Ílustrações
Marilia Pirillo
Copyright © César Obeid, 2014
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César Obeid é escritor, educador e contador de histórias. Nascido na capital paulista em 1974, tem dedicado suas atividades à difusão da literatura infantojuvenil, da poesia e da cultura popular.
Gerente editorial Ceciliany Alves • Editora executiva Valéria de Freitas Pereira • Editora Cecilia Bassarani
• Editora assistente Agueda Cristina G. del Pozo
• Gerente de produção editorial Mariana Milani • Coordenadora de produção Marcia Berne • Coordenadora de preparação e revisão Lilian Semenichin
• Preparadora Débora Andrade • Revisora Elvira Rocha • Coordenador de arte Eduardo Evangelista Rodrigues • Editora de arte Andréia Crema • Projeto gráfico Paola Nogueira • Diagramação Sheila Moraes Ribeiro • Diretor de operações e produção gráfica Reginaldo Soares Damasceno
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Obeid, César
O anel da tartaruga / César Obeid ; ilustrações Marilia
Pirillo. – 1. ed. – São Paulo : FTD, 2014.
ISBN 978-85-322-8588-1
1. Literatura infantojuvenil I. Pirillo, Marilia. II. Título.
13-06121
Índices para catálogo sistemático:
1. Literatura infantil 028.5
2. Literatura infantojuvenil 028.5
CDD-028.5
Para todos os animais marinhos que sofrem com a poluição dos mares.
– Meu anel é muito lindo! – disse Juliana a suas amigas. – Vejam só, uma preciosidade, de todas as tartarugas, eu sou a mais bonita...
– Tudo bem, Juliana! Não precisa esnobar só porque não temos um anel como o seu – disse uma das amigas.
– Não têm e nunca terão! Eu sou especial. O Álvaro vai amar!
Enquanto todas as tartarugas davam risadas, Juliana fazia manobras exibidas embaladas pelo barulho do mar. Outra amiga disse:
– Isso ele vai mesmo! Ele gosta tanto de você que não fala mais com ninguém!
– Claro! Ele sempre diz que não há nada mais belo em todo o oceano do que meu anel.
– Ai, Juliana, chega! Você só fala desse anel, da sua cinturinha, do Álvaro. Que coisa mais chata! Por que não casa logo com ele?
E, como num passe de mágica, a elegante tartaruga Álvaro apareceu interrompendo a conversa das amigas, dizendo à Juliana:
– Como você está linda hoje!
– Obrigada, Álvaro, assim você me deixa sem graça.
– Você nunca perde a graça, minha doce Juliana.
As amigas de Juliana sentiram-se totalmente excluídas da conversa tão melosa e partiram.
Juliana e Álvaro trocaram muitos elogios. Era um tal de anel para cá, de cintura para lá, além de muitas paradinhas em pleno mar.
– Vocês estavam falando em casamento? – perguntou Álvaro com voz macia, aproximando-se da amada.
– Ca-ca-ca-samento? – gaguejou Juliana.
– Sim, casamento. Foi o que eu ouvi enquanto você conversava com suas amigas.
– Conversávamos? Casamento? Ah, é claro... Agora me lembro.
– Então, quem quer casar? – perguntou Álvaro segurando Juliana pela cintura.
– Ninguém! Ninguém quer casar – afastou-se Juliana.
– Que pena! Hoje vim preparado para fazer um grande pedido de casamento...
– De casamento? – animou-se Juliana. – Mas pedido de casamento para quem?
– Para quem você acha? Para a tartaruga que possui o anel mais formoso de todo o oceano.
Álvaro, delicadamente, aproximou-se de Juliana, respirou profundamente e embalado pela maciez do oceano:
– Você quer casar comigo?
– Eu? Eu... Eu? Quero, claro que eu quero!
E, com as mãos unidas, fizeram uma linda dança pelo mar que até as algas sorriram com tanta beleza. Poucas vezes aqueles mares presenciaram um amor tão verdadeiro.
Juliana arrumava-se para a noite de casamento. Todas as amigas ajudavam a belíssima noiva para o dia mais importante de sua vida, ou melhor, da vida de qualquer tartaruga.
– Quanta ansiedade, quanta felicidade – repetia Juliana.
Ela desfilava um lindo vestido colorido preso em seu formoso anel. Para a cerimônia de casamento, todo o local foi enfeitado com os tesouros que o mar recebera nos últimos tempos. Tesouros raros! Lindos lustres coloridos que refletiam a luz do sol, como nunca antes vistos, majestosos candelabros feitos do mais nobre material. Tudo estava realmente encantador.
E o casal viveu muito feliz.
E o tempo passou...
Muitos habitantes marinhos vieram prestigiar o casamento e desejar felicidades ao casal. Foi linda a cerimônia.
Para a felicidade deles ser completa, faltava algo. Assim, como muitos casais, Juliana e Álvaro decidiram ter filhos. E o que fizeram? Namoraram, dançaram, sorriram, trocaram carinhos...
E o tempo passou mais um pouco...
Mas algo estava errado! Juliana não botava ovos. Todas as suas amigas que casaram na mesma época botaram muitos ovos, mas a pobre Juliana não! O que teria acontecido? Ninguém sabia explicar como uma tartaruga tão linda e invejada não podia botar ovos...
Álvaro ficou furioso com Juliana.
– Eu quero ter filhos! Eu sou a tartaruga mais forte desses mares e tenho de deixar descendentes!
– Mas, Álvaro, eu não sei o que está acontecendo, não sei por que não desovei... Desculpe...
– Suas desculpas farão você me dar filhotes?
– Eu não sei, Álvaro, eu não sei...
– Não! Claro que não! Por isso eu não a desculpo. Sabe o que eu vou fazer? Vou procurar outra tartaruga que possa me dar fi lhotes.
– Não, Álvaro, não! Você não vai encontrar outra tartaruga que tenha um anel como o meu...
– O seu anel já perdeu toda a graça para mim!
Álvaro partiu tão rapidamente que até as algas tremeram de medo.
A pobre Juliana não conseguia dizer uma palavra sequer, mal podia respirar. Suas lágrimas misturavam-se com as águas do mar. O oceano respirou profundamente em silêncio.
Juliana passou dias escondida em uma caverna fria e escura no fundo do mar. Ela só saía do buraco para respirar um pouco. O sol a incomodava. A lua também. Não parava de pensar no Álvaro e nos filhotes que eles não tiveram. Passaram-se alguns dias e Juliana resolveu partir pelo mar em busca de outros ares, ou melhor, de outros mares. Conheceu águas distantes, avistou animais desconhecidos e descobriu muitas novidades.
Em uma de suas longas jornadas, encontrou um salmão preso em uma rede. Aproximou-se, perguntando:
– O que está fazendo aí, caro Salmão?
– Ai, que pergunta tola! Estou aqui tomando banho de sol! – disse o Salmão, irritado.
– Banho de sol? Mas aqui não tem sol! O sol está lá fora.
– Claro que não, tartaruga! Eu estou preso em uma rede, não está vendo? Mas não vamos ficar discutindo, por favor! Corte essa rede que eu já não aguento essa agonia!
E com sua forte mordida, Juliana o libertou.
– Ai, que maravilha nadar livremente. Muito obrigado, tartaruga, muito obrigado.
– De nada, mas por que você estava nessa rede? Pelo que eu saiba os salmões adoram nadar.
– Eles quem?
– É claro! Mas eu estava preso. Eu prometi nunca mais cair numa dessas armadilhas, mas não teve jeito, quando querem, eles são rápidos e silenciosos.
– Como quem, tartaruga? Quem mais poderia colocar uma rede no mar?
– Não sei, eu nunca tinha visto uma.
– Nunca?
– Não!
– Realmente, tartaruga, você não sabe nada do mar. Quem faz tudo isso pra gente é o homem.
– Homem? Onde eu moro, ele não faz nada, não.
– Sorte sua! Você pode não ver muito o homem lá onde mora, mas ele já atrapalhou bastante a sua vida, não é?
– Não, Salmão! Nunca tive problemas com ele!
– Como não teve? Esse negócio preso aí, dói muito?
– Do que está falando, Salmão?
– O quê? Tampa de garrafa? Não, isso aqui é uma joia preciosa!
– Desse anel de tampa de garrafa PET preso em sua cintura que deformou todo o seu corpo.
– Joia? Que joia nada, tartaruga! Isso é o que nós pagamos por tudo o que o homem faz pra gente.
– O quê?
– Querida tartaruga, o que você pensa ser uma joia, não passa de lixo.
– Lixo? O que é lixo?
– É tudo o que o homem não quer mais e joga aqui no mar. Infelizmente, você foi “sorteada” com esse anel de tampa de garrafa PET.
– Não pode ser... Pensei que fosse um anel precioso. Será que foi por isso que eu não pude ter filhotes?
– Vem, tartaruga, vou lhe mostrar algumas coisas.
A tartaruga encolheu suas patas, segurou bem fi rme o anel, tentou tirá-lo, mas não conseguiu. Começou a chorar um choro tão doído que nem saía lágrima.
Os dois nadaram sem dizer muitas palavras. O Salmão a levou para trás de uma grande pedra e mostrou um imenso depósito de lixo com latinhas, garrafas e muitas outras coisas que o homem deixa para os animais dos mares. A tartaruga ficou impressionada com a tristeza daquela parte do mar. Não havia vida.
– Amigo Salmão, por que o homem não deixa lá na terra o que ele não quer mais?
– Olha, tartaruga, isso eu não sei, mas dizem os mais velhos que o homem é meio esquisito e com o passar dos anos está ficando cada vez mais perigoso.
– Salmão, onde isso vai parar? O que será do mar, dos peixes, das algas, das tartarugas e dos salmões?
– Não sei, amiga, não sei. Só sei de uma coisa: isso não pode mais ficar assim.
– Mas o que podemos fazer?
– Somos muito pequenos e só nos resta fugir e nos esconder das armadilhas.
– Mas se tem que mudar e não podemos fazer isso, quem vai fazer?
E os dois nadaram em silêncio. Juliana passou tempos difíceis conhecendo aquela realidade e nem tinha tempo para pensar em Álvaro e nos filhotes que não tivera.
Depois de conhecer toda a tristeza dos mares, Juliana achou que deveria voltar e alertar suas amigas dos perigos do lixo, que, até então, elas pensavam ser um tesouro. Despediu-se do Salmão com um abraço desajeitado.
De volta ao lar, Juliana estava ansiosa para contar tudo o que aprendeu com o Salmão. Ao chegar, viu vários filhotinhos de tartaruga que carregavam alguma coisa na cintura... Parecendo um... anel. Vários filhotes tinham anéis como o dela! A tartaruga sentiu um peso enorme no seu casco. As pequenas tartarugas foram rapidamente falar com ela:
– Você não é a Juliana? Nós ouvimos falar muito de você. Está vendo o meu anel? Vou ficar igual a você quando eu crescer.
– Mas não vai ficar mais bonita do que eu! Vou deixar o meu corpo bem moldado com a minha joia!
– Não, não, não! Eu vou ficar mais linda, o meu anel é mais bonito do que o delas, não é Juliana?
E assim, cada pequena tartaruga contava vantagem da sua joia.
Juliana olhou meigamente os filhotinhos e os abraçou com força. Novamente suas lágrimas se misturavam às águas salgadas do mar. Uma das tartaruguinhas percebeu que Juliana estava um pouco aflita.
– Está triste, Juliana? Aconteceu alguma coisa? Não gostou dos nossos anéis?
– Então o que é?
– Não, pequenas tartarugas, não é isso.
– Onde estão as mães de vocês? Preciso falar com elas agora.
E chegaram as mães das tartarugas. Eram as amigas da Juliana.
– Já estamos aqui, não precisa mais chamar.
– Pelo visto, vocês estão bem, tiveram lindos filhotes. Parabéns!
As amigas agradeceram.
– Por que vocês estão colocando esses anéis nas pequenas?
– Porque queremos que elas fiquem lindas também!
– Vocês não podem colocar isso nelas!
– Por que não?
– Olha quem está falando? Você vivia esnobando a gente por causa do seu anel e agora vem com essa conversa de que nossas filhas não podem usá-los...
– Eu sei que falei bem do meu anel, mas reconheço que estava errada.
– Errada? Mas você continua com o anel – disse uma de suas amigas.
– Eu só estou com o anel porque não consegui tirá-lo. É um peso que eu tenho de carregar pelo resto da minha vida.
– Porque não fomos feitas para isso. Usar esse anel não é natural das tartarugas – afirmou Juliana.
– Por que seu anel, que era tão precioso, agora se transformou em um peso, Juliana?
– Porque o meu anel não é uma joia preciosa.
César ObeidQuem é
NASCI na capital paulistana, em 1974. Gosto de ler, de caminhar ao ar livre, de comer escarola refogada e, no verão, de tomar banho na água do mar. Da paixão pela leitura nasceu a vontade de escrever livros para crianças e jovens. Já são mais de 20 livros publicados.
A ideia de escrever este livro surgiu a partir da foto de uma tartaruga que cresceu com um anel de plástico apertando sua cintura, um retrato triste da realidade de nossos oceanos. Acredito que Juliana, com todo seu sofrimento e persistência, possa chamar a atenção de todos para esse sério problema cada dia mais grave e frequente.
Para conhecer meus outros livros, acesse: <www.cesarobeid.com.br>.
Quem é
Mar ilia Pirillo
NO ANO PASSADO, mergulhando nas águas claras de uma praia, vi uma grande tartaruga marinha nadando ao meu lado. Era a primeira vez que eu via uma tartaruga no mar, livre, nadando ao sabor das ondas, mergulhando... Foi mágico!
Ao ilustrar O anel da tartaruga, tentei reproduzir, com aquarela e lápis de cor, um pouco dessa beleza e exuberância, para contribuir de alguma forma com a campanha de proteção às tartarugas marinhas e aos nossos mares.
Nasci em Porto Alegre, cidade sem mar, mas cresci às margens do Rio Guaíba e, agora, vivo no Rio de Janeiro, cidade cheia de mar, bem pertinho da praia. Sou ilustradora de livros para crianças e jovens leitores há 20 anos e O anel da tartaruga vem se juntar aos mais de 50 livros já publicados com minhas ilustrações.
Para saber mais sobre o meu trabalho, visite meu blog: <www.mariliapirillo.com>.