquecer a Deus e que, por essa razão, sua glória resplandece mais esplendidamente não quando tentamos satisfazer as necessidades dEle, e sim quando nos satisfazemos nEle como a essência de nossas obras. “Porque dele, e por meio dele, e para ele são todas as coisas. A ele, pois, a glória eternamente” (Rm 11.36). A adoração se torna um fim em si mesmo. Isso me faz sentir quão insignificantes e inadequadas são as minhas afeições, de modo que os salmos de anseios se mostram vívidos e tornam a adoração intensa.
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2. Estas verdades protegem-me de vulgarizar as coisas divinas. Um dos caminhos de nossa cultura é a banalidade, a esperteza, a sagacidade. A televisão é o principal mantenedor de nosso desejo compulsivo por superficialidade e trivialidade. Deus é incluído entre essas coisas. Por isso, existe hoje a vulgarização das coisas espirituais. Seriedade não está em excesso nestes dias. Foi abundante no passado. Sim, há desequilíbrios em certas pessoas que parecem não ser capazes de relaxar e falar sobre o clima. Robertson Nicole disse a respeito de Spurgeon: “O evangelismo agradável [podemos dizer, o crescimento de igreja norteado por marketing] pode atrair multidões, mas lança a alma nas cinzas e destrói as próprias sementes do cristianismo. O Sr. Spurgeon tem sido reputado frequentemente, por aqueles que não conhecem seus sermões, como um pregador que utilizava humor. De fato, não havia nenhum outro pregador cujo tom era mais uniformemente sério, reverente e solene” (Citado em The Supremacy of God in Preaching, p. 57). 3. Estas verdades me fazem admirar a minha própria salvação. Depois de descrever a grande salvação em Efésios, Paulo orou, na última parte daquele capítulo, para que o efeito daquela teologia fosse a iluminação do coração, a fim de que nos maravilhássemos com a nossa esperança, com as riquezas da glória de nossa herança em Deus e com o poder de Deus que opera em nós — ou seja, o poder que ressuscitou a
Jesus dentre os mortos. Todos os motivos de vanglória são removidos. Há muita alegria e gratidão. A piedade de Jonathan Edwards começa a crescer. Quando Deus nos dá um vislumbre da sua majestade e de nossa impiedade, a vida cristã se torna uma coisa bem diferente da piedade convencional. Edwards descreveu isso, de maneira magnífica, quando disse: Os desejos dos santos, embora zelosos, são humildes. Sua esperança é humilde; e sua alegria, ainda que indizível e cheia de glória, é humilde e contrita, deixando o cristão mais pobre de espírito, mais semelhante a uma criança e mais propenso a um comportamento modesto (Religious Affections, New Haven: Yale University Press, 1959, p. 339ss). 4. Estas verdades tornam-me alerta quanto aos substitutos centrados no homem que passam por boas-novas. Em meu livro The Pleasures of God (2000), nas páginas 144 e 145, mostrei que, na Nova Inglaterra do século XVIII, o afastamento do ensino sobre a soberania de Deus levou ao arminianismo e, deste, ao universalismo e, deste, ao unitarismo. A mesma coisa aconteceu na Inglaterra do século XIX, depois de Spurgeon. O livro Jonathan Edwards: A New Biography (Edinburgh: Banner of Truth, 1987, p. 454), escrito por Iain Murray, documenta a mesma coisa: “As convicções calvinistas empalideceram na América do Norte. No andamento do declínio que
Dez efeitos de crer nas doutrinas da graça
Edwards antecipara corretamente, aquelas igrejas congregacionais da Nova Inglaterra que tinham abraçado o arminianismo, depois do Grande Avivamento, moveram-se gradualmente ao unitarismo e ao universalismo, lideradas por Charles Chauncy”. No livro Quest for Godliness (Wheaton, IL: Crossway Books, 1990, p. 160), escrito por J. I. Packer, você pode perceber como Richard Baxter abandonou estes ensinos e como as gerações seguintes tiveram uma colheita horrível na igreja de Baxter, em Kidderminster. Estas doutrinas são uma proteção contra os ensinos centrados no homem que, sob muitas formas, corrompem gradualmente a igreja, tornando-a fraca em seu interior, enquanto parece forte e popular. 1 Timóteo 3.15 — “Para que, se eu tardar, fiques ciente de como se deve proceder na casa de Deus, que é a igreja do Deus vivo, coluna e baluarte da verdade”. 5. Estas verdades fazem-me gemer diante da indescritível enfermidade de nossa cultura secular que milita contra Deus. Não posso ler o jornal, assistir a uma propaganda na TV ou ver um outdoor sem o intenso pesar de que Deus está ausente. Quando Ele, a principal realidade do universo, é tratado como se não existisse, tremo ao pensar na ira que está sendo acumulada. Fico chocado. Tantos cristãos estão sedados pela mesma droga que entorpece o mundo. Mas estes ensinos são um antídoto poderoso.
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Oro por um despertamento e avivamento. Esforço-me para pregar tendo em vista criar um povo tão impregnado de Deus, que O mostrará e falará sobre Ele onde quer que esteja, em todo o tempo. Existimos para afirmar a realidade de Deus e a sua supremacia em toda a vida. 6. Estas verdades tornam-me confiante de que a obra planejada e começada por Deus chegará ao final — tanto no que diz respeito ao universo como ao indivíduo. Este é o argumento de Romanos 8.28-39: “Sabemos que todas as coisas cooperam para o bem daqueles que amam a Deus, daqueles que são chamados segundo o seu propósito. Porquanto aos que de antemão conheceu, também os predestinou para serem conformes à imagem de seu Filho, a fim de que ele seja o primogênito entre muitos irmãos. E aos que predestinou, a esses também chamou; e aos que chamou, a esses também justificou; e aos que justificou, a esses também glorificou. Que diremos, pois, à vista destas coisas? Se Deus é por nós, quem será contra nós? Aquele que não poupou o seu próprio Filho, antes, por todos nós o entregou, porventura, não nos dará graciosamente com ele todas as coisas? Quem intentará acusação contra os eleitos de Deus? É Deus quem os justifica. Quem os condenará? É Cristo Jesus quem morreu ou, antes, quem ressuscitou, o qual está à direita de Deus e também intercede por nós. Quem nos separará do amor de Cristo? Será tribulação, ou angústia, ou persegui-
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ção, ou fome, ou nudez, ou perigo, ou espada? Como está escrito: Por amor de ti, somos entregues à morte o dia todo, fomos considerados como ovelhas para o matadouro. Em todas estas coisas, porém, somos mais que vencedores, por meio daquele que nos amou. Porque eu estou bem certo de que nem a morte, nem a vida, nem os anjos, nem os principados, nem as coisas do presente, nem do porvir, nem os poderes, nem a altura, nem a profundidade, nem qualquer outra criatura poderá separar-nos do amor de Deus, que está em Cristo Jesus, nosso Senhor”. 7. Estas verdades fazem com que eu veja todas as coisas à luz dos propósitos soberanos de Deus: dEle, por meio dEle e para Ele são todas as coisas; a Ele seja a glória para sempre e sempre. Todas as coisas da vida se relacionam a Deus. Não há qualquer aspecto de nossa vida em que Ele não seja extremamente importante — Aquele que dá sentido a tudo (cf. 1 Co 10.31). Ver os propósitos soberanos de Deus sendo desenvolvidos nas Escrituras e ouvir o apóstolo Paulo dizendo: Ele “faz todas as coisas conforme o conselho da sua vontade” (Ef 1.11) faz-me perceber o mundo desta maneira. 8. Estas verdades enchem-me da esperança de que Deus tem vontade, direito e poder de responder as súplicas para que pessoas sejam mudadas. A garantia da oração é que Deus pode irromper e mudar as coisas —
incluindo o coração humano. Pode transformar a vontade. “Santificado seja o teu nome” significa faze as pessoas santificarem o teu nome. “Que a tua palavra se propague e seja glorificada” significa faze os corações abrirem-se para o evangelho. Devemos tomar as promessas da nova aliança e rogar a Deus que sejam trazidas à realização em nossos filhos, vizinhos e todos os campos missionários do mundo. “Ó Deus, remove deles o coração de pedra e dá-lhes um coração de carne” (Ez 11.19). “Senhor, circuncida o coração deles para que Te amem” (Dt 30.6). “Ó Pai, coloca dentro deles o teu Espírito e faze-os andar nos teus estatutos” (Ez 36.27). “Senhor, concede-lhes arrependimento e conhecimento da verdade, para que fiquem livres das armadilhas do diabo” (2 Tm 2.25-26). “Pai, abre-lhes o coração para crerem no evangelho” (At 16.14). 9. Estas verdades recordam-me que o evangelismo é absolutamente essencial para que as pessoas venham a Cristo e sejam salvas. Recordam-me também que há esperança de sucesso em levar as pessoas à fé e que, em última análise, a conversão não depende de mim, nem está limitada à insensibilidade do incrédulo. Portanto, isso nos proporciona esperança na evangelização, especialmente em lugares difíceis e entre pessoas de coração empedernido. “Ainda tenho outras ovelhas, não deste aprisco; a mim me convém conduzi-las; elas ouvirão a minha
Dez efeitos de crer nas doutrinas da graça
voz” (Jo 10.16). É a obra de Deus. Dedique-se a ela com resignação. 10. Estas verdades deixam-me convicto de que Deus triunfará no final. “Lembrai-vos das coisas passadas da antiguidade: que eu sou Deus, e não há outro, eu sou Deus, e não há outro semelhante a mim; que desde o princípio anuncio o que há de
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acontecer e desde a antiguidade, as coisas que ainda não sucederam; que digo: o meu conselho permanecerá de pé, farei toda a minha vontade” (Is 46.9-10). Reunindo todas estas verdades: Deus recebe a glória, e nós, o gozo. Agradecemos a contribuição do Ministério Desiring God www.desiringgod.org
Sempre explicando o texto Do começo ao fim de seu ministério, Calvino manteve sua pregação singularmente focalizada na explicação do significado planejado por Deus para o texto bíblico. Esta era a essência de seu trabalho no púlpito. Como Parker escreveu: “A pregação expositiva consiste na explanação e aplicação de uma passagem das Escrituras. Sem explanação ela não é expositiva; sem aplicação ela não é pregação”. Calvino dedicou-se com rigor a esta tarefa. Ele sempre explicava o texto, sempre fazia conhecido seu verdadeiro significado, e sempre fazia aplicações fundamentadas em interpretações precisas. Ele acreditava que somente quando a explanação era dada de forma apropriada, o sermão podia progredir com o efeito transformador de vidas. É nisto que os expositores da Palavra devem investir suas maiores energias. Devem se comprometer a estudar vigorosamente o texto bíblico e extrair de suas minas profundas as insondáveis riquezas da interpretação apropriada. Este era o foco da pregação de Calvino, e continua sendo o sine qua non de toda exposição verdadeira da atualidade. Que nesta hora Deus levante um exército de expositores bíblicos que estejam arraigados na Palavra e concentrados em explicar seu verdadeiro significado. Que eles esclareçam com cuidado o exato propósito da Palavra para os santos, os quais encontram-se famintos dela. Extraído do livro: A Arte Expositiva de João Calvino, de Steven Lawson (Editora FIEL, São José dos Campos, SP - 2009)
Uma perspectiva sobre a implantação de igreja Phil A. Newton
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á 22 anos, quando comecei a fazer planos de mudar do pastorado no Alabama para implantar uma igreja em Memphis, um colega de ministério me olhou com admiração. E perguntou, gracejando: “Você quer plantar uma igreja em Memphis? Lá existem mais igrejas do que postos de gasolina”. Não estou certo quanto às estatísticas referentes a igrejas em relação a postos de gasolina, mas ele estava correto quando disse que Memphis tinha inúmeras igrejas. Naquela época, na segunda metade dos anos 1980, havia 125 igrejas somente dos batistas do Sul. Contudo, a teoria de meu colega se deparou com silêncio espantoso, quando lhe disse que o número de igrejas da Convenção Batista do Sul permanecera quase inalterado, enquanto a população da cidade quadruplicara. Memphis não está sozinha nesta
categoria. Embora, felizmente, o número de igrejas da Convenção Batista do Sul tenha aumentado em mais do que vinte, desde que mudei para Memphis, isso atende apenas superficialmente a carência de nossa comunidade. Quando implantávamos uma igreja em South Woods, eu trabalhava simultaneamente em meu doutorado em ministério, concentrando-me em implantar igrejas nos estados mais ao sul. Concluí que, levando em conta o projeto de crescimento da população nos 20 anos seguintes, precisaríamos pelo menos de 29.000 igrejas naqueles estados, somente para manter-nos em harmonia com o crescimento populacional. E isso não levava em conta as populações e comunidades que não tinham igrejas centralizadas no evangelho. Pense nos enormes centros populacionais no leste, nordeste, meio oeste, oeste e as regiões do Cinturão do Sol. As 29.000 novas igrejas
Uma perspectiva sobre a implantação de igreja
seriam a proverbial gota no balde! No entanto, desejo fazer uma observação. O alvo da implantação de igrejas nunca deve ser apenas o começar uma igreja, especialmente se pensamos na igreja como uma reunião religiosa daqueles que confessam a fé cristã. Já temos muito desse tipo de reunião religiosa! A igreja, eu insisto, é uma congregação de pessoas regeneradas, reunidas em um pacto mútuo para ouvir a exposição regular da Palavra, exercer disciplina, observar as ordenanças do batismo e da Ceia do Senhor, manter um ministério focalizado intencionalmente no evangelho (incluindo missões) e organizar a igreja de acordo com a revelação das Escrituras (ou seja, o governo da igreja não é deixado ao acaso, e sim determinado pelas Escrituras). Penso que isso pode restringir muito do que se realiza em nome do implantar igrejas! Se ampliarmos nossa visão quanto à implantação de igreja e incluirmos o mundo, ficaremos pasmados com o crescimento populacional e os grupos étnicos e linguísticos que não têm igrejas locais. Milhões de novas igrejas são necessárias para satisfazer essa necessidade urgente do evangelho em todo o mundo. Esse é um assunto mais amplo do que podemos assimilar neste artigo ou mesmo nas prioridades das igrejas locais. Portanto, focalizaremos em implantar igrejas em nossa própria comunidade. Pensar em envolver-se na implantação de igrejas é uma idéia realista para a sua igreja? Frequentemente, relegamos a tarefa de plantar igrejas à diretoria de missões da denominação; mas isso
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significa entregar a responsabilidade da igreja a uma instituição, e não ao organismo vivo da igreja local. Embora as agências missionárias denominacionais possam facilitar a implantação de igrejas, provendo estudos demográficos, treinamento de líderes e consultas, são as igrejas que implantam igrejas. Não podemos ficar satisfeitos por enviarmos algumas ofertas para a denominação, para que eles implantem igrejas. Não, isso é nossa responsabilidade. Talvez não sejamos capazes de estabelecer sozinhos uma igreja, mas podemos nos unir com outras de mesmo pensamento para estabelecermos novas igrejas, centradas no evangelho. Examinemos essa idéia de implantar igrejas tendo em vista o envolvimento de todas as nossas igrejas. Por que implantar igrejas? É óbvio que não podemos simplesmente começar uma campanha de implantar igrejas, porque não existem igrejas suficientes. Não somos uma franquia de alimentos ou uma loja de departamentos que tenta estender sua marca de produtos para outras regiões. Somos a igreja do Senhor Jesus Cristo. Fomos comprados por preço, o sangue de Cristo. Fomos estabelecidos pelo Senhor da igreja como missionários para proclamar o evangelho. Fomos colocados de modo estratégico como sal e luz no mundo. Um dia nos reuniremos coletivamente diante do trono de Deus e do Cordeiro e exultaremos para sempre em sua graça. Então, o que fazemos é bem diferente
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do mercado de marketing. Quando a igreja sucumbe à filosofia de marketing, ela substitui a dependência do evangelho por técnicas centralizadas no homem. Em vez disso, temos de convencer-nos de que implantar igrejas é bíblico; portanto, necessário e abençoado por Deus. Preocupações bíblicas e teológicas Minha firme convicção, resultante do estudo das Escrituras, é que não podemos ter uma teologia ou uma metodologia correta de evangelismo sem a igreja. Não estou dizendo que as pessoas só podem ser salvas se fizerem parte de uma estrutura eclesiástica. Contudo, estou dizendo que nosso evangelismo tem de ser feito no relacionamento com a igreja. Leon Morris escreveu: “A salvação é social. Envolve todo o povo de Deus”. Ele prossegue e explica a continuidade de crentes no Antigo e no Novo Testamento. Mais do que isso, temos continuidade com aqueles que vivem presentemente, de modo que somos salvos em relacionamento com a igreja.1 Implantar igrejas não é um fenômeno novo. Originou-se quando o evangelho se moveu de Jerusalém para a Judéia, Samaria e as partes mais remotas da terra. O livro de Atos apóia o implantar igrejas! Embora alguns possam sugerir que é imprudente construir uma teologia baseada no livro de Atos, quando pensamos no assunto de implantar igrejas, é ali que encontramos a maioria das evidências dessa obra. Ainda que Atos não tenha sido escrito na forma de epístola, as suas
narrativas nos mostram — sem os detalhes — igrejas sendo implantadas uma após outra, à medida que os crentes evangelizavam o mundo. Eles não sabiam nada sobre expandir a evangelização sem a implantação de igrejas. A comissão que Cristo deu à sua igreja, descrevendo o mandato missionário, não pode ser cumprida sem a implantação de igrejas (ou seja, se não existe alguma igreja entre os povos evangelizados). Mateus 28.19-20 demanda o fazer discípulos, o batizar e o ensinar continuamente os crentes, a fim de que aprendam fidelidade e obediência ao Senhor da igreja. Grupos paraeclesiásticos não são chamados nem estão equipados para essa obra. Ela pertence à igreja, que deve incluir a implantação de igrejas em seus planos evangelísticos e missionários. Rolland Allen, missionário anglicano que serviu na China e na África, no início do século XX, resumiu corretamente o mandato teológico de implantar igrejas, expresso no livro de Atos. É impossível que o breve relato, apresentado cuidadosamente por Lucas, sobre a implantação de igrejas nas Quatro Regiões não tivesse mais do que um mero interesse histórico e arqueológico. Assim como o restante das Escrituras, ele foi “escrito para o nosso ensino”. Certamente o seu propósito era ser algo mais do que uma história emocionante de um homem extraordinário, fazendo coisas extraordinárias, em circunstâncias extraordinárias — uma história da qual, posteriormente, as pessoas não obteriam mais instrução do que a receberiam da história de El Cid ou
Uma perspectiva sobre a implantação de igreja
das façanhas do rei Arthur. Foi escrito realmente com o propósito de prover luz ao caminho daqueles que viriam depois.2 Com isso em mente, façamos uma análise rápida do livro de Atos e vejamos as implicações e as evidências de implantar igrejas que ali encontramos. Atos 1.8 reitera a Grande Comissão já mencionada. Cristo não designou a igreja para obter decisões, e sim para fazer discípulos sob o poder do Espírito Santo. Essa obra não pode acontecer sem que congregações assumam o papel de fazer discípulos, instruir constantemente, exigir responsabilidade e praticar a disciplina corretiva de crentes. Atos 2.37-47 mostra o começo da igreja em Jerusalém, manifestando todos os elementos que Jesus recomendou na Grande Comissão. Eles fizeram discípulos por meio da pregação clara do evangelho, ministrada por Pedro e os apóstolos. Batizaram os novos crentes (v. 41) e persistiram no ensino sistemático (v. 42) e na expansão evangelística regular (v. 47). A perseguição surgiu depois da morte de Estêvão, pela qual a igreja de Jerusalém foi dispersa “pelas regiões da Judéia e Samaria” (At 8.1). “Entrementes, os que foram dispersos iam por toda parte pregando a palavra”, incluindo Filipe, que pregou o evangelho em Samaria e estabeleceu a primeira igreja entre os samaritanos (At 8.4-24). Embora sempre desejemos mais comentários, os escritores bíblicos nos dão apenas o que necessitamos. Depois da conversão de Saulo, Lucas comentou: “A igreja, na verdade, tinha paz por toda a Judéia,
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Galiléia e Samaria, edificando-se e caminhando no temor do Senhor, e, no conforto do Espírito Santo, crescia em número” (At 9.31 — ênfase acrescentada). Por meio dessa afirmação notável, Lucas condensou em um versículo o primeiro movimento de implantação de igrejas na igreja primitiva! A igreja, vista como o corpo de Cristo, continuava a crescer corporativamente, enquanto congregações locais eram estabelecidas em Jerusalém, na Judéia, Galiléia e Samaria. Ao narrar a conversão de Cornélio, Atos 10 nos mostra o começo da igreja em Cesaréia, uma igreja estabelecida com os novos crentes gentios. Pedro ordenou o batismo daquelas pessoas, que evidenciavam ter nascido de novo (v. 48). Atos 11.19-26 nos conta a história de como o evangelho chegou a Antioquia. A igreja de Jerusalém foi informada das notícias sobre esse movimento do evangelho e lhes enviou Barnabé para liderá-los. Ele, por sua vez, procurou Saulo de Tarso, a fim de auxiliá-lo. Juntos, “por todo um ano, se reuniram naquela igreja e ensinaram numerosa multidão” (At 11.26 — ênfase acrescentada). Admirável é o fato de que Lucas não precisou parar o relato e explicar a grande expansão das novas igrejas. Ele apenas afirmou o óbvio. Dentre as igrejas gentílicas do século I, a de Antioquia foi a que estabeleceu novas igrejas mais do que qualquer outra. Como igreja que enviava, eles comissionaram Paulo e Barnabé a levarem o evangelho à região da Galácia. Vemos que eles plantaram igrejas em Antioquia da
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Pisídia (At 13.44-49), Derbe, Listra e Icônio (At 14.20-21). Não deixaram as igrejas sem liderança e estrutura. “E, promovendo-lhes, em cada igreja, a eleição de presbíteros, depois de orar com jejuns, os encomendaram ao Senhor em quem haviam crido” (At 14.23 — ênfase acrescentada). Esses primeiros missionários consideraram a estrutura de liderança uma marca essencial das igrejas cristãs. A carta que os apóstolos e presbíteros de Jerusalém mandaram às novas igrejas, a fim corrigir o problema semeado pelos judaizantes, foi dirigida “aos irmãos de entre os gentios em Antioquia, Síria e Cilícia” (At 15.23). Isso evidenciou que havia igrejas plantadas nas regiões da Síria e da Cilícia, sendo Antioquia a capital.3 Paulo e Silas levaram a carta às igrejas estabelecidas na região da Galácia, “para que... observassem as decisões tomadas pelos apóstolos e presbíteros de Jerusalém” (At 16.4). O movimento do evangelho para além da Galácia (a moderna Turquia), chegando à Europa, aconteceu com a visão da chamada de Paulo à Macedônia, para que os ajudasse (16.9). Consequentemente, a primeira igreja da Europa foi estabelecida em Filipos (16.11-40). De Filipos, as igrejas chegaram a Tessalônica e Beréia (17.1-15), Corinto e Éfeso (18.1-11; 19.1-10). Indicações de igrejas em Trôade (20.7-12), Tiro (21.3-5), Ptolemaida (21.7) e Cesaréia (21.8-14) demonstram que, onde o evangelho penetrava com poder, igrejas eram implantadas. Quando Paulo chegou em Roma (At 28.1516), encontrou-se com “os irmãos”,
uma maneira simples de se referir à igreja já estabelecida na capital. As epístolas nos dão evidência de igrejas na Galácia, Éfeso, Filipos, Colossos, Laodicéia (Cl 4.16), Tessalônica e Creta (Tt 1.5), bem como das congregações dispersas às quais Tiago e Pedro escreveram, inclusive aquelas localizadas no Ponto, Galácia, Capadócia, Ásia e Bitínia (1 Pe 1.1). Em Apocalipse 1.11, João identificou sete igrejas específicas na Ásia Menor, incluindo Esmirna, Pérgamo, Tiatira, Sardes e Filadélfia. Nosso Senhor se dirigiu às sete igrejas para abordar questões específicas de doutrina, disciplina, perseguição, pureza e assuntos pertinentes a cada uma delas, que haviam sido estabelecidas por Paulo ou qualquer outro dos evangelistas da igreja primitiva (Ap 2-3). Aonde quer que os discípulos fossem dispersos com o evangelho, eles procuravam estabelecer novas igrejas. Essa análise da implantação de igrejas no livro de Atos, com evidências adicionais das epístolas, indica o padrão da expansão do evangelho para cada época. Felizmente, visto que muitas igrejas têm sido implantadas ao redor do mundo, podemos unir novos crentes com igrejas estabelecidas. A propagação do evangelho acontece a partir de igrejas evangélicas já existentes. Onde não há congregações, podemos insistir que ali não há evangelismo bíblico apropriado, até que igrejas sejam implantadas tendo em vista o crescimento permanente, a nutrição e o ministério dos novos crentes. Abolir a implantação de igrejas, enquanto nos envolvemos em obras
Uma perspectiva sobre a implantação de igreja
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evangelísticas em áreas que care- retornam ao paganismo. Contudo, cem de igrejas centradas no evan- Paulo não reunia congregações; ele gelho, significa não compreender o implantava igrejas e não as deixava ensino concernente à evangelização até que estivessem plenamente equibíblica. Os novos crentes precisam padas com ministério, ordenanças e ser integrados em rebanhos locais, tradição (ênfase acrescentada).4 Fazendo concessões ao anglicae, onde não houver um rebanho, o evangelista sábio estabelecerá novas nismo de Allen, creio que ele está igrejas. Sua obra não é completa até dizendo algo correto sobre este asque uma igreja ali exista, para nutrir sunto. Quando observamos a metoe envolver os novos crentes no mi- dologia de Paulo na evangelização, nistério do evangelho. Rolland Allen descobrimos que ela se focalizava diagnosticou este problema há quase na implantação de igrejas. Plantar igrejas não era um subproduto da um século. Muitos têm vagueado pelo mun- evangelização de Paulo; antes, era o do, pregando a Palavra, não lançando seu ponto central — ou seja, o ponto nenhum alicerce firme, não estabele- que Allen ressaltou com clareza. Não pretendo sugerir que a imcendo nada permanente, não deixando após si uma sociedade instruída; plantação de igreja tem de acontecer e têm reivindicado para seus absur- em todo labor evangelístico. Pelo contrário, se em dos a autoridade determinada área de Paulo... pesMinha firme convicção, não existem igresoas têm adotado resultante do estudo das jas focalizadas os fragmentos Escrituras, é que não no evangelho, a dos métodos de Paulo e tentado podemos ter uma teologia implantação de uma igreja tem incorporá-los ao ou uma metodologia de ser empreenseus sistemas esquisitos; e o fra- correta de evangelismo sem dida; e, se existe a igreja. uma aparência de casso resultante igreja, a obra de têm sido usado como argumento contra os métodos reforma precisa ser levada avante, para trazer vida a igrejas letárgicas do apóstolo. Por exemplo, pessoas têm bati- e teologicamente anêmicas. Em ouzado convertidos não instruídos, e tras palavras, nosso alvo não deve esses convertidos têm abandonado o ser apenas ganhar convertidos, e sim evangelho; mas Paulo não batizava fazer discípulos — e isso não pode convertidos não instruídos sem usar ocorrer sem a existência de igrejas. como base um sistema de responsaPreocupações geográficas bilidade mútua que garantia a instruÀs vezes, condições geográficas ção deles. Mais uma vez, eles têm reunido congregações e permitido demandam novas igrejas. As comuque se desviem por si mesmas; e o nidades mudam; pessoas deixam resultado é que essas congregações certo lugar, enquanto outras vão
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para lá. Algumas igrejas são capazes de adaptar-se a mudanças; outras não. Quando elas não se adaptam, não devemos evitar a implantação de igrejas novas onde existem antigas. Onde as igrejas abandonaram o evangelho cristão, não devemos nos envergonhar de estabelecer novas igrejas, centradas no evangelho. Há vários anos, Stan Reeves e eu estávamos hospedados juntos durante um encontro. Gastamos maior parte de nosso tempo livre falando sobre o seu intenso desejo de implantar uma igreja batista reformada na cidade de Auburn, no Alabama. Embora existissem diversas igrejas batista em Auburn, nenhuma delas era distintivamente reformada, em sua teologia, adoração e ministério. Embora houvesse várias igrejas reformadas, nenhuma delas era distintivamente batista, defensora do credo-batismo. Stan, que era um professor de engenharia elétrica em Auburn, tinha um desejo ardente de envolver-se na implantação de uma igreja batista reformada que teria um grande alcance na universidade e nas comunidades vizinhas. Outra família se uniu a ele nesse interesse, colocando seus recursos e energia no processo de estabelecer uma nova igreja. Depois de alguns anos, Paul Stith mudou-se com sua família para Auburn, a fim de começar a pastorear a nova igreja. Stan e Paul reuniram-se com pastores de igrejas batistas e presbiterianas, para lhes informar os planos específicos e pedir o apoio de suas orações. Eles obtiveram receptividade e encorajamento daqueles pastores. A Grace Heritage Church surgiu e continua a
servir a Cristo em Auburn. Memphis tem uma população de quase um milhão de pessoas e conta com centenas de igrejas. Nem todas as igrejas proclamam fielmente o evangelho de Cristo, ou expõem com regularidade as Escrituras, ou disciplinam seus membros, ou fazem uso correto das ordenanças, ou praticam o governo bíblico da igreja, ou mantêm um ministério focalizado no evangelho. Não é o número de igrejas em Memphis que deve ser levado em conta, quando alguém pensa em implantar uma igreja nesta cidade do Sul. Em vez disso, a implantação de igreja deve ser relacionada com o impacto evangélico que as igrejas existentes estão causando. Se não estão penetrando as trevas, ou novas igrejas precisam ser implantadas, ou as igrejas existentes precisam de reforma. Ambas as obras são importantes e necessárias. Ambas exigem estratégias inundadas de oração. Ambas demandam liderança com virtudes específicas: uma liderança que tenha paciência e habilidade de nutrir, para implantar uma nova igreja; outra liderança que tenha paciência e habilidade de diplomacia, para lançar os alicerces da reforma bíblica. Mudanças demográficas no centro de Memphis deixaram aquela área da cidade com pouco testemunho do evangelho. Por isso, alguns anos atrás, Jordan Thomas, um homem criado do outro lado do rio, além de Memphis, retornou para implantar uma igreja na cidade. Ele serviu anteriormente como membro da diretoria de uma igreja na área em que residia e se deparou com o
Uma perspectiva sobre a implantação de igreja
fervor anti-calvinista da liderança de sua igreja. Confrontando-se com a desagradável realidade de uma igreja que não apreciava seu ministério bíblico ou as doutrinas da graça, Jordan viu nisto um ato da providência de Deus e uma oportunidade para treinamento adicional no Bethlehem Institute, em Minneapolis. Depois de receber o treinamento sob o ministério de John Piper e da equipe da Bethlehem Baptist Church, Jordan retornou a Memphis com dois amigos, e começaram a Grace Church. Localizada bem em frente do rio, a igreja de Jordan focaliza seu ministério em pessoas que vivem em seus arredores: pedintes, moradores em casas populares, como também aqueles que vivem em apartamentos e casas luxuosos à margem do rio Mississipi. Reunindo-se semanalmente em um espaço alugado, a Grace Church procura servir a Cristo e ao seu evangelho com um testemunho distintivamente batista reformado na cidade de Memphis. Numa comunidade onde há muitos prédios de igrejas que têm congregações doentes, manquejando com impulsos de adoração cristã, sem um verdadeiro ministério do evangelho, sem paixão pelos perdidos, sem espírito missionário, sem pessoas dispostas a envolver a cultura com o evangelho, este é o momento de implantar uma igreja. No entanto, o alvo primordial não é menosprezar as igrejas existentes. Talvez, pela misericórdia de Deus, as igrejas letárgicas existentes sejam revigoradas por uma nova igreja estabelecida nos arredores. A nova igreja se focalizará em alcançar os
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incrédulos que as igrejas existentes não estão alcançando. E se tornará um refúgio para os crentes famintos do evangelho que lutam em meio a sua membresia em igrejas evangélicas fracas. Considerações doxológicas Acompanhando as razões bíblicas, teológicas e geográficas para a implantação de novas igrejas, há o desejo de ver a Cristo magnificado e honrado por meio de igrejas que são corajosamente norteadas pelo evangelho. As novas igrejas focalizadas no evangelho não se dedicam às últimas tendências ou a artifícios que atraem pessoas desinteressadas; antes, essas igrejas procuram manifestar em seus relacionamentos, adoração, pregação e ministério a centralidade da glória de Cristo na igreja. Infelizmente, muitas das igrejas já existentes estão destituídas da glória de Cristo. Elas têm organização, programas, liturgia e dinheiro, mas não têm o aroma de Cristo e de seu evangelho. Podem apresentar números e reivindicar convertidos, mas falta-lhes as marcas distintivas de uma igreja bíblica. Uma situação assim é uma ocasião para plantar uma nova igreja, por causa da glória de Cristo. O Novo Testamento apresenta muitas imagens para descrever a igreja: o templo de Deus (1 Co 3.16), o corpo de Cristo (1 Co 12.27), a família de Deus (Ef 2.19), a habitação de Deus em Espírito (Ef 2.22), a coluna e baluarte da verdade (1 Tm 3.15) e a esposa de Cristo (Ef 5.25-32; Ap 19.7-9). Esta última figura da igreja — a esposa de Cris-
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to — nos lembra o alvo permanente que deve motivar a organização e o ministério de nossa igreja. Em vez de ser moldada pelas técnicas de marketing do mundo, a igreja tem de se preparar para o casamento eterno com Cristo. Ele se deu a Si mesmo pela igreja, para a santificar e purificar, “por meio da lavagem de água pela palavra, para a apresentar a si mesmo igreja gloriosa, sem mácula, nem ruga, nem coisa semelhante, porém santa e sem defeito” (Ef 5.2527). Entretanto, muitas igrejas não evidenciam a obra santificadora de Cristo. Será que elas não são apenas organizações eclesiásticas que possuem nomes cristãos? Novas igrejas têm de ser plantadas, igrejas que vivam com a paixão de fazer tudo que fazem para a glória de Cristo. Por que não plantar igrejas? Nos últimos vinte anos, depois de plantar a igreja que atualmente pastoreio, tenho estimulado muitos pastores e futuros pastores a se engajarem na implantação de igrejas. Algo que me preocupa em muitas das conversas são as razões fundamentais para implantarmos igrejas. Às vezes, a razão para fazermos isso não é bastante sensata para nos arriscarmos ao processo. Desejo oferecer algumas razões que nos mostram quando não devemos implantar igrejas. Primeiramente, não estabeleça uma igreja somente para escapar dos problemas do pastorado. Talvez um irmão se depare com a extensa e desgastante obra de reforma bíblica. Isso é um desafio desanimador — mas necessário. Não resolveremos nossos problemas por implantarmos
uma nova igreja. Temos de apenas de carregar os nossos próprios fardos! Outros lidam com o problema da membresia da igreja, com a redução do seu rol de membros ou com o exercício da disciplina sobre os membros que erram. Essas são questões monumentais! Quem pode culpar os outros de fugirem delas, a menos que ele, de fato, seja chamado por Deus para pastorear o rebanho? Escapar das dificuldades através da implantação de uma nova igreja apenas nos garantirá que teremos outros tipos de dificuldades. Tenho de admitir: quando mudei para Memphis a fim de implantar uma igreja, depois de pastorear três outras igrejas, achava que deixaria para trás muitos dos problemas típicos enfrentados pelos pastores da Convenção Batista do Sul: diáconos despreparados, organização medíocre, estruturas de autoridade, brigas por espaço nos ministérios da igreja, assembléias vergonhosas, citando apenas alguns dos problemas. Deixei para trás essas coisas, mas herdei outras dificuldades que são comuns ao início de igrejas, problemas tais como estruturas de autoridade (parece familiar), conflitos de relacionamento, problemas relacionados ao prédio, questões de liderança, nenhuma organização, etc. Você não pode escapar. Os problemas surgem com a expansão. As pessoas trazem os problemas. Mas essa é a razão por que Deus nos chamou à obra — levarmos a igreja a Cristo e à sua glória em todas as coisas; sermos exemplo de piedade em tempos difíceis; alimentarmos o rebanho com a Palavra de Deus, forta-
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lecendo-o e admoestando-o a seguir nova igreja talvez seja necessária. Eu a Cristo, e aplicarmos o evangelho a disse talvez, porque as questões doucada área da vida e do ministério. trinárias podem ser resolvidas com Em segundo, não plante uma ensino paciente e humilde. Nunca se igreja motivado por impulso. Não há precipite a implantar uma igreja num qualquer estratégia envolvida, nem momento de impulsividade. Procure mesmo uma preocupação crescente demonstrar o espírito de Cristo em produzida pelo Espírito, mas somen- todas as coisas. Quando problemas te uma desordem que clama por so- sérios relacionados à doutrina e ao lução imediata. Começar uma nova evangelho não podem ser resolviigreja parece o único caminho a se- dos, deve haver divisão, por causa guir. Divisões em igrejas produzem da glória de Cristo na comunidade. muitas igrejas novas! Os problemas E, nessas condições, a nova igrefermentam, os conflitos explodem, os ja nunca deve comportar-se com membros escolhem a sua posição, e orgulho de ser a verdadeira igreja. pronto! Uma nova igreja é formada! Problemas também podem surgir à Apresso-me em ressaltar que nova igreja; portanto, tenha cuidado muitas igrejas em começar com boas começaram humildade uma Infelizmente, muitas como resultado nova igreja. das igrejas já existentes de divisões! EsEm terceiro, estão destituídas da sas igrejas têm não estabeleça glória de Cristo. Elas têm uma igreja como razões legítimas para o seu comeum remédio para organização, programas, ço somente se, proliturgia e dinheiro, mas não solucionar com base na verblemas. Esse idedade, esgotam-se têm o aroma de Cristo e de alismo exalta o seu evangelho. todos os meios homem, e não o de promover a Senhor da igreja. reconciliação. Se a divisão ocorre Os pecadores sempre fazem atrapapor causa de discordância sobre a lhadas, incluindo os que implantam cor do tapete, ou o horário de come- igrejas! Novas igrejas têm os seus çar a Escola Dominical, ou dar um próprios problemas. Embora eu penaumento aos empregados da igreja, sasse que evitaria muitos dos problea humildade e o arrependimento tem mas desagradáveis que enfrentei em de prevalecer sobre a saída abrupta pastorados anteriores, ainda tenho para começar uma nova igreja. No me deparado com planos secretos, entanto, se ocorre uma divisão por crenças estranhas e não ortodoxas, causa do que é o evangelho, ou das conflitos de personalidades, prodoutrinas essenciais da fé, ou da li- blemas de liderança, dificuldades derança eclesiástica bíblica, ou de financeiras e muitas outras quesmanter uma membresia de pessoas tões. Começar uma nova igreja não regeneradas, ou de exercer a disci- elimina os problemas, a menos que plina eclesiástica bíblica, então, uma eliminemos as pessoas; e esse não é
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objetivo de uma nova igreja! Finalmente, não plante uma igreja, necessariamente, porque isso parece ser a única opção para exercer o pastorado. Tenho me deparado com homens que não foram capazes de conseguir um pastorado de outra forma. Por isso, viram o implantar igreja como o único meio de ter um púlpito. Ora, isso suscita um problema importante: o fato de que há mais candidatos ao pastorado do que igrejas abertas é uma indicação clara de que alguns dos que esperam por um pastorado precisam implantar igrejas. Mas não todos eles. Alguns precisam ser amadurecidos antes de se lançarem à implantação de uma nova igreja. Não precisamos começar igrejas para acomodar homens, e sim para glorificar e exaltar a Cristo. Alguns homens não têm os dons e a vocação para pastorear; apesar disso, eles acham que devem ter uma igreja. Outros são ásperos e inflamadores, tendo causado divisões por meio de sua personalidade fraca. Por isso, tentam implantar uma igreja em que todos cooperarão com eles e ignorarão sua personalidade não santificada. Começar uma igreja para acomodar esse tipo de homem é totalmente inapropriado. Quando alguém me faz perguntas sobre implantação de igreja, comumente investigo os seus motivos. Por que deseja implantar uma igreja? Por que começar do nada, sem história ou tradição, sem estrutura de liderança ou organização educacional, sem apoio ou recursos financeiros, sem ministério de crianças ou de jovens, sem prédio ou lugar conveniente? Por quê? Eu condensaria
os motivos corretos em dois. Primeiro: você percebe a necessidade de uma nova igreja, não para escapar de problemas, e sim para estabelecer um ministério bíblico que alcance as pessoas, por causa do reino de Deus. A necessidade não é a sua carência de um ministério, e sim o amor à glória de Cristo entre as pessoas, para que o nome dEle seja honrado. Segundo, você sente uma chamada de Deus, em sua vida, para realizar esta obra. Essa chamada talvez não seja tão forte como sua chamada ao ministério, mas ela é muito real em sua vida. Você a avalia e coloca-a à prova. Examina os seus motivos e considera as exigências envolvidas; nada do que foi avaliado o impede de plantar uma igreja. Você avalia o seu senso de chamada com sua esposa e mentores espirituais. Eles reconhecem a preparação de Deus em sua vida e as habilidades especiais que lhe foram outorgadas para essa obra. Você está disposto a arriscar tudo por causa do estabelecimento de uma nova igreja, para a glória de Cristo. Somente depois de fazer essa avaliação, você estará pronto a mover-se à implantação da igreja. Talvez você ache que estou procurando desanimar os irmãos a implantarem igrejas. Não, de maneira alguma. Estou interessado em que meus irmãos entendam as exigências de Cristo, enquanto pensam sobre a implantação de igrejas. Vocês exercerão funções diferentes: pregador, pastor, organizador, educador, conselheiro, motivador, planejador, líder de grupos, tutor, nutridor, treinador, etc. Devem estar dispostos a trabalhar com dedicação, por longas
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horas, e, às vezes, assumir outro tra- começa normalmente com uma pesbalho para atender às necessidades soa. Talvez não tenha havido muitas da família. Devem estar dispostos assembléias administrativas em que a confiar nos outros que se unirão a várias pessoas se levantaram esponvocês, compartilhando o fardo, dis- taneamente e recomendaram o cotribuindo sabiamente as responsabi- meçar uma nova igreja. Somente se lidades, treinando os líderes, inves- alguém gastou tempo em refletir sotindo em pessoas e cultivando en- bre essa necessidade, ela virá à tona sinadores. Têm de ser responsáveis em uma assembléia da igreja. Talvez aos outros nos aspectos espiritual, seja o pastor, ou um presbítero, ou financeiro, moral, ético e eclesioló- outro líder quem verá a necessidade gico. Precisam ser comprometidos de replicar o ministério de sua igrecom as pessoas ja em outra parte entre as quais da cidade em que A necessidade não é a sua eles servem. Ou o procuram estabelecer a igreja, carência de um ministério, pastor poderá ver fazendo parte da a necessidade de e sim o amor à glória de vida delas, comestabelecer uma Cristo entre as pessoas, partilhando suas igreja centrada para que o nome dEle seja no evangelho em alegrias e tristehonrado. zas, conhecendo outra cidade ou suas inquietações mesmo em oue aflições. Devem ser ensináveis, tro país. Ele leva consigo esse farcompreendendo que, como planta- do, orando. Examina-o e pondera-o. dores de igreja, haverá muitos “pri- Depois, apresenta seus pensamentos meiros” que terão de iniciar esse a líderes que se unem a ele em oratipo de trabalho. Vocês cometerão ção, buscando a direção do Senhor. erros e terão de admiti-los com hu- Com base nessa conscientização de mildade. De vez em quando precisa- estabelecer uma nova igreja, a igreja rão corrigir o rumo, quando os seus local se prepara para implantá-la. A “melhores planos” não derem certo. liderança da igreja local considera Na providência de Deus, isso redi- diligentemente quem liderará a nova reciona o ministério da nova igreja. igreja, onde se localizará, como será Deverão ser flexíveis nos planos e o envolvimento permanente da igrena organização, mas inflexíveis na ja-mãe e quando se dará a independoutrina e no compromisso com o dência da nova igreja. ministério do evangelho. Esse modelo de igreja-mãe propicia uma rede de responsabilidade, Quem deve considerar a im- apoio e estabilidade, por meio do plantação de igreja? que ela assistirá à nova igreja. E talEmbora o lema igreja planta vez seja o campo de provas para o igreja norteie meu entendimento plantador de igrejas, no qual ele será quanto à implantação de igrejas, mentorado quanto à obra que a igretambém é verdade que essa obra ja-mãe o chamou a aceitar. Penso no
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incrível trabalho que o pastor Tony Mattia e a Trinity Baptist Church, em Wamego (Kansas), têm feito como modelo de igreja-mãe. Eles têm treinado líderes, enviado seus membros, feito sacrifícios financeiros e investido muita energia em gerar inúmeras igrejas em Kansas. Usando o ditado de Spurgeon: “Se não há uma igreja... você não deve começar uma?” para direcioná-los, a Trinity Baptist Church continua a ser, entre os batistas do Sul, líder em implantação de igrejas em Kansas. O modelo de igrejas cooperadoras une igrejas que têm a mesma doutrina e metodologia na obra de plantar congregações semelhantes. Algumas igrejas acham que separar uma parte significativa de seus membros para a implantação de uma igreja é mais do que podem oferecer. Por isso, se unem a outras igrejas para implantar uma nova igreja, treinar o plantador e assumir as despesas iniciais. Neste modelo, duas ou mais igrejas poderiam formar uma comissão orientadora que traçaria o rumo para a nova igreja. Os presbíteros ou outros líderes de cada igreja fariam o trabalho de apoio necessário para lançar os alicerces da nova igreja. Talvez devido ao tamanho de cada igreja envolvida, a contribuição equivalente de membros e recursos financeiros seria desnecessária. Cada igreja contribuiria de acordo com as provisões de Cristo. Neste aspecto, prevalece a humildade de servir uns aos outros em nome de Cristo, enquanto a comissão orientadora planeja, treina e começa uma nova obra, com a bênção de cada igreja. Às vezes, uma igreja é come-
çada por um plantador de igrejas preocupado com a necessidade de uma igreja centrada no evangelho. O plantador de igrejas tem de considerar como sua maior prioridade o ser responsável para com a igreja que o envia. Essa igreja talvez esteja na mesma cidade ou a centenas de quilômetros, mas o nível de responsabilidade deve permanecer inalterado e ser uma insistência constante da parte daquela igreja. Nossa igreja plantou uma igreja a mais de 8.000 quilômetros, em Niterói, no Brasil. Um dos membros de nossa igreja, Kevin Millard, mudou-se com sua família para o Brasil, a fim de servir em uma obra estudantil. Em uma mudança distintamente providencial, ele se tornou um plantador de igreja, embora essa não fosse sua intenção original, quando se mudou para o Brasil. Ele consultou os nossos presbíteros em cada passo da implantação. Conversamos sobre a pregação, a declaração de fé, a eclesiologia, a organização, a liderança, a membresia, as finanças e a localização. Pregar no culto de dedicação, quando essa nova igreja começou oficialmente seu ministério evangélico em Niterói, foi um dos acontecimentos memoráveis de meu ministério pastoral. Nossa igreja continua a ajudá-la com conselhos e apoio financeiro. Mas, o que aconteceria, se não houvesse igrejas interessadas em implantar novas igrejas, nem houvesse plantadores de igreja disponíveis, mas a comunidade necessitasse de igrejas centradas no evangelho? Para que novas igrejas comecem é necessário a existência de crentes que
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tenham o mesmo pensamento. Esses crentes poderiam estar em igrejas diferentes na cidade, anelando por um ministério distintamente mais bíblico ou desejando que uma parte específica da cidade tivesse uma igreja centrada no evangelho. Embora talvez suas igrejas locais não estivessem dispostas a iniciar ou investir em tal obra, esses crentes estariam dispostos a fazê-lo. Eles sentem um profundo interesse, dado pelo Senhor, de tomar parte nesse tipo de trabalho. Por isso, se reúnem para orar, estudar a Palavra e buscar conselho sábio para satisfazerem seu interesse. Se nenhuma igreja local pode ajudá-los, eles talvez achem necessário buscar ajuda em outros lugares, mas, conforme esperamos, com a bênção da liderança de sua própria igreja. Um grande número de igrejas reformadas começaram a partir desse tipo de interesse. A Grace Heritage Church, que mencionei antes, começou com esse modelo. Embora nenhuma igreja local a tenha patrocinado, o grupo principal deixou, em boa postura, suas respectivas igrejas e dependeram de igrejas de fora de sua cidade para assumirem a responsabilidade e patrociná-los. South Woods teve o privilégio de ser uma dessas igrejas. Nosso papel foi prover responsabilidade financeira (o nosso tesoureiro administrou as finanças deles até que constituíram uma igreja), conselhos (que lhes ministrávamos regularmente via e-mail e conversas telefônicas) e alguma ajuda financeira. Conclusão A sua igreja tem participado na implantação de igrejas centradas
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no evangelho, em sua comunidade ou mais além? Essa é uma pergunta importante, que devemos considerar nestes dias em que o evangelho é minimizado em favor de obras pragmáticas, focalizadas no homem. Talvez você não tenha pensado muito sobre o assunto de implantar igrejas e até achou esse artigo desagradável. Considere o padrão bíblico de plantar igrejas e por que isso é necessário à obra de evangelização. Pergunte ao Senhor que papel a sua igreja poderia desempenhar na expansão do evangelho entre todas as pessoas. Motivado pelo evangelho e satisfeito tão-somente com a honra de Cristo, avance corajosa e humildemente como parte da rede de igrejas e plantadores de igreja, em todo o mundo, que desejam ver a glória de Jesus Cristo resplandecendo por meio de suas igrejas. Notas: 1. Morris, Leon. Expositor’s Bible commentary: Hebrews. Grand Rapids, MI: Zondervan Publishing House, 1996. p. 133. 2. Allen, Roland. Missionary methods: St. Paul’s or ours? Grand Rapids, MI: William B. Eerdmans Publishing Co., 1962. p. 4. 3. Kistemaker, Simon J. New Testament commentary: Acts. Grand Rapids, MI: Baker Book House, 1990. p. 561. 4. Allen, Roland. Missionary methods: St. Paul’s or ours? Grand Rapids, MI: William B. Eerdmans Publishing Co., 1962. p. 5. 5. Recomendo o excelente livro Nove Marcas de uma Igreja Local, escrito por Mark Dever (São José dos Campos, SP: Editora Fiel, 2007). Agradecemos a contribuição do Ministério Founders www.founders.org
Como Mudar sua Igreja Mark Dever
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astores sempre me perguntam: “Como fazer para que minha igreja mude?” Muitos ministros têm alienado suas igrejas na tentativa de promover mudança; a tal ponto de alguns serem afastados do ministério. Mesmo assim, como pastores, temos de levar nossas igrejas a mudanças, muito embora isto possa tornar-se difícil. Aqui estão algumas sugestões sobre como promover mudança: ensinar, permanecer e amar. Ensine a mudar Primeiro, nossas idéias para aplicar em nossas igrejas deveriam vir da Escritura. Isso faz do púlpito a ferramenta mais poderosa para mudar uma igreja. A pregação expositiva constante é um meio que o Espírito Santo normalmente usa para falar aos corações humanos. Ore para que através de sua pregação, Deus venha a ensinar a igreja
como ela precisa mudar. É impressionante a frequência com que nós, pastores, queremos consertar os problemas, antes de termos tempo para explicá-los! Muitos pastores tentam forçar a mudança em suas igrejas – quase sempre defendendo tais medidas como atribuição da liderança – quando deveriam informar a igreja a respeito da mudança pretendida. Irmãos, devemos alimentar o rebanho confiado ao nosso cuidado e não bater nele. Ensinem o rebanho. Mesmo que a mudança que você vislumbra seja correta, ainda há a questão de o tempo ser ou não adequado. Ser correto não é uma licença para uma ação imediata, o que me leva ao segundo ponto. Permaneça para Mudar A idéia de se comprometer com um lugar está desaparecendo, tanto
Como Mudar sua Igreja
no local de trabalho quanto no lar. O modelo para as gerações mais jovens não é como uma escada corporativa pré-fabricada, com passos cuidadosamente limitados, e sim como o mosaico da rede mundial (world-wide web), com alternativas e opções, parecendo espalhar-se infinitamente. Assim, somos ensinados a valorizar experiências variadas, entendendo cada uma como um enriquecimento para a outra. Nós, pastores, precisamos estabelecer um modelo diferente em nossas igrejas. Precisamos ensinarlhes que compromisso é bom, quer seja para com nosso casamento, família e nossa fé, ou nossa igreja e nossa vizinhança. É sob a luz de tais compromissos a longo prazo (não pensando em termos de meses, mas de décadas) que podemos ajudar nossa igreja a encontrar suas prioridades certas. Como um pastor, seu maior poder de ajudar sua congregação a mudar não vem da força de sua personalidade, mas através de anos de ensino fiel e paciente. Mudanças que não acontecem neste ano podem vir no ano seguinte, ou em dez anos. Para este fim, escolha suas batalhas com sabedoria, cuidadosamente, priorizando uma mudança necessária após a outra. Quais das mudanças escolhidas é a mais necessária e mais urgente? Qual delas pode esperar? Falando de modo geral, os pastores precisam aprender a pensar de uma maneira madura e de longo prazo. Pastorados longos também ajudam o pastor. Eles o impedem de se tornar um portador de novas idéias,
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colocando-as em prática por dois ou três anos e, depois desse tempo, ter de mudar-se para colocá-las em prática em outro lugar. Geralmente, quanto mais tempo ficamos, mais realistas temos de ser – e isso é bom para nossa própria alma e para aqueles a quem servimos. A chave para uma mudança é ficar em uma igreja o tempo suficiente para ensinar a congregação. Se você não planeja ficar, então tenha cuidado antes de começar algo que o próximo pastor terá de terminar. Não deixe a congregação tornar-se insensível com você ou com o seu sucessor, ou mesmo contra a mudança necessária. Quando eu era um jovem seminarista, adotei três clérigos anglicanos, de Cambridge, como meus modelos. Todos tinham ministérios onde pregavam expositivamente em seus púlpitos, durante muitos anos – Richard Sibbes (em Cambridge e Londres, por 30 anos), Charles Simeon (em Cambridge, por mais de 50 anos), e John Stott (em Londres, por mais de 50 anos). Pela graça de Deus, estes três pastores construíram as igrejas onde serviam, e tiveram efeito sobre a emergente geração ministerial, mediante sua longa fidelidade. Ame para mudar Para desejar as mudanças corretas, ensinar sobre elas, e ficar tempo suficiente, você tem de amar. Você tem de amar o Senhor e amar o povo que Ele lhe confiou. Clemente de Roma disse: “Cristo pertence aos humildes de coração, e não àqueles que se exaltam sobre o seu rebanho”. Do amor pro-
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cede o cuidado paciente que continuamente dirige a congregação para a Palavra de Deus. Jonathan Edwards não foi um pastor menos fiel somente porque sua congregação o demitiu. Alguns de nós tivemos pastorados curtos e fiéis. Mas este tipo de pastorado não é minha preocupação aqui. Com este breve artigo, simplesmente tentei le-
vantar em sua mente algumas idéias de como você pode – ensinando, permanecendo e amando – levar sua congregação à mudança bíblica. Agradecemos a contribuição do Ministério 9 Marcas www.9marks.org
Nosso amor deve ser pessoal Às vezes, nos sentimos tentados a amar à certa distância. Temos disposição de amar aos outros, desde que não tenhamos de nos aproximar muito. Colocar ofertas no gazofilácio ou enviar dinheiro à uma agência de assistência cristã parece aliviar nossa consciência. Contudo, nossa consciência deveria ser pungida, ao lermos o conselho de Paulo aos romanos: “O amor seja sem hipocrisia... Amai-vos cordialmente uns aos outros com amor fraternal... compartilhai as necessidades dos santos; praticai a hospitalidade... Alegrai-vos com os que se alegram e chorai com os que choram” (Rm.12.9-15). Nosso Senhor amou as pessoas de um jeito muito especial. Ele se importava com as pessoas individualmente. Lembre-se de como Ele demonstrou amor a Levi, o coletor de impostos; à mulher, no poço; ao leproso, ao homem possesso de demônios, a Saulo de Tarso – a você e a mim. À medida que buscamos “amar como Ele amou”, não devemos também nos dispor a amar as pessoas pessoalmente? Quando foi a última vez que você gastou tempo individualmente com alguém viciado? Com um parente que tem um filho rebelde? Alguém que perdeu o emprego? Um irmão ou irmã que tem uma doença crônica terminal? Comprometamonos a amar aos outros pessoalmente, assim como Jesus nos amou – ainda que isto nos tire de nossa zona de conforto. Extraído do livro: Andando nos Passos de Jesus, de Larry McCall (Editora FIEL, São José dos Campos, SP - 2009)
A Nova Aliança Keith Mathison
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Epístola aos Hebreus é uma declaração da absoluta supremacia de Jesus Cristo. Afirma que Jesus é superior aos anjos (caps. 1 e 2), a Moisés (3.1-4.13) e a Arão (4.14-7). Cristo exerce um sacerdócio superior (8.1-10.18) e inaugurou uma aliança superior (10.19-13). Em toda a epístola, encontramos a ênfase sobre o que é novo e melhor. Por exemplo, Hebreus 7.12 afirma: “Quando se muda o sacerdócio, necessariamente há também mudança de lei”. Uma vez revogada a ordenança anterior, “por outro lado, se introduz esperança superior” (7.1819). Jesus mesmo é o fiador de “superior aliança” (7.22). Hebreus 8.6 explica: “Agora, com efeito, obteve Jesus ministério tanto mais excelente, quanto é ele também Mediador de superior aliança instituída com base em superiores promessas”. Hebreus 8.7 nos diz que, “se aquela primeira
aliança tivesse sido sem defeito, de maneira alguma estaria sendo buscado lugar para uma segunda”. E, depois de citar a promessa da nova aliança encontrada em Jeremias 31.31-34, o autor de Hebreus afirma: “Quando ele diz Nova, torna antiquada a primeira. Ora, aquilo que se torna antiquado e envelhecido está prestes a desaparecer” (8.13). Essas observações em Hebreus e outras no Novo Testamento têm levado alguns a questionarem se Deus cometeu um erro na antiga aliança. Deus foi obrigado a abandonar seu plano inicial e introduzir emergencialmente um plano reserva? O fato de que a antiga aliança se tornou antiquada implica que a nova aliança era um “plano B”? A resposta é não. A inauguração de uma nova aliança por parte de Deus não significa que Ele cometeu um erro na antiga aliança. No entanto, a razão disso talvez
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não seja imediatamente percebida. A resposta dessa pergunta se torna mais clara quando examinamos Jeremias 31.31-34. Nesta passagem, o profeta prevê a inauguração da nova aliança. O autor de Hebreus cita aquela profecia. Para entendermos a sua explicação da profecia, temos de entender o contexto em que ela foi escrita. Temos de lembrar que a Epistola aos Hebreus foi escrita para judeus convertidos ao cristianismo que sofriam perseguição por causa de sua fé. Eram tentados a retornar aos ritos e cerimônias da antiga aliança, a fim de evitarem a perseguição. O autor de Hebreus lhes diz que retornar às cerimônias da antiga aliança seria futilidade extrema, pois Deus nunca tencionara que aquela aliança fosse permanente. Para defender seu argumento, ele direciona os leitores ao texto de Jeremias, no Antigo Testamento. O autor de Hebreus introduz sua explicação de Jeremias 31 recordando-lhes que, “se aquela primeira aliança tivesse sido sem defeito, de maneira alguma estaria sendo buscado lugar para uma segunda” (8.7). Com essas palavras, ele estava dizendo que a promessa do Antigo Testamento quanto a uma nova aliança implicava que aquela parte das Escrituras previa a natureza temporária da “antiga” aliança. Uma “nova” aliança seria desnecessária, se Deus tencionasse que a antiga permanecesse para sempre. O autor de Hebreus torna isso mais claro em 8.13, quando afirma a respeito da passagem de Jeremias: “Quando ele diz Nova, torna antiquada a primeira”. Quando Jeremias pro-
meteu uma nova aliança, deu a entender automaticamente que a primeira aliança era “antiga” e temporária. Em outras palavras, o plano de Deus sempre incluiu, desde o começo, a introdução de ambas as alianças. Ele não cometeu um erro ou teve de recorrer a um “plano B”. Cada aliança era adequada a um tempo específico na história da redenção. O fato de que Deus sempre planejou a inauguração de uma nova aliança suscita a questão da continuidade. Se Deus introduziu uma nova aliança em Cristo, há alguma continuidade entre as duas alianças — a velha e a nova? Na história da igreja, existem aqueles que têm argumentado haver pouca ou nenhuma continuidade entre as duas alianças. Argumentam que toda a antiga aliança foi substituída pela nova. Os que defendem essa posição propõem que nada no Antigo Testamento é relevante e diretamente aplicável à igreja. Existem outros que têm sugerido haver pouca descontinuidade entre as alianças e que as mudanças realizadas pela inauguração da nova aliança foram essencialmente “decorativas”. Aqueles que defendem essa posição argumentam que muito do Antigo Testamento é diretamente aplicável à igreja em nossos dias. Alguns dos que sustentam essa opinião afirmam que os cristãos têm de continuar a observar o sábado no sétimo dia ou têm de continuar a observar os dias de festas do Antigo Testamento. Ambos os extremos devem ser evitados. Entre as duas alianças, tanto há continuidade como descontinuidade. Embora haja muitos em nossos dias que lêem passagens
A Nova Aliança
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como Hebreus 8.13 e concluem que “aio” (no grego, paidagogos) era um não há continuidade entre as alian- escravo que tinha a função de levar o ças, uma análise mais atenta de He- menino à escola, trazê-lo de volta e breus 8 e do lugar da nova aliança supervisionar sua conduta. Quando o na história da redenção revela que menino crescia, o “aio” não era mais tal conclusão é prematura. necessário. Essa analogia pode ajuUm dos ensinos mais óbvios da dar-nos a entender melhor os elemencontinuidade entre as duas alianças tos de continuidade entre as alianças. se acha na própria promessa da nova O aspecto da ilustração que se aliança. O autor de Hebreus cita, em aplica à continuidade é este: uma vez 8.8-12, a profecia de Jeremias acer- que o menino se tornava adulto, o aio ca da nova aliança. No versículo 10, ficava obsoleto, mas o que ele havia lemos: “Esta é a aliança que firmarei ensinado ao menino permanecia inalcom a casa de Israel, depois daqueles terado. Paulo usou essa analogia de dias, diz o Senhor: na sua mente im- crescimento da infância à maturidade primirei as minhas leis, também so- como um meio de visualizar o povo bre o seu coração as inscreverei; e eu de Deus através da história de reserei o seu Deus, denção. A antiga e eles serão o meu aliança foi idealiJesus Cristo é o ponto povo”. Encontrapara o povo central em que a antiga e a zada mos um ponto de de Deus em sua continuidade na nova aliança se encontram. “infância”. Quanexpressão “mido o povo de nhas leis”. Na antiga aliança, Deus Deus chegou ao estado de “adulto”, o escreveu suas leis em tábuas de pedra “aio” não era mais necessário. Agora, (Êx 24.12). Na nova aliança, Ele as ele é obsoleto. Mas aquilo (“minhas escreve no coração de seu povo, a fim leis”) que o “aio” ensinou ao menino de substituir o pecado que está gra- permanece o mesmo, embora ele tevado ali (Jr 17.1). No entanto, aquilo nha se tornado adulto. que está gravado no coração do povo Jesus Cristo é o ponto central em de Deus é essencialmente o mesmo que a antiga e a nova aliança se enque foi escrito nas tábuas de pedra. contram. A antiga aliança, como um O aspecto da lei que reflete mais fun- aio, prepara o caminho e o povo para damentalmente a justiça de Deus per- Ele. A antiga aliança incluía aquilo manece o mesmo. que tem sido descrito como “lei moOutra maneira de explicar a conti- ral”, bem como aquilo que era simbónuidade entre a antiga e a nova alian- lico. Aquilo que era simbólico sofreu ça é aplicar a ilustração que Paulo mudanças quando chegou a realidade usou em Gálatas 3.24-25. Ele escre- para a qual os símbolos apontavam. veu: “De maneira que a lei nos serviu Quando a aurora raiou, as sombras de aio para nos conduzir a Cristo, a desapareceram (cf. 10.1). fim de que fôssemos justificados por Agora, o povo de Deus é definido fé. Mas, tendo vindo a fé, já não per- em termos de sua relação com Jesus manecemos subordinados ao aio”. O (cf. Gl 3.16, 29), e não de sua relação
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com Jacó/Israel. A Terra Prometida é definida em termos de toda a criação (cf. Mt 5.5; Rm 4.13), e não de um espaço geográfico na costa leste do mar Mediterrâneo. O templo é definido em termos de Jesus Cristo e o seu povo (cf. Jo 2.21; 1 Co 3.16; Ef 2.21), e não de um edifício de pedra e argamassa. As leis cerimoniais são definidas em termos da morte expiatória de Cristo (cf. Hb 9.11-10.11), e não do sangue de bodes e novilhos.
No entanto, a lei moral — aquilo que revela os padrões eternos e universais de justiça — não muda. Embora esteja escrita no coração do povo de Deus, e não em tábuas de pedra, essa lei permanece a mesma. Agradecemos a contribuição do Ministério Ligonier www.ligonier.org
Calvino e o Zelo pela glória de Deus Enquanto homem, escritor e teólogo, Calvino era incansável em sua busca por Deus. Ele era um estudante zeloso da Bíblia e um fervoroso servo do Senhor. Semana após semana, mês após mês, ano após ano e década após década ele se dedicava a um determinado texto bíblico e depois o fazia conhecido ao seu povo. O estudo persistente, a piedade pessoal e o ministério inabalável eram mantidos por um intenso desejo de ver Deus glorificado. Para Calvino, “os pregadores não podem desempenhar com vigor a sua ocupação, a menos que tenham a majestade de Deus diante dos olhos”. Calvino defendeu até o fim que “a majestade de Deus está... inseparavelmente ligada à pregação pública de sua verdade... deixar de conferir a autoridade à Palavra dEle é o mesmo que tentar colocá-lo para fora do céu”. Esta ênfase em defender a glória de Deus deu sentido à sua vida, ao seu ministério e, especialmente, à sua pregação. No momento em que vivemos, é essencial que os pregadores recobrem uma visão elevada da supremacia de Deus. A pregação que muda vidas e altera a história acontece somente quando pastores recuperam uma visão elevada da resplandecente santidade de Deus e são ofuscados pela sua absoluta soberania. Pensamentos grandiosos sobre a transcendente glória de Deus devem fascinar a alma dos pregadores. Que você seja alguém que deixa de lado os pensamentos triviais sobre Deus. Uma visão vulgar de Deus conduz somente à mediocridade. Entretanto, uma visão elevada de Deus inspira santidade e um espírito resoluto. Que você eleve-se às alturas dos montes e contemple, como fez Calvino, a comovente glória de Deus. Extraído do livro: A Arte Expositiva de João Calvino, de Steven Lawson (Editora FIEL, São José dos Campos, SP - 2009)
Cristo Vitorioso sobre o Diabo Joel R. Beeke
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xiste um estado perpétuo de guerra entre Cristo, o campeão de Deus, e o diabo, o príncipe deste mundo (cf. Gn 3.15). Mateus 4.1-11 fala sobre uma das grandes vitórias de Cristo sobre o diabo e o poder do pecado. Ao final de um longo período de jejum, o diabo confronta Jesus com três tentações. Ordena a estas pedras Na primeira destas tentações, o diabo usa a mesma tática que usou com Eva, no Jardim do Éden. “Se és Filho de Deus, manda que estas pedras se transformem em pães” (4.3). Satanás está se referindo às palavras faladas pelo Pai no batismo de Jesus: “Este é o meu Filho amado, em quem me comprazo” (Mt 3.17). Com efeito, Satanás diz: “É, Deus disse...? Você realmente acha que Deus quer dizer que você é o Filho de Deus? Se você é, porque a fome dói agora?
Prove que você é o Filho de Deus tornando estas pedras em pão”. O diabo é esperto; ele sabe que a fome é uma espada afiada. E ele sabe como usar a verdade em vantagem própria. Afinal, Deus pode fazer todas as coisas; Ele é todo poderoso. Se Jesus é o Filho de Deus, Ele deve ser todo poderoso também. Tudo o que Ele tem de fazer é falar uma palavra, e uma mesa será preparada para Ele no deserto. Jesus não cede ao diabo. Ele se recusa a usar seu poder divino para aliviar sua fome física, escolhendo em vez disso fazer a vontade de seu Pai, e suportar o sofrimento. “Está escrito, não só de pão viverá o homem, mas de toda palavra que procede da boca de Deus” (Mt. 4.4), Jesus diz ao diabo. Ele cita Deuteronômio 8.3 e diz, com efeito: “Pão não é suficiente. Eu sou dependente de meu Pai e de sua palavra, não de pão. Eu
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vivo da sua mão. Eu não quero pão, se meu Pai não quiser dá-lo a mim”. Jesus se recusa a separar a dádiva do pão daquele que é o Doador do pão, ao contrário do que Adão fez. Adão empurrou de lado o Doador do fruto ao estender sua mão para a dádiva em forma de fruto. Jesus fala com autoridade; sua resposta é firme. Diferente de Eva, Ele não debate com Satanás. Ele não chama um exército de anjos para expulsar o diabo. Ele não usa seu divino poder, pois está vivendo no mundo como o Servo sofredor de Deus. A única arma que Ele usa é a espada do Espírito, a Palavra de Deus. Jesus coloca-se em nosso nível. Se a Bíblia é suficiente para Ele, não o deveria ser para nós? “Está escrito” deveria ser nossa única e suficiente resposta às tentações de Satanás. E quanto a você? Você vive do pão terreno, ou fazer a vontade do Pai e viver pela verdade e pelo poder da sua Palavra é o seu “alimento necessário” (Jó 23.12)? Lança-te daqui abaixo Depois, o diabo leva Jesus ao topo do templo, na Cidade Santa – o lugar mais sagrado em toda a terra. “Se és Filho de Deus, atira-te abaixo”, o diabo diz. Ele cita Salmos 91.11-12, dizendo que os anjos vão proteger Jesus se Ele pular. Em um momento, Cristo seria então reconhecido por todo o mundo religioso como o Filho de Deus. A tentação para Cristo é revelar-se a Israel em um estonteante show de poder e de privilégio sobrenatural em vez de através do caminho do sofrimento e da rejeição, como o homem
de dores. O diabo está oferecendo a Jesus um atalho em vez de uma longa rota de sofrimento e morte. Isto não era uma tentação pequena, pois Jesus queria revelar-Se como o Messias. Entretanto, Ele sabia que seguir a sugestão do diabo traspassaria a vontade de seu Pai, que determinava que o Filho teria de primeiro sofrer e, depois, ser glorificado. A exaltação de Cristo viria, mas somente após sua obra consumada e terminado o seu estado de humilhação. Portanto, Ele disse ao diabo: “Também está escrito: Não tentarás o Senhor, teu Deus” (4.7). Desta vez, Jesus está citando Deuteronômio 6.16, referindo-se às tentações de Israel, em Massá, onde os incrédulos filhos de Israel exigiram uma prova sensacional de que o Senhor estava entre eles (Êx 17.7). Hoje, muitos estão ainda buscando sinais maravilhosos e maravilhas do poder divino, mas Jesus ainda se recusa a dar um show. Ele não usa de meios carnais para ganhar seus seguidores. Ele não veio para o sensacionalismo. Ao invés disso, Ele continua em sua obra de convencer, salvar e disciplinar, através de sua Palavra e pelo poder do Espírito no coração dos pecadores, trazendo-os à semelhança a Ele Mesmo – o que é a maior “maravilha” de todas. Prostra-Te e adora-me Finalmente, o diabo leva Jesus a uma alta montanha. Mostra-Lhe todos os reinos do mundo e diz: “Tudo isto te darei, se, prostrado, me adorares” (4.9). “Todos os reinos” – que tremenda reivindicação! Em seus próprios termos, o diabo tem a audácia de
Cristo Vitorioso sobre o Diabo
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oferecer a Cristo todos os reinos da coroa, sem suportar a cruz. terra, como se ele fosse senhor de direito sobre todos os reinos. Lutero Nossa vitória em Cristo escreve: “Ele que, em sua primeira Que contraste entre Mateus 4 e tentação, mostrou-se como um diabo Gênesis 3! Cristo é vitorioso quanpreto, e, na segunda, como uma luz, do tentado pelo diabo em um deserto um diabo branco, usando até mesmo árido, e Adão falhou quando tentado a Palavra de Deus, agora se mostra pelo diabo em um lindo jardim. Criscomo um diabo divino, majestoso, to é vitorioso com o estômago vazio, que reivindica ser o próprio Deus”. estando sem comer por 40 dias (Mt O diabo pode ser o príncipe deste 4.2), e Adão falhou de estômago mundo, pode até ser o deus do mun- cheio, sendo capaz de comer livredo, no tempo presente, mas Deus é mente de toda árvore no jardim, exRei para sempre. Como Salmos 24.1 ceto de uma. E, como colocou o New diz: “Ao Senhor pertence a terra e England Primer: “Na queda de Adão, tudo o que nela se nós todos pecacontém, o mundo mos”. Mas, graHoje, muitos estão e os que nele haças sejam dadas a ainda buscando sinais bitam”. Esta é a Deus, pois Jesus última cartada do maravilhosos e maravilhas superou o diadiabo. Em deses- do poder divino, mas Jesus bo, de modo que pero, ele pensa: podemos ainda se recusa a dar um também “Se apenas eu vencer o diabo. show. pudesse ter JeEm Cristo, pela sus, mesmo por fé, somos chamauma vez, para realizar um pequeno dos a viver pela Palavra de Deus, e gesto de adoração a mim em vez de a resistir ao diabo, usando a mesma ao Pai, eu ganharia a vitória e, de arma poderosa, a Palavra de Deus. fato, me tornaria o rei deste mundo”. As tentações são muitas, e o poder do Ainda hoje enfrentamos a tentação pecado é grande, mas a vitória é prode vender nossas almas ao diabo em metida àqueles que se apegam fortetroca de vãos prazeres e dos tesou- mente à “palavra de Deus, a qual vive ros deste mundo. Temos de resistir e é permanente” (1 Pe 1.23). ao diabo, citando Deuteronômio: Agradecemos a “Retira-te, Satanás: porque está escontribuição do crito: Ao Senhor, teu Deus, adorarás, Ministério PRTS e só a ele darás culto” (v. 10). Jesus www.puritanseminary.org novamente recusa-se a obter uma
Seremos controlados ou por Satanás, ou pelo eu, ou por Deus. O controle de Satanás é escravidão; o controle do eu é futilidade; o controle de Deus é vitória.
Não se Esqueça da Ressurreição John MacArthur
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m 1874, um ministro batista chamado Robert Lowry redigiu um dos mais comoventes hinos e que muito exaltou a ressurreição de Jesus Cristo – “Fundo, no túmulo, Ele deitou”. Note como estes versos contrastam a impotência da morte e do sofrimento com o poder da ressurreição de Cristo: Fundo, no túmulo, Ele deitou, Jesus, meu Salvador; À espera do dia seguinte, Jesus, meu Senhor! Em vão observam o leito de Jesus, meu Salvador; Em vão, eles selam o morto, Jesus, meu Senhor! A morte não pode deter sua presa, Jesus, meu Salvador; Ele rompeu as barreiras, Jesus, meu Senhor! A morte, o mais terrível inimigo do homem, não tem poder para reinar sobre o Senhor da vida. Essa verdade tem significado para você e para mim, aqui e agora, no vigésimo primeiro século. Você pode ver isto na parte mais emocionante e comovente do hino de Lowry, o refrão que pontua cada estrofe. Do túmulo, Ele ergueu-se, Com um poderoso triunfo sobre seus inimigos, Ele ergueu-se, como um conquistador, Vencendo o domínio da escuridão Ele vive para sempre, com seus santos a reinar. Ele levantou-se! Ele levantou-se! Aleluia! Cristo ressuscitou!
Não se Esqueça da Ressurreição
Você vê nestas linhas o que a ressurreição de Jesus significa para você? Se você é um cristão, pode se regozijar no fato de que Cristo levantou-se dos mortos como um conquistador, um campeão que vive para sempre, para reinar “com seus santos”. Isso se refere à promessa baseada em nosso batismo na morte e ressurreição em Cristo – é a nossa esperança e a razão e base de tudo o que cremos. Mas, e se não houve a ressurreição? E, se a ressurreição de Jesus Cristo é apenas um mito do primeiro século a ser ignorado ou marginalizado como uma questão secundária? As implicações dessa abordagem são devastadoras para o cristianismo. Chamo sua atenção ao que Paulo escreveu em 1 Coríntios 15.16-19, de modo que você possa ver o que acontece quando esquece a ressurreição. Porque, se os mortos não ressuscitam, também Cristo não ressuscitou. E, se Cristo não ressuscitou, é vã a vossa fé, e ainda permaneceis nos vossos pecados. E ainda mais: os que dormiram em Cristo pereceram. Se a nossa esperança em Cristo se limita apenas a esta vida, somos os mais infelizes de todos os homens. Sem dúvida, se Jesus ainda está no túmulo, se Ele é perpetuamente o sofredor e nunca, o conquistador, então você e eu estamos desesperadamente perdidos. E, embora esse não seja o caso, quero focalizar no hipotético “e, se” que Paulo presume temporariamente, em 1 Coríntios
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15. “E, se a ressurreição fosse um mito? E, se Jesus Cristo ainda estivesse morto e no túmulo?” Em primeiro lugar, vocês ainda estariam em seus pecados, sob a tirania da morte, juntamente com o mais vil e incrédulo pagão. Se Jesus não ressuscitou dos mortos, então, o pecado ganhou a vitória sobre Ele e continua a ser vitorioso sobre você também. Se Jesus permaneceu no túmulo, então, quando você morrer haverá de permanecer morto. Além do mais, visto que “o salário do pecado é a morte” (Rm 6.23), se você tivesse de permanecer morto, a morte e a punição eterna seriam o seu futuro. A razão de confiarmos em Cristo é para perdão de pecados. Porque é do pecado que precisamos ser salvos. “Cristo morreu pelos nossos pecados” e “foi sepultado, e... ressuscitou ao terceiro dia” (1 Co 15.34). Se Cristo não ressuscitou, sua morte foi em vão, sua fé nEle seria sem sentido, e seus pecados ainda seriam contados contra você e não haveria nenhuma esperança de vida espiritual. Segundo, se não há ressurreição, então, “ainda mais: os que dormiram em Cristo pereceram” (v. 18). Isso significa que todo santo do Antigo Testamento, todo santo do Novo Testamento, e todo santo desde que Paulo escreveu estaria sofrendo em tormento neste exato momento. Isso incluiria o próprio Paulo, os outros apóstolos, Agostinho, Lutero, Calvino, Wesley, Moody, e os santos de fé e oração que você conheceu – todo e qualquer crente, em todas as eras, também estaria no inferno. Sua fé
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teria sido em vão, seus pecados não teriam sido perdoados, e seu destino seria a condenação. À luz das outras consequências, a última é bem óbvia: “Se a nossa esperança em Cristo se limita apenas a esta vida, somos os mais infelizes de todos homens”. Sem a ressurreição de Cristo, a salvação e as bênçãos que ela traz, o cristianismo seria sem sentido e lamentável. Sem a ressurreição não teríamos o Salvador, o perdão e o evangelho, jamais teríamos a fé significativa, nem a vida, e nunca poderíamos ter esperança por alguma dessas coisas. Esperar em Cristo somente nesta vida seria ensinar, pregar, sofrer, sacrificar-se, e trabalhar inteiramente por nada. Se Cristo ainda está morto, então Ele somente não tem habilidade de salvar você no futuro, mas Ele também não pode lhe ajudar agora. Se Ele não estivesse vivo, onde estaria sua fonte de paz, alegria ou satisfação hoje? A vida cristã seria uma galhofa, uma farsa, uma piada cruel e trágica. Os cristãos sofreriam e até morreriam porque a fé seria apenas tão cega e patética quanto a daqueles “crentes” que seguiram Jim Jones e o Templo do Povo, David Koresh e as Raízes Davídicas, e Marshall Applewhite e a seita do Portão do Céu. Se o cristão não tem um Salvador, senão Cristo; um Redentor, senão Cristo; e um Senhor, senão Cristo; e, se Cristo não é ressurreto, Ele não está vivo; nesse caso, a nossa vida cristã é sem vida. Nós nada teríamos para justificar nossa fé, nosso estudo bíblico, nossa pregação ou testemunho, nossa adoração e serviço de culto a Ele, e nada para
justificar nossa esperança nesta vida ou na próxima. Nós nada mereceríamos, senão a compaixão reservada para os tolos. Mas, Deus sim ressuscitou “dentre os mortos a Jesus, nosso Senhor, o qual foi entregue por causa das nossas transgressões, e ressuscitou por causa da nossa justificação” (Rm 4.24-25). Porque Cristo vive, nós também viveremos (Jo 14.19). “O Deus de nossos pais ressuscitou a Jesus, a quem vós matastes, pendurando-o num madeiro. Deus, porém, com a sua destra, o exaltou a Príncipe e Salvador, a fim de conceder a Israel o arrependimento e a remissão de pecados” (At 5.30-31). Não somos dignos de pena, pois Paulo imediatamente encerra a terrível seção “e, se”, dizendo: “Mas, de fato, Cristo ressuscitou dentre os mortos, sendo ele as primícias dos que dormem” (1 Co 15.20). Como Paulo disse, no final de sua vida, “sei em quem tenho crido e estou certo de que ele é poderoso para guardar o meu depósito [i.e. sua vida] até aquele Dia” (2 Tm 1.12). Aqueles que não esperam somente em Cristo para salvação são verdadeiros tolos; eles são os que precisam ouvir seu testemunho compassivo sobre o triunfo da ressurreição de Cristo. Então, não esqueça a ressurreição; regozije-se nela e glorie-se nela, pois Ele ressuscitou de fato. Agradecemos a contribuição do Ministério Grace to You www.gty.org
William Perkins e a pregação no movimento puritano Franklin Ferreira Esta mensagem foi apresentada por Pr. Franklin Ferreira na 8ª Conferência Fiel para Pastores e Líderes em Portugal, em outubro de 2008.
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odelos de pregação no fim da Idade Média e na Renascença Ao fim da Idade Média e no começo da Renascença havia dois métodos de pregação principais: O método antigo, surgido na Antigüidade, chamado desta forma por estar ligado aos primeiros pregadores, como Crisóstomo e Agostinho, e por ocasião da Reforma, a João Calvino. O método antigo de pregação não tinha nenhuma estrutura elaborada de organização; via de regra seguia a ordem do texto, com exegese e aplicação e de forma extemporânea. O método moderno, surgido na Idade Média, era um estilo de pregação que se desenvolveu com base na
oratória ciceroniana e supunha uma vasta cultura filosófica, oratória, poética e histórica, além do exercício e a imitação dos melhores autores, das suas sentenças e de seu conteúdo moral, como se via nas homilias anglicanas. Mas, William Perkins tomou esta forma de pregação e eliminou toda linguagem rebuscada e sem sentido, criando um novo estilo de sermão. Por que essa necessidade de reformar até mesmo o estilo da pregação? Porque, para os puritanos, até mesmo pregar era uma atividade subversiva e seu objetivo era a reforma do caráter e da ação – “reformar a vida da impiedade”, como Perkins afirmou. Reformando a piedade William Perkins nasceu em
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1558, no vilarejo de Marston Jabbet, em Warwickshire, Inglaterra. Sabemos pouco sobre sua juventude, até ele deixar sua casa para começar seus estudos na Faculdade de Cristo, em Cambridge, em junho de 1577. Perkins se matriculou na faculdade como pensionista, o que sugere que ele pertencia a uma família de classe média bem estabelecida. A vida na universidade desafiou a criação religiosa de Perkins. Ele parecia ter perdido toda e qualquer fé cristã que um dia possuíra. Nesse vácuo espiritual surgiu um substituto novo: o ocultismo. Anos mais tarde, Perkins descreveria assim essa fascinação pelo oculto: “Durante muito tempo, estudei essa arte e nunca me satisfazia até descobrir todos os seus segredos. Mas depois, aprouve a Deus colocar diante de mim a blasfêmia que isso era, ou, devo dizer francamente, a idolatria, embora por vezes ela pudesse estar coberta por uma tinta dourada”. Em 1584, Perkins já havia se convertido à fé cristã. Em algum momento durante o seu bacharelado, em 1581, e seu mestrado, em 1584, Perkins passou pela experiência da conversão. Naquele mesmo ano, aos 26 anos, ele passou a ser um dos professores na faculdade Christ’s College. Como professor, cresceu em conhecimento e fama até que “poucos estudantes de teologia saíssem de Cambridge sem terem se beneficiado de alguma maneira de sua instrução”. Uma das coisas que atraía seus alunos era o seu amor pela simetria e precisão lógica. Segundo seu amigo Robert Hill, “ele tinha um excelente dom para definir de maneira corre-
ta, dividir com exatidão, argumentar com sutileza, responder diretamente, falar com vigor e escrever de maneira judicial”. Além de suas tarefas rotineiras de professor, Perkins, pelo restante de sua vida, foi palestrante na igreja de St. Andrew, localizada bem em frente do Christ’s College. Seu ministério no púlpito pulsava com a mesma força que animava os seus ensinamentos. Thomas Fuller nos diz que, “do púlpito, ele pronunciava a palavra ‘perdição’ com tamanha ênfase, que ela ficava ecoando nos ouvidos de seu auditório por um bom tempo”. Por outro lado, “o erudito não podia ouvir sermões mais instruídos, nem o homem da cidade sermões mais claros”. Em 1596, Perkins se casou com uma viúva chamada Timothye e imediatamente se tornou pai de sete filhos. Essa deve ter sido uma experiência chocante para quem fora solteiro durante tanto tempo. Como um homem casado, Perkins foi obrigado a abandonar seu posto na faculdade. Contudo, permaneceu como pregador na igreja de St. Andrew. Ele obteve permissão para pregar aos prisioneiros nas cadeias. “Ele ganhou almas para Cristo entre eles, tanto quanto entre a multidão que comparecia para ouvi-lo em St. Andrew. Dizia-se sobre ele que seus sermões eram ao mesmo tempo toda a lei e todo o evangelho; toda a lei para expor a vergonha do pecado e todo o evangelho para oferecer o perdão total e completo aos pecadores perdidos” (Errol Hulse). Perkins morreu em 1602, aos 44 anos, em pleno vigor de sua força e no auge da fama. Em frente à sua
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sepultura, o seu bom amigo James pressão no governo ou por meio da Montagu, futuro bispo de Winches- política eclesiástica. ter, exortou os ouvintes que estavam Perkins escreveu vários livros ao lado da viúva de Perkins e seus para promover essa reforma. Esses sete filhos, citando Josué 1:2: “Moi- escritos podem ser divididos em três sés, meu servo, é morto”. Mesmo as- categorias, cada uma representando sim, a morte de Perkins não pôs fim uma área estratégica. A primeira e à sua influência. mais importante, foi o trabalho de De acordo com Mark Shaw, qua- Perkins por uma renovação teolótro grupos principais se destacam gica ao ensinar o calvinismo em dentro do puritanismo elisabetano: tratados sobre predestinação, a oro grupo original, surgido na década dem da salvação, segurança da fé, de 1560, como reação às vestes cle- o credo dos apóstolos e os erros do ricais, detalhes da adoração pública, catolicismo romano. A segunda área fazer sinal da cruz, etc.; os presbi- consistia em gerar uma renovação terianos, que surgiram em meados ministerial, capacitando uma nova de 1570 e 1580, geração na arte preocupados com da pregação ex“do púlpito, ele a forma de goverpositiva e aconpronunciava a palavra no eclesiástico; selhamento pas‘perdição’ com tamanha os independentes, toral. Ele escreque surgiram em veu um clássico ênfase, que ela ficava 1580, e que, perintitulado A arte ecoando nos ouvidos de seguidos, fugiram de profetizar, seu auditório por um bom usando a palavra para a Holanda e tempo”. os Estados Uni“profetizar” no dos. O quarto sentido de pregrupo, denominado de “resistência gar. O propósito era dar aos pregapassiva”, surgiu no final das décadas dores ingleses um livro de homilétide 1580 e 1590, do qual Perkins fa- ca para usarem no preparo dos seus zia parte. Evitando o debate sobre as sermões. Finalmente, ele defendeu a formas de governo da igreja e o uso necessidade de uma renovação modas vestimentas, Perkins e outros ral escrevendo sobre a vida cristã, a ministros estabeleceram uma nova oração do Senhor, o culto cristão, a estratégia para o puritanismo. Eles vocação cristã e os casos de consciprocuraram ganhar as multidões ência. Quando morreu, seus livros para a fé e o estilo de vida evangé- eram mais vendidos do que os livros lico voltando para a estratégia do de Calvino, Theodore Beza e HeinNovo Testamento: pregação, capaci- rich Bullinger juntos. Sua influência tação de líderes e persuasão. Perkins entre as igrejas nas colônias ameriestava convencido de que esta ação canas foi imensa. provocaria uma transformação mais profunda na Inglaterra do que podeTemor diante do ofício ria ser alcançada agindo apenas por Perkins afirmou que a pregação é
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“o principal dever de um ministro”, porque “a pregação é o chamariz da alma, pelo qual a mente dos homens é abrandada e transportada de uma vida ímpia para a fé e o arrependimento evangélicos. Portanto, se inquirirem qual é, de todos os dons, o mais excelente, sem dúvida a honra recai sobre a pregação”. Mas, ao comentar a vocação de Isaías, ele enfatiza que o primeiro requisito exigido para o exercício do ministério da Palavra é “o temor do Senhor”. Eis suas palavras: “Todos os verdadeiros ministros, especialmente aqueles comissionados para pregar tão importantes palavras na sua igreja, devem, antes de qualquer coisa, ser marcados por um grande senso de temor, pela consciência da magnitude da sua função – um senso de assombro e espanto, cheio de admiração pela glória e grandeza de Deus. Eles O representam e trazem a mensagem dEle. Quanto mais temerosos e relutantes estiverem diante da contemplação da majestade de Deus e da fraqueza deles, mais provável é que sejam verdadeiramente chamados por Deus e designados para propósitos elevados na sua igreja. Qualquer um que ingresse nessa função sem temor, a si mesmo se oferece, mas é duvidoso que seja chamado por Deus como o profeta Isaías claramente foi... Sempre que Deus chama quaisquer de seus servos para qualquer grande obra, ele primeiro os conduz a este senso de temor e assombro”. Por isso: “Ele mesmo [o ministro] deve primeiramente ser inclinado à santidade se quer estimular inclinações santas em outros homens”.
Hesitação para assumir o ofício, temor, tremor e uma sensação de fraqueza, indignidade e incapacidade, diante da imensa responsabilidade de pregar a Palavra, na condição de embaixador de Cristo (2Co 5.20), são virtudes imprescindíveis para o exercício do ministério da pregação. Por isso, somente o chamado divino é o que deve levar os pregadores a assumir o ofício de servos da Palavra. Ainda comentando a vocação de Isaías, Perkins observa: “A autoridade da vocação do profeta é derivada do próprio Deus, em termos evidentes e claros: ‘Vai, e fala’... Semelhantemente, no Novo Testamento, os apóstolos não saíram ao mundo para pregar, enquanto não receberam a comissão deles: ‘Ide, portanto, fazei discípulos de todas as nações’ (Mt 28.19). De modo semelhante, Paulo não pregou até que lhe fosse dito: ‘Levanta-te e vai’ (At 9.6). Nisso tudo o orgulho e presunção daqueles que ousam ir na sua própria autoridade, e não esperam até que o Senhor lhes diga: ‘Vão, e falem’, são reveladas e condenadas... nem a palavra deles, nem suas obras são dignas de crédito, nem há nenhum poder nelas, a não ser que sejam proferidas com base em uma comissão”. Em resumo, a autoridade do pregador não reside nele mesmo, mas no próprio Senhor Jesus, falando pela exposição fiel da sua Palavra: “Nós afirmamos que na proclamação do sermão o pregador deveria deixar de lado a sabedoria humana e pregar em demonstração do Espírito”. A sabedoria humana deveria estar oculta dentro do conteúdo do sermão e na
William Perkins e a pregação no movimento puritano
sua entrega. Isso porque “a pregação da Palavra é o testemunho de Deus e a confissão do conhecimento de Cristo e não da habilidade humana”. Porque, no fim: “Os ouvintes não deveriam ter uma fé dependente da habilidade humana, e, sim, do poder da Palavra de Deus”. A preparação para o sermão Perkins dedicou os primeiros capítulos de A arte de profetizar a uma exposição do que é a Escritura. Ele fala inicialmente da excelência da Bíblia, perfeição, pureza, eternidade, suficiência, verdade, poder em sua eficácia, discernindo o coração, subjugando a consciência, gloriosa na sua mensagem básica, que é simples para aquele que lê. Nela, Cristo que é profetizado no Antigo Testamento é o Messias vindo no Novo Testamento. Como a Escritura é a Palavra de Deus, tem em si mesmo o testemunho e quem a estuda sabe que ela é poderosa para converter pecadores. Perkins afirmou a centralidade da pregação por causa de seu conceito das Escrituras, por entender que sua exposição é o meio ordinário de salvação, e que o homem é um ser com capacidades racionais: “Porque quando as promessas da misericórdia de Deus são oferecidas ao Seu povo através da pregação da Palavra por um ministro ordenado, é como se o próprio Cristo, em pessoa, estivesse falando através das Suas ordenanças”. De acordo com Joseph Pipa, ele ofereceu os seguintes passos que acreditava “serem necessários para se interpretar a Bíblia corretamente”.
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1. Ter um conhecimento geral de toda doutrina bíblica. Se ele conhece o todo pode interpretar a parte. Como Pipa escreve, “se alguém tem um conhecimento claro da verdade, estará habilitado a ser um intérprete fiel da Palavra de Deus”. 2. Em segundo lugar, ler a Escritura em seqüência, usando análise gramatical, retórica e lógica para entender o texto. Como Calvino e os demais reformadores, ele acreditava que o texto tem apenas um único sentido. 3. Fazer uso de comentários escritos por exegetas ortodoxos. Perkins encorajou a leitura de textos dos Pais da Igreja na preparação do sermão, mas também que se ocultasse este estudo evitando as citações dos mesmos feitas do púlpito. 4. Manter um registro do que se está lendo. Ele chamava isto de “livro de registro de leitura”, onde se registraria as passagens lidas, os pontos principais e um esboço do que pregavam, para ter sempre material antigo e novo à mão. 5. Ter em mente “que toda interpretação bíblica deve ser feita em oração”, porque o Espírito Santo é o interprete da Palavra de Deus. E somente o Espírito Santo, ligado à Palavra, pode salvar pecadores. A estrutura do sermão Segundo Perkins, há quatro divisões que servem como estrutura para o sermão: 1. “A leitura clara do texto das Escrituras canônicas”. Ler atentamente o texto nas Escrituras no idioma do povo comum. 2. “Explicação do seu sentido,
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após ter sido lido, à luz das próprias Escrituras”. Dar o sentido e a compreensão do que está sendo lido pela própria Escritura e tirar do texto o seu significado natural, segundo o contexto onde se encontra a passagem. Seguindo este método o pregador mostra de forma clara à sua congregação que a doutrina que está pregando vem diretamente de uma exegese da Escritura. Nesse contexto precisamos registrar que os puritanos enfatizaram a pregação expositiva, não raro pregando anos a fio em um livro da Bíblia. Em sua pregação, Perkins expôs Gálatas 1-5, Mateus 5-7, Judas, Hebreus 11 e Apocalipse 1-3. 3. “A extração de alguns pontos doutrinários a partir do sentido natural da passagem”: Juntar uns poucos e proveitosos pontos doutrinais, extraídos do sentido natural, desenvolvendo esta doutrina extraída da Escritura por meio de demonstrações e argumentos. A doutrina é o resumo das verdades encontradas no texto. Como exemplo: “[Os verdadeiros minstros do evangelho] não devem pregar nem somente a lei nem o evangelho, como alguns sem sabedoria o fazem... Tanto a lei como o evangelho devem ser pregados; a lei para dar à luz o arrependimento e o evangelho para conduzir à fé. Mas eles devem ser pregados na ordem apropriada, primeiro a lei para produzir arrependimento, e então o evangelho para operar fé e perdão – nunca ao contrário”. 4. “Se o pregador tiver dons suficientementes, deve fazer a aplicação das doutrinas explicadas à vida e prática da congregação em palavras
diretas e claras”. Aplicar as doutrinas selecionadas, de forma precisa, à vida dos cristãos por meio de uma apresentação simples, clara e prática. Perkins classificou os ouvintes regulares em uma congregação em sete categorias: 1) aquele que é absolutamente ignorante e incapaz de ser ensinado; 2) aquele que é completamente ignorante, que não sabe de nada, mas pode ser instruído; 3) aquele que teve algum conhecimento, mas não foi humilhado ou quebrantado; 4) aquele que está quebrantado; 5) aquele que crê, é novo convertido, que precisa ser instruído nas verdades básicas da fé: justificação, santificação, perseverança, a lei de Deus como regra de conduta, e que periodicamente precisa também ser lembrado da ira de Deus contra o pecado; 6) aquele que havia apostatado ou decaído; 7) aqueles que estão em depressão. Por isso ele escreveu: “A responsabilidade daqueles que ouvem a pregação da Palavra de Deus é submeterem-se a ela... O dever de vocês é ouvir a Palavra de Deus, pacientemente, submeter-se a ela, ser ensinados e instruídos, e mesmo ser perscrutados e repreendidos, e ter os pecados de vocês descobertos e as corrupções arrancadas”. Perkins definiu a pregação assim: “É juntar a Igreja e completar o número dos eleitos”. Esta é a tarefa primordial da pregação. Sua outra função é “expulsar os lobos dos apriscos do Senhor”. A pregação completa o número dos eleitos e passa a protegê-los com a Palavra de Deus. Por isso, podemos destacar quatro marcas do verdadeiro sermão: 1. O sermão precisa ser bíblico
William Perkins e a pregação no movimento puritano
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para Cristo nos falar através dele. esse fim. 2. O sermão deve atingir a mente. A maneira de alcançar as emoções e Pregando Cristo a vontade das pessoas é por meio Na Inglaterra do século XVII, do intelecto. Joseph Pipa afirmou: 3% da população eram católicos, “Perkins acreditava que o pregador 15% influenciada pelos puritanos e se dirigia primeiro ao intelecto usan- 75% religiosamente indiferente. Ou do verdades irrefutáveis, princípios seja, a vasta maioria do povo não irrefutáveis da exegese e, se hou- demonstrava interesse pelo evangevesse necessidade, estes princípios lho. Os puritanos queriam reformar poderiam ser repetidos através de a igreja inglesa e o que eles fizeram demonstração e argumentação. Uma para conseguir isso? Colocar em vez que a pessoa aceitasse a verda- cada parte da Inglaterra um pastor de que estava sendo proclamada, que fosse competente para pregar a ela teria em condições de aplicar à Palavra de Deus. O impacto desse sua vida e ao seu pensamento aquilo novo modelo de pregação pode ser que o pastor estava falando. Não é evidenciado na imagem do pregador somente se dirique recebemos na gir ao intelecto grande alegoria “Porque quando as da congregação, cristã escrita quamas persuadir promessas da misericórdia se cem anos deas pessoas inpois do ministério de Deus são oferecidas telectualmente de Perkins, por ao Seu povo através da da verdade da John Bunyan: pregação da Palavra por Escritura. Sobre Cristão – Seeste fundamento nhor, venho da um ministro ordenado, é ele partia para a como se o próprio Cristo, Cidade da Desaplicação”. truição e me diriem pessoa, estivesse 3. O sermão jo ao monte Sião. falando através das Suas deve ser claro e O homem que fica de fácil memoà porta me disse ordenanças” rização. Perkins no início deste afirmou que precaminho que, se gar “deve ser simples, perspicaz e eu batesse aqui, o senhor me mosevidente... É um provérbio entre traria coisas excelentes, coisas que nós: ‘foi um sermão muito simples’. me seriam proveitosas na jornada. E eu digo de novo, quanto mais simIntérprete – Entre. Vou mostrarples, melhor”. lhe algo que lhe será proveitoso. 4. O sermão deve ser transformaMandou seu servo acender a vela, dor. Fica óbvio que Perkins sabia o e fez sinal para que Cristão o acomque queria alcançar com sua prega- panhasse. Levou-o a um aposento e ção – ele era orientado por um obje- mandou o servo abrir a porta. Feito tivo máximo, a vida santa; e a ver- isso, Cristão viu pendurado na paredade doutrinária era um meio para de o quadro de uma pessoa bastante
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séria. Era esta a sua aparência: os olhos estavam erguidos aos céus; nas mãos trazia o melhor dos livros; a lei da verdade lhe estava escrita nos lábios; o mundo estava às suas costas; pela postura parecia apelar aos homens, e da cabeça lhe pendia uma coroa de ouro. Cristão – O que significa isso? Intérprete – O homem cuja figura você está vendo é um dentre mil. Pode gerar filhos, dá-los à luz e ainda amamentá-los ele mesmo, depois. E se você o vê de olhos erguidos aos céus, com o melhor dos livros nas mãos e a lei da verdade gravada nos lábios, é para mostrar-lhe que o trabalho dele é conhecer e revelar coisas sombrias aos pecadores, como também apelar aos homens. – Se você vê o mundo às suas costas – continuou Intérprete – e uma coroa pendendo da cabeça dele, isto é para mostrar-lhe que, desprezando e desdenhando as coisas presentes pelo amor com que serve ao seu Mestre, certamente terá por recompensa a glória, no mundo que há de vir. – Ora – disse ele ainda –, mostrei-lhe primeiro este quadro porque o homem cuja figura você está vendo é o único homem a quem o Senhor do lugar para onde você está indo autorizou para guiá-lo em todos os lugares difíceis que você talvez encontre pelo caminho. Portanto, preste bastante atenção ao que lhe mostrei. Guarde bem o que você viu, para que não encontre, durante a sua jornada, alguém que finja estar encaminhando você ao rumo certo,
quando na verdade o está levando à ruína e à morte. Como resultado do ministério de Perkins, pelo menos uma centena de pregadores se espalhou pela Inglaterra e pela colônia americana, sendo instrumentais na segunda reforma inglesa. É apropriado terminarmos com o resumo que ele oferece no fim de seu manual de pregação: “O cerne da questão é este: pregar Cristo, por meio de Cristo, para louvor de Cristo”. E, que como Perkins, digamos: “Para o Deus trino seja a glória”. Obras consultadas e sugeridas para aprofundamento do assunto: • Paulo Anglada, Introdução à pregação reformada (Ananindeua: Knox, 2005). • Erroll Hulse, Quem foram os puritanos? (São Paulo: PES, 2004). • D. M. Lloyd-Jones, Os puritanos (São Paulo: PES, 1993). • Augustus Nicodemus Lopes, Pregação puritana (1). in: Jornal Os Puritanos Ano II – Número 3 (Junho 1993), p. 7-9. • Augustus Nicodemus Lopes, Pregação puritana (2). in: Jornal Os Puritanos Ano II – Número 4 (Setembro 1993), p. 16-18. • William Perkins, The art of prophesying with The calling of the ministry (Edinburgh: Banner of Truth, 1996). • Joseph Pipa, Sermão puritano; um novo modelo de exposição. in: Jornal Os Puritanos Ano VII – Número 4 (Outubro/Dezembro 1999), p. 3-8. • Joseph Pipa, Sermão puritano; espiritual e claro. in: Jornal Os Puritanos Ano VII – Número 4 (Outubro/Dezembro 1999), p. 14-18. • Joseph Pipa, O sermão puritano que transforma. in: Jornal Os Puritanos Ano VII – Número 4 (Outubro/Dezembro 1999), p. 23-28. • Leland Ryken, Santos no mundo (São José dos Campos: Fiel, 1992). • Mark Shaw, Lições de mestre (São Paulo: Mundo Cristão, 2004), pp. 87-106.