Edição 161 • Janeiro 2014
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Justiรงa & Cidadania | Janeiro 2014
S umário Foto: Júnior Aragão
Capa – Momento de valorizar
8 a magistratura 6
Editorial – Impertinência contra a Justiça
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Decálogo do advogado
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Dr. Raul e o farol da liberdade
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A securitização no Brasil: um olhar sobre as milícias cariocas
Empossados três novos desembargadores federais no TRF-3a Região
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O endividamento das famílias brasileiras pode ter um lado positivo?
O STF e a constitucionalidade dos planos econômicos
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O Agravo na sistemática dos recursos repetitivos
Em Foco – Ação do TCU faz gastos da Copa recuarem
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A revolução do mercado editorial
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O equilíbrio econômico e financeiro no Direito brasileiro
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Dom Quixote – “Conhecendo o Judiciário” beneficia milhares de alunos
Foto: Carlos Humberto/SCO/STF
Foto: Gil Ferreira/ABr
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O empoderamento sociopolítico
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Biografias: entre o certo e o certo
2014 Janeiro | Justiça & Cidadania 3 da mulher
Edição 161 • Janeiro de 2014 • Capa: Júnior Aragão
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ERRATA O nome correto do autor do artigo “Incidência de imposto de renda nos juros de mora: conflito entre STJ e TST”, publicado nas págs. 60 a 63 da ed. 158, é Mauricio de Figueiredo Corrêa da Veiga
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E ditorial
Impertinência contra a Justiça “O julgamento do Supremo Tribunal Federal foi uma ‘peça teatral de farsa’.” Deputado federal João Paulo Cunha, condenado do Mensalão
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esde a fundação da revista, em maio de 1999, vimos reafirmando e cumprindo a adoção do princípio e da intransigência na defesa do Poder Judiciário e da magistratura. Já se passaram 13 anos, e continuamos na mesma posição. Portanto, é com razão e muito mais com real obstinação que nos mantemos firmes e resolutos na defesa da instituição judiciária e de seus membros, os magistrados. Assim é que vimos reverberando desde sempre contra os inconformados e detratores da Justiça, principalmente os delinquentes de cartola que, depois de condenados, se insurgem contra a aplicação do rigor da lei e dos executores na judicatura. Como já acentuamos em editoriais anteriores, sobre as contestações que os condenados fazem dos seus julgamentos e dos operadores do direito, inconformados pela justa aplicação das penalidades que lhes foram comutadas, somam-se agora à rebeldia com protestos desabridos os políticos encartolados, pilhados nas malhas da lei pelos crimes de improbidade e malversação de dinheiro público. O escancarado despudor da matilha política, em desespero de causa em face do devido recolhimento aos cárceres, os tem levado ao destempero de se insurgirem contra a magnitude da alta Corte da Justiça Pátria e aos seus ministros, atacando-os e desmerecendo-lhes o exercício da toga a que estão investidos. 6
Temos tido até então a caridade de não designar nominalmente os condenados da Ação Penal 470, considerando explicitamente o comportamento demonstrado anteriormente por alguns condenados durante a ditadura militar, não obstante a triste observação feita durante o julgamento no STF pela ministra Rosa Weber, in verbis: “ O heroísmo do passado não encobre os crimes do presente.” Entretanto, o que vem ocorrendo nos pronunciamentos acintosos, despropositados, irreverentes e ofensivos de parte dos condenados do Mensalão, em afronta e ofensa nominal aos ministros do Supremo Tribunal Federal, principalmente contra o presidente da Corte, Ministro Joaquim Barbosa, ultrapassa os limites delimitados da tolerância e nos impõe, em face dos princípios que esposamos a favor da instituição do Judiciário e da magistratura, repudiar em termos e crítica candente esses desarvorados condenados pelas intoleráveis assacadilhas que fazem aos ministros e ao próprio STF, que, no cumprimento da lei, da obrigação legal e da imposição do direito, aplicaram a legislação devida para propor no plenário da alta Corte a justa e necessária condenação, como ocorreu. As aleivosias promovidas pelos réus do Mensalão, como o discurso proferido pelo deputado federal João Paulo Cunha, profusamente divulgado pela televisão ao deblaterar e perder a devida compostura na tribuna da Câmara dos Deputados, imputando e acusando o presidente do Supremo, Ministro Joaquim Barbosa, de protagonizar “uma farsa teatral” e de usar “seletivamente” as informações da ação penal para incriminar o PT, constituem atos desprezíveis, como o praticado durante o transcorrer das escorchas que fizeram com as trapaças do Mensalão, mandando sua esposa tomar do caixa do Banco Rural cinquenta mil reais, desrespeitando e denegrindo o próprio lar. Este ato deveria fazer com que esse transgressor da lei e da dignidade se calasse diante dos atos vergonhosos cometidas por si e pelos seus companheiros de trapaças. A sua alegação de inocência e perseguição constitui mais um despautério diante dos fatos pretéritos, ao imaginar
Justiça & Cidadania | Janeiro 2014
Foto: Sandra Fado
que a Nação fosse tolerante com patifarias e constituída de néscios amorfos desfibrados. A pantomina que aprontaram com a exaltação do PT, em uma tentativa inútil de desagravar o partido, constitui uma bofetada na cara dos brasileiros que prezam a decência e a honestidade, não se deixando iludir nem esquecer das patifarias que caracterizaram as patranhas políticas com que alavancaram o PT ao governo da Nação. Pouco adianta e nada representa o presidente do PT, deputado Rui Falcão, tentar desmerecer o STF e o seu presidente. O Supremo conquistou com o julgamento do Mensalão o respeito e a admiração do povo, haja visto a popularidade alcançada pelo seu presidente, que é requestado em todo o país, além de aplaudido em todos os lugares e recintos em que aparece. O PT, ao contrário, além dos seus fâmulos, perdeu completamente o respeito e a consideração que teve no início da sua fundação; hoje, está chafurdado na lama da corrupção que pratica às escancaras. A tentativa que o PT faz de tratar os mensaleiros condenados como presos políticos, em uma tentativa de anular e desacreditar o julgamento que condenou seus filiados, constitui um arremedo de mistificação, entrando em um processo regressivo de negação da realidade. De pouco adianta falar do passado de lutas diante das exuberantes provas apresentadas publicamente na divulgação do julgamento. Vale lembrar, para desmistificar as justificativas que apregoam de inocência e perseguição, as palavras candentes do Ministro Celso Mello, ao imputar-lhes a pecha de “bandidos mesmo”, e o dito pela meiga Ministra Rosa Weber, ao desmerecer e desconsiderar os atos do passado com as ações lamacentas que produziram na ansiedade e no desejo de se perpetuarem no governo. A realização do 5o Congresso do PT constituiu uma deslavada tentativa de achincalhar e desmoralizar a mais alta Corte de Justiça do país, com o desplante de afirmarem publicamente e de forma desprezível que o julgamento resultou na “maior campanha de difamação”. Os condenados José Dirceu, Delúbio Soares, João Paulo Cunha e aliados de outros partidos, como Roberto Jefferson, Waldemar Costa Neto, Bispo Rodrigues, Pedro Henry, Romeu Queiroz e Pedro Correa, que participaram da engenhosa maracutaia, foram todos investigados e denunciados. O STF, diante do arrazoado e da manifestação acusatória do Ministério Público, aceitou a denúncia e, passados sete anos de tramitação, proporcionou amplo direito de defesa aos réus e, após análise minuciosa com profundidade e isenção no exame dos recursos pela Corte, pronunciou a condenação.
O apoio e a solidariedade que os réus do Mensalão estão recebendo de seus companheiros do PT, infelizmente, vêm demonstrar que as falcatruas praticadas durante o transcorrer dos crimes praticados teve a aquiescência e beneficiou o partido com os funestos acontecimentos que culminaram nas respectivas condenações. Os atos e as demonstrações de fidelidade e concordância que vêm sendo dados aos réus, como se comprovou no referido congresso, torna o PT consequente e inquestionavelmente conivente com os deslizes e os crimes realizados. Portanto, é muita impertinência dos condenados virem como estão fazendo, tentando aviltar e desmoralizar o Supremo Tribunal Federal. A participação do PT nas pantominas realizadas no referido congresso demonstra o quanto o partido é também responsável pelas ilegalidades praticadas, que resultaram no justo julgamento que levou seus filiados à cadeia para cumprimento das penas a que deram motivo, e solidário a elas. A democracia passou por vários e penosos contra choques ao longo da história republicana, mas tem sempre conseguido superar, até com muito sacrifício, a conquista das liberdades que pertencem à Nação e ao povo brasileiro.
Orpheu Santos Salles Editor
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C apa, por Ada Caperuto
Momento de valorizar a magistratura João Ricardo dos Santos Costa, presidente eleito da AMB, aponta como uma das prioridades de sua gestão a democratização do Judiciário, com a implementação de eleições diretas para os Tribunais
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leito no final de novembro e empossado em 17 de dezembro, o juiz gaúcho João Ricardo dos Santos Costa é o novo presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB). O resultado marca uma vitória da chapa de oposição – Unidade e Valorização –, que venceu a eleição com 5.628 votos, o equivalente a 59,3% do total, que comporá os conselhos Executivo e Fiscal da AMB durante o biênio 20142015. A nova diretoria sucederá o grupo liderado pelo Desembargador Henrique Nelson Calandra, do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP). O novo presidente da AMB atua no 1o Juizado da 16a Vara Cível de Porto Alegre e é professor de Direitos Humanos da Escola Superior da Magistratura. Ex-Presidente da Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul (Ajuris) e vice-Presidente de Direitos Humanos da AMB entre 2008 e 2010, João Ricardo Costa tem como prioridade na gestão da maior entidade de juízes do país consolidar as prerrogativas e garantir a estabilidade da remuneração dos magistrados. Graduado em Ciências Jurídicas e Sociais pela Pontifícia Universidade do Rio Grande do Sul (PUC-RS), em 1984, com pós-graduação em Direito (Unisinos, 2001), o novo presidente da AMB ingressou na magistratura em agosto de 1990 e atuou nas Comarcas de Planalto, Taquari e Canoas. 8
Nesta entrevista, entre os pontos relevantes, ele fala sobre o atual momento da magistratura e a carreira afetada por um processo de divisão interna, e reforça a bandeira levantada pela chapa Unidade e Valorização: a elaboração de um projeto em comum e que todas as forças estejam unidas para sua execução. Revista Justiça & Cidadania – Sua eleição para a presi dência da AMB marca uma vitória da oposição no comando da mais importante entidade da magistratura brasileira. O que representa essa conquista para o senhor? João Ricardo dos Santos Costa – Representa, sobretudo, uma imensa responsabilidade. A eleição do nosso movimento foi precedida de um processo complexo de construção de um projeto e da elaboração de um conceito associativo consensual por um significativo número de lideranças nacionais. As várias visões que influenciaram nesse processo conceberam a alta densidade democrática na nossa proposta. A vitória nas eleições adquire importância em face desse processo. JC – Quais são as principais propostas do grupo que ora assume a gestão da AMB para o biênio 2014-2015? JR – Assumimos muitos compromissos com a magis tratura nacional, mas as nossas prioridades serão focadas na democratização do Judiciário para implementação de eleições diretas para os tribunais na forma da universalização do voto, dando a condição de eleitores a todos os membros do Poder Judiciário. Também o restabelecimento do Adicional por Tempo de Serviço (ATS), na ótica da paridade com os aposentados, porque as prerrogativas da magistratura devem envolver a perspectiva de uma aposentadoria digna para quem dedicou uma vida, com exclusividade, à Justiça.
Justiça & Cidadania | Janeiro 2014
Foto: Júnior Aragão
João Ricardo dos Santos Costa, presidente eleito da AMB
JC – O que significa, na prática, unidade e valorização – o lema de sua campanha à presidência da AMB? JR – Experimentamos um momento em que a divisão interna tem causado sérios danos à magistratura, quer em relação à carreira, quer em relação à prestação dos serviços judiciais. É vital que a magistratura elabore um projeto em comum e una todas as forças para a execução desse projeto. A valorização impacta na efetividade do Judiciário. O juiz deve ser valorizado e gozar de credibilidade na sociedade. Trata-se de um sentimento fundamental para a democracia: a cidadania acreditar nas instituições e nos agentes públicos. Vivemos um momento muito delicado em que o juiz, principalmente o de primeiro grau, está aprisionado em um modelo de intervenção que cada vez interfere menos na solução imediata dos conflitos. É um fenômeno que abala a autoestima da magistratura. JC – Por falar nisso, objetivando a valorização da magistratura, o Conselho Nacional de Justiça anunciou, em julho, o lançamento do “Programa Valorização: juiz valorizado, justiça completa”. Como a AMB pode contribuir para esse projeto? JR – Estamos atentos a esse projeto e já tivemos a oportunidade de expressar o nosso apoio ao presidente do CNJ, Ministro Joaquim Barbosa, e ao corregedor nacional, Ministro Francisco Falcão. Também estamos na luta pela valorização das decisões de primeiro grau. Temos algumas
propostas que pensamos como fundamentais e estão na linha de uma forte mudança de rumos na nossa forma de intervenção. Queremos que os Tribunais criem estruturas voltadas à análise científica dos litígios para enfrentarmos os megalitígios que nos chegam de forma atomizada, reduzindo a capacidade do juiz de pensar e proferir decisões mais elaboradas. Temos que criar mecanismos que deem visibilidade aos efeitos sociais das demandas de massa para que possamos agir e atuar por meio de políticas públicas que deverão envolver as agências reguladoras como agentes externos e também métodos alternativos de solução de conflitos, como mediação, conciliação e Justiça Restaurativa. JC – O senhor falou, durante a campanha, em mudança completa dos rumos da AMB, com o resgate da credibilidade da entidade e da representação nacional da magistratura. Por que é tão importante esse trabalho de resgate? Qual é o cenário em que se encontra a AMB na atualidade? JR – A AMB é uma entidade fundamental à magistratura. É o nosso braço político. O seu processo de construção foi interrompido por um modelo voltado ao corporativismo reducionista e pela demissão do espaço público. A história da entidade preservou a sua credibilidade. A nossa tarefa agora é resgatar o protagonismo e a efetividade na defesa das prerrogativas da magistratura que, na verdade, são diretos fundamentais da cidadania.
2014 Janeiro | Justiça & Cidadania 9
JC – Uma de suas prioridades de gestão seria consolidar as prerrogativas e garantir a estabilidade da remuneração dos magistrados. De que maneira essa proposta será colocada em pauta e quais são os principais desafios nesse aspecto? JR – As nossas prerrogativas, incluindo a estabilidade da nossa remuneração, compõem o catálogo dos direitos fundamentais com origem na base do atual modelo de estado, inaugurado com a Carta das Nações Unidas. São direitos que devem ser plenamente efetivados. A AMB, como entidade de classe, tem a atribuição de lutar pelas prerrogativas da magistratura. Cada um de nós, como cidadão, tem a obrigação de não permitir a flexibilização desses direitos da cidadania. JC – Um dos aspectos negativos apontados por muitos magistrados é a falta de estímulo à carreira. Em sua opinião, por que isso ocorre e qual a solução para reverter esse aspecto? JR – Temos que, necessariamente, entender esse fenômeno. Nesse aspecto, algumas certezas já são definidas. Experimentamos um momento em que o Judiciário está sendo muito exigido, por meio de uma formidável demanda por justiça, tanto no aspecto quantitativo, como qualitativo. A pressão externa e a ausência de mecanismos modernos para solução do litígio do nosso tempo fazem a magistratura sofrer com a sensação de inutilidade. Essa é a nossa extrema angústia. A luta primeira da AMB para resgatar, no âmbito da atividade jurisdicional, a autoestima do juiz é na direção de modernizar as leis processuais para dar celeridade e efetividade às decisões de primeiro grau. Isso é fundamental. 10
Foto: Júnior Aragão
JC – O senhor também já apontou em entrevista a questão de “manter o diálogo com a sociedade”. De fato, alguns magistrados defendem que é necessário aproximar a Justiça da população, dando a conhecer a relevância do trabalho dos magistrados – e até como esclarecimento às críticas feitas por parte da mídia. De que maneira a AMB poderá contribuir para que essa aproximação ocorra? JR – O diálogo com a sociedade é fundamental. Existimos para a sociedade. Somos agentes públicos com relevantes atribuições sociais. O diálogo com a sociedade deve ser permanente, e a mídia é o nosso instrumento democrático de diálogo. Vamos criar pontes de diálogo com todos os segmentos da mídia e da sociedade, sem qualquer distinção. A desinformação sobre o Judiciário é fruto da falta de diálogo. O convívio harmonioso com os meios de comunicação é muito germinativo porque estimula o diálogo e, sobretudo, os legitima para criticar o modelo de informação que temos no Brasil. Também somos agentes legitimados para participar dos grandes debates do país.
João Ricardo dos Santos Costa, presidente eleito da AMB
JC – O senhor também apontou que existiria alguma pressão por parte do CNJ no que tange às metas estabelecidas. A afirmação está correta? Em caso positivo, o que pode ser feito para mudar essa situação? JR – Temos, sim, críticas ao sistema de metas implementado pelo CNJ. Observamos que as metas apresentadas estão influenciando na independência dos juízes, tanto no que diz respeito às suas atribuições de administrar a jurisdição, como na atividade jurisdicional. Estamos plenamente de acordo com a implementação de políticas para o Judiciário, mas jamais por meio de métodos já rejeitados em algumas corporações privadas, como os sistemas de metas. Vamos fazer esse debate porque é muito necessário. JC – O que a AMB pretende fazer em relação à PEC 53, que acaba com a vitaliciedade dos magistrados, e à PEC 33, que possibilita ao Legislativo reformar decisões judiciais? JR – São duas iniciativas que, de certa forma, revelam uma espécie de patologia social. A desfuncionalidade das instituições causa efeitos coletarais que se prestam apenas a agravar a doença. O remédio para a impunidade é uma lei processual efetiva, que garanta a ampla defesa e o término do processo. A quebra da vitaliciedade atende aos interesses da criminalidade empolada, que conseguirá ampliar seus negócios ilícitos e sonha com uma considerável vulnerabilidade dos juízes. O discurso baseado no conceito de privilégio da aposentadoria compulsória bem tipifica a falaciosa estratégia de se construírem consensos por meio de bases falsas. A PEC 33 é absurda e quebra a espinha dorsal do pacto constitucional. Assim como a PEC 53 trata-se de um belo exemplo da irracionalidade com que questões fundamentais são tratadas por certos segmentos da vida pública.
Justiça & Cidadania | Janeiro 2014
JC – Em março de 2013, o presidente do Supremo Tribunal Federal instituiu a Comissão de Estudo e Redação de Anteprojeto de Lei Complementar para dispor sobre o novo Estatuto da Magistratura. Qual deve ser o papel da AMB nessa atualização? JR – A AMB, como entidade representativa da magistratura nacional, deverá participar da elaboração do texto. É fundamental que a redação que sairá do STF seja fruto de um consenso no Judiciário. JC – A Lei Orgânica da Magistratura Nacional (Loman) está em vigor desde 1975. Quais razões o senhor elencaria como causadoras desse lapso tão grande de tempo para atualizá-la? JR – Penso que os períodos da revisão e reforma constitucional prejudicaram a elaboração da Loman. Na pauta, ingressou a reforma do Judiciário, que ocupou por longo período a sociedade e os atores envolvidos com a justiça. Não tínhamos como elaborar uma Lei Orgânica sem as bases constitucionais. Também o forte interesse hoje no Judiciário acaba polarizando a questão, o que dificulta consensos. A nossa constante preocupação é a de que setores mais conservadores aproveitem a oportunidade para flexibilizar as prerrogativas da magistratura. JC – Há quem defenda que, do ponto de vista associativo, inexiste no Brasil uma política institucional para todo o Poder Judiciário. Qual é sua opinião a respeito? JR – Eu concordo, no sentido de que, neste momento, não há uma política institucional unificada nas entidades de classe. Esse é um desafio que estamos propostos a enfrentar. O nosso desafio é implementar uma política institucional bem-definida ao Judiciário e que possa ser percebida e entendida pela sociedade. JC – Para concluir, gostaria de uma declaração sua sobre a importância da atividade das associações de classe da magistratura. JR – As associações de magistrados, na conjuntura de crise no Judiciário, assumem um papel vital no processo civilizatório no momento em que expressam o pensamento e a experiência dos que respondem por toda a demanda por justiça. Mudar o modelo de atuação ou reformar as estruturas do Judiciário sem o protagonismo dos juízes levará a república ao suicídio. Nós entendemos o Judiciário brasileiro porque é a nossa morada e sabemos o que necessitamos para melhorar os nossos serviços. As associações de magistrados assumem importância porque expressam todo o acúmulo de experiência da magistratura, elemento essencial para as mudanças necessárias.
Composição dos conselhos Executivo e Fiscal da AMB (biênio 2014-2015) João Ricardo dos Santos Costa (Ajuris – RS) Presidente Adriano Gustavo Veiga Seduvim (Amepa – PA) Vice-presidente de Meio Ambiente Gil Francisco de Paula Xavier Fernandes Guerra (Amapar – PR) Vice-presidente de Comunicação Hadja Rayanne Holanda de Alencar (Amarn – RS) Vice-presidente de Prerrogativas Maria de Fátima dos Santos Gomes Muniz de Oliveira (Apamagis-SP) Vice-presidente Cultural Maria Madalena Telesca (Amatra – RS) Vice-presidente de Trabalhos Legislativos Nartir Dantas Weber (Amab – BA)
Vice-presidente de Interiorização Nelson Missias de Morais (Amagis – MG) Vice-presidente de Assuntos Legislativos Paulo Mello Feijó (Amaerj – RJ)
Vice-presidente de Efetividade da Jurisdição Ricardo de Araujo Barreto (ACM – CE)
Vice-presidente de Direitos Humanos Sérgio Luiz Junkes (AMC – SC)
Vice-presidente Institucional Wilson da Silva Dias (Asmego – GO)
Vice-presidente Administrativo Coordenadores Gervásio Protásio dos Santos Junior (Amma – MA)
Justiça Estadual Antonio Oldemar Coêlho dos Santos (Amatra – PA) Justiça do Trabalho Rogério Favreto (Ajufergs – RS) Justiça Federal Edmundo Franca de Oliveira (Amajum – RJ) Justiça Militar Nelma Torres Padilha (Almagis – AL) Aposentados Conselho Fiscal Helvecio de Brito Maia Neto (Asmeto – TO) Luiz Gonzaga Mendes Marques (Amansul – MS) Hermínia Maria Silveira Azoury (Amages – ES)
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O empoderamento sociopolítico da mulher Eliana Calmon
Membro do Conselho Editorial Ministra do STJ
Nota do Editor A ministra Eliana Calmon deixa o Superior Tribunal de Justiça, por força da aposentadoria aos 70 anos, como verdadeira guerreira que foi da lei e do direito. Sai com reconhecidos louros e aplausos calorosos de seus colegas da magistratura, dos membros do Ministério Público e da Ordem dos Advogados do Brasil, além de todos quantos tiveram a satisfação de acompanhar a carreira dessa eminente magistrada durante os 34 anos que exerceu a judicatura. Suas posições desassombradas como juíza, desembar gadora e ministra do STJ, valeram o reconhecimento que desfruta entre os operadores do direito em todo o País. As ações que desenvolveu durante o seu período na Corregedoria do Conselho Nacional de Justiça, marcou com coragem uma posição radical no combate contra a corrupção no Judiciário. O estilo e a intensa ação da ministra na gestão no CNJ trouxe a sua popularização motivando o assédio dos partidos e a aceitação do ingresso na política, onde disputará uma cadeira no Senado Federal pelo seu estado natal, a Bahia, pelo partido de Eduardo Campos, PSB, onde formalizou sua filiação. A ministra Eliana Calmon é eminente membro do Conselho Editorial da Revista. Com o seu afastamento, a justiça brasileira perde uma grande magistrada, mas a política ganhará e será engrandecida com a sua participação culta, inteligente, digna, responsável e corajosa, e que certamente enriquecerá o Senado da República com a cultura jurídica e humanista, e principalmente pela pertinácia na luta contra a corrupção. Bravo Eliana Calmon, pela sua honrosa participação na política !
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m março deste ano, lançou a ONU, pela ONU Mulher e pelo Pacto Global, os “Princípios do Empoderamento das Mulheres”, visando promover a equidade de gênero em todas as atividades sociais e da economia, os quais podem ser assim resumidos: 1) estabelecer liderança corporativa de alto nível para a igualdade de gênero; 2) tratar todas as mulheres e todos os homens de maneira justa no trabalho – respeitar e apoiar direitos humanos e não discriminação; 3) assegurar saúde, segurança e bem-estar a todos, trabalhadoras e trabalhadores, mulheres e homens; 4) promover educação, treinamento e desenvolvimento profissional para as mulheres; 5) implementar o desenvolvimento empresarial e as práticas de cadeia de suprimentos e marketing que empoderem as mulheres; 6) promover igualdade por meio de iniciativas comunitárias e de defesa; 7) medir e publicamente relatar o progresso no alcance da igualdade de gênero. Na mesma ocasião, início de 2013, o Banco Mundial, pelo seu presidente, Jim Young Kim, preocupado com a questão da igualdade de gênero, fez a seguinte indagação: “O que podemos fazer para acelerar o progresso socioeconômico das mulheres?” Em seguida, ele próprio deu a resposta: trabalhar em torno de três prioridades: 1) assegurar às mulheres as liberdades básicas; 2) executar as leis de combate à violência contra as mulheres; e 3)
Justiça & Cidadania | Janeiro 2014
Foto: Gláucio Dettmar
aumentar significativamente as políticas públicas em favor das mulheres. Refletindo sobre as duas notícias, encontrei uma frase que bem expressa a importância da preocupação desses dois organismos internacionais: “No século XXI, igualdade é negócio.” E nós, brasileiros, o que faremos para alavancar a inclusão feminina neste país de desequilíbrios sociais e econômicos, ocupante do octogésimo primeiro lugar (81o) dentre cento e noventa e dois países em desigualdade de gênero, inclusive quando nos comparamos com os nossos vizinhos latino-americanos, comparação que nos coloca à frente apenas da Colômbia e do Haiti? O Brasil, considerado potência econômica e carro-chefe no desenvolvimento da América Latina em relação à política de gênero, tem fraco desempenho em três dos quatro eixos de desenvolvimento – educação, saúde e atividade econômica. É constrangedora a situação no eixo participação política, colocando-se muito aquém da Argentina, do Chile, do Uruguai e até do Peru, notando-se um decréscimo participativo nos últimos cinco anos. Entretanto, mais importante do que a análise comparativa é a identificação das causas desse desequilíbrio. A Deputada Federal Erundina, em 2011, publicou excelente artigo sobre o tema e indicou como causas: 1) falta de recursos financeiros; 2) falta de capacitação política; 3) falta de consciência da mulher do seu papel dentro da sociedade; 4) invisibilidade da mulher na mídia. O esforço que tem sido feito em favor da inclusão da mulher na política não tem sido pequeno, a começar pela militância dos seguidores dos movimentos de mulheres, mas os resultados têm sido muito pequenos. No campo legislativo, a Lei de Cotas (Lei no 9.504/97) estabeleceu que 30% dos cargos eletivos proporcionais deveriam ser reservados às mulheres. Essa lei não pegou e não passou de mera conquista formal, ensejando o aparecimento de mulheres vocacionadas por osmose – filhas, companheiras, parentas e aderentes, verdadeiros laranjas de políticos já desacreditados e que, pela lei, renovaram-se. Dois anos depois, a Lei dos Partidos Políticos (Lei no 12.034/09), conhecida como a “Minirreforma Eleitoral”, estabeleceu a obrigação de os partidos políticos incluírem mulheres nas chapas de eleições proporcionais, sob pena de sanção. Mais uma vez, a lei não pegou, não vem sendo respeitada e sequer fiscalizada pela Justiça Eleitoral. Em outras palavras, a força legislativa não foi suficiente para resolver o problema. Para vencer a baixíssima participação das mulheres na vida política do país, listam-se como prioritárias as seguintes providências:
1) capacitar as mulheres para a disputa de espaços de poder político; 2) alterar o sistema político eleitoral com políticas afirmativas, como, por exemplo: na divisão dos recursos do Fundo Partidário, destinar significativo percentual para programas de promoção da parti cipação feminina na política e dar às mulheres candidatas maior espaço de tempo nos programas gratuitos a cargo dos partidos políticos; 3) incentivar a militância político-partidária. Em um país com 140 milhões de eleitores, em que o contingente feminino é de 72 milhões de eleitoras, conforme senso de 2012, é preciso maior participação no Poder Legislativo, corrigindo-se assim o baixíssimo desempenho do país. A participação política ou o empoderamento da mulher no eixo político é importante na medida em que são tomadas nos espaços privilegiados de poder as decisões referentes às políticas públicas e às ações afirmativas que levam à equidade de gênero. Precisamos, portanto, PARTICIPAR.
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Biografias: entre o certo e o certo Carlos Ayres Britto
Membro do Conselho Editorial Ex-presidente do STF, do CNJ e do TSE
Nota do Editor O ministro Carlos Ayres Britto, eminente membro do Conselho Editorial da Revista, mais uma vez nos brinda com excelente, sereno e instrutivo artigo, que aborda assunto de alta relevância constitucional para reflexão dos leitores que terão a ventura de lê-lo. É sucinto e extremamente oportuno em face das acaloradas discussões que motivam questio namentos sobre a liberdade tratada na Constituição Federal. No dizer do insigne jurista: “Faz da liberdade de expressão a maior expressão da liberdade.”
Foto: Gil Ferreira/SCO/STF
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m qualquer dicionário da língua portuguesa, “bio” é termo designativo de vida, assim como “grafar” é termo designativo de escrever. Pelo que “biografar” é escrever a vida de outrem. Não escrever a própria vida, porque, aí, o termo adequado é “autobiografia”. Mais precisamente, biografar é conhecer a trajetória de vida de uma terceira pessoa para o fim de divulgação. Vida em isolamento ou do indivíduo consigo mesmo (intimidade é isso); vida em interação com pessoas mais próximas em afeto e confiança (esse o conceito de privacidade); vida com os seres humanos em geral (vida social genérica). Daqui já se percebe que biografar é atividade que implica pesquisa, estudo, análise, entrevistas, relato metódico ou esquematizado, publicação. Mescla de literatura com historiografia. Atividade intelectual, por consequência, na medida em que é exigente de um tipo de elaboração mental que o vulgo bem denomina de “queima de pestanas” ou “emprego de massa cinzenta”, a demandar por parte do biógrafo “acesso à informação”, “manifestação do pensamento” e, naturalmente, “expressão da atividade intelectual (...) e de comunicação” – que são direitos constitucionalmente adjetivados de “fundamentais” e de pronto qualificados como conteúdos do princípio da “liberdade” (Título II, art. 5o, este pelo seu caput e incisos IV, IX e XIV). Liberdade, acresça-se, que a mesma cabeça do art. 5o da Constituição concede sob o timbre da “inviolabilidade”. Acontece que assim também sob “a marca registrada” da fundamentalidade e da inviolabilidade foi que a nossa Constituição conferiu o direito subjetivo à “intimidade”, à “vida privada”, à “honra” e à “imagem” das pessoas (inciso X do mesmíssimo art. 5o), com o que se tem um confronto de direitos subjetivos que obriga o intérprete a conhecer o modo pelo qual a própria Constituição conciliou as duas categorias de dispositivos – espécie de opção entre o certo e o certo, no pressuposto de que ela, a Constituição, se deseja aplicada em todos os seus dispositivos. Mas aplicada por modo a sacrificar a amplitude desse ou daquele direito que, sem tal redução de conteúdo, terminaria por nulificar a aplicabilidade do outro, ou até de muitos outros. Caso típico da censura prévia ou da antecipada autorização de quem se veja como alvo de empreitada biográfica, pela óbvia razão de que: a) censura prévia é trancafiar em uma só masmorra o pensamento, a informação e toda a forma de expressão intelectual, científica, artística e de comunicação, na linguagem mesma da Constituição; b) autorização prévia para se deixar biografar é mal disfarçada autobiografia, não por acaso rotulada de “biografia chapa-branca”.
Por esse prisma de análise, penso que a nossa Magna Carta optou pela redução de conteúdo do segundo bloco de direitos (intimidade, vida privada, honra e imagem). Primeiro, porque o dispositivo que assegura a liberdade de manifestação do pensamento: a) só proíbe “o anonimato”, e nada mais; b) vem antes do “direito de resposta” e de “indenização por dano material, moral ou à imagem” (incisos IV e V, respectivamente). Depois, porque essa mesma ordem de precedência topográfica favorece o direito de expressão perante, justamente, aquele segundo bloco de direitos (incisos IX e X, respectivamente). Direito de expressão que é de ser desfrutado “independentemente de censura ou licença”. E quanto ao acesso à informação, cuida-se de direito subjetivo tão constitucionalmente protegido que se faz acompanhar do resguardo do “sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional” (parte final do inciso XIV do multicitado art. 5o). É sabido que a informação é o mais idôneo meio de uma consciente comunicação intersubjetiva e com a totalidade do corpo social. Há, portanto, uma ponderação diretamente constitu cional entre os dois blocos de direitos fundamentais. Ponderação que leva ao entendimento de que biografar, por não ser descrição de nada por acontecer, mas de coisas já acontecidas, é atividade de quem apenas descreve o modo pelo qual o biografado viveu. O que pode alcançar a informação da maneira pela qual ele, biografado, já fez o concreto uso de suas intimidade e vida privada. Em outros termos, o ato de biografar não se traduz em interceptar escutas telefônicas, teleobjetivar recintos privados, esconder-se em armários alheios ou qualquer outra forma de corromper, conspurcar, interromper ou obstruir o direito que assiste à pessoa humana de desfrutar de uma vida íntima e manter relações de natureza privada. Nada disso! Biografar é a descrição do que vem depois desse desfrute, materializado por um modo a que o biógrafo teve acesso. Contudo, se quem se dispõe a elaborar uma biografia descambar para o campo da invencionice, ou então da coleta de dados tão maliciosamente distorcidos a ponto de ofender a honra do biografado, além de causar a este prejuízos de ordem “material, moral ou à imagem”, o que pode ocorrer em termos jurídicos? Bem, o que pode ocorrer não é senão a aplicabilidade das normas constitucionais que falam do direito de resposta e de indenização. Além daquelas que legitimam o código penal a criminalizar condutas caluniosas, difamatórias e injuriosas (que são crimes, exatamente, contra esse valor jurídico-constitucional da honra das pessoas). Essa a interpretação que me parece conferir o máximo de funcionalidade a um tipo de sistema constitucional, como o nosso, que faz da liberdade de expressão a maior expressão da liberdade.
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Foto: Acervo particular
Dr. Raul e o farol da liberdade TĂŠcio Lins e Silva
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Jurista e advogado criminal
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Nota do Editor É sumamente confortante ler e refletir sobre as consi derações que o consagrado e conceituado criminalista Técio Lins e Silva faz à memória de seu ilustre e saudoso pai, que segue como rumo de sua vida, o que também se assemelha e se coaduna com o longevo jornalista, que, decorridas seis décadas, lembra-se bem das lições de dignidade, ética, respeito e alta consideração que o seu querido e ausente pai David lhe incutiu, cultivando-as na memória. Ainda hoje, decorrido quase um século, são princípios morais que perduram como marco imorredouro. Técio Lins e Silva é bem um privilegiado, que segue na trilha da moralidade que herdou, e se impôs, seguindo e aplicando a norma e o sentido da Parábola dos Talentos, transmitindo aos outros os ensinamentos que herdou e aprendeu.
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dvogar é compreender os dramas humanos. A lição, de simples e extraordinária importância, orienta meus passos desde os bancos da faculdade. É dos mais marcantes ensinamentos que me foram dados por aquele que tenho o privilégio de chamar de mentor e pai: dr. Raul Lins e Silva. Referência para muitos profissionais de diferentes gera ções, dr. Raul completaria 100 anos em 2013. Seu coração parou cedo, em 1968, em uma desastrosa cirurgia cardíaca, que privou o Brasil de um dos seus mais talentosos advogados em plena oposição ao regime militar. Todavia, dr. Raul nunca partiu de nossas vidas. Fez-se presente pelo exemplo de generosidade, gentileza e defesa da liberdade que cultivou, tanto na profissão quanto na vida pessoal, e que se estendeu para muito além dos 54 anos que passou entre nós. Nascido em berço simples, era o quarto de 13 filhos de uma família humilde de Olinda. Mudou-se para o Rio de Janeiro com a família ainda criança. Dotado de extremas sensibilidade e simplicidade, gostava de ir trabalhar de ônibus, porque se sentia parte do povo. Nutria aquele amor ao próximo que o fazia advogar independentemente da remuneração. Fosse o cliente rico ou pobre, dedicava-se com a mesma integridade. Aonde quer que fosse, fazia-se respeitar sem ser arrogante. Em casa, na rua ou no tribunal, foi um homem genuinamente modesto. O mais generoso e mais compreensivo que conheci. Dr. Raul notabilizou-se como democrata militante, que acreditava na igualdade. Sua essência libertária logo o conduziu à defesa de presos políticos, já no Estado Novo de Getúlio Vargas. Foi também um dos primeiros advogados a opor-se aos militares após o golpe de 64. Chamava colegas para dividir as causas e atuava sem alarde nos bastidores para obter habeas corpus e quebrar a incomunicabilidade
dos presos políticos. Quando nos deixou, dr. Raul estava em plena atividade. Fui eu, então, o encarregado de dar sequência aos seus processos, oportunidade inestimável de mirar-me, mais do que nunca, em seu exemplo e de colocar em prática o que ele me ensinou. Com sua incrível capacidade de observar a alma humana, dr. Raul exercitou na advocacia um humanismo fundamental, que o situa como um dos mestres das artes de ouvir e de inquirir. Jamais conheci alguém com tamanha habilidade para conduzir audiências. Dono de incrível intuição, ele sabia perguntar e sabia ficar calado. Ainda hoje, quando me vejo em situações delicadas em audiências, e me questiono se deveria seguir inquirindo ou se estaria na hora de parar, penso em como dr. Raul se comportaria, que caminho seguiria. Era um advogado completo, desde a primeira relação com o cliente até a construção do processo e a elaboração da causa – verdadeiro ourives, obsessivo trabalhador da prova e do processo. Aprendi com ele a necessidade de conhecer em detalhes a causa, reconhecer seus pontos fortes e fracos para, então, construir a melhor defesa. Dr. Raul acreditava que o advogado era tanto melhor quanto mais imerso na dimensão humana dos processos. E que isso não seria possível sem navegar pelos clássicos: dizia que, para entender os dramas humanos, era preciso ler Dom Quixote. São lições de um apaixonado pela advocacia, que sempre incentivou os mais novos. Nestes meus 49 anos de foro criminal, encontrei inúmeras vezes seus contemporâneos, companheiros de trabalho, que falam com entusiasmo e comoção do engajamento do dr. Raul. Seu legado de retidão, combatividade e independência foi construído no seio das mais diversas relações, desde familiares e colegas, até clientes e juízes. É triste observar que a democracia que ele tanto defendeu não tenha, ainda, se infiltrado de maneira mais profunda na Justiça brasileira. Mas dr. Raul não se deixaria lamentar. Ele nos mostrou que há sempre uma porta a se abrir, mesmo diante do maior problema ou do mais feroz inimigo. Cabe a nós, advogados, mantermos viva a luta pela liberdade, defendendo aqueles que dependem de nós para acreditar em um país mais justo. Um país no qual os novos advogados tenham em quem se mirar para seguir adiante, feito faróis em tempos de trevas.
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A securitização no Brasil: um olhar sobre as milícias cariocas Luís Augusto Soares de Andrade
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Promotor de Justiça do Estado do Rio de Janeiro Membro da International Association of Law Enforcement Intelligence Analysts (IALEIA) Membro do Instituto de Inteligência Criminal (Intecrim)
s estudos que culminaram na teoria da securitização iniciaram-se a partir de questionamentos sobre a teoria tradicional que predominou durante toda a Guerra Fria, na qual somente o Estado e as correspondentes questões militares eram objeto da temática referente à segurança. Temas relacionados ao meio ambiente e à economia começaram a ocupar a agenda de institutos de pesquisa no decorrer das décadas de 1970 e 1980. Segundo tais teóricos, os Estudos de Segurança Internacional (ESI) evoluíram para abrangerem questões além da defesa ou da guerra e para abordarem os setores político, econômico, social e ambiental. Tem-se, assim, o processo de securitização caracterizado por ser um movimento que classifica determinadas ameaças como questões que ultrapassam as regras preestabelecidas pela política. Essa extensão do conceito de segurança foi abraçada pelos teóricos da assim conhecida Escola de Copenhague, onde elaboraram a teoria da securitização. Trata-se de uma versão extremada da politização. Preconiza-se que uma questão possa ser classificada de não politizada, politizada ou securitizada. Tem-se como não politizada aquela que não envolva o Estado, colocando-se à parte de qualquer debate ou decisão pública. Politizada é a que provoca uma decisão governamental, incluída no contexto das políticas públicas. Por fim, a questão é securitizada quando representa uma ameaça existencial ao próprio Estado e/ou às suas instituições, impondo medidas urgentes e justificando ações além do processo político normal. 18
A partir desse raciocínio, qualquer questão pode inicialmente ser classificada como não politizada, tornando-se securitizada em momento posterior conforme as circunstâncias. Neste processo estão envolvidos os agentes securitizadores, os quais desempenham papel fundamental. São agentes ou atores que argumentam em favor de determinada questão, apontando e convencendo acerca de seu grau de importância no campo da segurança. O convencimento é fator essencial para que se confira legitimidade ao discurso e, consequentemente, a questão se torne securitizada. A partir desse embasamento teórico, podemos analisar o fenômeno das milícias cariocas, verificando as características que permitam classificá-lo como uma questão securitizada, respeitada a devida adequação ao ordenamento jurídico pátrio. O fenômeno das milícias no Estado do Rio de Janeiro pode ser visto como uma espécie de poder paralelo com características próprias, isto é, organizações criminosas de cunho mafioso que representam uma questão que perpassa, necessariamente, etapas ou fases para atingir certo patamar de poder político e econômico. Nessa ordem de ideias, a primeira fase é a econômica, quando, por meio da exploração de atividades impostas ao povo ou à comunidade sob seu poder paramilitar, a organização adquire forte concentração de capital e patrimônio. Munida desse poder econômico, adquire, então, a capacidade de se aventurar na seara política por meio da infiltração de seus integrantes. Forma-se uma espécie de ciclo que se retroalimenta, uma vez que, ampliando seu poder político, incrementa-se o poder econômico que o garante1.
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Foto: Arquivo JC
Essa semelhança estrutural e de formação com organizações de natureza mafiosa alerta para uma ameaça que vai além de aspectos meramente relacionados à segurança pública de um ente da Federação. Evidencia-se um cenário que extrapola fronteiras estaduais por meio da corrosão de instituições estatais de poder, como, por exemplo, o Legislativo, desde o âmbito local até o federal, por meio do processo eletivo regular. O fenômeno em análise representa uma ameaça às instituições estatais, aos Poderes Constituídos e, em especial, ao Legislativo por permitir o acesso desses criminosos ao processo de formação de leis em diversas áreas, editando normas que visem aos interesses da organização e de outras com ela conexas, bem como conferindo uma blindagem às correspondentes atividades ilícitas. Esse cenário nos permite afirmar que as milícias cariocas foram, sim, securitizadas, mas a partir de uma interpretação flexível da teoria formulada pela Escola de Copenhague. A importação da teoria da securitização, assim como qualquer outra, pode ser efetuada, mas com as devidas adequações à disciplina constitucional brasileira. A simples importação de uma teoria, sem a devida compatibilização com o ordenamento jurídico pátrio, pode trazer equívocos ou torná-la inexequível e ineficiente. Uma teoria que preconiza qualquer tipo de tratamento de exceção ao cidadão deve ser confrontada com a sistemática legal e, principalmente, a constitucional, sobre o tema, sob pena de perda da sua utilidade prática.Nosso ordenamento jurídico encampa diversos princípios internacionais de tutela aos
direito humanos, dentre eles a vedação ao tratamento discriminatório e aos regimes de exceção. Assim, a aplicação rigorosa da teoria da securitização encontraria, em tais princípios, uma barreira intransponível. Entretanto, flexibilizando-se a teoria, pode-se reconhecer um processo de securitização quando, observado o ordenamento jurídico vigente, estabelece-se um tratamento diferenciado a uma determinada questão reconhecida como ameaça ao Estado e à nação. Assim ocorreu com as milícias, as quais, reconhecidas como ameaça às instituições estatais, receberam tratamento próprio, sendo descritas como tipo penal autônomo previsto no artigo 288-A do Código Penal. Trata-se, pelo exposto, de um exemplo prático de securitização em solo brasileiro desde que se importe a teoria de forma compatível com o ordenamento jurídico pátrio. À toda evidência, estamos diante de um processo ainda incipiente em face da proporção que tais organizações criminosas têm alcançado, mas, sem dúvida, os primeiros passos estão sendo tomados, cabendo o enfrentamento do fenômeno não apenas às autoridades públicas no exercício de suas funções, mas também aos acadêmicos, por meio de estudos e reflexões que confiram novas abordagens e uma dimensão mais próxima da realidade diante da ameaça que se coloca às instituições estatais.
Nota Resolução no 433/2008 – CPI das milícias. Disponível em: <http://www.alerj.rj.gov.br>. Acesso em 27 nov. 2013.
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O endividamento das famílias brasileiras pode ter um lado positivo? Antonio José Maristrello Porto
Pedro Butelli
Professor do Centro de Pesquisa em Direito e Economia da FGV Direito Rio
Professor do Centro de Pesquisa em Direito e Economia da FGV Direito Rio
Foto: Divulgação FGV Direito Rio
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e acordo com números fornecidos pelo Banco Central, em 2005 a dívida da família brasileira era em torno de 18% da sua renda anual, ou seja, o total da dívida da família brasileira média era aproximadamente um quinto do que esta família ganhava em um ano. Em maio de 2013, esses valores cresceram e passaram a corresponder a 44,52% da sua renda anual, um valor que causa preocupação quando levamos em consideração que esse é o quinto mês consecutivo em que houve aumento. É comum ver esses números sendo interpretados como uma deterioração da situação financeira dos brasileiros, isto é, quase que de forma direta faz-se uma relação na qual de um lado está o endividamento dos brasileiros e do outro a certeza do inadimplemento futuro, ou simplesmente que os indivíduos necessariamente estarão em uma pior situação financeira como um todo por causa do seu endividamento. Isso não é necessariamente verdade. O acesso ao crédito pode possibilitar o financiamento de algo produtivo e economicamente desejável pelo indivíduo, como o investimento em sua educação ou na de seus filhos, a expansão de sua empresa familiar ou a garantia do capital de giro para um pequeno negócio. O investimento financiado é benéfico não só para o indivíduo que o toma, mas também para a economia do país como um todo. A interpretação direta do aumento do endividamento como algo prejudicial, portanto, é limitada e deixa de lado aspectos positivos do acesso ao crédito como o financiamento de um futuro mais produtivo. Vale lembrar que países como Alemanha, Canadá, França e
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“A degradação da situação financeira pode ter início com a escolha, por exemplo, do uso do cheque especial, com juros em torno de 136% ao ano, em detrimento de um crédito pessoal, com o custo mais baixo, de 68% ao ano”
Foto: Divulgação FGV Direito Rio
Estados Unidos apresentam taxas de endividamento muito superiores às brasileiras. É necessário mais do que o simples aumento nas taxas de endividamento, fornecidas pelo BC, para fazermos inferências unicamente negativas quanto ao instituto do financiamento. Se esse aumento de endividamento ocorre de forma imprudente, sem planejamento e para financiar “supérfluos”, temos razões para nos preocuparmos. Comprometer grande parte da renda com dívidas oriundas de desperdícios e falta de planejamento é algo que colocará a estabilidade financeira da família em risco: qualquer diminuição da renda disponível, seja por um imprevisto como problemas de saúde, divórcio ou perda do emprego, poderá fazer com que essas dívidas não possam mais ser pagas, e por isso surgem os temidos fenômenos da inadimplência e do superendividamento. A escolha correta dos instrumentos de financiamento é fundamental para evitar problemas relacionados ao endividamento. A degradação da situação financeira pode ter início com a escolha, por exemplo, do uso do cheque especial, com juros em torno de 136% ao ano, em detrimento de um crédito pessoal, com o custo mais baixo, de 68% ao ano. No entanto, os contratos com taxas de juros mais baixas não garantem a tranquilidade do devedor. Estudos do Centro de Pesquisa em Direito e Economia da FGV Direito Rio indicam que cerca de um terço dos indivíduos atendidos pelo Núcleo de Defesa do Consumidor (Nudecon) da Defensoria Pública do Rio de Janeiro, órgão que faz a conciliação entre endividados e credores, é composto por aposentados que, em média, têm fácil acesso ao crédito consignado. De fato, é possível observar vários indivíduos que, mesmo adquirindo 100%
de suas dívidas por meio do crédito consignado, chegam à condição de superendividados apesar dos juros mais baixos pagos por meio desse instrumento. Portanto, a análise do fenômeno do endividamento isoladamente é enviesada, pois não basta enxergar apenas os riscos que nascem com o aumento do endividamento, é preciso também olhar por trás dos números e encontrar a real origem da necessidade do acesso ao crédito: se é para acalentar um presente já desgastado e corroído pela inflação ou para financiar um futuro mais produtivo. Em ambos os casos, o consumidor de crédito se bene ficiaria de regulação concernente ao crédito responsável e à prevenção do superendividamento, algo proposto pelo projeto de lei do Senado no 283, de 2012, que inclusive propõe a prevenção de assédio ao consumidor, principalmente o idoso. Se a análise mais profunda das causas do endividamento excessivo não for feita, corremos o risco de perpetuarmos uma cultura de demonização do acesso ao crédito, enquanto este é um instrumento essencial para o desenvolvimento econômico do país e do bem-estar individual.
Antonio José Maristrello Porto
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O Agravo na sistemática dos recursos repetitivos Novos contornos
Nilza Bitar
Desembargadora do TJERJ
Fernanda Sepúlveda Terra Cardoso Barbosa Telles
1. Contextualizando 1.1 O juízo de admissibilidade dos recursos excepcionais s recursos especial e extraordinário são meios voluntários de impugnação de determinadas decisões judiciais (aquelas especificadas, respectivamente, nos incisos dos artigos 105 e 102 da Constituição da República)1, o primeiro com julgamento da competência do Superior Tribunal de Justiça, e o segundo, do Supremo Tribunal Federal. São classificados doutrinariamente como “recursos excepcionais”, haja vista que dos demais recursos se distinguem quanto à finalidade precípua, que não é o resguardo do interesse do sucumbente, mas sim a garantia da inteireza e da eficácia das normas constitucionais (recurso extraordinário) e infraconstitucionais (recurso especial).2 O seu exame pelas Cortes Superiores do país está sujeito ao atendimento pelo Recorrente, na confecção das razões recursais, de pressupostos formais de admissibilidade (cabimento, tempestividade, preparo, sucumbência, regularidade formal, questão de direito, exaurimento das instâncias ordinárias e prequestionamento), sob pena de ver frustrado seu intuito de modificação do julgado do Tribunal Estadual ou Federal prolator da decisão vergastada pelo Superior Tribunal de Justiça ou pelo Supremo Tribunal Federal, conforme o caso.
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Juíza Auxiliar da 3a Vice-presidência do TJERJ
1.2 O papel da 3a Vice-Presidência do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro Compete à 3a Vice-Presidência do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, por força do artigo 33, II, do CODJERJ3, a realização do denominado “juízo de admissibilidade” dos recursos especial e extraordinário, previamente ao “juízo de mérito”, este privativo dos Tribunais Superiores. Com efeito, o sistema de admissibilidade dos recursos especial e extraordinário é “desdobrado ou bipartido”, nas palavras do prof. Rodolfo Mancuso4, o que significa dizer, simplificadamente, que o Tribunal a quo e o Tribunal ad quem realizam, de forma desmembrada ou distribuída, respectivamente, o juízo de admissibilidade e o juízo de mérito dos recursos excepcionais. Ademais, o juízo de admissibilidade é realizado casuisticamente pela 3a Vice-Presidência, e não em abstrato. Cada caso concreto é alvo de apreciação individualizada, com exame detalhado das razões do Recorrente quanto ao preenchimento dos pressupostos em questão. Ainda a esse respeito, convém destacar a pecu liaridade deste juízo de admissibilidade recursal, que, para alguns, ensejaria, de certo modo, incursão no mérito da controvérsia quando da análise da existência de violação a dispositivo de lei constitucional ou federal.5
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1.3 Os recursos repetitivos e os recursos com repercussão geral No contexto atual, de intensificação das relações sociais, massificação dos conflitos trazidos ao conhecimento do Poder Judiciário para solução e crescente demanda de litígios a compor, foi criada uma disciplina legal regulamentando o processamento e o julgamento dos recursos especiais “repetitivos”6 e criando a preliminar de “repercussão geral”7 nos recursos extraordinários como requisito formal específico para a admissão dos mesmos e a consequente apreciação do caso pelo Supremo Tribunal Federal. No âmbito da sistemática legal de admissibilidade dos recursos especiais repetitivos e extraordinários, com ou sem repercussão geral reconhecida pela Suprema Corte do país8, a 3a Vice-Presidência do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro criou uma “tabela de teses”9, sujeita à cotidiana atualização, para fiel cumprimento das diretrizes de julgamento emanadas do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal no tocante aos temas jurídicos recorrentemente examinados naqueles recursos e que comportam solução padronizada. Nesse cenário, existem as seguintes possibilidades de decisão pela 3a Vice-Presidência no exercício de suas atribuições: 1) Recurso Extraordinário com repercussão geral não reconhecida pelo STF – INADMISSÃO AUTOMÁTICA (artigo 543-B, parágrafo 2o, CPC); 2) Recurso Extraordinário com repercussão geral reconhecida pelo STF – Recurso paradigma ainda não definitivamente10 julgado pelo STF – SOBRESTAMENTO; 3) Recurso Extraordinário com repercussão geral reconhecida pelo STF – Recurso de paradigma definitivamente julgado pelo STF – DECLARASE PREJUDICADO o Recurso, na hipótese de o v. acórdão recorrido estar em conformidade com o julgamento do paradigma e DETERMINASE A REMESSA DOS AUTOS À CÂMARA DE ORIGEM, na hipótese de desconformidade, para o exercício de juízo de retratação, se for o caso; 4) Recurso Especial sobre matéria repetitiva – Recurso de paradigma no STJ ainda não definitivamente julgado – SOBRESTAMENTO (artigo 543-C, parágrafo 1o, CPC);
Foto: Arquivo pessoal
Nesse cenário, as Cortes Superiores desempenham seus papéis de uniformização da jurisprudência nacional quanto à aplicação da Lei Federal e à interpretação e à aplicação dos dispositivos da Constituição da República, essenciais à garantia da segurança jurídica e à pacificação social.
Nilza Bitar, desembargadora do TJERJ
5) Recurso Especial sobre matéria repetitiva – Recurso paradigma no STJ definitivamente julgado – Acórdão em consonância com a decisão do STJ – NEGATIVA DE SEGUIMENTO Acórdão em dissonância com a decisão do STJ – DETERMINASE A REMESSA DOS AUTOS À CÂMARA DE ORIGEM, para o exercício de juízo de retratação, se for o caso (artigo 543-C, parágrafo 7o, I e II, CPC); 6) INADMISSÃO do Recurso Especial e/ou Extraordinário pela inobservância dos pressupostos de admissibilidade (cabimento, tempestividade, preparo, sucumbência, regularidade formal, questão de direito, exaurimento das instâncias ordinárias e prequestionamento). 7) ADMISSÃO do Recurso Especial e/ou Extraor dinário, na hipótese de atendimento dos aludidos pressupostos acima elencados, bem como daqueles descritos, respectivamente, nos artigos 105, III, alíneas “a”, “b”, “c”, e 102, alíneas “a”, “b”, “c” e “d”, da Constituição da República. 1.4 O Agravo do artigo 544 do Código de Processo Civil Contra as decisões de inadmissão dos recursos especial e extraordinário, estabelece o artigo 544 do Código de Processo Civil o cabimento de AGRAVO11, interposto
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no prazo de 10 dias, dirigido à Presidência do Tribunal de origem, a ser apreciado pelo Superior Tribunal de Justiça e pelo Supremo Tribunal Federal, conforme a espécie recursal. Contrarrazoado pelo(s) Recorrido(s), o recurso excepcional subirá ao Tribunal Superior correspondente para processamento na forma regimental e julgamento. 2. O Agravo do artigo 200 do Regimento Interno do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro Contra as decisões que determinam o sobrestamento de um recurso especial, negam-lhe seguimento ou determinam a remessa dos autos à Câmara prolatora do v. acórdão recorrido para o exercício de juízo de retratação, caso pertinente, assim como aquelas que declaram prejudicado um recurso extraordinário, sobrestam seu processamento ou oportunizam o juízo de retratação ao Órgão de que se originou a decisão vergastada, tem cabimento o AGRAVO REGIMENTAL de que cuida o artigo 200 do Regimento Interno do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, no prazo de cinco dias, recebido pela 3a Vice-Presidência, autuado pela 1a Vice-Presidência e julgado pelo Órgão Especial. Recebida a petição do AGRAVO pela 3a VicePresidência, procede-se à autuação do recurso, a cargo da 1a Vice-Presidência, e, ato-contínuo, o Órgão Especial o coloca em mesa, observada sua pauta de votações, para julgamento, ocasião em que é apresentado o voto elaborado pela 3a Vice-Presidência e decidida a questão, com a participação dos 25 desembargadores que o integram. Contudo, antes da publicação da Resolução TJ/OE/ RJ No 10/201312, ocorrida em 25 de março de 2013, não havia previsão normativa para o julgamento do AGRAVO pelo Órgão Especial. O Recorrente, insatisfeito com decisão proferida na sistemática dos recursos repetitivos e com repercussão geral, interpunha AGRAVO junto à 3a Vice-Presidência, que decidia monocraticamente pelo não conhecimento de tal recurso, ante a inadequação da via processual. Fundamentava-se tal decisão no fato de que, no exercício das funções previstas no artigo 33, II do CODJERJ – deferir ou indeferir o seguimento de recursos excepcionais, resolvendo os incidentes que se suscitarem –, o 3o Vice-Presidente não atua como membro de qualquer órgão colegiado deste Tribunal de Justiça. Sua competência, na realidade, é inerente ao cargo, não se compreendendo como as decisões proferidas em razão dela possam ser revistas por qualquer órgão julgador no sentido do artigo 226 do CODJERJ, reproduzido no artigo 200 do Regimento Interno do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, com redação válida até 25/3/2013. 24
Contra a referida decisão monocrática de não conhecimento do AGRAVO, alguns Recorrentes impetraram Mandado de Segurança, levando a questão ao conhecimento do Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. A propósito, no Mandado de Segurança no 004601775.2012.8.19.0000, impetrado pelo Município de Niterói, da relatoria do eminente Desembargador Bernardo Moreira Garcez Neto, houve a concessão da segurança, por votação unânime do Órgão Especial, ocorrida em 15 de abril do corrente ano, nos seguintes termos: Writ constitucional para obter o processamento do agravo regimental contra decisão do Terceiro Vice-Presidente, que negou seguimento ao recurso especial, em cumprimento ao art. 543-C, § 7o, inciso I, do CPC, por entender que a hipótese do acórdão recorrido coincide com o entendimento do Superior Tribunal de Justiça no julgamento de paradigma, sob o rito dos recursos repetitivos. 9. O impetrante menciona erro na decisão do Terceiro Vice-Presidente, que negou seguimento ao recurso especial no 0187909-10.2005.8.19.0002 interposto pelo Fisco (fls. 113/130). Diz que a hipótese do especial não se adéqua ao paradigma (tese no 106) julgado pelo Superior Tribunal de Justiça, sob o rito dos recursos repetitivos. 10. Após a inadmissão do urso (fls. 137/138) pela autoridade coatora, o impetrante interpôs agravo regimental para este Órgão Especial (art. 226 do CODJERJ), a fim de que fosse revista a decisão monocrática (fls. 141/145). O Terceiro VicePresidente não conheceu do agravo regimental (fls. 147/148), sob o fundamento de que “o parágrafo único, do referido art. 226, do CODJERJ, estabelece não ser cabível recurso de que cuida o caput em relação às decisões proferidas pela Terceira Vice-Presidência nos processos judiciais, somente se admitinda sua interposição quando se tratar da hipótese no inciso IV, do art. 33, do mesmo diploma legal – não sendo este o caso dos autos (sic – fls. 148). 12. O impetrante pretende com o writ obter o processamento do agravo regimental para seu julgamento pelo órgão colegiado competente. 13. Há direito líquido e certo na pretensão do impetrante, a teor da jurisprudência do STJ. Senão vejamos: 14. No AgRg no Ag 1345024 - SP (D.J.e. 20.04.2012), a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça decidiu o seguinte, verbi: “AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO INTERPOSTO CONTRA DECISÃO QUE NEGA SEGUIMENTO AO RECURSO ESPECIAL COM BASE NO ART. 543-C, § 7o, I DO CPC. DESCABIMENTO. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. A Corte Especial deste Superior Tribunal de Justiça firmou o entendimento de que não cabe Agravo contra a decisão que nega seguimento ao Recurso Especial com base no art. 543-C, § 7o, I do CPC: QO no Ag 1.154.599/SP, CE, Rel. Min. CESAR ASFOR ROCHA, DJe 12/5/2011.2. O instrumento adequado para a correção de equívocos na aplicação do art. 543-C, § 7o, I do
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deste Regimento; § 1o-A - Também caberá agravo regimental, a ser julgado pelo Órgão Especial, contra a decisão que, na forma dos arts. 543-B e 543-C do Código de Processo Civil, determinar que fiquem suspensos recursos especial ou extraordinário”. 19. Portanto, não há razão para não admitir o agravo regimental na hipótese em julgamento. 20. Assim sendo, CONCEDE-SE A SEGURANÇA para, confirmando a liminar de fls. 152/157, determinar o processamento e a remessa do agravo regimental (fls. 141/145) a este Órgão Especial para julgamento. Sem custas (artigo 17, inciso IX, da Lei Estadual no 3350).” (Grifo nosso.) Descabidos os honorários, conforme o artigo 25 da Lei no 12.016.
Fernanda Sepúlveda Terra Cardoso Barbosa Telles, Juíza Auxiliar da 3a Vice-presidência do TJERJ
CPC é o Agravo interno. 3. Agravo Regimental desprovido. Remessa dos autos ao Tribunal de origem, para julgamento do pedido como Agravo Regimental (Precedente: AgRg no AREsp 84.138/PR, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, DJe 23/3/2012).” (Grifos do relator.) 15. Tal entendimento tem sido adotado pelas Turmas do STJ. Confiram-se os precedentes: AgRg no AREsp no 152.154-DF (DJe 23/5/2012) e EDcl nos EDcl no AREsp 65522-SP (DJe 28.05.2012).16. Verifica-se, ainda, que a decisão do Terceiro Vice-Presidente ao aplicar o art. 543-C, § 7o, inciso I, do CPC, não se confunde com o juízo de admissibilidade do recurso especial, pois contra tal decisão é cabível agravo de instrumento do artigo 544 do Código de Processo Civil. Tal agravo, contudo, não é adequado para impugnar a negativa de seguimento do recurso constitucional no rito dos recursos repetitivos, conforme já estabeleceu a Corte Nacional. 17. Desta forma, considerando que a hipótese não é de juízo de admissibilidade de recurso especial, é possível a utilização do mandado de segurança, bem como o processamento do agravo regimental, em observância à jurisprudência dominante no Superior Tribunal de Justiça. 18. Aliás, este Tribunal de Justiça, através de alteração de seu Regimento Interno (Resolução TJ/OE 10/2013), consagrou o entendimento dos Tribunais Superiores, no sentido de admitir o agravo regimental contra a decisão que determinar a suspensão dos recursos especial e extraordinária, na forma 543-B e 543-C do CPC, verbi: “Art. 3o. Compete ao Órgão Especial: (...) II - julgar: (...) i) julgar o agravo regimental previsto no § 1o-A do art. 200,
Uma vez publicada a Resolução TJ/OE/RJ No 10/2013, em 25 de março do corrente ano, passou a vigorar com nova redação o citado artigo 200 do RITJ/RJ, prevendo expressamente o julgamento do AGRAVO pelo Órgão Especial e, com isso, prestigiando a recorribilidade das decisões proferidas pela 3a Vice-Presidência no âmbito dos recursos especiais e extraordinários repetitivos. Por derradeiro, cumpre ressaltar que, no âmbito da 3a Vice-Presidência, não raro constata-se haver a interposição pelo Recorrente do AGRAVO do artigo 544 do Código de Processo Civil contra as aludidas decisões, em vez do AGRAVO REGIMENTAL, ensejando a prolação pela 3a Vice Presidência de decisão monocrática de não conhecimento do recurso por inadequação da via processual eleita. Ressalte-se, nesse particular, que inaplicável se afigura a fungibilidade recursal nessas hipóteses, notadamente considerando que o AGRAVO do artigo 544 do CPC é apreciado pelos Tribunais Superiores, e o AGRAVO REGIMENTAL, pelo Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Nesse sentido: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO No 0181753-04.2008.8.19.0001 (Data do julgamento: 27/5/2013 – Órgão Especial do Estado do Rio de Janeiro) “AGRAVO DE INSTRUMENTO RECEBIDO COMO AGRAVO REGIMENTAL PELO TRIBUNAL DE ORIGEM POR FORÇA DE DECISÃO PROFERIDA PELO EGRÉGIO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. AGRAVO INTERPOSTO NO PRAZO DO ARTIGO 544 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL – ERRO GROSSEIRO – INAPLICÁVEL A FUNGIBILIDADE RECURSAL – CARÊNCIA DE REQUISITO EXTRÍNSECO DE ADMISSIBILIDADE: A TEMPESTIVIDADE – PREPARO NÃO EFETIVADO – DESERÇÃO. NÃO CONHECIMENTO DO RECURSO.” (Grifo nosso)
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“No âmbito da sistemática legal de admissibilidade dos recursos especiais repetitivos e extraordinários, com ou sem repercussão geral reconhecida pela Suprema Corte do país, a 3a VicePresidência do TJERJ criou uma ‘tabela de teses’, sujeita à cotidiana atualização, para fiel cumprimento das diretrizes de julgamento emanadas do STJ e do STF no tocante aos temas jurídicos recorrentemente examinados naqueles recursos e que comportam solução padronizada.” 3. Conclusão O exercício do juízo de admissibilidade dos recursos excepcionais pelos Tribunais ad quem do país, de cujo âmbito se originou a decisão recorrida, foi idealizado com a finalidade precípua de redução do quantitativo de recursos a serem apreciados pelos Tribunais Superiores, de modo a manter a viabilidade de funcionamento dos mesmos, sem prejuízo, a toda evidência, da garantia constitucional do acesso à Justiça. Nessa esteira, o exercício do juízo de mérito pelas Cortes Superiores de Justiça fica restrito aos recursos que receberem, previamente, juízo positivo de admissibilidade dos Tribunais ad quem ou quando provido Agravo do artigo 544 do CPC determinando a admissão do recurso. Nesse contexto deve ser compreendida a atribuição da 3a Vice-Presidência do Tribunal do Estado do Rio de Janeiro de que trata o artigo 33, II, do CODJERJ, permanentemente pautada pela observância das restritivas regras processuais de admissibilidade recursal excepcional, sob pena de desvirtuamento de seu papel institucional.
Notas 1 Art 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe: III - julgar, mediante recurso extraordinário, as causas decididas em única ou última instância, quando a decisão recorrida: a) contrariar dispositivo desta Constituição; b) declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal; c) julgar válida lei ou ato de governo local contestado em face desta Constituição; d) julgar válida lei local contestada em face de lei federal. Art. 105. Compete ao Superior Tribunal de Justiça: III - julgar, em recurso especial, as causas decididas, em única ou última instância, pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos tribunais dos Estados, do
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Distrito Federal e Territórios, quando a decisão recorrida: a) contrariar tratado ou lei federal, ou negar-lhes vigência; b) julgar válido ato de governo local contestado em face de lei federal; c) der a lei federal interpretação divergente da que lhe haja atribuído outro tribunal. 2 SALOMÃO, Luiz Felipe. Breves anotações sobre a admissibilidade do recurso especial. Revista de Direito do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. n. 78, jan./fev./mar. 2009, p. 13-32. 3 Art. 33. Ao 3o Vice-Presidente compete: II - deferir ou indeferir, por delegação do Presidente do Tribunal e em despacho motivado, o seguimento de recursos extraordinários manifestados contra decisões proferidas em última instância pelos órgãos julgadores do Tribunal de Justiça, resolvendo os incidentes que se suscitarem (Código de Processo Civil, artigo 543, § 1o); 4 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Recurso extraordinário e recurso especial. 11. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010, p. 154 e seguintes. 5 Agr. Reg. no Resp 713020/RS, Min. Francisco Falcão, 1a. T, j. 14/6/2005, DJ 29/8/2005. MANCUSO, obra citada, p. 163. 6 Leia-se: recursos fundamentados em idêntica questão de direito. 7 Leia-se: recursos cuja matéria neles ventilada apresente relevância econômica, política, social ou jurídica. 8 A sistemática de admissibilidade dos recursos excepcionais é disciplinada pelo artigo 543 e alíneas do Código de Processo Civil, introduzidas pela Lei no 11.418/2006. 9 As “teses” constituem, simplificadamente, espécies de ementas das questões jurídicas repetitivas, alvo de apreciação pelos Tribunais Superiores por meio da via recursal excepcional, correspondendo a “temas” no âmbito destas Cortes de Justiça. A “tabela de teses” do repertório do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro pode ser consultada pelo sítio eletrônico www.tjrj.jus.br. 10 Leia-se: “trânsito em julgado” da decisão do Tribunal Superior.\ 11 Art. 544. Não admitido o recurso extraordinário ou o recurso especial, caberá agravo nos próprios autos, no prazo de 10 (dez) dias. § 1o O agravante deverá interpor um agravo para cada recurso não admitido. § 2o A petição de agravo será dirigida à presidência do tribunal de origem, não dependendo do pagamento de custas e despesas postais. O agravado será intimado, de imediato, para no prazo de 10 (dez) dias oferecer resposta, podendo instruí-la com cópias das peças que entender conveniente. Em seguida, subirá o agravo ao tribunal superior, onde será processado na forma regimental. § 3o O agravado será intimado, de imediato, para no prazo de 10 (dez) dias oferecer resposta. Em seguida, os autos serão remetidos à superior instância, observando-se o disposto no art. 543 deste Código e, no que couber, na Lei no 11.672, de 8 de maio de 2008. § 4o No Supremo Tribunal Federal e no Superior Tribunal de Justiça, o julgamento do agravo obedecerá ao disposto no respectivo regimento interno, podendo o relator: I - não conhecer do agravo manifestamente inadmissível ou que não tenha atacado especificamente os fundamentos da decisão agravada; II - conhecer do agravo para: a) negar-lhe provimento, se correta a decisão que não admitiu o recurso; b) negar seguimento ao recurso manifestamente inadmissível, prejudicado ou em confronto com súmula ou jurisprudência dominante no tribunal; c) dar provimento ao recurso, se o acórdão recorrido estiver em confronto com súmula ou jurisprudência dominante no tribunal. 12 Art. 1o. As disposições abaixo enumeradas do Regimento Interno do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro passam a vigorar com a seguinte redação: “Art. 3o (...) I - (...) i) julgar o agravo regimental previsto no § 1o -A do art. 200, deste Regimento. (...) Art. 200 (...) § 1o-A - Também caberá agravo regimental, a ser julgado pelo Órgão Especial, contra a decisão que, na forma dos arts. 543-B e 543-C do Código de Processo Civil, determinar que fiquem suspensos recursos especial ou extraordinário. Rio de Janeiro, 25 de março de 2013. (a) Desembargadora LEILA MARIANO Presidente do Tribunal de Justiça. Republicada por ter saído com erro material no DJERJ de 3/4/2013.
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O equilíbrio econômico e financeiro no Direito brasileiro Arnold Wald
Advogado
A
s Constituições de 1934 e de 1946 e a Carta de 1937 asseguraram, aos concessionários, a revisão de tarifas, a fim de que os seus lucros, não excedendo a justa remuneração do capital, lhes permitissem atender a necessidades de melhoramentos e expansão desses serviços (art. 137 da Constituição de 1934, art. 147 da Carta de 1937 e art. 151 da Constituição de 1946). Comentando a Constituição de 1946, esclareceu Caio Tácito, em 1960, que: A doutrina ou a jurisprudência nacionais não foram, ainda, mobilizadas para a exegese construtiva do preceito constitucional. Os comentadores à lei fundamental não vão além das apreciações gerais, na compreensível expectativa de que a lei ordinária especifique critérios e medidas sobre o regime dos serviços públicos concedidos. 28
Decorre, no entanto, diretamente, da norma constitucional, a consagração inequívoca do princípio do equilíbrio financeiro da concessão de serviço público.1
Na realidade, os constitucionalistas da época, e, em particular, Themístocles Cavalcanti e Pontes de Miranda2, ambos citados por Caio Tácito, não se detiveram na matéria, merecendo, a mesma, maior exame por parte dos administrativistas, que, já naquela época, extraíam do texto constitucional o princípio do equilíbrio econômico e financeiro, que seria explicitado na Constituição de 1967 (art. 160), na Emenda Constitucional no 1, de 1969 (art. 167), na Constituição de 1988 (art. 37, XXI) e na legislação ordinária. Quando foi elaborado o texto do Decreto-lei no 2.300, de 21/11/1986, o Consultor-Geral da República, Professor Saulo Ramos, salientou, na respectiva Exposição de
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Motivos, que nele se consagrava o princípio do equilíbrio econômico e financeiro, afirmando que: Os poderes de controle e direção da Administração Pública, na execução dos contratos, constituem um aspecto expressivo que atende à necessidade de satisfazer os interesses coletivos, tornando o particular contratado um real colaborador do serviço público. Assim, o projeto dispõe sobre a alteração unilateral da situação jurídico-contratual, no que pertine às cláusulas regulamentares ou de serviço, respeitada, sempre, equação econômico-financeira do contrato, vale dizer, “a equivalência razoável entre as obrigações, atendida álea ordinária do contrato”. (v. Caio Tácito, ob. cit., p. 294)3
E, no art. 55 do mencionado diploma legal, previu-se a alteração do contrato administrativo, por acordo das partes, nos seguintes termos: (...) para restabelecer a relação, que as partes pactuaram inicialmente, entre os encargos do contrato e a retribuição da Administração para a justa remuneração da obra, serviço ou fornecimento, objetivando a manutenção do inicial equilíbrio econômico e financeiro do contrato. ........... 6o Em havendo alteração unilateral do contrato, que aumente os encargos do contratado, a Administração deverá restabelecer, por aditamento, o equilíbrio econômicofinanceiro inicial.
Na elaboração da Constituição de 1988, não se manteve a expressão “equilíbrio econômico e financeiro” na regulamentação específica das concessões, que se encontra no art. 175, com a seguinte redação:
financeiro do contrato (art. 167, II). Na atual Carta, esse direito continua garantido na expressão “política tarifária” (art. 175, parágrafo único, III), devendo ser assegurado aos concessionários e permissionários pelo poder concedente ou permitente. A Lei 8.666/93 admite, por sua vez, o aditamento do contrato para a manutenção do equilíbrio econômico e financeiro inicial quando houver alteração de encargos ou de tributos (art. 65, II, ‘d’, e § 6o). Não se trata de um gracioso privilégio concedido aos que contratam com o Poder Público, mas de uma justa compensação pela alteração unilateral do contrato administrativo, nas condições ou circunstâncias que afetem a parte financeira do ajuste e as previsões iniciais da empresa quanto aos seus encargos econômicos e os lucros normais do empreendimento.4
Com a devida vênia, parece-nos que a garantia da manutenção do equilíbrio econômico e financeiro não está no art. 175 da Constituição, que só se refere à política tarifária e a obrigação de manter serviço adequado, respeitados os direitos dos usuários. E não se encontra também plena e explicitamente assegurada na Lei nº 8.666/93, que, conforme a interpretação a ser dada, só a torna obrigatória: (...) na hipótese de sobrevirem fatos imprevisíveis, ou previsíveis porém de consequências incalculáveis, retar dadores ou impeditivos da execução do ajustado, ou ainda, em caso de força maior, caso fortuito ou fato do princípe, configurando álea econômica extraordinária e extracontratual.
Art. 175. Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos. Parágrafo único. A lei disporá sobre: I – o regime das empresas concessionárias e permissionárias de serviços públicos, o caráter especial de seu contrato e de sua prorrogação, bem como as condições de caducidade, fiscalização e rescisão da concessão ou permissão; II – os direitos dos usuários; III – política tarifária; IV – obrigação de manter serviço adequado.
Deve-se salientar que a maioria dos comentadores da Constituição vigente também não examina se houve ou não modificação da posição do constituinte no tocante à garantia do equilíbrio econômico e financeiro. Assim sendo, coube à jurisprudência assinalar que, na Constituição de 1988, a garantia do equilíbrio econômico e financeiro se encontrava no art. 37, X, da Magna Carta, até com uma extensão maior do que a anteriormente existente, pois se tornou explicitamente aplicável a todos os contratos administrativos e não somente à concessão, como ocorria no passado. Estabelece o texto constitucional:
Alguns autores entenderam que se mantinha o princípio constitucional do equilíbrio econômico e financeiro do contrato, com base no mencionado art. 175, como se verifica pela seguinte análise de eminentes administrativistas:
Art. 37. A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e, também, ao seguinte. .......... XXI – ressalvados os casos especificados na legislação, obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante
Essa doutrina, hoje universal, estava consagrada expressa mente na Constituição da República anterior, que, ao cuidar da concessão de serviço público, estabelecia que as tarifas devem assegurar o equilíbrio econômico e
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Assim, de acordo com o texto constitucional vigente, as obras, os serviços, as compras e as alienações, no campo do direito administrativo, inclusive as concessões, devem obedecer ao princípio da garantia da equação econômico-financeira, sendo mantidas as condições reais e efetivas, econômicas e financeiras da proposta. Veremos, em seguida, que, em virtude da norma contida no art. 175 da Constituição de 1988, que caracterizou a permissão como contrato, a ela também se aplica o mesmo princípio. Entre as várias decisões que versaram a matéria, comprovando a manutenção do princípio constitucional, destaca-se o acórdão unânime proferido pelo Tribunal Regional Federal da 1a Região, na Apelação Cível no 91.01.110063, do qual foi relator o Juiz – depois Ministro do Superior Tribunal de Justiça – VICENTE LEAL, cuja ementa é a seguinte: A Constituição Federal de 1967, sob a redação da Emenda no 1/69, assegurava, nos contratos de concessão de serviços públicos, a manutenção do equilíbrio econômico e financeiro do pacto, por meio da fixação de tarifas reais, suficientes, inclusive, para a justa remuneração do capital e a expansão dos serviços (art. 167, II). O mesmo princípio, com maior abrangência, encontra-se esculpido no artigo 37, XXI, da nova Carta Política.5
No texto do acórdão acima citado, salientou ainda o relator que: Ressalte-se, por fim, que não procede a tese de que a Constituição de 1988 excluiu do equilíbrio econômico-financeiro dos contratos administrativos como afirmado no recurso. De modo contrário, o novo Estatuto fundamental tratou do assunto com maior abrangência, contemplando todos os contratos celebrados entre Administração Pública e particular. O preceito constitucional, inserto no art. 37, XXI, da Lei Maior, obriga inserção, nos contratos administrativos de cláusula que estabeleça obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta. Tal preceito consubstancia, sem qualquer dúvida, o princípio do equilíbrio econômicofinanceiro do contrato. Assim, o art. 175 da Constituição deve ser compreendido na visão do preceito geral inscrito no art. 37, XXI, do mesmo Estatuto Fundamental.6
O Superior Tribunal de Justiça também teve o ensejo de manifestar-se sobre a matéria, em relação às 30
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processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações.
Arnold Wald, advogado
concessionárias de transporte urbano, no RMS 16810, julgado em 28.4.1993, e do qual foi relator o Ministro DEMÓCRITO REINALDO.7 Finalmente, também em relação às permissionárias tem sido entendido que deve ser garantido o equilíbrio econômico-financeiro, conforme decisão da 2a Turma do STJ, no RMS no 582-SP, relatado pelo Ministro AMÉRICO LUZ.8 Aliás, o art. 40 da Lei no 8.987/95 manda aplicar às permissões as normas referentes às concessões, inclusive as relativas aos reajustes e revisões de tarifas, tendo em vista o equilíbrio econômico-financeiro. Não se pode olvidar que o art. 175 da Constituição vigente reconheceu que a permissão é um contrato – e não mais um ato unilateral, como anteriormente entendia a doutrina. Essa modificação foi reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal, em voto do Ministro CARLOS MÁRIO VELLOSO, no qual salientou que: Existe, em ampla doutrina pátria, a distinção entre permissão e concessão. Entendo que a partir da Constituição de 88, a permissão tem contratualidade, foi equiparada à concessão sob este aspecto. Não há mais distinção substancial entre um e outro instituto em face do art. 175, parágrafo único, I, da CF.
Por sua vez, observou, em recente parecer, o Professor CAIO TÁCITO que:
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De logo, observe-se que é gratuita a afirmação de que os permissionários de serviço público não gozam de direito à justa percepção de tarifas adequadas ao custeio do serviço – a permitir livre-arbítrio da autoridade administrativa em detrimento da estabilidade e regularidade na prestação do serviço aos usuários. Em nada o sistema legal admite que as tarifas de serviços públicos sob regime de permissão não obedeçam ao mesmo regime de proporcionalidade e adequação aos custos do serviço que regem as concessões. Em parecer emitido sobre caso análogo (Revista de Direito Administrativo – vol. 169, p. 187-197) destacamos a aplicação do princípio da garantia do equilíbrio financeiro a serviços de transporte coletivo, outorgados como permissão, que, por sua destinação, são dotadas de uma necessária continuidade que repele o caráter precário da relação jurídica. ..... Assim como ao concessionário, também ao permissionário se impõe o dever de aplicar o capital necessário ao regular funcionamento do serviço e à segurança de sua continuidade e ao dever de investir corresponde o correlato direito à cobertura dos custos e à justa remuneração do capital aplicado no serviço.
Assim sendo, a nossa conclusão, no particular, é no sentido seguinte: a) A Constituição de 1988 assegura o equilíbrio econômico-financeiro a todos os contratos administrativos bilaterais e comutativos, em virtude do disposto no seu art. 37, XXI. b) A garantia da manutenção do equilíbrio econômico-financeiro também se aplica às permissões, consideradas como contratos pela Constituição (art. 175) e caracterizadas como sendo contratos de adesão pelo legislador ordinário (art. 40 da Lei no 8.987/95). A distinção entre equilíbrio econômico e equilíbrio financeiro A doutrina e a jurisprudência consideram que o equilíbrio financeiro e o equilíbrio econômico se confundem, tendo o constituinte de 1967 e 1969 e o legislador brasileiro, nas várias vezes que utilizaram essa expressão, dado ênfase ao que, no exterior e em particular na França, se denomina a equação financeira do contrato, destinada a assegurar “a manutenção das bases do acordo, a equivalência financeira e comercial que nele foi (inicialmente) consagradas”.9 É preciso salientar, inicialmente, que a Constituição brasileira foi uma das poucas a tratar explicitamente do assunto,10 pois, na maioria dos demais países, o regime jurídico dos contratos administrativos, em geral, e da concessão, em particular, decorre da legislação ordinária e da jurisprudência.
Em segundo lugar, a teoria da equação financeira esteve mais ligada, em certos casos, na doutrina estrangeira, às hipóteses de modificação unilateral das obrigações contratuais pelo Poder Público. Utilizou-se, por outro lado, a teoria da imprevisão para restabelecer a comutatividade contratual quando a sua violação tinha decorrido de fatos não imputáveis ao Estado, embora se possa considerar que também a teoria da imprevisão tenha como finalidade o restabelecimento do equilíbrio inicial, quando rompido por fatos inevitáveis, ensejando uma mudança radical da posição das partes. Não obstante a doutrina e a jurisprudência nacionais dominantes considerarem que as duas formas de equilíbrio se identificam, deve ser ponderado que o legislador – e, especialmente o constituinte – não usa palavras inúteis e que, no Brasil, havia razões especiais para usar uma terminologia que abrangesse tanto os aspectos econômicos como os financeiros da equação contratual. Coube a MARIO HENRIQUE SIMONSEN – doublé de economista e (eventualmente) de jurista – fazer a distinção entre os dois aspectos da garantia constitucional, sustentando que a equação econômica se refere ao lucro que o concessionário deve auferir em virtude da concessão, ou seja a sua rentabilidade global. Cabe aliás salientar que, como vimos, enquanto as Constituições anteriores (de 1934 a 1946) se limitavam a garantir ao concessionário lucros, que deviam constituir uma retribuição justa e adequada do capital, os textos constitucionais de 1967 e 1969 fazem a distinção entre a justa remuneração do capital e a garantia do “equilíbrio econômico e financeiro do contrato”. No caso, esclareceu o douto e saudoso economista, que, enquanto a equação econômica se referia à rentabilidade global do contrato, a equação financeira significava a manutenção das entradas (receitas) e saídas (desembolsos) de recursos financeiros (input e output), no patrimônio do concessionário, na forma e no ritmo inicialmente previstos pelo contrato. Caso tal equilíbrio não se mantivesse, impunha-se o ressarcimento, pelo concedente, dos prejuízos sofridos pelo concessionário. Parece-nos que esta distinção é tanto mais válida que o Brasil apresentou, infelizmente, durante muitos anos, o maior – senão um dos maiores – índice inflacionário do mundo, além de ter tido juros bancários que também se situaram entre os mais altos dos países desenvolvidos e em desenvolvimento. A distinção defendida por MARIO HENRIQUE SIMONSEN tem efeitos práticos da maior importância, pois enseja, na prática, como consequência necessária, a abrangência na indenização devida, no caso de mora do Poder Público, não só dos juros legais, mas dos juros de mercado, que são, em certos casos, muito superiores. Efetivamente, o credor, que contratou com o Estado e dele não recebeu oportunamente os pagamentos devidos,
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ao contratado, razão pela qual Caio Tácito conclui que no Direito brasileiro, a tarifa confiscatória (ou a remuneração confiscatória de empreiteiro) importa também em infração à garantia constitucional do direito de propriedade (art. 153, 22, da EC/I) (Caio Tácito, Direito Administrativo. São Paulo: Saraiva, 1975, p. 246).
No seu voto, o relator, Desembargador ITAMAR PEREIRA DA SILVA, ainda salientou que:
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ou o concessionário, cujas tarifas foram indevidamente congeladas, teria, em virtude da garantia do equilíbrio financeiro, direito aos juros de mercado, seja porque teve que pedir dinheiro emprestado para manter a continuidade da obra ou do serviço, quer porque utilizou recursos próprios em quantia superior àquela que estava obrigado a investir, na obra ou no serviço. Neste último caso deixou de obter uma remuneração do capital, da qual disporia se o Poder Público tivesse cumprido atempadamente as suas obrigações. A matéria não se apresenta pois como sendo simplesmente acadêmica mas, ao contrário, ensejou – e continua ensejando – discussões nos planos administrativo e judicial. Efetivamente, a Consultoria-Geral da República chegou a reconhecer que, embora não caiba à Administração, em transação com os credores, pagar juros de mercado, no caso de mora, os mesmos poderiam ser exigidos judicialmente com base no equilíbrio econômico-financeiro.11 Por sua vez e, em parte, com base no mencionado parecer, a a 1 Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Pernambuco decidiu, em 3.4.1990, examinando recurso interposto em ação declaratória proposta pela CONSTRUTORA MENDES JR. contra a CHESF12, na Apelação Cível no 816/89, que, no contrato de construção, quando o construtor financia a obra, sem obrigação de fazê-lo, em virtude de inadimplemento do dono da obra, justifica-se a condenação deste último ao pagamento dos juros de mercado. O mencionado acórdão teve o ensejo de salientar, transcrevendo trecho de parecer de minha autoria, que era legal e justa a pretensão do autor da ação, pois: Na realidade, não cumprindo a obrigação de manter o equilíbrio financeiro, a Administração Pública, além de violar frontalmente o art. 167 da Constituição, também pratica, por via oblíqua, uma desapropriação em relação 32
In casu, não havendo sido possível o acordo, forma administrativa, entre as partes, cuido ser inafastável o direito do particular de obter sua pretensão através do Judiciário, a fim de restabelecer aquele equilíbrio econômico-financeiro rompido brutalmente no contrato questionado, face a inadimplência da Administração (por longo tempo), determinando que a empreiteira fosse buscar recursos no mercado, para não paralisar os trabalhos e entregar a obra na forma pactuada. Mesmo que MENDES JÚNIOR não houvesse recorrido ao mercado financeiro, injetando, sim, dinheiro próprio na obra, situação seria inalterável, pois aquele seu capital deveria ser remunerado pelas taxas operadas pelos Bancos ao País. Doutra forma, volto dizer, seria locupletamento indevido da Administração. Chamo isso de reembolso, que não foi compensado pela correção monetária destinada apenas repor o poder aquisitivo original valor do débito em atraso, não cobrindo tais gastos. Penso que é o mínimo que a Administração está obrigada a pagar. Se as partes não acordaram em cláusulas de defesa à altura desta inesperada hiperinflação que atingiu o País, onde já se começa a exigir a atualização dos salários, dia a dia, ao invés de quinzenalmente como já ocorre, nada mais correto do que a intervenção do Judiciário, funcionando como verdadeiro termostato da situação, para restabelecer o equilíbrio perdido por força dos atrasos nos pagamentos, pela Administração, obrigando o particular a ir buscar meios financeiros no mercado de capital, juros esses que nos dias de hoje alcançam cifras inimagináveis mesmo para os mais derrotistas economistas. Esse elemento gravoso que interferiu na questão, comprometendo o contrato, não foi querido nem previsto pelas partes. Entra aí, então, o Judiciário para solução dos desencontros. É legal e é justo, porque ninguém de bom senso pode negar o direito do particular de ser reembolsado dos custos financeiros que suportou para manter obra sem paralisação, nestas condições excepcionais, face à não disponibilidade de recursos por parte da Administração.
A decisão do tribunal local foi objeto de recurso especial, que não foi conhecido, embora alguns dos
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votos tivessem abordado o mérito da questão. Assim, por exemplo, o Ministro PEÇANHA MARTINS enfatizou que: A equação financeira do contrato é tese já assentada na melhor doutrina deste País e nestes Tribunais: no Tribunal Federal de Recursos, no Supremo Tribunal Federal e também neste Superior Tribunal de Justiça. Assim, por exemplo, os trabalhos dos Professores Caio Tácito, Hely Lopes Meirelles, Cretella Júnior e Arnoldo Wald, que, dentre outras referências, faz uma a velho acórdão prolatado pelo primeiro Ministro Peçanha Martins, mandando que se fizesse indenização integral à firma que houvera sido levada à falência por inadimplência do Estado de São Paulo – se não me falha a memória. Aqui mesmo, lembro que, quando se discute a questão de contratos do BNH, por unanimidade, a Turma vem assentando que há que se fazer respeitar a equação financeira dos contratos. E não poderia ser de outra forma, porque esse é um preceito constitucional, que não diz respeito apenas aos contratos administrativos, mas a todos eles, até porque o contrário seria a consagração da tese do enriquecimento ilícito por uma das partes.13
Embora sejam poucas as decisões neste sentido, há certamente uma tendência dos tribunais para reconhecer que, nos contratos administrativos, o equilíbrio financeiro deve ser assegurado, inclusive com o pagamento dos juros de mercado, quando for o caso, em virtude da garantia constitucional do equilíbrio financeiro. Trata-se de matéria que mereceria uma uniformização jurisprudencial, especialmente numa época na qual os juros de mercado, não obstante o declínio da inflação, continuam a ser muito superiores aos juros legais. O equilíbrio financeiro no direito privado A tese do Professor CAIO TÁCITO, no particular, não se limitou ao direito administrativo mas passou a abranger contratos de direito privado sujeitos à ampla regulamentação estatal, como é o caso das operações do Sistema Financeiro da Habitação. Na realidade, ao lado dos contratos interindividuais comuns, existem as relações jurídicas dentro de um sistema, como, por exemplo, quando ocorre um repasse institucional de recursos, com o necessário casamento ou atrelamento entre o regime da correção monetária, que incide sobre os depósitos, recebidos pelos bancos, e sobre os mútuos, por eles concedidos aos seus clientes. Situação análoga existe em outros ramos da atividade econômica, nos quais deve haver uma identidade de moeda de conta, ou seja, da indexação entre os créditos e os débitos de instituições repassadoras de recursos ou riscos, que necessitam ser quantificados no mesmo regime de correção monetária. É o que acontece não só com os bancos e a Caixa Econômica, mas também com
as empresas seguradoras que recebem prêmios e pagam sinistros, ou com as entidades da previdência privada, nas quais as contribuições dos associados garantem e servem de lastro para o pagamento das pensões e aposentadorias.14 Há, pois, a necessidade de se manter a equação financeira, nos casos de modificação do regime de correção monetária, especialmente nos chamados contratos dirigidos ou evolutivos, que, além de serem contratos de adesão, são dinâmicos. Neles, as partes têm a liberdade de contratar mas não a liberdade contratual, ou seja, podem ou não contratar as operações, mas as cláusulas das mesmas são as estabelecidas pelo Poder Público, em virtude de normas imperativas de aplicação imediata. Nestes contratos, nos quais as cláusulas são fixadas pelo Poder Público, a imutabilidade é considerada como um verdadeiro anacronismo15, pois o dirigismo contratual impõe a inserção de novas cláusulas ou a modificação das já existentes para atender a interesses coletivos, independentemente da vontade da parte. Entende, aliás, a melhor doutrina que ocorre no caso uma adesão prévia a um conteúdo indeterminado, mas determinável, do contrato, fruto das normas legais e regulamentares, aceitando as partes, desde o início, a possibilidade de substituição das cláusulas iniciais por outras decorrentes de normas cogentes.16 Ocorrendo modificação, é preciso restabelecer a equação financeira, abrangendo não só uma das relações contratuais mas também o grupo de contratos aos quais a mesma pertence do ponto de vista econômico. Deve-se admitir, no caso, o conceito econômico de repasse, que se caracteriza pelo uso, num contrato, de recursos decorrentes ou obtidos em outro, formando-se, assim, uma verdadeira cadeia contratual, com repercussões em cascata no caso de alterações de alguns deles. Assim, os recursos externos foram repassados pelos bancos brasileiros aos seus clientes, passando os contatos internos (entre o banco nacional e o cliente) a serem considerados como sendo contratos internacionais, por derivação ou acessoriedade, nos quais prevalece a correção cambial. Esta ideia do “atrelamento” dos contratos de mútuo e de depósitos, servindo estes de lastro para aqueles, foi afirmada em numerosos julgados pelo Superior Tribunal de Justiça. Do mesmo modo, a necessidade de salvaguardar o equilíbrio financeiro dos contratos da previdência privada mereceu ser reconhecida em jurisprudência já consagrada pelo Superior Tribunal de Justiça. Cabe, aliás, salientar que, nos contratos dirigidos referentes a determinados sistemas, o respeito à equação financeira se torna uma condição da própria sobrevivência do sistema. Examinando a matéria e transpondo as lições do direito administrativo para o direito privado, o Professor CAIO TÁCITO, em parecer dado em 1985, teve o ensejo de salientar que:
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Ademais, os contratos imobiliários são, no caso, parte integrante de um todo interligado, de um sistema global de financiamento que tem, como outra face, a manutenção da estabilidade de suas fontes de alimentação financeira, consubstanciadas nos subsistemas da poupança e do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço. A noção do equilíbrio financeiro não opera somente nas relações entre mutuários e mutuantes, mas, igualmente, na reciclagem dos recursos financeiros que, em um mecanismo de vasos comunicantes, realimentam, no retorno do capital investido, dinâmica de novos investimentos.17
Após ter lembrado a distinção feita pela doutrina francesa entre a mutabilidade, como característica do contrato administrativo, e a presumida imutabilidade do contrato de direito privado, salientou o Professor CAIO TÁCITO que também estes tinham adquirido uma nova dinâmica, especialmente quando as suas cláusulas decorrem de determinação governamental. Partindo dessa premissa, concluiu que: Os contratos (realizados pelos integrantes do Sistema Financeiro da Habitação) sobre os quais versa a consulta são, consequentemente, possíveis de ser unilateralmente alterados em face da mutação da lei reguladora dos critérios de atualização dos valores monetários que os integram. O fato do príncipe que veio transformar-lhes a estrutura normativa importa a reformulação das correspondentes cláusulas que remetem à legislação em vigor. Não há, no plano constitucional, direito adquirido a determinada lei e as obrigações que, por sua própria natureza, se caracterizam pela adesão a um determinado sistema acompanham a dinâmica das suas mutações da ordem jurídica que são o lastro do negócio jurídico.18
Verificamos, assim, que, na sua contribuição para o desenvolvimento da teoria da equação financeira contratual, o professor CAIO TÁCITO também analisou as suas repercussões no direito privado, seja em virtude da aplicação da analogia ou dos princípios gerais do direito, seja como decorrência da garantia constitucional do devido processo legal substantivo, que abrange a necessidade imperativa de dar à lei uma interpretação racional e garantir a proporcionalidade entre direitos e obrigações. Conclusão Chega-se, assim, à conclusão que, no fundo, a teoria do equilíbrio econômico e financeiro foi desenvolvida construtivamente no direito brasileiro, em virtude das condições econômicas peculiares do nosso país. Assim sendo, recorreu-se ora à correção monetária, contratual ou legal, aplicável aos débitos em dinheiro dos particulares, que admitem os riscos do mercado, ora à teoria da imprevisão, 34
quando há modificações radicais do meio ambiente, ora à equação econômico-financeira que deve ser mantida na sua integralidade mas tão-somente nos contratos administrativos – e nos privados dirigidos ou evolutivos que lhe são equiparados – e nas dívidas de valor. Cabe ao jurista, que deve submeter a economia à ética, encontrar as soluções adequadas, a fim de evitar injustiças e iniquidades, que se multiplicam em virtude da inflação, pois a mesma “mantém as aparências e destrói as realidades”. Nesta luta pelo direito e pela justiça, coube ao Professor CAIO TÁCITO um papel importante, para evitar o enriquecimento sem causa e garantir a segurança jurídica, sem a qual nenhuma sociedade vive, sobrevive e se desenvolve.
Notas CAIO TÁCITO, Direito Administrativo, já cit., p. 246 THEMÍSTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI, A Constituição Federal Comentada, 3 ed., José Konfino Ed. 1958, vol. III, p. 276 e seg. e PONTES DE MIRANDA, Comentários à Constituição de 1946, tomo V, Editor Borsoi, 1960, p. 504, que enfatiza a revisão como meio de defesa do Poder Público, no caso de “excesso de lucro” por parte do concessionário, mas admite que a “revisibilidade pode ser para mais, ou para menos” (p. 507). O mesmo raciocínio é desenvolvido por PONTES DE MIRANDA nos seus Comentários à Constituição de 1967, tomo VI, Editora Revista dos Tribunais, p. 256 e seg. e especialmente p. 261, na qual se refere à lesão. 3 Apud HELY LOPES MEIRELLES, Licitação e Contrato Administrativo, 10 ed., p. 334. 4 HELY LOPES MEIRELLES, Licitação e Contrato Administrativo, 11 ed. já cit., p. 167. 5 Revista Forense, vol. 319, p. 141. A mencionada decisão foi objeto de Recurso Extraordinário da União Federal, do qual o Supremo Tribunal Federal, pela sua 1ª Turma, não conheceu, em decisão unânime de 17.6.97, sendo relator o Ministro OCTÁVIO GALLOTTI (RE nº 183. 180). 6 Revista Forense, vol. 319, p. 146. 24 RSTJ, nº 52, p. 305. 7 RSTJ, nº 52, p. 305. 8 JSTJTRF, nº 30, p. 30. 9 Conclusões de LÉON BLUM de 11.3.1910 no caso Ministério das Obras Públicas contra Compagnie Générale. 10 Parece que o único outro país que dá tratamento constitucional à material é o Uruguai (CAIO TÁCITO, Direito Administrativo, p. 230). 11 Trata-se de parecer dado pelo Dr. RAIMUNDO NONATO BOTELHO DE NORONHA, aprovado pelo Dr. SAULO RAMOS, no qual apreciou pleito da CONSTRUTORA MENDES JR. contra a CHESF, que acabou ensejando o processo judicial ao qual nos referimos em seguida. 12 CONSTRUTORA MENDES JR. contra a CHESF, que acabou ensejando o processo judicial ao qual nos referimos em seguida. 13 Resp nº 5.059, julgado em 27.11.1991, publicado in RSTJ, nº 72, p. 218. 14 ARNOLD WALD, O Novo Direito Monetário, Belo horizonte, Edição Ciência Jurídica, 1996, p. 116 e seg. E p. 359 e seg. 15 FARJAT, L’Ordre Public Économique, Paris, 1963. 16 MARIO CASELLA, Nullitá Parziale del Contratto e Inserzione Automatica di Clausula, Milão, Giuffrè, 1974, p. 162 e P. BARCELONA, Itervento Statale Autonomia Privata Nella Disciplina Dei Rapporti Economici, Milão, Giuffrè, 1969, p. 165 17 CAIO TÁCITO, parecer que consta na obra intitulada Constitucionalidade das Disposições da Lei nº 8.177, ABECIP, 1992, p. 183. 18 Obra citada na nota anterior, p. 187. 1
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Decálogo do advogado Ives Gandra da Silva
Membro do Conselho Editorial Professor emérito das universidades Mackenzie, UNIFMU, UNIFIEO, UNIP e CIEE
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1. O Direito é a mais universal das aspirações humanas, pois sem ele não há organização social. O advogado é seu primeiro intérprete. Se não considerares a tua como a mais nobre profissão sobre a terra, abandona-a porque não és advogado. 2. O Direito abstrato apenas ganha vida quando praticado. E os momentos mais dramáticos de sua realização ocorrem no aconselhamento às dúvidas, que suscita, ou no litígio dos problemas, que provoca. O advogado é o deflagrador das soluções. Sê conciliador, sem transigência de princípios, e batalhador, sem tréguas, nem leviandade. Qualquer questão encerra-se apenas quando transitada em julgado e, até que isto ocorra, o constituinte espera de seu procurador dedicação sem limites e fronteiras. 3. Nenhum país é livre sem advogados livres. Considera tua liberdade de opinião e a independência de julgamento os maiores valores do exercício profissional, para que não te submetas à força dos poderosos e do poder ou desprezes os fracos e insuficientes. O advogado deve ter o espírito do legendário El Cid, capaz de humilhar reis e dar de beber a leprosos. 4. Sem o Poder Judiciário não há Justiça. Respeita teus julgadores como desejas que teus julgadores te respeitem. Só assim, em ambiente nobre e altaneiro, as disputas judiciais revelam, em seu instante conflitual, a grandeza do Direito. 5. Considera sempre teu colega adversário imbuído dos mesmos ideais de que te revestes. E trata-o com a dignidade que a profissão que exerces merece ser tratada; 6. O advogado não recebe salários, mas honorários, pois que os primeiros causídicos, que viveram exclusiva mente da profissão, eram de tal forma considerados, que o pagamento de seus serviços representava honra admirável. Sê justo na determinação do valor de teus serviços, justiça que poderá levar-te a nada pedires, se legítima a causa e sem recursos o lesado. É, todavia, teu direito receberes a justa paga por teu trabalho. 7. Quando os governos violentam o Direito, não tenhas receio de denunciá-los, mesmo que perseguições decor-
ram de tua postura e os pusilânimes te critiquem pela acusação. A história da humanidade lembra-se apenas dos corajosos que não tiveram medo de enfrentar os mais fortes, se justa a causa, esquecendo ou estigmatizando os covardes e os carreiristas. 8. Não percas a esperança quando o arbítrio prevalece. Sua vitória é temporária. Enquanto fores advogado e lutares para recompor o Direito e a Justiça, cumprirás teu papel e a posteridade será grata à legião de pequenos e grandes heróis, que não cederam às tentações do desânimo. 9. O ideal de Justiça é a própria razão de ser do Direito. Não há direito formal sem Justiça, mas apenas corrupção do Direito. Há direitos fundamentais inatos ao ser humano que não podem ser desrespeitados sem que sofra toda a sociedade. Que o ideal de Justiça seja a bússola permanente de tua ação, advogado. Para isto estuda sempre, todos os dias, a fim de que possas distinguir o que é justo do que apenas aparenta ser justo. 10. Tua paixão pela advocacia deve ser tanta que nunca admitas deixar de advogar. E se o fizeres, temporariamente, continua a aspirar o retorno à profissão. Só assim poderás, dizer, à hora da morte: “Cumpri minha tarefa na vida. Restei fiel à minha vocação. Fui advogado”. * Artigo republicado na íntegra por motivo de supressão de trecho na publicação original (ed. 159)
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Empossados três novos desembargadores federais no TRF-3a Região
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m grupo de quatro magistrados de elevado saber jurídico, com grande experiência no primeiro grau e, ao mesmo tempo, dada a sua juventude, com a expectativa de muitos anos na Justiça Federal de segunda instância pela frente. Assim foram destacados pelo corregedor-regional da Justiça Federal da 3ª Região e futuro presidente do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, Fábio Prieto, os mais novos desembargadores federais da Corte: Toru Yamamoto, Marcelo Mesquita Saraiva, Tânia Regina Marangoni e David Diniz Dantas. Os desembargadores federais foram empossados na tarde de ontem (17/12), em solenidade realizada no tradicional salão nobre da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, localizada no Largo São Francisco. A Sessão Plenária Extraordinária Solene foi presidida pelo desembargador federal Newton De Lucca, presidente do tribunal, e contou em sua mesa de honra com a presença da Secretária de Estado da Justiça e Defesa da Cidadania, Eloisa de Sousa Arruda, do vice-presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo, desembargador José Gaspar Gonzaga Franceschini, do Chefe da Procuradoria Regional da República da 3ª Região, procurador Pedro Barbosa Pereira Neto, e da vice-presidente da OAB Seção São Paulo, doutora Ivette Senise Ferreira. Os novos desembargadores federais Os desembargadores federais Marcelo Saraiva e Toru Yamamoto foram promovidos pelo critério de antiguidade, ocupando os cargos vagos em decorrência da aposentadoria das desembargadoras federais Ramza Tartuce e Suzana Camargo, respectivamente. Sobre a promoção, Marcelo Saraiva disse: “É uma alegria muito grande. É a aspiração máxima da carreira do juiz federal. Eu acho que minha carreira vai contribuir muito porque o juiz de primeiro grau é soberano, ele decide, 36
sozinho, então ele tem que pensar em todas as nuances. Enquanto aqui no Tribunal ele tem que convencer seus pares. Ele leva sua experiência, tem que dividir o entendimento dele com seus colegas de turma e chegar à melhor solução”. Toru Yamamoto comentou: “Estou muito emocionado. Realmente é um momento muito importante na minha vida e já sinto o peso do cargo porque vai ter muito trabalho pela frente. Sem dúvida alguma, como eu sempre fui juiz criminal nos últimos 20 anos, essa experiência certamente vai ser de grande utilidade e me ajudar muito a encarar as coisas com o olhar de alguém de quem efetivamente vivenciou a matéria nos últimos anos”. A desembargadora federal Tânia Marangoni foi promovida pelo critério de merecimento na vaga decorrente da aposentadoria da desembargadora federal Marianina Galante. A nova magistrada do TRF3 disse: “Obviamente é um momento de muita emoção, não só para mim, mas para minha mãe e para minha família. Eu ingressei na magistratura há 22 anos e estar no tribunal e compor um tribunal tão importante como o TRF3, que é o maior tribunal federal do país, significa o ápice da carreira. É com muito orgulho que venho integrar o TRF3”. O desembargador federal David Dantas também foi nomeado pelo critério de merecimento para ocupar a vaga decorrente da perda do cargo do desembargador federal Paulo Theotônio Costa. “É uma projeção natural de todo juiz que ingressa na carreira que é ascender ao cargo de desembargador. Mas acredito que a perspectiva deve ser servir. Aproveitar a experiência no primeiro grau para no Tribunal desempenhar um trabalho de produzir mais sentenças, mais votos, com decisões mais justas, aprimoradas, pesquisando, conversando com os colegas, com uma postura humilde. A ideia é servir os servidores, os advogados o jurisdicionado, aquele que procura a Justiça. Os cargos são para fazermos justiça e não o fim em si mesmo”, disse o mais novo desembargador federal do TRF3.
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Desembargadores empossados
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Cerimônia de posse dos novos desembargadores
O presidente do TRF3, Newton De Lucca, professor titular do Departamento de Direito Comercial da Faculdade de Direito da USP, onde ocorreu a cerimônia, disse: “A minha alegria é muito grande. Eu me sinto profundamente feliz de dar posse a esses novos colegas por várias razões. Em primeiro lugar porque é uma necessidade enorme do Tribunal. Em segundo lugar por ser nesta casa, que é a minha casa, estou aqui há mais
de 40 anos: há 41 anos como professor e há cinco como aluno. Então é quase meio século de existência aqui. Minha ligação com o TRF é de 20 anos. Então podermos fazer a posse desse novos desembargador aqui é algo inenarrável, uma emoção muito grande. Esse dia entrará na memória para sempre”. * Com informações do TRF3
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O STF e a constitucionalidade dos planos econômicos
Camila Villard Duran
Professora Doutora da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (FDUSP) Departamento de Filosofia e Teoria Geral do Direito (DFD)
Foto: Arquivo USP
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o final de novembro, o STF promete julgar a constitucionalidade dos planos econômicos de estabilização monetária, formulados nas décadas de 1980 e 1990 pelo Poder Executivo brasileiro. Entre a tese das instituições financeiras e aquela das entidades de defesa dos consumidores, entendo que há alguns pontos que precisam pautar o debate público dessa questão jurídica socialmente relevante. Naquele momento histórico, os planos de estabilização buscaram restituir algumas das funções típicas da moeda nacional: reserva de valor e unidade de conta. A moeda brasileira não era capaz de transmitir no tempo seu valor e permitir pagamentos diferidos em sociedade. Tampouco ela era capaz de denominar o valor de contratos de forma perene, que eram constantemente reajustados por diferentes índices. A indexação impediu a dolarização da economia. No entanto, ela perpetuou o processo inflacionário e, assim, gerou um grande desafio a formuladores de política pública. A questão que permeava a burocracia brasileira era: como restituir a confiança social no padrão monetário nacional? O cenário intelectual da época privilegiava os chamados ‘choques heterodoxos’ com a interferência no reajuste de contratos (atos reputados juridicamente perfeitos), notadamente em contratos de depósito bancário como a poupança. Esse é o tema em pauta no STF, que irá impactar o julgamento de diversas ações em outras instâncias do Poder Judiciário. A racionalidade das leis monetárias, criadas por esses planos (aqui entendidas os decretos e as medidas
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provisórias convertidas em lei), era a de interferir em contratos celebrados anteriormente à sua vigência, disciplinando seus efeitos futuros. O principal diagnóstico do processo inflacionário brasileiro era o da inflação inercial – a inflação passada tornava-se presente graças à indexação contratual. Dessa forma, a interferência nesse mecanismo automático de reajuste monetário era medida alegadamente necessária de um plano econômico. Foi com essa racionalidade econômica que planos alteraram a forma de reajuste, por exemplo, de contas de poupança. É importante ressaltar, antes de trazer argumentos propriamente jurídicos, que os custos e os benefícios de políticas públicas são desigualmente distribuídos em sociedade. Nos planos econômicos, aqueles que tinham acesso ao sistema bancário e, especialmente, a contas de poupança sofreram parte dos custos da reforma monetária. Mas essa camada não era a maioria da população adulta brasileira. A grande maioria estava exposta à crueldade cotidiana da inflação, enfrentando filas gigantescas em supermercados no dia do pagamento para evitar a perda do poder aquisitivo de seus salários. O desafio da inclusão financeira, entretanto, ainda persiste: dados recentes apontam que 39,5% da população adulta brasileira não tem acesso a conta corrente ou poupança. Na região Nordeste, esse percentual é de 53%. O debate sobre os planos econômicos opõe dois modelos típicos de racionalidade, no sentido weberiano: a econômica, voltada a fins (o controle da hiperinflação brasileira) e a jurídica, preocupada com os meios da ação política (o respeito a atos reputados juridicamente perfeitos, uma garantia constitucional). Entretanto, a despeito de se tratarem de racionalidades tipicamente diversas, o direito não se exime da ponderação de resultados. A aplicação minimamente prudente de uma regra de direito envolve a avaliação de seus efeitos no futuro. O sistema jurídico não se volta somente ao passado para qualificar fatos e identificá-los como juridicamente relevantes – nesse caso, fatos relacionados à política econômica de controle à inflação. O direito também constrói cenários. A interpretação finalista integra o pensamento jurídico e, acima de tudo, decisões jurídicas. Nesse sentido, o Supremo Tribunal Federal tem sido ator social extremamente relevante e tem recorrido a esse tipo de interpretação. O operador do direito, notadamente um juiz, recorre não somente a juízos normativos (dever ser), mas também a juízos técnico-empíricos (fatos econômicos, inclusive) com os quais dialoga. Não estou aqui defendendo a colonização do sistema jurídico pelo sistema econômico. De forma alguma defendo que a razão jurídica deva se pautar pela eficiência de mercado. A colonização da vida social pelo juízo econômico da eficiência seria bastante perversa. O impacto
para o sistema jurídico seria a ignorância de certos valores que são tutelados e deveriam ser instransponíveis pela ação política. Como exemplo relacionado a planos econômicos, que ultrapassaram esses limites, podemos citar o bloqueio dos ativos financeiros pelo Plano Collor. A racionalidade de meios é muito cara aos juristas. No entanto, a interpretação de uma regra de direito precisa considerar sua finalidade e seus resultados futuros. Em muitos casos, será o efeito da decisão que garantirá a concretização de valores tutelados juridicamente. O tomador de decisão no sistema jurídico pauta sua ação também pela responsabilidade pelos resultados produzidos. O pensamento jurídico não é (e não deveria ser) unicamente pautado por uma ética de convicção (no sentido dado por Max Weber), ou seja, orientada somente pela crença absoluta em relação a meios independentemente dos efeitos futuros. Da perspectiva puramente técnico-jurídica, como rebater os argumentos relacionados à interferência política no ato jurídico perfeito, protegido constitucionalmente – os reajustes de contratos de poupança celebrados antes da introdução da lei monetária? Como construir um raciocínio que considere a racionalidade de meios, cara ao direito, mas pondere os resultados da decisão jurídica para o futuro? A proteção ao ato jurídico perfeito concerne os requisitos de validade do contrato no tempo de sua celebração – agente capaz; objeto lícito, possível, determinado ou determinável; e forma prescrita ou não defesa em lei. Esse é o princípio da segurança jurídica. Ou seja, lei que alterasse requisitos da capacidade do agente ou da forma do contrato não poderia se estender àqueles celebrados antes de sua vigência. No entanto, os normativos relativos a planos econômicos (as leis monetárias) interferiram nos efeitos dos contratos, dentre outros, da poupança – ou seja, nos índices de correção aplicáveis à época do pagamento da remuneração do depósito. O teor do artigo 2.035 do Código Civil de 2002 também trata dessa questão jurídica: “a validade dos negócios e demais atos jurídicos, constituídos antes da entrada em vigor deste Código, obedece ao disposto nas leis anteriores, […] mas os seus efeitos, produzidos após a vigência deste Código, aos preceitos dele se subordinam, salvo se houver sido prevista pelas partes determinada forma de execução.” Esse mecanismo jurídico, preser vando a segurança contratual, insere flexibilidade ao direito para se adaptar a mudanças sociais. O que quero sustentar é que essa racionalidade não é estranha ao direito. Ela integra as normas do direito civil brasileiro e a proteção constitucional ao ato jurídico perfeito. Essa é a racionalidade jurídica que deveria, a meu ver, pautar o debate sobre a constitucionalidade de leis monetárias: uma razão que integre considerações quanto a meios e resultados da decisão jurídica.
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E m foco, Carlos Alberto Luppi
Valmir Campelo, ex-presidente do TCU
U
m dos maiores objetivos do Tribunal de Contas da União, “ser reconhecido pelo país como instituição de excelência no controle e no aperfeiçoamento da administração pública”, sem dúvida será atingido em menos tempo do que se imagina. E com uma economia de bilhões de reais para os cofres públicos do país. Nos últimos dez anos, ao investir em tecnologia e competência técnica, na especialização do seu corpo técnico e no trabalho integrado com as diversas instituições de controle dos gastos públicos, como tribunais estaduais e municipais, Ministério Público e Controladoria-Geral da União, o TCU construiu uma reputação de alto nível para a população brasileira. 40
Foto: Sergio Lima/Folhapress
Ação do TCU faz gastos da Copa recuarem
Foram cerca de 2.000 fiscalizações em um total estimado de 2.500 obras públicas. E mais de 12 bilhões de reais foram economizados pelo país graças ao trabalho dos especialistas e ministros do TCU, hoje presidido pelo Ministro Augusto Nardes. “Nos últimos dez anos foi possível construir uma jurisprudência sólida, capaz de servir de farol sobre o que pode ou não pode ser feito, e o TCU tem se especializado para orientar os gestores em como bem gastar o dinheiro público”, revela um de seus maiores expoentes, o Ministro Valmir Campelo, ex-presidente do Tribunal e hoje relator de um tema de grande interesse nacional, os gastos e custos da Copa do Mundo de Futebol no Brasil. Uma apresentação elaborada por ele sobre os gastos da Copa no Brasil e o trabalho intenso e contínuo de fiscalização do TCU sobre as obras públicas constantes da Matriz de Responsabilidades do evento – 74 relacionadas à mobilidade urbana e 12 arenas/estádios – fez grande sucesso no recente Congresso Brasileiro dos Tribunais de Contas realizado no início de dezembro, em Vitória, no Espírito Santo. Nesta entrevista exclusiva à revista Justiça & Cidadania, o ministro faz diversas revelações inéditas sobre o assunto e outros temas ligados à atuação do Tribunal. Revela números e dados, inclusive a intervenção da fiscalização do TCU para a paralisação de 466 obras públicas que cometeram “irregularidades gravíssimas”. O Ministro Valmir Campelo revelou que o trabalho do TCU proporcionou, “somente em 2013 e sobre um total de 34,717 bilhões fiscalizados”, uma economia superior a 1,2 bilhão de reais aos cofres públicos e 700 milhões de reais de economia nos gastos das obras para a Copa do Mundo, um dinheiro que seria desperdiçado não fosse a atuação intempestiva da Corte Federal de Contas. Enfatizou, ainda, o slogan básico do trabalho do TCU, “antes de punir, educar”, afirmando que o índice de obras fiscalizadas com “irregularidades gravíssimas tem diminuído ano a ano, ao mesmo tempo em que o índice das que possuem irregularidades de menor gravidade aumentam”.
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Leia a íntegra da entrevista: Revista Justiça & Cidadania – Em termos de benefícios financeiros, qual o resultado das fiscalizações feitas pelo TCU com relação às obras da Copa do Mundo? Valmir Campelo – As ações de fiscalização empreendidas pelo TCU já renderem benefícios próximos a R$ 700 milhões. Isso somente nas auditorias em obras de infraestrutura (portos, aeroportos, mobilidade urbana e arenas). É um estádio de futebol inteiro. Um dinheiro que seria desperdiçado, não fosse a atuação tempestiva da Corte Federal de Contas. Isso sem paralisar nenhuma obra. J C – Como é feita, na prática, essa fiscalização? Como o Tribunal procede? VC – O TCU tem buscado realizar as suas auditorias ainda no embrião das contratações. Realizam-se análises dos editais de licitação – para evitar práticas de direcionamento de concorrências – como também nos projetos de engenharia dos empreendimentos, eminentemente em seus orçamentos. Desse modo, faz-se possível realizar correções em impropriedades identificadas antes mesmo de sua consumação. JC – O Tribunal já detectou problemas? Quais? E, em função de eventuais problemas existentes, quais as providências tomadas? VC – Eventualmente nossa equipe técnica questiona alguns critérios de dimensionamento de quantidades para os serviços, como também indaga sobre as referências mercadológicas adotadas para as estimativas de preços. Quando isso ocorre, por meio de reuniões técnicas e muita discussão processual, determinam-se as correções necessárias. Na maioria dos casos, porém, os próprios gestores reconhecem a necessidade de mudança e, por eles mesmos, reduzem os valores dos contratos ou sobre as estimativas de preços das licitações. Foi o que ocorreu no Maracanã (com R$ 97 milhões de reduções), na Arena da Amazônia (com R$ 84 milhões), no Aeroporto de Confins (com R$ 70 milhões), nos portos de Natal, Fortaleza, Manaus, Santos e Rio de Janeiro (com R$ 80 milhões), no aeroporto do Galeão (com R$ 30 milhões) e no aeroporto de Fortaleza (com R$ 15 milhões). Existem outros casos... J C – Consta, oficialmente, que, a menos de sete meses do início da Copa, 75,6% das obras de mobilidade urbana previstas estão atrasadas, incluindo as obras que não mais serão realizadas e/ou entregues para a competição. Parte considerável (38 obras) teve seus prazos prorrogados, o que implicará em maiores custos
e ajustes orçamentários. Como o Tribunal vê isso? Como o TCU procede nesses casos? VC – No que se refere ao transcorrer dos jogos em face dos chamados “canteiros de obra a céu aberto”, de fato, pode ocorrer alguma influência negativa durante a competição; é óbvio. Todavia, com relação ao que considero ser mais importante – o legado positivo para a sociedade –, depois que o Senado Federal aprovou a Resolução no 10/2013, mesmo que os empreendimentos não fiquem prontos para a Copa, o fluxo financeiro dos empréstimos que irrigam as obras (provindos da Caixa Econômica Federal) estará garantido. Significa que, cedo ou tarde, a população será beneficiada por esses investimentos. Em verdade, há muito tempo as grandes cidades brasileiras carecem de investimentos de vulto na área de mobilidade urbana. O grande mérito dos megaeventos esportivos, em minha opinião, foi colocar uma lupa sobre essas necessidades. Os governantes estão mais atentos para a questão, porque o povo também está. JC – A previsão atual de gastos oficiais com as obras da Copa é de 25,6 bilhões, e apenas 3,8 bilhões são de recursos privados. Isso amplia as responsabilidades do TCU considerando-se ainda que boa parte das obras custe mais caro do que o previsto originalmente. Quando isso acontece, como é feita a análise do Tribunal para liberar uma obra com orçamento maior? VC – Inicialmente, faz-se necessário esclarecer que boa fatia desses investimentos públicos faz-se na forma de empréstimos bancários dos bancos federais. Praticamente todo investimento público para os estádios e para as obras de mobilidade urbana provieram de empréstimos ou da Caixa Econômica Federal ou do BNDES. Nessas situações, uma vez repassados os recursos, o nu merário incorpora-se ao tesouro dos estados e municípios, e a competência originária de fiscalizar as licitações e os contratos decorrentes é dos respectivos Tribunais de Contas estaduais e municipais. O TCU, por sua vez, é responsável pela avaliação da regularidade das operações financeiras, como também de suas garantias. Também avaliamos o custo das obras para evitar algum desvio de finalidade daqueles investimentos dos bancos públicos federais. Isso entendido, no que se refere ao eventual “estouro” dos orçamentos, avaliamos tudo dentro do que prescreve a lei. Nos termos da Lei de Licitações, as obras podem abrigar um aumento de custos de até 25%; no caso de reformas, o limite é de 50%. Quando existe a extrapolação desses limites, são tomadas as medidas legais pertinentes. E independentemente do montante de acréscimo – é importante esclarecer –, avaliamos sempre se os aditivos também respeitam os preços de mercado.
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JC – Em que situações o TCU aceita atrasos e aumento de custos? VC – A questão dos atrasos e dos aumentos de custos perpassa pela qualidade do projeto; pelos gastos realizados anteriormente à realização da obra propriamente dita. O TCU vem apontando, de longa data, que a insuficiência no planejamento e as falhas na elaboração de projetos são as primeiras causas das mazelas identificadas em obras públicas pelo país. Essa é uma realidade que o Tribunal vem tentando mudar no decorrer dos anos. Muito já foi feito. Começamos as fiscalizações, como disse, cada vez mais cedo. Mas é claro que também existe longo caminho a ser percorrido; e sem dúvida que isso tangencia as obras e os projetos para a Copa do Mundo. Não se muda toda uma cultura do dia para a noite. JC – Em muitos casos houve recorrentes pedidos de aditivos orçamentários, logo no início das obras, como no caso de obras portuárias. Isso acontece por quê? VC – No caso específico das obras portuárias, temos observado que a fonte de maior número de aditivos concentra-se nas falhas nos estudos de sondagem e batimetria. Caso o subsolo “real” seja diferente do “projetado”, inevitavelmente haverá soluções técnicas distintas, o que interferirá no valor do empreendimento. Outra situação é que muitas intervenções em áreas portuárias serão realizadas em terrenos onde já existem outras edificações, o que, mais uma vez, dificulta um estudo mais perfeito do subsolo. Tendo em vista esse recorrência, estamos trabalhando para verificar a conformidade dos normativos técnicos minimamente suficientes para embasar um projeto básico de engenharia para se licitar em obras portuárias. Creio ser essa uma grande oportunidade do controle, porque terá o condão de melhorar a gestão e a governança do setor público em todos os futuros investimentos nos portos pós-Copa. JC – O TCU, com as fiscalizações empreendidas, já conseguiu substancial economia de recursos públicos? Podem-se precisar os valores dessa diminuição de custos? Somente no ano de 2013, as fiscalizações de obras no Tribunal renderem benefícios superiores a R$ 1,2 bilhão.
J C – O que, para o TCU, significa Fiscobras? VC – O Fiscobras é o programa de fiscalização anual de obras do TCU, em cumprimento ao comando da Lei de Diretrizes Orçamentárias, que empreende determinações à Corte Federal de Contas para informar ao Congresso Nacional a situação das obras em que o Orçamento da União alocou recursos. Desse modo, os parlamentares têm subsídios para deliberar ou não pela continuidade dos recursos para aquela obra no ano seguinte. J C – Consta que, nos últimos dez anos, a atuação do TCU tem sido tão relevante que as chamadas “irregularidades gravíssimas” têm diminuído ano a ano, embora tenha havido aumento das chamadas “irregularidades de menor gravidade”. Como se explica isso? VC – De fato, acredito que esse “fenômeno” indique que, realmente, as auditorias, nesses últimos dez anos, têm dado resultado. Primeiro porque aumenta a “expectativa do controle” por parte dos jurisdicionados, que sempre têm em mente que a qualquer momento podem ser fiscalizados. Segundo porque, no decorrer desses anos, foi possível construir uma jurisprudência sólida, capaz de servir de “farol” sobre o que pode ou não pode ser feito. Por último, porque o Tribunal tem também trabalhado para orientar os gestores em como bem-gastar o dinheiro público. Antes de punir, educar. Ações como o “Diálogo Público”, adotada por esta Corte à época de minha presidência na Casa, têm sido ampliadas na atual gestão pelo eminente Presidente Augusto Nardes. JC – Quantas obras públicas o TCU fiscalizou nos últimos dez anos? Quantas tiveram que ser paralisadas por irregularidades gravíssimas e quais a principais irregularidades? E como o Tribunal procede nesses casos em que há paralisações de obras? VC – Não tenho números redondos, mas foram, certamente, 2.500 obras e mais de 2.000 fiscalizações. Um histórico do número de obras com indício de irregularidade que, por sua gravidade, ensejaram a recomendação de paralisação pelo TCU pode ser observado a seguir.
JC – O que são benefício potencial e benefício efetivo nesses processos de execução das obras? VC – “Benefícios potenciais” são os benefícios correspondentes às deliberações do Tribunal, provenientes das auditorias, cujo cumprimento ainda não foi verificado pelas equipes de fiscalização. “Benefícios efetivos” são os decorrentes do cumprimento já confirmado de deliberações do TCU; ou, ainda, irregularidades já corrigidas pelos gestores antes mesmo de o Tribunal julgar a questão. 42
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J C – Quais são as chamadas “irregularidades de menor gravidade”? Há alguma explicação do porquê de elas aumentarem? Qual o procedimento do TCU? VC – Irregularidades de menor gravidade são as chamadas impropriedades meramente formais. São falhas que, embora indiquem uma desarmonia na aplicação da legislação específica, não repercutiram, no caso concreto, em prejuízos para o erário. Nesses casos, o Tribunal notifica o órgão e o gestor faltoso para que, em próximas oportunidades, observem a correta aplicação da lei. Na reincidência, aí sim, parte-se eventualmente para a apenação. J C – Como tem sido a reação do Congresso Nacional e do Poder Executivo? Eles têm ratificado as recomendações do Tribunal de Contas? VC – No decorrer dos anos, o Congresso tem anuído aos encaminhamentos do TCU. Nos últimos anos, porém, em face de medidas saneadoras adotadas pelos gestores após o julgamento de mérito do processo do Tribunal, ou mesmo do compromisso formal dos órgãos contratantes, o Congresso tem deliberado pela continuidade das obras. Mesmo nesses casos, tendo em vista a efetiva correção das irregularidades, acredito que o fato reafirma o potencial de benefícios para a sociedade decorrente dessas fiscalizações. J C – Quais são as principais razões para o aumento da eficiência e da eficácia das fiscalizações das obras da Copa e das auditorias de obras públicas em geral? VC – Acredito que o intenso investimento na especialização do corpo técnico seja a principal razão para o aumento dessa efetividade. Sem auditores capacitados e formados em um vasto leque multidisciplinar, de forma a atuar em uma gama de áreas diferentes, não teríamos chegado a esse ponto. Atuamos em obras, tecnologia da informação, mercado financeiro, saúde, educação, esporte, concessões, renúncias creditícias e tributárias, publicidade, enfim, em toda ação pública que exista a aplicação do dinheiro da sociedade. J C – O TCU trabalha com especialistas em várias áreas, desde planejamento até a finalização de uma obra pública? Quais são as principais especialidades para a eficácia de uma fiscalização pelo TCU? VC – Em uma obra pública, atuamos desde a concepção dos empreendimentos, avaliando os estudos comparativos de viabilidades técnica, econômica, financeira e ambiental, até os projetos, os orçamentos, as licitações, a execução contratual, a entrega da obra e o pós-obra. Como disse, investimos maciçamente em treinamentos e, nos últimos dez anos, em recrutamentos específicos nessa área. Contamos com quatro secretarias de fiscalização de obras, divididas em dez diretorias, com mais de cem
engenheiros. Cada diretoria, por sua vez, tem uma especialidade de tipologia de obra a fiscalizar (uma para portos, outra para aeroportos, outra para ferrovias, outra para edificações, outra para saneamento, outra para infraestrutura energética, e assim por diante). JC – Em que nível o TCU pode punir os responsáveis por irregularidades em obras públicas? Recentemente, o TCU paralisou diversas obras do Plano de Aceleração do Crescimento (PAC), e a Presidente Dilma Rousseff se manifestou publicamente contra as paralisações alegando que isso prejudicava o povo. Como analisa esse tipo de conflito? VC – As punições vão desde a multa aos gestores faltosos até a inabilitação para a ocupação de cargo ou função pública. Também declaramos a inidoneidade de empresas que praticam faltas gravíssimas no procedimento licitatório. Além disso, todo aquele que dê causa a prejuízo ao erário em face de recurso federal sob sua guarda pode ser condenado em débito para devolução daqueles valores corrigidos; mais multa. Tal sentença é um título executivo que pode imediatamente ser executada pela AdvocaciaGeral da União. No que se refere às paralisações de obras, por vezes atribuem ao Tribunal de Contas da União responsabilidade pela inexecução de empreendimentos fundamentais para o país com a alegação de rigor excessivo em suas decisões, colocando em dúvida os resultados das ações a cargo do Tribunal, sob o argumento de que “obra cara é obra parada”. A acusação é inteiramente injusta e infundada. Creio ser possível creditá-la à falta de conhecimento sobre a maneira técnica e cuidadosa com que atua o Tribunal nesse campo. O TCU jamais deixa de medir as consequências de suas deliberações, sabendo que uma obra inacabada configura situação indesejada sob vários aspectos e desperta a indignação de toda a coletividade. Para desmistificar a errônea ideia de que o TCU é o grande culpado por eventuais paralisações, esclareço que, na verdade, historicamente, a principal causa de paralisação de obra pública refere-se a problemas no fluxo orçamentário/financeiro, com mais de 50% dos casos. Em menos de 1% das situações, o motivo determinante tem a ver com alguma deliberação da Corte de Contas. É que a atuação do TCU nesse tipo de acompanhamento pauta-se pela tentativa de preservar ao máximo a continuidade do empreendimento mediante atuações preponderantemente corretivas. Somente quando se depara com fatos extremamente graves, em que a continuidade da obra pode representar risco de prejuízo de difícil reparação, é que o Tribunal adota a providência extrema no sentido de exigir medidas como a anulação ou a rescisão de contratos.
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JC – Sabe-se que, de uma maneira geral, 60% das verbas destinadas à propaganda e à publicidade pelos governos, estatais e empresas em geral, são uma espécie de “dinheiro desperdiçado”. Isso quer dizer que os mesmos objetivos de propaganda e marketing seriam atingidos com custos muito menores, e isso vale tanto para a iniciativa privada como para o poder público. É assim no Brasil e em diversos outros países. Como o TCU analisa isso? Quais são os mecanismos existentes no TCU para fiscalizar isso com relação ao poder público federal? VC – Como em outras áreas, repito que o caminho seja a especialização. Faz-se necessário conhecer as nuanças desse mercado (publicidade), suas práticas, suas idiossincrasias, suas particularidades. E é isso que temos feito, com a construção, também, de uma jurisprudência fundamentada sobre boas práticas do setor. JC – Como é a relação entre o TCU e os Tribunais de Contas dos estados e municípios? No caso da Copa, os chamados “Comitês Gestores Locais” estão também subordinados ao TCU principalmente nos gastos relativos aos eventos – como agora, por exemplo, dos gastos com o evento de sorteio dos grupos realizado na Costa do Sauípe, estimado em alguns milhões de reais pagos pelo poder público? Cabe ao TCU fiscalizar isso? VC – Sobre o relacionamento com as demais Cortes de Contas, acredito que um legado positivo desses mega eventos esportivos seja o know-how adquirido para o trabalho integrado entre as diversas instituições de controle envolvidas com os gastos da Copa. Trabalhamos de forma integrada, tanto com o Ministério Público, 44
Foto: Sergio Lima/Folhapress
JC – “Dê-me o fato. Dar-te-ei o direito”. O que essa máxima significa na essência do trabalho do TCU? VC – Significa que, para empreender a subsunção jurídica de um fato, ou seja, aplicar a lei para o caso concreto, urge primeiro que se conheça o fato em julgamento. Se vai se aplicar a lei para um contrato de execução de obra, faz-se necessário ter o domínio desse fato. Por isso, grifei que a especialização do corpo técnico do TCU foi preponderante para o aumento da efetividade de nossas ações. E o poder público também precisa investir nessa especialização de seus agentes. Não somente na área de engenharia, mas também em TI, telecomunicações, etc. Viabilizar uma carreira de estado para essas especialidades. É o primeiro passo para se bem planejar e contratar. Em verdade, para se bem gerirem os recursos públicos.
como com os demais Tribunais de Contas dos estados e municípios. Em razão das diversas fontes de recursos envolvidas na Copa (federais, estaduais, municipais e privadas), diversos eram os órgãos incumbidos de avaliar a regular aplicação dos recursos. Para evitar duplicidades de esforços e aumentar a eficácia de nossas ações, em face da limitação de recursos, tivemos que aprender não somente a integrar nossas forças, mas a compartilhar nossas experiências – o que foi crucial, tendo em vista o viés multidisciplinar que contorna as ações necessárias para a realização de uma Copa do Mundo bem-sucedida. Posso acrescentar que, no caso da União, o governo federal participou com recursos do Tesouro e também com empréstimos de seus bancos públicos (eminentemente do BNDES e da Caixa Econômica Federal). Essas particularidades levaram a novas formas de pensar as competências e os limites do controle externo. É que, para as obras em que os recursos federais limitam-se aos empréstimos do BNDES e da Caixa (e isso inclui os estádios de futebol e as obras de mobilidade urbana), a competência do TCU limita-se à avaliação de regularidade da transferência dos recursos do financiamento. Uma vez repassado o dinheiro, o recurso incorpora-se ao tesouro dos estados e municípios, e a competência constitucional de avaliar a regularidade das licitações e dos contratos é dos respectivos Tribunais de Contas estaduais e municipais. O TCU, dessa forma, não atua diretamente na fiscalização dos entes federativos, mas em auditorias nas instituições de crédito, evitando que elas transfiram dinheiro para obras com preço acima do preço do mercado. Os bancos púbicos, afinal, não podem financiar empreendimentos “superfaturados”. É, portanto, um trabalho conjunto dos diversos órgãos de controle: um atuando nos bancos; outro, diretamente nos contratos e nas licitações. JC – Em termos gerais, a atuação do TCU é fator determinante para o sucesso da Copa no Brasil, significando MENOS custos para MAIS OBRAS e EVENTOS? Ou seja: a população brasileira pode ficar tranquila com a atuação do TCU como instrumento fiscalizador de excessos e irregularidades? VC – Creio que o resultado de nosso trabalho diga por si: R$ 700 milhões de benefícios à sociedade. É mais de meio bilhão que agora pode ser empregado em prol da coletividade. Essa atuação na Copa do Mundo contribui para engrandecer a missão do TCU: “Ser reconhecido como instituição de excelência no controle e no aperfei çoamento da administração pública.”
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A revolução do mercado editorial Da Redação, por Ada Caperuto
Chegando agora ao Brasil, novo modelo de publicação permite que qualquer autor lance seus livros, a partir de um sistema simples e de custo reduzido. Entre as editoras que desenvolveram plataforma própria está a Editora JC, que oferece planos diferenciados para novos e consagrados autores.
A
inda pouco praticado no Brasil, o selfpublishing (auto-edição, em tradução livre) consiste na publicação de conteúdos originais por seus próprios autores, em geral, apenas na versão digital, o e-book. Quem faz essa opção evita o tradicional – e muitas vezes infrutífero – caminho das editoras, que adotam diferentes critérios para publicar ou não um original encaminhado por um autor. Uma “peneira” que frustra ainda mais as expectativas dos novos escritores. Por esse e outros motivos, o self-publishing está ganhando mais e mais adeptos. Pensando nisso, a Editora JC começa, a partir de 2014, a prestar o serviço de edição de livros e impressão sob demanda, no mais vantajoso modelo de self-publishing. Sim, porque o impeditivo para lançar um livro não termina na seleção de autores. Existe uma questão de custos que pesa sensivelmente, em especial os de impressão gráfica. No passado do offset, os autores tinham que arcar com um alto investimento e encontrar um lugar para armazenar os muitos exemplares da tiragem mínima – em torno de três mil exemplares. Não apenas isso, também se fazia necessário ter algum conhecimento das questões administrativas da edição, distribuição e comercialização do livro – uma operação de guerra para quem não é do ramo. “Se a facilidade da auto-publicação existe para eliminar a ‘peneira’ das editoras e para evitar 46
as tiragens grandes e caras, um escritor que deseja ver seu texto publicado não escapa dessa complexa dinâmica. Ainda é trabalho para quem entende. É exatamente isso o que fazemos”, declara Tiago Salles, presidente do Instituto Justiça & Cidadania, que controla a Editora JC. Autores interessados em lançar seus livros no sistema de auto-publicação podem encaminhar o material e assinar contrato digital com a Editora JC, em um dos planos disponíveis. No Básico, ele contará com a revisão do original, a criação artística da capa, diagramação e impressão, além da ficha catalográfica e ISBN. O pacote inclui a venda on line por demanda e a divulgação. A tiragem mínima é de 10 livros. No plano Plus, além de tudo o que está previsto no Básico, o autor contará com evento de lançamento e todo o material gráfico para divulgação (convites, folder e banner). “Em ambos os casos, o autor fica com 40% do lucro adquirido com a venda de cada exemplar”, informa Tiago Salles. Também para os dois modelos o prazo é de 90 dias, da entrada do original ao livro impresso. As vendas, no pacote que as preveem, são feitas pela distribuidora Singular, do Grupo Ediouro, que é controladora, dentre outras, da Editora Nova Fronteira e Agir, por meio da inclusão da obra em seu catálogo. A Editora JC também trabalha com o modelo tradicional de publicação de obras literárias. Caso deseje, o autor pode submeter os originais, já registrados no Escritório de Direitos Autorais da Biblioteca Nacional, para análise de viabilidade e interesse na publicação (impressa), com prazo de até 60 dias para resposta. Nesse período, o autor deve garantir opção exclusiva para a Editora JC. “Contatos sobre recusa ou aceite da publicação serão feitos por email. Havendo recusa, o material original será destruído”, diz o presidente da entidade e editor-executivo da Editora JC. Fundada em 1999, com sede no Rio de Janeiro, a editora publica livros institucionais e periódicos segmentados, principalmente para as carreiras do Direito. A nova frente de
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atuação foi colocada em prática por meio de uma parceria firmada com a Singular e a Edigráfica. Com importante expertise na produção de obras literárias de cunho histórico de diversos Tribunais brasileiros, a empresa está aplicando todo o conhecimento de sua equipe de editores, pesquisadores, produtores e artistas gráficos nesse novíssimo segmento que promete mudar os rumos do mercado editorial brasileiro, como já está acontecendo no exterior. Lançamentos Um dos primeiros livros lançados pela Editora JC no sistema self-publishing é “Passeando pela vida”, escrito pelo desembargador do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJ-RJ), Antonio José Ferreira de Carvalho. Na obra, as histórias criadas a partir de suas experiências de trabalho ganharam roupagem divertida ou dramática, sob o perspicaz olhar de um magistrado que tem a alma carregada de sutilezas. O livro reúne saborosas e intrigantes histórias onde têm lugar traições, adultérios, vícios, religiosidade, amor, ódio e muitas outras emoções humanas. Buscando expandir sua atuação no ramo editorial, em 2013 a Editora JC lançou outros dois livros. “O dano moral no Trabalho” tem autoria do ministro do Tribunal Superior do Trabalho (TST), Guilherme Augusto Caputo Bastos. A obra revela um profundo conhecimento do tema, aliado à experiência do autor na magistratura e à preocupação na busca de critérios de quantificação do dano moral, assunto que, por sua complexidade, desafia os juristas. Em linguagem objetiva e fluida, pleno de ensinamentos e referências jurisprudenciais norteadoras de um tema que, no dia a dia forense, sempre apresenta novas nuances, a obra ganha o status de leitura e referência obrigatórias. O autor também faz uma análise da competência da Justiça do Trabalho para apreciar os danos morais dentro de espectro de relacionamento empregatício, e também trata da prescrição do direito relacionado à tutela das
ofensas morais. Além da análise do dano moral sob o enfoque do TST, o autor dedica atenção contextualizada na jurisprudência, conferindo-lhe tratamento e soluções que somente a experiência e o conhecimento são capazes de permitir. Para concluir, o autor se dedica ao levantamento dos parâmetros que têm sido utilizados pelas diversas Turmas do TST na fixação do valor compensatório das ofensas morais na busca de critérios que possam orientar os operadores do Direito na fixação do valor da compensação pecuniária dos danos morais. Portanto, todo o livro é conduzido a partir de uma perspectiva de operacionalidade que a diferencia de muitas obras jurídicas já lançadas pelo mercado editorial nesse segmento. Colocando em prática as ações de responsabilidade social que conduzem a filosofia do Instituto Justiça & Cidadania, a Editora JC também lançou, como apoiadora, a décima edição do livro “REsp – Receitas Especiais”, escrito pela ministra do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Eliana Calmon. Atualizada, revisada e incluindo novos pratos, a obra é uma coletânea de receitas oferecidas pelos amigos e testadas pela autora. É um trabalho artesanal, com a contribuição de muitas mãos para a edição e venda dos livros. Os valores arrecadados são encaminhados para a Creche Vovó Zoraide, instituição localizada em Uberaba (MG), que realiza trabalho voltado às crianças. “O nosso principal diferencial em relação a outras plataformas de self-publishing que estão surgindo agora no mercado é que trabalhamos exclusivamente com obras impressas. Assim, temos condições de prever possíveis reimpressões das obras que lançamos, uma tiragem que pode começar com um único exemplar até o número que o autor desejar”, conclui Tiago Salles. Outras informações podem ser obtidas pelo email livros@editorajc.com.br, aos cuidados de Tiago Salles. O endereço para envio dos originais é Avenida Rio Branco, 14, 18o andar, Centro, Rio de Janeiro – RJ – CEP: 20090-000.
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D om Quixote, Carlos Alberto Luppi
“Conhecendo o Judiciário” beneficia milhares de alunos
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Um exemplo de cidadania para todo o país ela ideia, por sua praticidade, pelos resultados alcançados, pela operacionalidade, pela qualidade do atendimento e, também pelos objetivos da proposta não há como não se entusiasmar pelo Programa “Conhecendo o Judiciário”, o Juristur, instituído há 17 anos pela Associação dos Magistrados do Estado do Rio de Janeiro – Amaerj e que já se tornou conhecido por milhares de jovens, alunos de escolas públicas e estudantes de Direito do Rio e também de outros Estados do país. O Programa, iniciado quando o tema “cidadania” ainda não fazia parte do dia a dia e as atividades sócio-culturais, inerentes ao assunto, ainda eram esparsas pelo país afora, é um sucesso total no Rio com benefícios práticos na vida de milhares de pessoas. Isto é: é uma ideia que funciona. Coordenado nos últimos três anos pelo juiz Joel Pereira dos Santos, auxiliado pela Secretária Priscilla Mantuano na parte operacional, o Programa Juristur é também um dos projetos sócio-educativos do TJ-RJ de maior impacto. Seu objetivo “é contribuir para a formação profissional dos estudantes de Direito, bem como criar canais de comunicação com escolas e a sociedade, aproximando-os do Poder Judiciário, promovendo conhecimento de seu funcionamento, fator importante e concreto para o efetivo exercício da cidadania”, explica o juiz Joel Pereira dos Santos. Mas o Programa, que durante muito tempo esteve voltado para os estudantes de Direito das Universidades, nos últimos três anos abriu novos canais junto à sociedade, oferecendo oportunidades de participação efetiva para alunos de escolas públicas do Rio de Janeiro, ”com a finalidade clara de aproximá-los e também aos cidadãos em geral da realidade do Judiciário e seu funcionamento, 48
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mediante informações acessíveis à compreensão de como a Justiça desenvolve seu papel na sociedade”, complementa a Secretária do Programa Priscilla Mantuano. Assim, os resultados documentados mostram o êxito da iniciativa. Em 2010, 414 alunos de escolas públicas e particulares e 409 estudantes de Direito participaram do Programa. Números que em 2011 também foram expressivos: 545 alunos de escolas públicas e particulares e 357 estudantes de Direito. Em 2012 não foi diferente e o sucesso continuou: 531 alunos e 356 estudantes de Direito participaram. Fato que se repetiu em 2013, com 482 alunos e 593 estudantes participantes. “Podemos afirmar que o Programa vem crescendo a cada ano, obtendo e demonstrando enorme interesse de instituições de ensino e organizações sociais, de comunidades e isso se evidencia pela grande procura. Todos querem agendar datas junto ao Programa, para visitas ao Judiciário”, explica Priscilla Mantuano. O Programa, além de apresentar resultados em números, inova em sua operacionalidade e é criativo em angariar parcerias importantes, sempre calcado em um sistema de visitas muito atrativo para seu público-alvo.
Além do juiz Joel Pereira dos Santos e da Secretária Priscilla Mantuano, o Programa conta com a colaboração de estudantes de Direito que trabalham como estagiários. A Amaerj estabelece convênios com as respectivas Universidades onde eles estudam e, em troca, elas oferecem aos estagiários participantes, bolsas de estudos. Uma ideia que se mostrou bem aceita. Um dos destaques do Programa é seu sistema de parcerias. Nos últimos três anos, algumas delas revelaram-se extremamente apropriadas com excelentes resultados, dinamizando ainda mais o Programa, ampliando sua abrangência e aceitação e melhorando sua funcionabilidade. Uma delas envolve a Secretaria de Educação do Município do Rio de Janeiro, com a inclusão no Programa de estudantes e alunos do ensino fundamental de escolas públicas e particulares. A esta se seguiu outra de grande importância no sucesso atual do Programa “Conhecendo o Judiciário – Juristur”. É a parceria firmada com a Federação dos Transportes e a Rio Ônibus, com o oferecimento de transporte especial e semanal para todos os alunos até o Fórum e no retorno para suas residências. Outra parceria é com a Ordem dos Advogados do Brasil-OAB. A entidade dá aos estudantes de Direito participantes do Programa e
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que cumprem as etapas de visitas, 10 horas de estágio na instituição. Muito do sucesso do Programa se deve à criatividade de sua operação. Com relação aos alunos de escolas, na véspera da data do início de participação no Programa, a Secretária do Juristur vai até as escolas programadas e orienta sobre o Programa, suas finalidades e objetivos de promover a cidadania estimulando o conhecimento do funcionamento da Justiça. Ela distribui, na ocasião, a revista em quadrinhos denominada “Cartilha da Justiça”, a cada aluno objetivando ampliar sua compreensão sobre o tema da Justiça e do Programa. A revista é uma cartilha socioeducativa muito interessante, que traz a história da Justiça contada pelo personagem Brasilzinho. Esse personagem também faz parte de um Portal na internet repleto de assuntos atuais envolvendo noções de ecologia, meio ambiente, cidadania, saúde, historia, folclore, justiça, educação cívica com ícones diversos de rádio, áudio, comunidade no Orkut, música, álbuns, jogos. Tudo apresentado também em animação. Com a cartilha nas mãos, os alunos das escolas seguem as instruções do Programa no dia da visita ao Fórum central do Rio de Janeiro. Ali, todos são informados sobre a importância da Justiça e seu funcionamento. Depois, vão conhecer o antigo Palácio da Justiça no Rio, em visita guiada por um historiador. Uma parte do Programa que os alunos adoram é participar de um júri simulado, no qual eles mesmos são os protagonistas. Um momento inesquecível em que eles aprendem, atuando em um julgamento simulado, orientados por estudantes e estagiários de Direito. Depois disso, eles visitam o Fórum do Rio, percorrendo todas as suas dependências e salas. No final da visita, recebem um lanche oferecido pela Associação dos Magistrados do Estado do Rio de Janeiro. O resultado dessa participação no Programa “Conhecendo o Judiciário” vem sendo percebido nas salas de aulas das escolas onde estes alunos estudam. Os alunos participantes são estimulados a elaborar uma redação sobre a visita e sua percepção em relação a ela nas próprias salas de aula. Em 2012, foi feita a primeira seleção de redações pela Secretaria de Educação, as quais serão transformadas em um livro do Programa Juristur, a ser editado pela Associação dos Magistrados e já em fase de preparação e produção. O sucesso do Programa se reflete no comportamento dos alunos participantes dentro da própria escola, segundo afirma Priscilla Mantuano, “bem como os reflexos positivos do Juristur na vida de cada um, ajudando-os a escolherem, por exemplo, sua profissão. O que pode ser comprovado pelos próprios alunos nas redações realizadas e pelas informações prestadas pelos seus professores”. 50
“O Juristur fez e faz tanto sucesso que muitas instituições educacionais do Estado e particulares, e também grupos organizados da sociedade em geral, começaram a participar, semanalmente, do Programa.”
O programa de visitas relacionado aos estudantes de Direito que participam do Juristur dura dois dias, ao contrário do relativo aos alunos do ensino fundamental, que é de apenas um dia. Nesse caso, com presença documentada, os estudantes de Direito, após o segundo dia, recebem da Associação dos Magistrados um Certificado com um relatório da participação, o que dá a eles o direito de obterem 10 horas de estágio na Ordem dos Advogados do Brasil. Da mesma forma, os estudantes são recepcionados pelo Coordenador e pela Secretaria do Juristur, no Fórum do Rio, onde recebem noções do funcionamento da organização judiciária e informações sobre o trabalho do Poder Judiciário do Rio, especificamente. Em seguida, também visitam o antigo Palácio da Justiça, guiados por um historiador do Museu da Justiça. Junto com o juiz coordenador e a secretária do Programa, visitam o Fórum, conhecendo o funcionamento dos órgãos julgadores, como o Órgão Especial, o Tribunal Pleno, as Câmaras Cíveis e Criminais e o Tribunal do Júri, entre outros. Aprendem na prática os locais onde vão atuar no futuro, depois de formados. “O Juristur fez e faz tanto sucesso que muitas instituições educacionais do Estado e particulares, e também grupos organizados da sociedade em geral, começaram a participar, semanalmente, do Programa. E estudantes de outros estados brasileiros e até mesmo do exterior já participaram também, como é o caso de estudantes do Japão e dos Estados Unidos”, enfatiza o juiz coordenador do Programa, Joel Pereira dos Santos. Escolas interessadas e estudantes de Direito que quiserem participar do Juristur podem obter mais informações acessando: priscilla@amaerj.org.br e/ou juristur@amaerj.org.br, ou, ainda, pelos telefones da Secretaria do Programa Conhecendo o Judiciário da Associação dos Magistrados do Estado do Rio de Janeiro: (021) 3861-1113 e (021) 97639-3113.
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