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NO INÍCIO DAS CONTAS

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CULTURA INC

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NO FIM INíCIO DAS CONTAS

Nativos digitais e incumbentes se movimentam para conquistar consumidores ávidos por inovação na guerra dos bancos

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POR ANGELICA MARI

Uma década após a eclosão dos bancos digitais, neobanks e grandes instituições do setor avançam para uma nova fase de competição, em um contexto de modernização do sistema bancário com o open banking e uma crescente maturidade do consumidor na adoção de serviços financeiros digitais – que o diga o recém-chegado Pix. O Brasil é o quinto maior do mundo, atrás do Reino Unido, Coreia do Sul, Suécia e França, segundo pesquisa da Exton Consulting. Por aqui, bancos digitais como Nubank, Inter, Original, C6 Bank, Agibank, Neon e Next já ultrapassam os 80 milhões de contas – só o Nubank acumula mais de 40 milhões de clientes. Na bolsa, em termos comparativos, enquanto as quatro maiores instituições do país – Itaú, Bradesco, Santander e Banco do Brasil – amargam perdas que chegam perto de 40% e a maior queda de lucro em 21 anos, os papéis do Inter subiram mais de 400% nos últimos 12 meses.

A bonanza dos players digitais se deve a fatores como a crescente predisposição do público a esse modelo. Um estudo publicado pela Juniper Research prevê que mais da metade da população global (53%) deve usar serviços bancários virtuais até 2026. Grande parte desse avanço se deve à pandemia, que provocou uma onda de inovação dos produtos e serviços ofertados por instituições do setor. Segundo Bruno Diniz, professor e sócio na consultoria de inovação Spiralem, o setor bancário no Brasil amadureceu notavelmente, em parte graças aos neobanks, que impulsionaram o desenvolvimento do setor com um modelo inovador a custos muito mais baixos. Por outro lado, incumbentes tomaram nota das práticas trazidas pelos entrantes, principalmente no atendimento ao cliente. “Bancos digitais elevaram a barra [de exigências] dos usuários de produtos e

serviços financeiros no Brasil e mudaram percepções ao mostrar que existe uma forma de atendimento e entrega diferente daquela experiência sofrível que conhecíamos anteriormente”, diz o especialista.

Além do foco no usuário, Diniz nota que os neobanks têm as vantagens de uma infraestrutura tecnológica moderna e leve, além da ausência de agências e uma força de trabalho enxuta, ao passo que os grandes têm uma forte presença física, tradição de mercado e uma base maior de clientes. “As diferenças entre digitais e incumbentes mostram

um panorama cada vez mais evidente quando pensamos em como essas instituições vão brigar no próximo nível do jogo”, pontua.

ADOÇÃO

Pela primeira vez, o número de downloads de aplicativos de neobanks no Brasil ultrapassou a parcela de instituições tradicionais, com os bancos digitais garantindo uma participação de mercado de 52% em 2020, segundo um levantamento do UBS Evidence Lab. Esse cenário dá pistas de uma iminente aceleração na curva de adoção de serviços de bancos digitais, assim como aconteceu com ferramentas de comunicação como o WhatsApp, que tiveram uma adesão inicial gradativa seguida de um crescimento exponencial, diz Luiz Marcelo Calicchio, o Teco, um dos sócios-fundadores do C6 Bank.

A isenção de tarifas é um fator importante no processo, assim como a crescente sofisticação de serviços oferecidos por esses players: “Quanto mais necessidades do seu cliente você endereça, com uma experiência e preço adequados, maior é a chance de se ter uma participação cada vez mais relevante nas finanças des-

se cliente”, diz Teco, cuja empresa aposta na tese de um banco digital que endereça as necessidades de pessoas físicas e jurídicas nas verticais de pagamento, investimento e crédito em uma só plataforma.

Neste cenário, a monetização do C6, que hoje tem uma base de cerca de 8 milhões de clientes, ficará por conta de empréstimos, seguida de serviços. O J.P. Morgan, que comprou 40% do C6 em junho, deve ajudar nessa estratégia, explica Teco, com uma série de elementos da grade de produtos do banco americano que podem ser reaproveitados. “Precisamos, inevitavelmente, ser um banco completo. Eu atraio o depósito, distribuo esse dinheiro de maneira consciente, com uma análise de crédito muito boa para construir os portfólios de crédito, e aí sim ter a rentabilidade do todo”, detalha o executivo.

O segredo dessa receita, segundo o sócio do C6, é a inovação na distribuição de produtos como o crédito, uma frente em que bancos tradicionais têm vantagens por causa de suas redes de agências físicas. Parafraseando um alerta feito por Candido Bracher, expresidente do Itaú, Teco ressalta que incumbentes precisam achar a inovação antes que os novos bancos encontrem a distribuição. E para alcançar o maior número de clientes possível, o C6 aposta em sua criação de marca de estilo de vida, focada no segmento de

alta renda. Além disso, o banco conta com os corretores da Som.us, empresa de seguros e resseguros, além de uma rede de quase 700 ex-gerentes bancários que atuam como consultores empresariais, vendendo serviços do banco digital. “Acreditamos em um modelo de distribuição híbrido, para atravessar a barreira do comportamento do ser humano em consumir produtos financeiros do mundo físico diretamente no ambiente digital”, diz Teco.

‘‘A burocracia dos grandes bancos tira autonomia e não fomenta a colaboração, elementos necessários para ter sucesso na nova economia”

Rodrigo Cury, diretor executivo do BTG

ADAPTAÇÃO

Para reagir ao avanço dos neobanks, players como o Itaú apostam na transformação digital aliada a uma abordagem “phygital”, em que o consumidor define a dimen-

Acima, Renato Lulia, diretor de relações com investidores e inteligência de mercado do Itaú Unibanco; à esq., Rodrigo Cury diretor executivo do BTG

são, funcionalidades e tipo de uso dos canais físico e virtual. O banco diz ter dobrado o investimento anual em tecnologia desde 2018, para permitir que clientes contratem produtos de forma inteiramente digital, física ou, ainda, começar uma interação em um canal e concluí-la em outro, de acordo com a preferência do usuário.

Com 60 milhões de clientes, o Itaú Unibanco reportou um aumento de 64% na abertura de contas e 70% na contratação de produtos por canais digitais em março deste ano em relação ao mesmo mês em 2020. Porém, a rede de agências continuará cumprindo um papel “relevante” no negócio, diz Renato Lulia, diretor de relações com investidores e inteligência de mercado do Itaú

Unibanco. “No que cabe a nós definir, já estabelecemos que o lugar que queremos ocupar perante nossos clientes é o de um banco digital com a conveniência do atendimento presencial”, diz o executivo do Itaú.

Oferecer opções de atendimento nos mundos físico e virtual também é importante dada a vasta gama de perfis que o banco atende, segundo Lulia: “Nossa base de clientes é muito diversificada sob inúmeros aspectos.

Suas necessidades são distintas, tanto em função do perfil como do momento da vida financeira de cada um”, pontua.

Outros incumbentes têm criado empresas digitais para intensificar sua própria transformação e viabilizar novas frentes de negócio. Um exemplo é o banco de investimentos

BTG Pactual, que lançou sua operação de varejo digital, o

BTG+, em janeiro de 2020. “No nosso caso, há uma cultura favorável à inovação e o BTG+ é um negócio totalmente novo. Conseguimos utilizar os produtos de investimento que o atacado tem, além de fazer uma série de coisas que esses novos braços que competem com a organização maior provavelmente não conseguem”, diz o diretor executivo do banco Rodrigo Cury.

Segundo ele, um dos grandes entraves enfrentados por bancos tradicionais é a transformação cultural que acompanha o modelo digital. “A solução que executivos inteligentes acabam encontrando é separar iniciativas digitais para não as matar: a governança e a burocracia dos grandes são muito cruéis, tiram a velocidade, autonomia e não fomentam a colaboração, que são elementos necessários para ter sucesso na nova economia”, ressalta.

COMPETIÇÃO

O open banking, sistema em implementação no Brasil que prevê o compartilhamento dos dados pessoais dos clientes entre as instituições financeiras com a anuência do usuário, deve subir o tom da guerra entre os bancos tradicionais e os digitais, com outros players como grandes varejistas entrando no jogo, segundo Diniz, da Spiralem. “Estamos caminhando para uma realidade em que os grandes bancos não estarão mais no centro de tudo e precisarão criar plataformas que unam o que eles têm de melhor e terceiros, que desenvolvem produtos e serviços melhores”, ressalta o especialista. “Instituições terão que se tornar mais abertas e adaptar a forma em que operam há anos para conseguirem sobreviver.”

Mesmo com a perspectiva de um futuro mais competitivo, agentes do setor são unânimes em um ponto: há espaço para todos. “O Brasil é um dos maiores e mais evoluídos mercados bancários do mundo, com uma demanda enorme por serviços de uma população altamente digitalizada e aberta a inovação”, diz Cury, do BTG+, citando exemplos como a rápida adoção do Pix, sistema de pagamentos instantâneos que já supera o boleto, TED e DOC. “Continuaremos tendo espaço para bancos mais especializados em determinados nichos, além de players com uma oferta mais abrangente. Há espaço para quem quiser competir: no fim das contas, quem vai definir quem vence é o consumidor”, finaliza. n

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