Revista Justiça & Cidadania

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m 2005, comemora-se o quarto centenário de Dom Quixote de La Mancha, a novela universal de Miguel de Cervantes. Após 4 séculos, é uma obra moderna e atual no século XXI. Os seus dois principais personagens - Dom Quixote, rebelde e justiceiro e Sancho Pança, seu fiel escudeiro -, continuam com sua força emblemática a representar a briga do seu sonho com a realidade. Dom Quixote é depois da Bíblia o livro mais reprodutivo no mundo, o que demonstra sua força comunicativa. Miguel de Cervantes Saavedra (1547 – 1616) publicou em 1605, aos 57 anos, a primeira parte de Dom Quixote que, à época, teve reconhecimento literário. A segunda parte de Dom Quixote foi publicada em 1615, completando sua imortal novela de cavalaria. Contudo, morreu pobre, doente e esquecido, recolheu-se a um convento franciscano, e um túmulo despojado e sem lápide serviu-lhe de última morada em abril de 1616. A arte venceu a morte e o esquecimento. A Espanha e o mundo todo celebram, em 2005, o quarto centenário de El Ingenioso Fidalgo Dom Quixote de La Mancha, que nos mostra que uma história local pode se tornar universal (“se queres ser universal, conta bem tua aldeia”, Leon Tolstoi) e que “precisa-se de loucura para cortar as amarras, e tornar-se livre” (Nikos Kazantkzakis, em “Zorba, O Grego”). Afinal “o (...) vencido de hoje pode ser o vencedor de amanhã”, no dizer do próprio Quixote. Dom Quixote ou Sancho Pança? De Sancho Pança e Dom Quixote todos nós temos um pouco. Uma parte de nós tem sede de justiça e capacidade indignação. Outra parte representa um gordo espanhol que, muitas vezes, nos faz calar diante de injustiças e nos traz acomodação. No entanto, o escudeiro pode se transformar em cavaleiro, eis a mágica da vida. O homem deixará de ser homem quando perder sua capacidade de sonhar e sua coragem de se indignar, ou melhor, as suas qualidades quixotescas. “Até morrer tudo é vida”, ensinou-nos Quixote. Nesse sentido, escreveu Maximiano Campos, no seu poema “Apelo ao Quixote”. Não deixes que a tua armadura enferruje, Principalmente no peito que é perto do coração, Segura a espada, larga o escudo, pois medo não é proteção, Permite que o sol bata na poeira e o vento leve o sujo do aço que te cobre, Na loucura, só na loucura estarás liberto, O teu mito é sol, liberdade e céu aberto. Antônio Campos é advogado e Presidente do Instituto Maximiano Campos - IMC.


EDIÇÃO 54 • janeiro de 2005

Foto Capa:

ORPHEU SANTOS SALLES DIRETOR / EDITOR

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o CAMINHO DAS MUDANÇAS

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A pRINCIPAL FUNÇÃO DO JUIZ É CONCILIAR

TIAGO SANTOS SALLES DIRETOR EXECUTIVO EDISON TORRES DIRETOR DE REDAÇÃO DAVID RIBEIRO SANTOS SALLES SECRETÁRIO DE REDAÇÃO DEBORA OIGMAN EDITORA DE ARTE SIMONE MACHADO REVISÃO FELIPPE BITTENCOURT ESTAGIÁRIO EDITORA JUSTIÇA & CIDADANIA AV. NILO PEÇANHA,50/GR.501, ED. DE PAOLI CEP: 20020-100. RIO DE JANEIRO TEL/FAX (21) 2240-0429 CNPJ: 03.338.235/0001-86 SUCURSAIS SÃO PAULO ORPHEU SALLES JUNIOR AV. PAULISTA, 1765/13°ANDAR CEP: 01311-200. SÃO PAULO TEL.(11) 3266-6611 FORTALEZA CARLOS MOURA RUA JOAQUIM FERREIRA Nº 1200 BAIRRO LAGOA REDONDA. FORTALEZA-CE TEL(85) 476 -1200 / 9951 - 3773 PORTO ALEGRE DARCI NORTE REBELO RUA RIACHUELO N°1038, SL.1102 ED.PLAZA FREITAS DE CASTRO. CENTRO. CEP 90010 272 TEL (51) 3211 5344

revistajc@revistajc.com.br www.revistajc.com.br ISSN 1807-779X

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DIA DA JUSTIÇA

CONSELHO EDITORIAL aurélio wander bastos Arnaldo Esteves Lima antonio carlos M. Soares Antônio souza prudente Bernardo Cabral carlos ayres britTo Carlos mário Velloso carlos antônio navega denise frossard Edson Vidigal eLLIS hermydio FIGUEIRA fernando neves Francisco Viana Francisco Peçanha Martins Humberto Gomes de Barros Ives Gandra martins josé augusto delgado Marco Aurélio Mello Miguel Pachá maximino gonçalves fontes Paulo Freitas Barata thiago ribas filho

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JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS

ÁRIO EDITORIAL

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STF: LEGISLADOR POSITIVO OU NEGATIVO

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O CRIME DO COLARINHO BRANCO

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DEFESA PÚBLICA E AMPLA DEFESA É POSSÍVEL CONCILIAR?

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2004: O ANO DA RECUPERAÇÃO DA ECONOMIA

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A EXPERIÊNCIA DE RIBEIRÃO PRETO NA ELIMINAÇÃO DO TRANSPORTE CLANDESTINO

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A FIGURA DO AMICUS CURIAE

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A EFICIÊNCIA DOS SISTEMAS PENAIS E SISTEMAS SÓCIO-EDUCATIVOS NO COMBATE À CRIMINALIDADE

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MEMÓRIA NACIONAL: 1935, O DIA QUE O TREM DA REVOLUÇÃO ATRASOU

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A QUEM (NÃO) INTERESSA A INVESTIGAÇÃO PELO MINISTÉRIO PÚBLICO

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LIVROS

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FÓRUM

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CAPA

O CAMINHO DAS MUDANÇAS Pronunciamento de fim de ano do presidente Lula

Foto: Agência Brasil

Como já fiz outras vezes, venho nesse momento, mais uma vez, conversar um pouco com vocês sobre o nosso país, um pouco sobre o ano que passou e, sobretudo, sobre as nossas expectativas para o ano novo que está começando. Sempre tive o hábito de fazer uma espécie de balanço todo final de ano e como presidente quero também fazer isso com vocês. Para começar, acho que é sempre bom olhar um pouco para trás e observar com atenção o caminho que já percorremos, lembrando, inclusive, das dificuldades que enfrentamos, das nossas lutas pessoais e profissionais, dos sofrimentos que porventura tivemos, dos erros que comentemos, para que possamos valorizar mais as coisas boas que aconteceram e, sobretudo, as nossas conquistas.” 6 • JUSTIÇA & CIDADANIA • JANEIRO 2005

“Quero começar falando um pouco do ano de 2002, ano em que os nossos empresários não conseguiam crédito no exterior, tamanha era a desconfiança que o mundo tinha sobre nosso país. Esse foi um ano difícil, mas, ao mesmo tempo, muito importante para o Brasil. Afinal, foi em 2002, diante de um momento extremamente complicado para a nossa economia, de um desemprego que só aumentava e da ameaça concreta da volta da inflação que o povo brasileiro decidiu apostar na mudança e na busca de um novo caminho para o nosso país. E esses momentos de decisão são sempre difíceis e delicados. Afinal, mudar sempre significa um risco. Um risco necessário, importante, mas sempre um risco. E se a mudança não der certo? Mudar, portanto, significa sempre um ato de coragem e de ousadia.”


“2003 eu diria que foi o ano da paciência. Para colocar o Brasil nos trilhos e retomar o tão sonhado crescimento econômico era preciso tomar algumas medidas duras, amargas até. Sem dúvida, foi um ano de muito sacrifício para o governo e para todos os brasileiros. Mas não havia outra alternativa. As coisas no Brasil vinham de um jeito que ou se arrumava a economia de uma vez, reduzindo os gastos do país drasticamente ou não conseguiríamos, adiante, fazer as mudanças e as reformas que pretendíamos durante os anos seguintes.” “O nosso governo, consciente das responsabilidades assumidas com seu povo, não hesitou em fazer o que precisava ser feito. E por isso, como não poderia deixar de ser, muitas pessoas não compreenderam algumas de nossas decisões. Afinal, o que todos querem ver é resultados rápidos. Entretanto, o caminho que nós escolhemos não foi o caminho da rapidez, muitas vezes superficial. O caminho que escolhemos foi o caminho das mudanças verdadeiras e profundas e essas demoram um pouco mais para mostrar os seus resultados, mas quando esses resultados aparecem, são sólidos e duradouros. De qualquer forma, em 2003, contei com a compreensão e paciência do povo brasileiro.” “2004 já começou diferente. Eu diria que foi o ano da arrancada. As medidas amargas tomadas logo no início do governo mostraram seu acerto, e aos poucos, os resultados começaram a aparecer. Pouco a pouco a confiança internacional no Brasil foi voltando e os empresários e os comerciantes brasileiros também começaram a sentir que a nossa economia começava a tomar um novo rumo e que era hora de investir e de acreditar no Brasil. O mundo se surpreendia positivamente cada vez mais com o esforço do novo governo brasileiro em controlar seus gastos, apertando o cinto e fazendo as coisas sem pressa e com segurança. Atrair recursos internacionais para o nosso país, mais do que nunca, era fundamental. E a melhor maneira de conseguir isso no curto prazo era aumentando as exportações, o que ajudaria também na criação de empregos. Em dois anos visitei mais de 35 países, abrindo novos mercados para os produtos brasileiros. Ao mesmo tempo, aqui dentro, nossa indústria começou a produzir mais, nosso comércio começou a vender mais e, com isso, depois de muitos anos, o Brasil, ao invés de desemprego, começou finalmente a dar inicio a um novo ciclo de contratações, criando, somente em 2004, quase 2 milhões de novos empregos com carteira assinada, o que não acontecia há mais de 10 anos. Enquanto isso, as nossas exportações continuavam batendo um recorde atrás de outro.” “Veja, não estou, de forma nenhuma, dizendo que estão todos resolvidos, os problemas do Brasil. De jeito nenhum! Muita coisa ainda precisa ser feita - e estamos fazendo - para que a nossa economia continue crescendo,

gerando cada vez mais empregos de qualidade. E o mais importante: por um longo período. Chega de riscos, chega de sobressaltos.” “Em 2004 o crescimento do país, que era estimado pelo próprio governo em 3,5%,surpreendeu a todos ultrapassando a marca dos 5%, coisa que também não acontecia há mais de dez anos. E, no final do ano, com as vendas de natal superando as expectativas, certamente fechamos o ano com o pé direito.” “Foi nesse clima de otimismo que chegamos ao final de 2004, com o Brasil mais tranqüilo, mais confiante e, sobretudo, mais seguro quanto ao seu futuro. Aliás, as últimas pesquisas de opinião deixam isso bem claro quando mostram que a grande maioria do povo brasileiro prevê uma vida melhor em 2005, que já começa com duas boas notícias. Primeiro, o novo salário mínimo, que terá um aumento real, ou seja, um aumento acima da inflação, de quase 10%, passando para R$ 300 a partir de maio. Isso sem descuidar um só instante do controle da inflação, que é o que garante de verdade o poder de compra do seu salário.” “Segundo, o governo está ampliando os recursos para seus investimentos na área de infra-estrutura e criando condições para a iniciativa privada investir pesado nesta área, através das Parcerias Público-Privadas que acabaram de ser aprovadas pelo Congresso e sancionadas por mim. Isso significa recuperação e melhoria de estradas e ferrovias, modernização e ampliação de portos e aeroportos, e construção de centrais elétricas que vão garantir energia para o Brasil continuar crescendo por muitos e muitos anos.” “Em 2005 o governo vai também aumentar bastante seus investimentos em educação, saúde e habitação, e melhorar ainda mais os seus programas sociais. Estou muito otimista com 2005. Esse é o grande ano para o país provar que é possível, mantendo a economia equilibrada e as contas públicas em ordem, garantir um crescimento econômico forte, com geração de empregos e distribuição de renda.” “Enfim, ao ver o nosso povo começar o ano novo tão cheio de esperança e de otimismo, não poderia jamais deixar de lembrar a todos vocês que tudo isso só foi possível porque lá atras, em 2002, o povo brasileiro teve a coragem e a ousadia de apostar na mudança do Brasil, acreditando na esperança e não no medo. Portanto, palmas para o povo brasileiro. Vocês, todos vocês que me escutam nesse momento, são os verdadeiros responsáveis por tudo de bom que está acontecendo com o nosso país.” “Espero que tenham descansado e aproveitado as festas do final do ano juntamente com sua família, com saúde e paz. Sobretudo porque 2005 será um ano de muito trabalho.” Feliz Ano Novo, Brasil, e que Deus nos abençoe a todos!” 2005 JANEIRO • JUSTIÇA & CIDADANIA • 7


ENTREVISTA

A PRINCIPAL FUNÇÃO DO JUIZ É CONCILIAR Luiz Orlando Carneiro

Entrevista: Edson Vidigal Fotos: STJ

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ministro Edson Vidigal, presidente do Superior Tribunal de Justiça, acaba de despachar um dos mais de 200 pedidos de liminares em habeascorpus que negou, nos últimos dez dias em que ficou de plantão, sozinho, em seu gabinete, no terceiro andar de um dos blocos do imenso complexo da mais alta instância do Judiciário depois do Supremo Tribunal Federal. Sem rodeios, como é de seu feitio, diz que não queria estar ali analisando “burocraticamente” petições em sua grande maioria protelatórias. Preferia promover conciliações – como a que está tentando entre a União, a Varig e outras empresas aéreas, que têm direito a indenizações de bilhões de reais,

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em função da “irresponsabilidade dos planos econômicos do Executivo entre 1987 e 1992, que geraram essa esqueletada para os governos posteriores”. Vidigal reage às críticas de que juiz tem de julgar, e não intermediar: “Estamos tratando do Judiciário do século 21, e não do Judiciário do século 18. A função primeira da Justiça é construir a paz através da conciliação”. Ele acha que o cidadão comum só vai sentir o impacto positivo da reforma do Judiciário dentro de uns quatro ou cinco anos. Mas, a seu ver, a instalação do Conselho Nacional de Justiça (o “controle externo” do Judiciário) vai “dar uma sacudidela nos alicerces dos ossos do Judiciário, afastando-o um pouco de seus ócios”.


A discussão da reforma do Judiciário levou mais de 12 anos. Quando é que o cidadão comum vai começar a sentir os efeitos da emenda constitucional enfim promulgada? – Um quadriênio, um qüinquênio... Mas o que há de imediato é a vitória da transparência. Isso já é muito positivo, na medida em que abre as cortinas e expõe o Judiciário na vitrina. A sociedade vai começar a ver os seus juízes como pessoas comuns e não como vestais. Mas como se concretizaria de imediato essa transparência? – Pela instalação, de pronto, do Conselho Nacional de Justiça, que será o órgão da governabilidade, da supervisão administrativa e orçamentária, e também com poderes de correição. O CNJ vai dar uma sacudidela nos alicerces dos ossos do Judiciário, afastando-o um pouco dos seus ócios. O CNJ tem 15 membros, dos quais nove são do Judiciário e seis de fora. A composição do Conselho vai ser demorada? O que é necessário para que comece realmente a atuar? – Esperamos que logo nos primeiros 30 dias após o início da sessão legislativa de 2005 o Senado já receba as indicações, as aprove e encaminhe ao presidente da República os nomes que serão efetivados. Os nomes a serem indicados pelo Senado e pela Câmara? – Todos. Até o presidente do Conselho, que será um ministro do Supremo, terá de ser aprovado pelo Senado e nomeado pelo presidente da República, como acontece quando da escolha de ministros para os tribunais superiores. Depois das nomeações dos integrantes do CNJ será ainda votada uma lei regulamentando o funcionamento do Conselho. A intenção reformista do legislador nesse caso foi tanta que foi deferida ao STF a competência de instalar o Conselho, num prazo de 180 dias a partir da promulgação da emenda constitucional, que foi agora em dezembro. O STJ já elegeu o nome do futuro corregedor do CNJ, que será logo encaminhado ao Senado. O futuro membro do STJ no Conselho Nacional de Justiça terá a função de corregedor. Mas por que não se pensou em indicar os presidentes do STF e do STJ para representar seus tribunais? – Primeiro, porque eu, pessoalmente, fui contra. Houve realmente um movimento de alguns colegas para que o presidente do STJ fosse o corregedor. Mas eu acho que as tarefas do presidente, não só do ponto de vista administrativo como do jurisdicional, acumulando ainda a presidência do Conselho da Justiça Federal, são tantas que não poderia cumprir a contento as funções de corregedor nacional do Judiciário. As responsabilidades desse futuro corregedor serão enormes. Ele será, na prática, o grande executivo do CNJ. Vai ser não apenas um corregedor, mas uma espécie de secretário-executivo do Conselho. Diz-se que seu ponto de vista não é o do presidente do STF, ministro Nelson Jobim...

– O presidente do Supremo cuida da jurisdição administrativa e jurisdicional do STF. O presidente do STJ responde pela jurisdição administrativa e jurisdicional do STJ, agindo de acordo com a manifestação e o apoio da maioria dos seus pares. Cada povo tem seu uso, cada rota tem seu fuso. O fato de existir uma maioria de integrantes do Judiciário no CNJ é um fato positivo ou o ideal seria que fosse meio a meio? – Eu não acho que o Conselho esteja mal pensado em termos de composição. Todos que têm a ver com a operação do direito estão ali representados: os magistrados, o Ministério Público, os advogados e dois cidadãos eleitos – um pela Câmara, outro pelo Senado, onde tudo começa do ponto de vista da elaboração das leis e do Orçamento. Mas a grande expectativa é quanto às funções correicionais e punitivas do CNJ... – As funções correicionais, como está na emenda constitucional, dizem respeito a eventuais desvios éticos e administrativos. Isso será transmudado da atual Lei Orgânica da Magistratura (Loman) para o futuro Estatuto da Magistratura, que está sendo reelaborado. Mas tão logo o Conselho se instale, já começará a funcionar como órgão corregedor. Enquanto o Estatuto da Magistratura não entrar em vigor, fica valendo a Loman. Embora a Loman seja um instrumento da ditadura – que eu tenho como revogada em muitos dos seus dispositivos – vem sendo aplicada até aqui. Então o Conselho terá que aplicá-la quanto ao afastamento de magistrados, nas ações que sejam transgressões previstas nessa lei. Houve quem o criticasse, recentemente, por sua iniciativa de propor uma espécie de intermediação na questão da Varig e de outras companhias aéreas com a União, que envolve indenizações de bilhões de reais. Alguns críticos acham que o senhor, como magistrado e presidente do STJ, devia apenas julgar e não tentar uma conciliação. Como reage a essas críticas? – Toda crítica, por mais improcedente, é bem-vinda, porque é uma afirmação de que o criticado não está passando de forma indiferente. As pessoas estão percebendo que ele existe e que suas opiniões merecem alguma consideração, ainda que sejam criticadas. Mas o que nós estamos tratando é do Judiciário do século 21 e não do Judiciário do século 18. A função primeira da Justiça é construir a paz através da conciliação. As demandas só deveriam existir quando não houvesse nenhuma possibilidade de conciliação. Aí se instauraria a demanda. Infelizmente, na nossa cultura, primeiro se faz a greve para depois negociar as questões salariais. Primeiro se vai à Justiça, para depois então se discutir – 10, 15 anos depois, na fase de execução – o direito já declarado. Precisamos imaginar um Judiciário mais ágil, mais disponível para as demandas do povo em geral e as questões que dizem respeito ao Estado, tendo em vista o interesse da sociedade. 2005 JANEIRO • JUSTIÇA & CIDADANIA • 9


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Precisamos imaginar um Judiciário mais ágil, mais disponível para as demandas do povo em geral e as questões que dizem respeito ao Estado, tendo em vista o interesse da sociedade.

Esse caso da União versus empresas aéreas é emblemático? – Eu fui procurado pelos presidentes das empresas, e considero do meu dever tudo o que diz respeito ao interesse público. Então, não há nada de mais nisso. O direito já foi declarado, e o que se vai fazer agora é a execução. Há duas formas de executar: uma pelas vias judiciais, que pode durar 10, 15 anos; a outra é pela mediação, que depende da boa vontade das partes. O que não se pode imaginar é o presidente de uma Corte distante, indiferente à realidade do país. Nós estamos com a malha ferroviária estraçalhada, com a malha rodoviária insuficiente, com o sistema portuário depredado. O que nos resta ainda é a malha aeroviária. E essa é uma área que, por suas condições estratégicas, não pode ser descurada. Nesse caso, a União vem, há muito, ingressando com recursos protelatórios, empurrando com a barriga – como tem feito em outros casos – para que não se chegue de pronto à execução. Essas empresas terão oxigênio suficiente para suportar tal situação até quando? Os prejuízos do país não serão muito maiores?

dois lados têm de abrir mão de alguma coisa. O meu papel é apenas o de quem foi procurado e está a ouvir. Vou analisar todos os dados e depois vou procurar o canal competente que, no caso, é a área econômica do governo.

A seu ver a União está entendendo isso? – A União raciocina, primeiro, qualquer que seja o governo, de uma forma burocrática. Chegamos a ter lei que obrigava o advogado da União a recorrer sob qualquer pretexto, como diria o poeta Fernando Pessoa, ainda que não tenha razão. O Fernando Pessoa tem uma verso fantástico: “O mundo é para quem nasce para conquistá-lo e não para quem sonha em poder conquistá-lo, ainda que não tenha razão”. Então, o advogado recorre ainda que não tenha razão, por imposição legal. Isso é absurdo, é uma postura anti-desenvolvimentista, contra o Brasil e contra a realização da justiça. Por outro lado, a União varia de acordo com a cabeça política de quem está no seu comando. Hoje, nós temos um presidente da República oriundo das mesas de negociação, do movimento sindical. Ele sabe mais do que qualquer outro o quanto é importante uma negociação para se atingir um resultado. E que, numa negociação, os

– O senhor está sentindo isso, particularmente agora, neste recesso, trabalhando sozinho, despachando pedidos de liminares? A reforma do Judiciário acabou com as férias forenses coletivas, mas manteve os dois recessos anuais dos tribunais superiores... – Sinto-me, despachando no recesso, um pouco incomodado, porque acho que se concede muito poder a uma única pessoa. Não deveria haver recesso. Mas havendo recesso, teríamos que ter aqui uma câmara de férias. Até o Congresso Nacional já instituiu uma comissão representativa para decidir casos urgentes. Sou favorável à instituição de câmaras de férias em todos os tribunais.

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De certa forma o senhor está se antecipando a um dos projetos da reforma da legislação processual comum, o de reunir num só processo a demanda judicial e o processo da execução? – Exatamente. No Brasil, nós temos a ação principal e quando, depois de mais de uma década, se chega a uma conclusão, começa uma outra ação – o tal processo de execução, que é uma vergonha para um país civilizado e que quer se afirmar perante o mundo, como o Brasil. Eu me sentiria muito feliz se, como presidente do STJ, estivesse aqui promovendo mais conciliações, depois de declarados os direitos, do que simplesmente tendo de despachar burocraticamente processos que alimentam esses ritos protelatórios, ajudando assim a tocar essa mesma incômoda sinfonia contra o Brasil.

Isso é questão constitucional ou pode ser resolvida por lei ordinária? – Isso pode ser resolvido no Estatuto da Magistratura, ou havendo omissão geral, até por resolução. Eu já tenho feito sondagens aqui, e as opiniões são divididas. Mas acho que com o tempo vamos caminhar por aí.


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SEM UMA JUSTIÇA INDEPENDENTE IMPERA O ARBÍTRIO E O CAOS Miguel Pachá

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omo é da tradição deste Tribunal, no Dia da Justiça, após a realização da missa onde reverenciamos a data dedicada a Nossa Senhora da Conceição, quando agradecemos a Deus as benesses recebidas e colocamos em suas mãos sagradas a nossa justiça, implorando-lhe que seus membros sejam temperados com a angústia criadora dos apóstolos e dotados de discernimento para que possam enxergar além das aparências e para que todos os magistrados sejam fiéis aos valores éticos e morais e possam, sem remorsos, cumprindo a sua missão, abominar qualquer sentimento que pretenda sujeitá-los a interesses escusos e mesquinhos, aqui nos reunimos para homenagear ilustres personalidades, conferindo-lhes o Colar do Mérito Judiciário pelos relevantes serviços prestados à vida pública e, em especial, ao Poder Judiciário do Estado do Rio de Janeiro. 12 • JUSTIÇA & CIDADANIA • JANEIRO 2005

Fotos: Luis Henrique Vicente

A comenda máxima outorgada por este Tribunal, após rigorosa apreciação do Conselho da Magistratura e aprovação do Órgão Especial, expressa o reconhecimento da justiça fluminense a cada um dos homenageados, pelos exemplos disseminados e por tudo o que realizaram e realizam pela justiça, em seu conceito mais amplo. Muito embora a ilustre Ministra Ellen Gracie não esteja hoje presente a esta solenidade, em decorrência de compromissos anteriormente assumidos, como Vice Presidente do Supremo Tribunal Federal, permitam-me, senhores e senhoras agraciados, que em seu nome, eu faça uma breve saudação a todos. Primeira mulher a ocupar uma cadeira no Supremo Tribunal Federal é carioca de nascimento, a Ministra Ellen reúne todas as qualidades necessárias ao exercício de tão difícil missão: comprometida com a vida pública, dignifica


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Nunca se viveu de forma tão explícita o tênue encontro da civilização e da barbárie. Rompeuse com o passado, perdeu-se o futuro de vista e, neste cenário, o pensamento patina às cegas.

a profissão e a classe através da firmeza de suas decisões, da delicadeza de seus gestos e da transparência de seu caráter. Senhores homenageados recebam todos nossos tributos através desta solenidade, ainda que singela, objetiva ressaltar a figura de integrantes da intelectualidade e da sociedade brasileira que, no exercício digno de suas funções e profissões, durante toda uma vida, expressaram, em suas ações, a tradução do sentimento de justiça. Não aquela justiça que se aplica pelo direito positivo e pela utilização objetiva das leis, mas sim uma justiça cotidiana, valor absoluto e essencial, transcendente ao próprio homem e fundamental para a vida em sociedade. Quis o destino que, nesta mesma data, há poucas horas, se reunisse o Congresso para promulgar após 13 anos, a tão propalada reforma do Judiciário. Gostaríamos de poder, por este motivo, comemorar os avanços alcançados em

prol da celeridade, do acesso e da eficiência, problemas crônicos do sistema judicial e apontados como responsáveis pelo desgaste da nossa imagem. Não temos, entretanto, diante do texto aprovado, qualquer razão para celebrar. Ao contrário, esperava-se uma reforma que resultasse no aprimoramento funcional do Poder, dotando-lhe de maiores recursos e investimentos que propiciassem à população um atendimento mais eficiente e rápido, que como já tive oportunidade de mencionar - escancarasse as portas da justiça à cidadania. Lamentavelmente, o arremedo de reforma constitucional hoje promulgada reduz a importância do Judiciário, notadamente da Justiça Estadual. Com a criação do Conselho Nacional de Justiça, órgão de constitucionalidade duvidosa, pretende-se mutilar o Poder e impor aos magistrados limitações inadmissíveis ao 2005 JANEIRO • JUSTIÇA & CIDADANIA • 13


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Só seremos reconhecidos como um Poder indispensável quando a sociedade puder reconhecer em nós, parceiros e garantidores da paz(...)

exercício da jurisdição. Apresentado como panacéia a todos os males que acometem o sistema judicial, longe de apontar para uma solução efetiva, resulta na fragilização do próprio poder, confrontando-o com a população. Esquecem os que defendem esta anomalia que sem uma justiça independente impera o arbítrio e o caos, predomina o mais forte e assim perdemos todos. Afirma-se que, em certos países, inclusive parlamentaristas, existe um controle externo, mas o certo é que no regime parlamentar de governo não há independência entre os três poderes, como ocorre nos presidenciais. A justificativa é, pois, extremamente frágil. Veja-se que naquele regime, os Poderes não são autônomos nem independentes. O Executivo depende do Legislativo, eis que este pode, até, derrubá-lo. O Legislativo, por sua vez, depende do Chefe de Estado e pode ser dissolvido com a convocação de novas eleições. Na França, em modelo referido pelos que defendem o controle, o Poder Judiciário é uma repartição da administração pública, ou seja, do Executivo, estando sujeito mais ao Ministro da Justiça do que às Cortes Superiores, o que levou o ilustre jurista Ives Gandra a corretamente afirmar: “Assim, quando criado nesses países, o controle externo, seu objetivo foi ofertar independência ao Poder Judiciário, retirando-o do controle direto do Executivo e, 14 • JUSTIÇA & CIDADANIA • JANEIRO 2005

mais particularmente, do Ministério da Justiça, não foi para controlá-lo, mas para libertá-lo do controle do Executivo”. Não é isto que se está iniciando a fazer no Brasil, onde o objetivo é o de retirar a autonomia e a independência do Poder Judiciário, por ser aquele que mais incomoda quando reconhece que muitas leis são elaboradas em desconformidade com a Constituição e as declara inconstitucionais, ou quando julga contra os governantes ou interesses ditados, não pela justiça, mas pela vontade de conglomerados econômicos, cujo objetivo principal é o lucro em detrimento dos valores centrais da humanidade. Repito hoje, o que afirmei em solenidade idêntica a esta no ano passado. Citando o ilustre professor de filosofia, Emmanuel Carneiro Leão que, em artigo publicado, assim afirmou: “Por toda a parte se esboroou a força do direito e só restou mesmo o direito da força, tanto na tecnologia como na ideologia. No lugar da ética, entrou a economia, ocupando todos os postos e funções e substituindo qualquer valor. E não apenas a ética foi tragada pela economia. A política também, a religião também, a arte também, a filosofia também o foram. Os valores humanos e o homem, como princípio e fim de toda ordem, foram afundando e se rendendo aos poderes do mercado. Só há sensores para o lucro, só se busca globalizar investimentos, só preocupam rendimentos em expansão.”


Meus senhores, ouso afirmar que nesta submissão à economia, fertiliza-se o terreno adequado para que se instale uma crise de valores sem precedentes e se estabeleça uma confusão entre moralidade pública e privada. Ao se desconstruir a consciência de cidadania e ao se adotar o discurso do estado mínimo sucatea-se o sentimento da vida em grupo, do bem coletivo e associa-se o conceito de que tudo o que é público é ineficiente, corrupto e ultrapassado. Com controle, ou sem ele, o nosso Poder Judiciário é constituído, graças a Deus, por homens e mulheres que sustentam que a ciência jurídica é construção da racionalidade humana e continuarão a denunciar ou buscar soluções para que o homem, e não o lucro, volte a ser a medida de todas as ações políticas, para que o balizamento de qualquer projeto seja a liberdade e o respeito às garantias constitucionais.Outra infeliz providência foi o deslocamento da competência para julgamento dos crimes contra os direitos humanos pela Justiça Federal. Longe de significar a efetividade desejada, constitui-se tal medida como um abalo ao pacto federativo, reduzindo a importância dos estados e dos municípios frente à União. Não é esta medida um tópico isolado. As sucessivas alterações do sistema tributário resultaram no déficit da arrecadação dos estados e municípios que amargam ínfimas taxas de crescimento, ao contrário do fortalecimento da capacidade financeira da União. Os entes federativos, cada vez mais combalidos e enfraquecidos, tornam-se servis ao poder central. Neste cenário, é urgente a implantação de uma nova ordem institucional. As tentativas de se desqualificar a justiça estadual com o esvaziamento de suas competências atingem o cerne da federação idealizada por nossos constituintes e resultado de um longo processo histórico e cultural que se pretende, sem qualquer debate, alterar. Garantir a manutenção do nosso sistema político, com a necessária autonomia dos entes federados é um desafio que deve ser assumido pelo Judiciário. A conclusão é inevitável: as mesmas forças que buscam o sucateamento da federação almejam o enfraquecimento da justiça estadual. Não seremos tolerantes com este projeto e, em nossa área de atuação, continuaremos combatendo o golpe que se pretende desferir contra a Constituição. Vivemos um período ímpar na história da humanidade. Nunca se viveu de forma tão explícita o tênue encontro da civilização e da barbárie. Rompeu-se com o passado, perdeu-se o futuro de vista e, neste cenário, o pensamento patina às cegas. Há um desprezo generalizado pela política, um descrédito pela ética e pelas normas, uma obscuridade na formação e na cultura. O filósofo Paul Valery afirma que “o mundo moderno aboliu as duas maiores invenções da humanidade: o passado e o futuro”. O Poder Judiciário, guardião dos valores que constituem os pilares da civilização, deve reafirmar sempre no sentido da preservação da memória. Sem a memória e sem uma história rompe-se com as possibilidades de projetos. Devemos, entretanto, em momentos de crise, não optar

pelo caminho mais fácil da acomodação indignada. O momento é de assumir responsabilidades e conseqüências. O cenário do Estado do Rio não difere do resto do planeta. Vivemos tempos difíceis, onde a violência transborda e se entranha no tecido social provocando medo, intranqüilidade e, o mais grave, apatia. Recentemente, numa cena dantesca, assistimos uma mulher tentando ingressar no presídio usando seus filhos para transportar drogas nos seus calçados. Efetuada a prisão, a reação das crianças era de terror. Queriam saber quem cuidaria delas, uma vez que o pai já se encontrava condenado cumprindo pena. Rapidamente, acusações brotaram de todos os lados para que o “culpado” por tamanho terror fosse exemplarmente punido. Falta de saúde, educação, moradia, políticas públicas, autoridade, justiça, enfim, uma série de algozes para aplacar a indiferença que se abateu sobre todos nós diante da banalização de situações como aquela. Sim, somos todos responsáveis por aquela cena de horror. Montaigne dizia que “cada homem leva em si a forma inteira da condição humana” e “nossa humanidade só se afirma como condição compartilhada: ser um homem é ter muita coisa em comum com todos os outros homens”. Nestes dois anos à frente do Tribunal de Justiça do Estado do Rio, temos reafirmado a nossa condição de agentes pró-ativos em busca da inclusão social e da cidadania. Temos, no Estado, uma justiça transparente, ética, moralizada, e buscando cada vez mais, seu aprimoramento e inserção. Só seremos reconhecidos como um Poder indispensável quando a sociedade puder reconhecer em nós, parceiros e garantidores da paz e da estabilidade social. Este tem sido o nosso desafio e ouso dizer, com a segurança de quem combateu o bom combate, que estamos avançando. Participo, pela última vez como presidente e desembargador em atividade desta solenidade. Espero ter cometido mais acertos do que equívocos. Rogo a Nossa Senhora da Conceição que continue a proteger a justiça, aos homens que a garantem e também aos que dela necessitam. Deixo, como desejo, o sonho manifestado por George Orwell, em seu cada vez mais atual 1984: “Ao futuro ou ao passado, a uma época em que os pensamentos sejam livres, em que os homens sejam diferentes uns dos outros e que não vivam sós -a uma época em que a verdade existir e o que for feito não puder ser desfeito”.

Desembargador Presidente do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro 2005 JANEIRO • JUSTIÇA & CIDADANIA • 15


STF: LEGISLADOR POSITIVO OU NEGATIVO?

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Ives Gandra da Silva Martins

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Parece-me extremamente arriscado admitir que um poder NÃO ELEITO PELO POVO e que é, fundamentalmente, um poder técnico, possa fazer as vezes do poder político, que, bem ou mal, passa pelo teste eleitoral e que é escolhido pela sociedade.

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iscute-se, na ADPF nº 54, em tramitação perante a Suprema Corte do país, se, à luz de uma técnica exegética retirada de países europeus de regimes parlamentaristas, poderia ou não o Poder Judiciário, no vácuo legislativo, fazer as vezes de Poder Legislativo e produzir direito novo. Por esta denominada “interpretação conforme a Constituição” - adotada no direito alemão e raramente utilizada naquele país parlamentarista - poderiam os juízes, por variadas razões (lentidão na tramitação das leis no Congresso Nacional; ausência de texto legislativo promulgado; desinteresse do Legislativo de produzir norma a respeito de determinada matéria), à luz dos princípios constitucionais vigentes em nosso país, elaborar normas gerais e abstratas, que assim passariam a integrar o ordenamento, não por força da elaboração legislativa, mas sim da elaboração pretoriana. Em outras palavras, a questão é a de saber se, sempre que provocado, o Poder Judiciário, à semelhança da Corte Constitucional na Alemanha, poderia suprir o Poder Legislativo, gerando a norma que o Poder Legislativo não produziu. Na ADPF n. 54, o que seus autores pretendem é, rigorosamente, isto: que o Congresso Nacional seja substituído pelo Poder Judiciário, criando uma nova hipótese de permissão do aborto (o aborto eugênico) que seria acrescentada às duas outras hipóteses elididoras da punibilidade constantes do Código Penal, a saber: o aborto sentimental (estupro) e o aborto terapêutico (risco de vida da gestante). 16 • JUSTIÇA & CIDADANIA • JANEIRO 2005

Apesar de ter clara posição contrária ao aborto - não só por convicção, mas sob o aspecto jurídico, pois o Brasil assinou o Pacto de São José, que, no artigo 4º, declara que “a vida começa na concepção”, passando esse tratado a integrar o nosso ordenamento para alguns, como lei ordinária, e, para outros, com “status” constitucional, por força do § 2º do art. 5º da CF - não pretendo discutir esse ponto, respeitando a opinião dos que pensam em contrário. O que me parece extremamente perigoso, num país presidencialista, em que há nítida separação de poderes, é admitir que possa o Poder Judiciário substituir o Poder Legislativo, eleito pelo povo, produzindo as normas que o Congresso Nacional não tiver produzido. Parece-me extremamente arriscado admitir que um poder NÃO ELEITO PELO POVO e que é, fundamentalmente, um poder técnico, possa fazer as vezes do poder político, que, bem ou mal, passa pelo teste eleitoral e que é escolhido pela sociedade. Mais do que perigoso, vejo essa possibilidade como manifestamente inconstitucional. Já há, na Constituição, instrumento para que o Poder Judiciário inste o Poder Legislativo a suprir a falta de lei, a saber, a “ação direta de inconstitucionalidade por omissão”. Sempre que o Poder Legislativo deixar de cumprir sua função, não produzindo legislação infraconstitucional que a norma maior exigiria, pode, a sociedade, por meio de entidades públicas ou privadas elencadas no artigo 103 da lei suprema, pedir a declaração desta omissão ao Poder Judiciário. Sabiamente, todavia, o constituinte impôs ao Judiciário


Foto: Arquivo

apenas a declaração da omissão, com notificação ao Poder Legislativo para que providencie a elaboração da norma legislativa, SEM IMPOR PRAZOS PARA TAL ELABORAÇÃO, NEM SANÇÕES PELO DESCUMPRIMENTO (art. 103, § 2º da C.F.). Em palestra que os Ministros Sydney Sanches, Antonio da Pádua Ribeiro e eu proferíamos no Tribunal de Justiça de Belém do Pará, logo após a promulgação da Constituição, o primeiro, meu colega de turma, com muito humor, lembrou que fez bem o constituinte em não impor sanções, nem prazos, porque não haveria como a Suprema Corte requisitar o uso de força e a prisão de 503 deputados e 81 senadores, por descumprimento de ordem judicial! Ora, se o próprio constituinte, em veículo maior, que é a ação direta de inconstitucionalidade por omissão, não permitiu ao STF legislar positivamente, como se poderá admitir que o possa fazer por um veículo menor, como é o caso da ação de descumprimento de preceito fundamental? Posso falar dessa matéria com a autoridade de um dos 5 membros nomeados pelo Presidente da República Fernando Henrique para elaborar a lei 9882/99, ou seja, a lei que criou a ação de descumprimento de preceito fundamental. Os outros 4 membros foram os Ministros Gilmar Mendes e Oscar Correa e os Professores Celso Bastos e Arnoldo Wald. Jamais imaginamos que o veículo, criado para que o Poder Judiciário protegesse como legislador negativo, e não positivo, preceito fundamental violado, pudesse ser utilizado para criar nova hipótese legal, via Poder Judiciário e não Poder Legislativo.

Pode a Suprema Corte, como legislador negativo, NEGAR APLICAÇÃO À LEI INCONSTITUCIONAL, mas jamais criar direito novo, como legislador positivo, em países presidencialistas, à luz de interpretação raramente usada em países parlamentaristas, onde não há nítida separação de poderes. Creio que, se a tese defendida pelos autores da ADPF n. 54 prosperar, toda a democracia brasileira correrá risco, visto que não serão os representantes do povo (deputados e senadores), mas apenas onze ilibados cidadãos e juristas renomados - mas que não são políticos e foram escolhidos por um homem só (Presidente da República) - que poderão ditar o direito a ser seguido pelos brasileiros. Não se discute, na ADPF 54, apenas a questão se o anencéfalo poderia ser abortado, matéria que, a meu ver, cabe ao Congresso definir. O que se discute –e esta é a grande questão que me preocupa e à maioria dos operadores do Direito- é se pode ou não o Supremo Tribunal Federal legislar, substituindo o Congresso Nacional, sempre que se entender que este não esteja exercendo bem suas funções, estando os onze Ministros autorizados a produzir as leis que as duas Casas legislativas não produziram. A pergunta que todo o brasileiro se faz, neste momento, é: se a Constituição conforma um regime de nítida separação de poderes, pode o STF legislar positivamente? Professor Emérito das Universidades Mackenzie, UNIFMU e da Escola de Comando e Estado Maior do Exército. 2005 JANEIRO • JUSTIÇA & CIDADANIA • 17


JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS ALGUMAS OBSERVAÇÕES QUANTO AOS REFLEXOS CÍVEIS DA LEI (10.259/ 2001) SOBRE A LEI 9099/95

Luis Felipe Salomão

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Sabe-se o quanto é dificultoso para o cidadão ajuizar qualquer ação tendo como réu o Estado. As Varas de Fazenda Pública estão abarrotadas de processos, e o litígio tende a se eternizar. Introdução

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lei 10.259/2001 instituiu os Juizados Especiais Cíveis e Criminais da Justiça Federal, cumprindo mandamento inserido na Carta Magna, por força da Emenda Constitucional nº 22, de 18.03.99. Assim dispõe o artigo 98, parágrafo único da Constituição Federal: “Lei federal disporá sobre a criação de juizados especiais no âmbito da Justiça Federal”. A Lei dos Juizados Federais, logo no artigo 1º, mandou que se lhe aplique, naquilo que não houver conflito, as disposições da lei 9.099/95. A técnica legislativa adotada, pois, foi a de tracejar os contornos gerais dos Juizados Federais, definir competência cível e criminal, estabelecer adequação de procedimentos e formas mais eficazes para criação e estruturação dos novos órgãos. Na verdade, cumpre verificar que o processo propriamente dito e os princípios gerais foram definidos na legislação que serve como paradigma (Lei 9.099/95). Os Juizados Especiais representam mais um esforço dos juízes brasileiros, na tentativa de apresentarem à sociedade uma solução adequada, rápida e gratuita para democratizar e facilitar o acesso à justiça. Não resolverão, por certo, todos os problemas estruturais e de gestão do Judiciário brasileiro, mas simbolizam um passo firme em direção à construção do Poder apto a atender nossos jurisdicionados.

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Leis especiais e gerais. Formas de interpretação Quando surge no mundo jurídico uma lei nova, especial em relação à outra geral, regulando uma questão específica, cabe logo a indagação sobre a forma de interpretação, de modo a evitar-se conflitos. Nesse passo, a lição sempre atual de Vicente Ráo1: “A disposição especial de uma lei não revoga a geral de outra, nem a geral revoga a especial, senão quando a ela, ou ao seu assunto, se referir, alterando-a”. Assim dispõe o artigo 2º, §2º da Lei de Introdução ao Código Civil: “A lei nova, que estabeleça disposições gerais ou especiais a par das já existentes, não revoga nem modifica a lei anterior.” Por outro lado, quando a lei posterior “... regula inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior”, há a revogação (§1º, artigo 2º da LICC). A competência dos Juizados Federais Cíveis O artigo 3º da lei 10.259/2001 fixou a competência para os Juizados Federais Cíveis2. Utilizou-se o legislador de dois critérios para fixar a competência dos novos órgãos de jurisdição. O primeiro, remetendo o intérprete à Constituição Federal, são todas as causas de competência da Justiça Federal (artigo 109 da CF/88), excetuadas as mencionadas no §1º do artigo 3º da lei


Foto: Luis Henrique Vicente

em comento. O segundo foi o critério de valor, limitando-se aquelas causas que seriam da Justiça Federal comum, até o equivalente a sessenta salários mínimos. Portanto, no que pertine ao critério de valor para fixação de competência dos novos Juizados, a lei 10.259/2001 foi mais ousada que a anterior (artigo 3º, inciso I da Lei 9.099/ 95), ampliando o limite para sessenta salários. A ampliação do limite para 60 salários vale também para os Juizados Estaduais? A resposta é afirmativa. Para efeito de valor, houve uma nova definição do legislador quanto à “causas cíveis de menor complexidade”.(artigo 98, inciso I da CF/88). De fato, a lei 9.099/95, ao estabelecer a competência para o julgamento das “causas cíveis de menor complexidade”, utilizou-se também de dois critérios básicos, tais como “em razão da matéria e valor” (artigo 3º, Lei 9.099/95)3. Ao dispor que as causas de menor complexidade, no que toca ao limite de valor, seriam aquelas até quarenta salários mínimos (artigo 3º, inciso I), o legislador de 1995 foi prudente. Certamente, tinha receio de que os Juizados fossem receber muitas demandas, e por isso a interpretação daquele dispositivo foi a de que, mesmo situado como inciso (e não no caput), o limite prevaleceria para todos os demais incisos do mencionado artigo 3º da Lei 9.099/954. Com o advento da Lei 10.259/2001, na verdade o

legislador, a pretexto de dispor sobre a competência dos Juizados Federais, veio a fixar novo conceito de causa cível de menor complexidade, ao menos pelo ângulo do critério de valor. Dispôs, nesse passo, que o limite será o de sessenta salários mínimos. Parece claro, pois, que houve ampliação também, no que se relaciona ao valor máximo de sessenta salários, para o Juizado Especial Cível, à semelhança do que ocorreu no âmbito da competência dos Juizados Criminais5. Regulando a nova lei integralmente, a mesma matéria versada na lei anterior, prevalece a lei especial mais recente (artigo 2º, §1º, LICC). Nesse particular, a parte final do artigo 20 da Lei 10.259/20016 não é óbice para que se atinja a plenitude dessa interpretação. De fato, ao estabelecer a flexibilização da competência territorial, no caso de ausência de Vara Federal, a lei dispôs que, nesse caso (e somente nesse caso), não cabe aplicação da mesma no “juízo estadual”. Vale dizer, não poderá a parte, não havendo Juizado Federal no local, valer-se da Justiça Estadual ou do Juizado Especial Estadual. Deverá procurar o Juizado Federal mais próximo do foro definido no artigo 4º da Lei 9.099/95, fugindo ao padrão fixado pelo artigo 109, §3º da CF/88. Interpretar de maneira diferente a norma seria ferir de morte o que, expressamente, dispõe o artigo 1º da Lei dos 2005 JANEIRO • JUSTIÇA & CIDADANIA • 19


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Diante da violência, em certas situações, por parte do Estado, com flagrantes violações aos direitos individuais, o cidadão prefere permanecer inerte, porque uma ação contra o Estado, em previsão otimista, não se encerra antes de cinco anos.

Juizados Federais, ainda porque uma lei federal não pode ter sua aplicação vedada em qualquer sede de juízo neste país. Aplicação do disposto no artigo 17 da Lei dos Juizados Federais (dispensa de precatórios) também para o âmbito estadual. Na mesma linha de raciocínio, tenho que a nova lei ampliou a possibilidade de pessoas jurídicas públicas figurarem no pólo passivo, aplicando-se, mutatis mutandi, a regra do art. 17, com a dispensa do precatório. Estabelece o artigo 8º que não poderão figurar como partes no Juizado Especial Cível, o incapaz, o preso, as pessoas jurídicas de direito público, as empresas públicas da União, a massa falida e o insolvente civil. Parte, em direito processual, é quem pede ou em face de quem se pede a tutela jurisdicional. O dispositivo retira de determinadas pessoas a capacidade de ser parte, pressuposto subjetivo para constituição válida do processo. Vale dizer que, se um incapaz propõe uma ação no Juizado, o juiz deve extinguir o feito (artigo 51, incisos II e IV da Lei dos Juizados Especiais) sem julgamento do mérito. A intenção do legislador foi, sempre, de valorizar a conciliação e a celeridade, o que estaria comprometido, de certa forma, com a presença das partes indicadas no dispositivo. Lamentava-se, contudo, a exclusão da possibilidade de litígio contra as pessoas jurídicas de direito público no âmbito estadual7. Sabe-se o quanto é dificultoso para o cidadão ajuizar qualquer ação tendo como réu o Estado. As Varas de Fazenda Pública estão abarrotadas de processos, e o litígio tende a se eternizar. Há desestímulo para que seja exercida a cidadania em sua plenitude, pois o custo e o tempo para a solução da demanda fazem com que o cidadão renuncie ao direito que, em tese, quer ver reconhecido. Basta citar, apenas como exemplos, os sucessivos planos econômicos, os expurgos de índices inflacionários, com “confiscos” e depósitos compulsórios e a falta de remédios nos hospitais públicos, indispensáveis ao tratamento de doenças crônicas. Diante da violência, em certas situações, por parte do Estado, com flagrantes violações aos direitos individuais, o cidadão prefere permanecer inerte, porque uma ação contra o Estado, 20 • JUSTIÇA & CIDADANIA • JANEIRO 2005

em previsão otimista, não se encerra antes de cinco anos. E se houver condenação, o recebimento se dará por precatório, em moeda absolutamente defasada. Ao ampliar a possibilidade para que os entes públicos federais figurem no pólo passivo da demanda, a lei nova trouxe inegável reflexo para a Lei 9.099/95, haja vista o princípio da isonomia consagrado no texto constitucional (artigo 5º, CF/88). Vale transcrever a observação certeira do Professor Luiz Roberto Barroso sobre o assunto8: “Reproduzindo-se o conhecimento convencional, costuma-se afirmar que a isonomia traduz-se em igualdade na lei – ordem dirigida ao legislador – e perante a lei – ordem dirigida ao aplicador da lei. O princípio da isonomia forma uma imperativa parceria com o princípio da razoabilidade. À vista da constatação de que legislar, em última análise, consiste em discriminar situações e pessoas por variados critérios, a razoabilidade é o parâmetro pelo qual se vai aferir se o fundamento da diferenciação é aceitável e se o fim por ela visado é legítimo.” Ao estabelecer, portanto, a possibilidade de participação do ente público nos processos dos Juizados Federais, quer parecer que o legislador, desenganadamente, criou situação de derrogação do disposto no artigo 8º da Lei 9.099/95, nesse ponto específico – tendo em vista os princípios constitucionais da isonomia e do devido processo legal (artigo 5º, inciso LIV da Constituição Federal). Conclusão A conclusão, portanto, é que a jurisprudência, com sua construção paulatina, por certo enfrentará e resolverá as questões relacionadas com essas breves reflexões. A Lei dos Juizados Federais trouxe inequívocos reflexos para a Lei 9.099/95. No âmbito criminal, ampliou a competência para julgar delitos a que a lei comine pena não superior a dois anos. No aspecto cível, aplicando o mesmo raciocínio, a lei nova criou outro paradigma para dispor sobre causas cíveis de menor complexidade, estabelecendo-as como de valor até sessenta salários mínimos (artigo 3º da Lei 10.259/ 2001). Esse novo conceito, por certo, se aplica aos Juizados Especiais Estaduais.


Também em relação à vedação dos entes públicos figurarem como partes, a nova lei dispôs de forma diferente. Logo, há reflexos na lei que regula o assunto no âmbito dos Juizados Estaduais, tendo em conta os princípios constitucionais da isonomia e do devido processo legal. Apenas cabe acentuar uma observação final, mas relevantíssima. Os Juizados Estaduais já sofrem com uma explosão de processos, decorrentes da chamada “demanda reprimida” da cidadania. Se não houver aporte de recursos e definição de uma política de valoração dos Juizados Especiais pelas estruturas do Poder constituído, com investimento maciço em informatização, formação de juízes

e conciliadores, e uma estrutura de ações coletivas, os novos órgãos, de pequenas plantas que são, não poderão cumprir com seu destino histórico de se tornarem grandes arbustos para o Judiciário. Mas esse é outro assunto, e não pode servir de argumento quando o tema é interpretação de textos legais.

Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, autor do Livro “Roteiro dos Juizados Especiais Cíveis” *Editora Destaque)

Notas “O direito e a vida dos direitos”, Vicente Ráo, RT, Vol 01, 3ª Edição, pág. 303. “Compete ao Juizado Especial Cível Federal processar, conciliar e julgar causas de competência da Justiça Federal até o valor de sessenta salários mínimos, bem como executar as suas sentenças”. 3 “O Juizado Especial Cível tem competência para conciliação, processo e julgamento das causas cíveis de menor complexidade, assim consideradas: I – as causas cujo valor não exceda a 40 (quarenta) vezes o salário-mínimo; II – as enumeradas no art. 275, inciso II, do Código de Processo Civil; III – a ação de despejo para uso próprio; IV – as ações possessórias sobre bens imóveis de valor não excedente ao fixado no inciso I deste artigo”. 4 Enunciado Jurídico Cível do Encontro dos Juízes dos Juizados Especiais nº 2.4.1 - “Todas as causas da competência dos Juizados Especiais Cíveis estão limitadas a 40 salários mínimos.” Os enunciados podem ser localizados no site do TJ/RJ (www.tj.rj.gov.br). 5 Enunciado Jurídico Criminal do Encontro dos Juízes dos Juizados Especiais nº 1 -  “Aplica-se ao Juizado Especial Criminal Estadual o conceito de infração de menor potencial ofensivo definido no art. 2º, parágrafo único, da Lei 10.259/01 (delitos a que a lei comine pena não superior a dois anos)” . Os enunciados podem ser localizados no site do TJ/RJ (www.tj.rj.gov.br) . Na doutrina, confira-se “Juizados Especiais Criminais – Temas Controvertidos”, Editora “Lumen Juris”, 2002, do Juiz André Luiz Nicolitt e “Sistema Acusatório”, da mesma editora, de autoria do Juiz Geraldo Prado. 6 “Onde não houver Vara Federal, a causa poderá ser proposta no Juizado Especial Federal mais próximo do foro definido no art. 4º da Lei n. 9.099, de 26 de setembro de 1995, vedada a aplicação desta lei no juízo estadual”. 7 Confira-se o livro “Roteiro dos Juizados Especiais Cíveis”, Luis Felipe Salomão, 3ª Edição, ano 2003. 8 Em nota de rodapé, prossegue o eminente constitucionalista: “Ao julgar o Mandado de Injunção nº 58, do qual foi relator para acórdão, averbou o Min. Celso de Mello (RDA 183/143): Esse princípio (o da isonomia) – cuja observância vincula, incondicionalmente, todas as manifestações do Poder Público – deve ser considerado, em sua precípua função de obstar discriminações e de extinguir privilégios (RDA, 55/114), sob duplo aspecto: a) o da igualdade na lei; b) o da igualdade perante a lei. A igualdade na lei – que opera uma fase de generalidade puramente abstrata – constitui exigência destinada ao legislador que, no processo de sua formação, nela não poderá incluir fatores de discriminação, responsáveis pela ruptura da ordem isonômica. A igualdade perante a lei, contudo, pressupondo lei já elaborada, traduz imposição destinada aos demais poderes estatais, que, na aplicação da norma legal, não poderão subordiná-la a critérios que ensejem tratamento seletivo ou discriminatório”. 1 2

Bibliografia “O direito e a vida dos direitos”, Vicente Ráo, RT, Vol 01, 3ª Edição, pág. 303. “Compete ao Juizado Especial Cível Federal processar, conciliar e julgar causas de competência da Justiça Federal até o valor de sessenta salários mínimos, bem como executar as suas sentenças.” 3 “O Juizado Especial Cível tem competência para conciliação, processo e julgamento das causas cíveis de menor complexidade, assim consideradas: I – as causas cujo valor não exceda a 40 (quarenta) vezes o salário-mínimo; II – as enumeradas no art. 275, inciso II, do Código de Processo Civil; III – a ação de despejo para uso próprio; IV – as ações possessórias sobre bens imóveis de valor não excedente ao fixado no inciso I deste artigo.” 4 Enunciado Jurídico Cível do Encontro dos Juízes dos Juizados Especiais nº 2.4.1 - “Todas as causas da competência dos Juizados Especiais Cíveis estão limitadas a 40 salários mínimos.” Os enunciados podem ser localizados no site do TJ/RJ , www.tj.rj.gov.br. 5 Enunciado Jurídico Criminal do Encontro dos Juízes dos Juizados Especiais nº 1 -  “Aplica-se ao Juizado Especial Criminal Estadual o conceito de infração de menor potencial ofensivo definido no art. 2º, parágrafo único, da Lei 10.259/01 (delitos a que a lei comine pena não superior a dois anos)” . Os enunciados podem ser localizados no site do TJ/RJ, www.tj.rj.gov.br . Na doutrina, confira-se “Juizados Especiais Criminais – Temas Controvertidos”, Editora “Lumen Juris”, 2002, do Juiz André Luiz Nicolitt e “Sistema Acusatório”, da mesma editora, de autoria do Juiz Geraldo Prado. 6 “Onde não houver Vara Federal, a causa poderá ser proposta no Juizado Especial Federal mais próximo do foro definido no art. 4º da Lei n. 9.099, de 26 de setembro de 1995, vedada a aplicação desta lei no juízo estadual.” 7 Confira-se o livro “Roteiro dos Juizados Especiais Cíveis, Luis Felipe Salomão, 3ª Edição, ano 2003. 8 Em nota de rodapé, prossegue o eminente constitucionalista: “Ao julgar o Mandado de Injunção nº 58, do qual foi relator para acórdão, averbou o Min. Celso de Mello (RDA 183/143): Esse princípio (o da isonomia) – cuja observância vincula, incondicionalmente, todas as manifestações do Poder Público – deve ser considerado, em sua precípua função de obstar discriminações e de extinguir privilégios (RDA, 55/114), sob duplo aspecto: a) o da igualdade na lei; b) o da igualdade perante a lei. A igualdade na lei – que opera uma fase de generalidade puramente abstrata – constitui exigência destinada ao legislador que, no processo de sua formação, nela não poderá incluir fatores de discriminação, responsáveis pela ruptura da ordem isonômica. A igualdade perante a lei, contudo, pressupondo lei já elaborada, traduz imposição destinada aos demais poderes estatais, que, na aplicação da norma legal, não poderão subordiná-la a critérios que ensejem tratamento seletivo ou discriminatório”. 1 2

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O CRIME DO COLARINHO BRANCO Renato Ribeiro Velloso

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O crime de colarinho branco pode vitimar milhares de pessoas, assim sendo, seria melhor prevenir um mal, dando importância à prevenção (...)”

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termo “crime do colarinho branco” (WhiteCollar Crime), surgiu em 1939 durante um discurso dado por Edwin Sutherland, a American Sociological Association. Considerado um dos maiores criminalistas de sua época nos Estados Unidos foi eleito presidente da American Sociological Association, muito de seu estudo foi influenciado pela aproximação da escola de Chicago ao estudo do crime que enfatizou o comportamento humano como determinados por fatores ambientais, sociais e físicos. Sutherland definiu o termo como o crime cometido por uma pessoa de respeitabilidade e elevado estatuto social, status sócioeconômico, no curso de sua ocupação, ocorrendo, quase sempre, uma violação de confiança. Embora haja algum debate a respeito de o que qualifica um crime do colarinho branco, o termo abrange geralmente os crimes sem violência cometidos geralmente em situações comerciais para ganho financeiro. Muitos destes crimes são de difícil percepção, pois são preparados por criminosos sofisticados, que usam de todos os artifícios possíveis para tentarem esconder suas atividades com uma série de transações complexas. Hodiernamente existe a impressão de impunidade do infrator frente ao sistema penal, que parece selecionar as pessoas e não as ações. As penalidades para as ofensas do crime de colarinho branco incluem multas, a restituição, o aprisionamento, etc. Entretanto, estas sanções podem ser diminuídas se o réu ajudar às autoridades em sua investigação. Howard Becker, da uma afirmação paradigmática “este, claro, é um dos mais importantes pontos da análise de Sutherland do White-Collar crime: os crimes cometidos pelas sociedades são quase sempre processados como casos civis, mas o mesmo crime cometido por um indivíduo é normalmente tratado como uma ofensa criminal”. Basta verificarmos a população carcerária, onde é latente que em sentido geral a pobreza é punida. Pois tem a impressão de que o agente que possui maior poder financeiro, são pessoas socializadas. Quando na verdade o agente socializado não é aquele que possui melhor condição social-financeira, mas sim aquele que esta apto a seguir regras, que se enquadra no direito, independente de raça ou classe social. Cláudia Cruz Santos alerta que: “mesmo nos casos em que a notícia do crime do colarinho branco chega ao conhecimento da polícia, pode não se verificar o empenho

necessário à conveniente investigação. A complexidade das infrações, os custos da investigação e, sobretudo, a valoração feita pela própria polícia quanto à menor gravidade da conduta são desincentivadoras de uma intervenção efectiva. E neste momento que funcionam os próprios preconceitos dos policiais: numa conjuntura de insuficiência dos recursos face ao número de casos a investigar, há que fazer escolhas; as representações dominantes sobre os crimes mais perniciosos para a comunidade e sobre os agentes nos crimes comuns que têm maior visibilidade”. Com a declaração acima, verificamos que o policial agirá com discricionariedade, não se empenhando na investigação, não dando assim base suficiente para o Ministério Público e para o Judiciário. Braithwhite notou que “se o crime dos poderosos se explica por alguns terem demasiado poder e riqueza e se os crimes comuns se explicam pelo facto de outros terem muito pouca riqueza e poder, uma redistribuição da riqueza e poder diminuirá o crime”. O crime de colarinho branco pode vitimar milhares de pessoas, assim sendo, seria melhor prevenir um mal, dando importância à prevenção, e aplicando penas mais rígidas aos que cometerem a infração.

Membro do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim), e Pós-graduando em Direito Penal Econômico Internacional, pelo Instituto de Direito Penal Econômico e Europeu da Universidade de Coimbra, Portugal

Bibliografia §  Santos, Cláudia Cruz. White Collar Crime e Justiça Penal – Aula do curso de especialização em Direito Penal Econômico Internacional (São Paulo 02 e 03 de setembro de 2004), auditório da Apamagis. §  Franco, Rodrigo Strini. Criminalidade do colarinho branco como fonte de desigualdade no controle penal. Jus Navigandi, Teresina, ª7, n.65, mai. 2003. Disponível em: http://www.jus.com.br/doutrina/ texto.asp?ide=4042.>.

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DEFESA PÚBLICA E AMPLA DEFESA É POSSÍVEL CONCILIAR? Asdrubal Júnior

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É verdade sabida e comentário geral que em nosso país apenas os pobres são condenados e, de um certo modo, todos na situação de excluídos ou discriminados e inseridos na condição de miserabilidade jurídica

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rganismos de Direitos Humanos têm alardeado que as defesas públicas dos juridicamente pobres são desenvolvidas, em sua grande maioria, de maneira precária, especialmente nos processos criminais, inclusive com a notícia de que as audiências contam com a participação de estagiários de Direito na defesa dos acusados, sem a presença e acompanhamento de advogados. Quem freqüenta os fóruns sabe, no seu íntimo, que a assertiva não é inverídica. A deficiência na defesa pública não é da responsabilidade dos advogados que a ela se dedicam, especialmente dos defensores públicos, que se esmeram na atenção simultânea a tantos casos, e dentro dessas contingências desenvolvem o melhor trabalho que é possível produzir. É verdade sabida e comentário geral que em nosso país apenas os pobres são condenados e, de um certo modo, todos na situação de excluídos ou discriminados e inseridos na condição de miserabilidade jurídica. Será este um sintoma da deficiência da advocacia pública? A questão não é tão simples, nem se pode generalizar, sob pena de vis injustiças com magníficos trabalhos desenvolvidos por advogados ou defensores no mister da assistência jurídica gratuita nos processos criminais. Também não é razoável dizer que seja absoluta a premissa de que “o rico não é condenado porque tem condições de contratar os melhores advogados”. Os melhores profissionais não estão necessariamente no

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segmento privado. Afinal, o cargo de Defensor Público foi conquistado, quase sempre, em disputado e rigoroso concurso público, o que dá a eles um referencial de conhecimento jurídico. O conhecimento jurídico é fundamental, porém nada irá suprir a essencialidade do minudente estudo do caso concreto. E isso pressupõe tempo de análise dedicado com exclusividade ao caso. Indubitável que isto falta ao profissional da defesa pública, o qual, assoberbado de serviço, precisa otimizar com métodos racionais, inclusive delegando a estagiários, normalmente acadêmicos de Direito, o estudo detido do caso. É verdade que os estagiários são profundamente interessados e debruçam-se na elaboração do melhor, mas isto não satisfaz a lei nem exclui o risco considerável de vilipêndio ao princípio da ampla defesa. A Defesa Pública não pode ser apenas para atender o aspecto formal de garantir o exercício do contraditório no processo, mas deve ser na plenitude do princípio, ou seja, ampla, na abordagem de todas as teses possíveis e na exploração dos detalhes que podem ser determinantes, o que só é possível conhecer mediante o estudo minucioso do caso. Seja também ampla, na utilização dos mecanismos legais de defesa e na exploração dos recursos que a lei disponibiliza. Quantos processos criminais tramitam nas instâncias extraordinárias, onde se discute essencialmente matéria de direito? Um número considerável, ao certo. Mas destes,


quantos são patrocinados por advogados públicos e levados aos tribunais superiores pela interposição de recursos seus? Quiçá seja possível contar nos dedos! Um exagero? Pode ser... Mas, indispensável para um diagnóstico fundamental. Não é possível falar em ampla defesa, se é descartado, – quase na totalidade dos casos patrocinados por defesas públicas – o acesso ao questionamento nos tribunais superiores. Foi fato histórico registrado em discurso do Ministro Celso de Mello, quando presidente do Supremo Tribunal Federal, a sustentação oral proferida por um Defensor Público na defesa de um cidadão juridicamente pobre, como sendo a primeira sustentação oral da defensoria pública na história do mais importante pretório do país. De lá para cá, não tive mais notícia de nenhuma outra, talvez... a única até hoje. A conivência do Estado e as falhas do próprio ordenamento jurídico contribuíram para a aflição dos que hoje necessitam da assistência jurídica gratuita. Para isto, basta ver que só recentemente foi instituída a Defensoria no âmbito da Justiça Federal e que não existe Defensoria Pública para atuação específica no âmbito dos Tribunais Superiores. Aliás, a própria legislação vigente não disponibiliza nem prevê nomeação de defensores públicos na fase policial, só contemplando tal situação após o interrogatório do acusado, em juízo, para a confecção da Defesa Prévia, sem garantir sequer as condições de ser orientado previamente por um advogado. Quantos cidadãos juridicamente pobres ficam

presos até depois da Defesa Prévia, enquanto poderiam ter sido soltos muito antes, se fosse garantido a assistência de um defensor desde o momento de sua prisão? Mas nem tudo são mazelas, a exigência do estágio de prática forense, obrigatório nos cursos jurídicos, trouxe alento à defesa pública e perspectivas de sensíveis melhoras, porque todas as faculdades de direito, por meio de seus Núcleos de Prática Jurídica, devem disponibilizar estrutura e mão-de-obra qualificada (advogados/professores) para assistência jurídica, oportunizando ao seu corpo discente o exercício do estágio e contribuindo com a sociedade para minorar os efeitos da descomunal desproporção entre a demanda por assistência jurídica gratuita e a escassa oferta de defensores públicos. A medida, embora importante, é notadamente insuficiente! E muito mais deve ser feito... A simples comparação entre a quantidade de magistrados, promotores de justiça e defensores públicos (em quantidade muito inferior), já bastaria para constatar o óbvio! A Defesa Pública e a Ampla Defesa, no atual panorama, estão em desarmonia. É perfeitamente possível conciliar a Defesa Pública e a Ampla Defesa. Não só possível como indispensável! Os profissionais do direito devem estar cônscios desta necessidade e abandonar o estado de inércia e acomodação para exigirem a AMPLA DEFESA PÚBLICA! Professor Universitário Editor da Revista Justilex 2005 JANEIRO • JUSTIÇA & CIDADANIA • 25


2004: O ANO DA RECUPERAÇÃO DA ECONOMIA José Genoino

S

ob todos os aspectos que se possa olhar, 2004 pode ser sintetizado como o ano da recuperação da economia. Com efeito, o PIB deste ano deverá fechar com um crescimento superior a 5%. De 1995 a 2002, o Brasil cresceu numa média anual de 2,3%. Se o recorte for feito de 1999 a 2002, o crescimento caiu para uma média anual de 1,8%. No governo Lula, apesar do crescimento praticamente nulo do primeiro ano, a média dos dois primeiros anos deverá ficar em torno de 2,9%. Já é um avanço. Os quatro anos do governo Lula deverão representar uma média anual de crescimento de cerca de 4%. Mas, o ano de 2004 marcou também a retomada da criação de empregos, a geração de um superávit comercial histórico, a obtenção de superávit nas contas correntes, o aumento do investimento privado, o controle da inflação, o risco Brasil com um dos patamares mais baixos dos últimos dez anos e redução da dívida pública. O apoio ao agro-negócio, principalmente através da busca de novos mercados para a exportação, e os recursos destinados ao Pronaf (agricultura familiar), fizeram da área agrícola, um dos setores onde o Brasil obteve resultados ótimos. Mas a recuperação da economia não pode ser olhada apenas pela excelência desses dados, se comparados ao período anterior. Para além desses números é preciso perceber que melhoraram também as condições institucionais no sentido da criação de um ambiente adequado para a retomada sustentável do desenvolvimento. Neste aspecto, o Congresso Nacional, em sintonia com o governo, deu uma contribuição substancial com vistas a processar mudanças que serão benéficas ao desenvolvimento econômico e social do País. A reforma do Judiciário, por exemplo, trará uma melhoria não só na administração da Justiça, mas terá efeitos sobre o ambiente econômico, já que o Judiciário estará mais apto a imprimir agilidade a todos os julgamentos envolvendo conflitos de contratos. Ou seja, a maior segurança jurídica se refletirá positivamente no aumento dos investimentos. A aprovação da Nova Lei de Falências, que vinha se arrastando há mais de dez anos no Congresso, também refletirá no sentido de uma maior garantia jurídica. Além de incidir 26 • JUSTIÇA & CIDADANIA • JANEIRO 2005

positivamente nos investimentos poderá proporcionar a queda nos spreads bancários – a taxa de juros reais. Mas o Congresso aprovou uma série de outras medidas orientadas para uma agenda do desenvolvimento. Merecem destaque as seguintes: projetos de incentivo à construção civil, Lei de inovação tecnológica, criação da Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial, Lei da biossegurança, medidas de incentivo ao mercado de crédito (desconto em folha etc) e, finalmente, o projeto das Parcerias Público-Privadas (PPPs). As PPPs poderão se tornar um fator fundamental para a superação das carências de investimentos na área de infraestrutura. Em 2005, o governo garantirá investimentos significativos em infra-estrutura. Mas, como todos sabem, o poder público, em praticamente todos os países, lida com recursos escassos para investimentos nessa área estratégica para o desenvolvimento. Nestes termos, tornouse necessário buscar recursos na iniciativa privada para suprir as necessidades. Assim, as PPPs poderão garantir a infra-estrutura e a logística necessárias ao desenvolvimento futuro. Outra área na qual o governo Lula olhou para o futuro do desenvolvimento foi o setor elétrico. De fato, a falta de planejamento e de regulamentação no setor energético no governo anterior provocou o famoso apagão. Tratou-se de um dos piores obstáculos ao crescimento da economia. Com a nova regulamentação do setor elétrico o governo está garantindo investimentos na área energética que deixam o perigo do apagão como história do passado. Algumas medidas ainda ficaram pendentes no Congresso. O governo precisa adotar novas iniciativas no sentido de melhorar o ambiente institucional com vistas a favorecer os investimentos, o empreendedorismo, os negócios e a competitividade na economia. Esses fatores serão importantes para a geração de empregos e renda, dois itens imprescindíveis para superar a pobreza – o principal problema social do Brasil. O tanto que se avançou ainda é pouco. Mas o certo é que os brasileiros podem olhar para o amanhã com mais esperança e mais confiança. Presidente do partido dos Trabalhadores


Foto: Elza Fiuza


A EXPERIÊNCIA DE RIBEIRÃO PRETO NA ELIMINAÇÃO DO TRANSPORTE CLANDESTINO

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exemplo de outras cidades brasileiras, Ribeirão Preto, cidade paulista com 500 mil habitantes, também viu surgir e prosperar o transporte não regulamentado de passageiros, oferecido através de peruas e vans, em concorrência com as linhas de ônibus urbanos. Ainda incipiente em 1998, esse transporte clandestino, mesmo sendo coibido pelas autoridades municipais, já contava, dois anos após, com uma centena de veículos, cujos proprietários e condutores eram, na sua maioria, ex-funcionários das três empresas permissionárias do transporte coletivo na cidade. Organizados em uma associação, através dela defendiam seus interesses, tentando garantir essa atividade ilegal mediante liminares na Justiça ou buscando a liberação de seus veículos, quando apreendidos por desrespeito às legislações de trânsito e de transporte. Ao final do ano 2000, as peruas e vans já percorriam, nos diferentes períodos do dia, os itinerários de 40 das 70 linhas regulares de ônibus, atendendo, pela mesma tarifa, os bairros periféricos mais populosos, na sua ligação com o centro da cidade. A operação clandestina desses veículos, disputando passageiros com os ônibus nos principais bairros e corredores de transporte, atraía uma demanda estimada em mais de 400 mil passageiros por mês, o que resultava em significativa perda de arrecadação tarifária aos serviços oferecidos pelos 280 ônibus urbanos, correspondente a 10% da sua demanda de usuários pagantes. Com a manutenção dos níveis de oferta do transporte coletivo formal, registrava28 • JUSTIÇA & CIDADANIA • JANEIRO 2005

Foto ANTP

Reynaldo Lapate William Antonio Latuf

se, portanto, expressiva queda de sua produtividade e o conseqüente agravamento de seus custos operacionais relativamente às receitas obtidas. Diante de tal situação, tornava-se imperiosa uma ação eficaz da gestão municipal, capaz de restabelecer o equilíbrio econômico do transporte regulamentado na cidade e, ‘assim, evitar o colapso de um serviço essencial à população. Adequar a oferta desse transporte aos seus novos níveis de demanda, ou reajustar os valores tarifários ao seu novo índice de produtividade, mostravam-se como medidas simplistas, inconvenientes e inoportunas, a primeira, por comprometer a qualidade do serviço e a capacidade de empregos formais no setor, a segunda, por onerar a população usuária, e, tanto uma como outra, por estimularem a indesejável expansão do transporte clandestino na cidade. A efetiva erradicação dessa atividade informal e concorrente com o serviço regular de ônibus configurava-se, então, como a solução para um problema que preocupava e desafiava as autoridades municipais, mas que exigia ações estratégicas, tendo em vista as inevitáveis conseqüências políticas e sociais ao se adotarem medidas frontalmente contrárias aos interesses de mais de uma centena de operadores que já haviam conquistado a simpatia e o apoio da parcela da população por eles atendida. Ao se iniciar o ano de 2001, a nova administração municipal em Ribeirão Preto, consciente de toda essa questão, já manifestava o firme propósito de eliminar o transporte clandestino, incorporando esses operadores, com


Mini-ônibus em um ponto de conexão com linhas de ônibus.

, Fotos: ANTP

Idealizou-se, então, um serviço complementar de transporte coletivo, isento de tarifa e apropriado para esses veículos (...) seus veículos de pequeno porte, ao sistema de transporte coletivo da cidade. Assim, a Transerp, empresa gestora do trânsito e do transporte no município, passou a buscar uma solução que viesse não só atender ao interesse público, mas que também tivess e amparo legal e apresentasse viabilidade técnica, utilizando-se desses veículos de forma não concorrente com o serviço regular de ônibus. A IDEALIZAÇÃO Uma análise das condições de atendimento do transporte coletivo por todo o espaço urbano revelou que as maiores dificuldades para adequação desse serviço às necessidades do usuário ocorriam notadamente nas localidades periféricas, com difícil acesso para os ônibus, e nos bairros isolados, com baixa densidade populacional. Nessas áreas, o atendimento por ônibus, quando viável, era realizado através de linha de baixa freqüência ou mediante prolongamento, em determinados horários, de alguma linha destinada a um bairro próximo. Ambas as formas de atendimento raramente correspondiam à expectativa dos moradores e demais interessados em tais áreas, sendo que o prolongamento, ou apêndice de linha, desagradava também àqueles usuários que eram submetidos a um percurso adicional de ônibus, sem que tivessem qualquer interesse no bairro ou localidade assim atingida. Além disso, a prestação do serviço,

nessas condições, geralmente apresentava baixo índice de produtividade (passageiros transportados por quilômetro percorrido) e prejudicava o desempenho global do sistema de transporte, por impedir sua racionalização. Diante dos baixos níveis de demanda observados nessas áreas e em vista das dificuldades de atendê-las através de serviço regular de Ônibus, a Transerp, considerando a potencial disponibilidade de veículos de pequeno porte, entendeu ser conveniente e oportuna sua utilização em tais bairros e localidades. Idealizou-se, então, um serviço complementar de transporte coletivo, isento de tarifa e apropriado para esses veículos, com o objetivo de atender áreas de baixa acessibilidade ou de ocupação incipiente, impróprias para o serviço por ônibus, interligando-as a pontos de conexão com linhas regulares de ônibus, disponíveis em bairros vizinhos. Esse novo serviço foi, pois, concebido para operar de forma regular, com itinerários e horários preestabelecidos, oferecidos durante o mesmo período de atendimento das linhas de ônibus nos correspondentes pontos de conexão, de maneira a garantir a plena integração de ambos os serviços, desde a primeira até a última viagem diária programada. Assim foram definidas 30 rotas, a serem percorridas por veículos de pequeno porte, em diferentes áreas periféricas da cidade, proporcionando-lhes acesso ao transporte coletivo convencional através de 13 pontos de conexão. Estes, por sua vez, foram escolhidos em função do nível de segurança observado no local e da sua maior proximidade com a área

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Com a implantação do Leva e Traz, a operação das vans, que ocorria de forma ilegal e concorrente com o transporte coletivo regulamentado, passou a ser realizada de maneira formal e complementar a esse transporte (...)

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objeto de atendimento, com preferência para os que se apresentam sem maior disponibilidade de linhas de ônibus. Estabeleceu-se também que, no serviço complementar, não seriam admitidos veículos do tipo misto ou com capacidade inferior a 12 passageiros e que a frota habilitada para o serviço deveria receber uma identidade visual própria, capaz de facilitar sua utilização e fiscalização. Além disso, num prazo de doze meses, a contar do início da operação, essa frota deveria ser substituída por outra, composta exclusivamente por microônibus ou mini-ônibus, dotados de corredor central, como forma de ampliar a capacidade de transporte e proporcionar maior conforto e segurança aos seus usuários. A VIABILIZAÇÃO Visando implementar o atendimento proposto com tais características e em tais condições, a Transerp, num esforço de gestão, obteve, de um lado, o compromisso do custeio pelas três empresas permissionárias do transporte coletivo e, de outro, a adesão de quase a totalidade dos operadores clandestinos que passaram a se mobilizar com vistas à prestação do novo serviço. Na iminência de ser iniciado, ele foi inserido na regulamentação do transporte público municipal que, assim, passou a prever a operação de serviços complementares, por veículos de pequeno porte, sem cobrança de tarifa, em áreas de baixa acessibilidade, executados direta ou indiretamente pelas empresas permissionárias. Em março de 2001, os operadores optantes pela adesão constituíram uma cooperativa que foi contratada por essas empresas, tendo como objetivo a prestação do serviço complementar, mediante remuneração por quilômetro percorrido no cumprimento das rotas definidas para o atendimento. Através desse contrato, no qual a Transerp é interveniente anuente, determinou-se que os prestadores de serviço, representados pela cooperativa, deveriam necessariamente ser proprietários do veículo, residir em Ribeirão Preto há pelo menos três anos, possuir Carteira Nacional de Habilitação na categoria D ou superior, apresentar certificado de curso de direção defensiva, bem como atestado negativo de antecedentes criminais, além de não possuir autorização ou permissão para atuar em qualquer outra modalidade de transporte de passageiros no município. Pelo mesmo acordo, coube às três permissionárias controlar a execução do serviço complementar nas suas correspondentes áreas de operação, a partir das programações das rotas estabelecidas pela Transerp. Elas também assumiram a obrigação de custear o seguro de responsabilidade civil em relação a terceiros e ocupantes dos veículos utilizados na prestação do serviço, com previsibilidade de danos pessoais e materiais. O valor unitário inicial estabelecido pelo contrato, R$ 0,63 por quilômetro percorrido, foi ajustado entre as partes, com base na composição do custo operacional para microônibus,


admitindo-se percurso médio mensal de 10 mil quilômetros por veículo, com seu uso compartilhado por dois operadores diários, um por turno. Coube, portanto, a cada um deles, uma remuneração bruta de R$ 3.150,00 ao mês, que vem sendo atualizada por ocasião, e na mesma proporção, dos reajustes tarifários do transporte coletivo no município. Com o impedimento de utilizar, nesse serviço, veículos do tipo misto ou com capacidade inferior a 12 passageiros, seus proprietários, diante da necessidade de substituí-los por outros, com características permitidas pelo contrato, foram estimulados a formarem parcerias, dois a dois, visando a aquisição comum de novo veículo para uso compartilhado, como forma de reduzir à metade o valor do investimento de cada um deles. Essa hipótese, portanto, orientou o cálculo do valor para a remuneração do serviço, por ser aquela capaz de maximizar a utilização do veículo e, assim, minimizar a incidência dos seus custos de capital, bem como dos seus impostos e seguros na composição do custo quilométrico. O contrato entre as permissionárias e a cooperativa dos operadores foi firmado com prazo de validade indeterminado, constituindo-se motivo para sua extinção, qualquer tipo de cobrança de tarifa aos usuários do novo serviço, ou a execução, pela contratada, de qualquer modalidade de serviço concorrente com o transporte público no município. Na hipótese de rescisão contratual, o serviço complementar será mantido pelas permissionárias, através de meios próprios ou mediante contratação de terceiros.

A IMPLANTAÇÃO Implantado nos meses de março e abril de 2001, com a denominação de Leva e Traz, o serviço complementar passou a ser oferecido através de 30 rotas de vans, percorrendo 270 mil quilômetros e transportando 240 mil passageiros por mês, mediante utilização de 50 veículos, conduzidos por 80 operadores cooperados. As áreas beneficiadas com o novo serviço situam-se em regiões periféricas da cidade e apresentam características muito distintas entre si quanto ao seu uso e ocupação, compreendendo bairros ou loteamentos residenciais de diferentes níveis socioeconômicos e nos diferentes estágios de urbanização, além de campus universitário e localidades de uso institucional. Os moradores e demais interessados em cada uma dessas áreas foram comunicados sobre o novo atendimento através de folhetos, distribuídos nas residências, no comércio, nas indústrias e nas instituições lá sediadas, contendo a descrição do itinerário das vans, seus horários de partida do ponto de conexão, bem como as linhas de ônibus disponíveis nesse ponto. As rotas de vans, com extensões mínima de 1,5 e máxima de 18,2 quilômetros, vieram proporcionar atendimento a intervalos mínimo de 8 e máximo de 60 minutos, estabelecidos em função dos níveis de demanda observados nas diferentes localidades. Os seus pontos de conexão com as linhas de ônibus são de livre acesso e atendem de uma

Frota padronizada - Van 2005 JANEIRO • JUSTIÇA & CIDADANIA • 31


a cinco rotas. Em alguns deles, um mesmo veículo opera alternadamente em duas ou três rotas, enquanto, em outros, utiliza-se mais de um veículo para uma única rota. Das 30 rotas de vans, 21 foram implantadas para substituir o atendimento que era realizado de forma insatisfatória pelos ônibus, enquanto que as demais vieram contemplar nove localidades nunca antes servidas pelo transporte coletivo, em vista das dificuldades de acesso ou de circulação dos ônibus. Nos bairros e localidades onde ocorreu a substituição dos ônibus pelas vans, a freqüência de atendimento do transporte elevou-se, na média, em 250%. SERVIÇO COMPLEMENTAR LEVA E TRAZ - ROTAS E PONTOS DE CONEXÃO A implantação do serviço complementar possibilitou também a desativação de seis linhas de ônibus, disponibilizando veículos para ampliação da oferta de transporte, especialmente com a inserção de ônibus expressos, durante os períodos de pico, naquelas linhas que mais tiveram de absorver a demanda de passageiros até então atendida pelas vans, quando em operação concorrente com os ônibus. Além disso, permitiu a retificação do traçado de 13 linhas de ônibus que faziam prolongamento ou apêndice, em determinados horários, até bairros e localidades com pouca demanda ou de baixa acessibilidade, o que veio melhorar o desempenho operacional dessas linhas e abreviar o tempo de viagem para seus usuários. Por outro lado, discretos remanejamentos efetuados nos itinerários de algumas linhas de ônibus, sem prejuízo à sua programação de horários, propiciaram maior concentração e diversificação da oferta de transporte junto aos pontos de conexão, facilitando a integração com o serviço complementar. Nos pontos escolhidos para conexão entre as rotas de vans e as linhas de ônibus, promoveu-se a melhoria das condições de conforto e segurança para o usuário mediante instalação e suplementação de abrigos, adequação da iluminação pública, execução de refúgio para acomodação das vans e até mesmo a implantação de semáforo para pedestres, em importante corredor de tráfego, junto ao ponto que passou a concentrar cinco rotas de vans e oito linhas de ônibus, gerando expressivo fluxo de travessia de usuários no local. Em quatro localidades, desprovidas de pavimentação e ainda não servidas pelo transporte coletivo, procedeu-se também à necessária regularização do leito viário, de maneira a viabilizar o seu atendimento pelas rotas de vans. Em abril de 2002, ao completar doze meses da implantação do serviço complementar, a cooperativa dos operadores, cumprindo o programa de adequação da frota previsto no contrato celebrado com as permissionárias, substituiu a frota de 50 vans por 28 mini-ônibus, todos com capacidade para 23 passageiros sentados, dotados de corredor central, saída de emergência e porta automática, além de outros atributos de conforto e segurança veicular. Com a substituição da frota, os cooperados que, tanto na propriedade quanto no uso das vans, formavam parcerias, 32 • JUSTIÇA & CIDADANIA • JANEIRO 2005

dois a dois, passaram a fazê-las em grupos de três, o que permitiu manter o mesmo nível de investimento individual e reduzir a jornada diária de trabalho para cada operador, de 10 para 7 horas, ao mesmo tempo em que se obteve ampliação de 40% na capacidade de transporte do serviço complementar. OS RESULTADOS Com a implantação do Leva e Traz, a operação das vans, que ocorria de forma ilegal e concorrente com o transporte coletivo regulamentado, passou a ser realizada de maneira formal e complementar a esse transporte, ficando sob a responsabilidade das três permissionárias, no âmbito das suas respectivas regiões de atendimento na cidade. A eliminação da concorrência ruinosa das vans nos corredores de transporte coletivo possibilitou a imediata recuperação da demanda de passageiros pelo sistema ônibus, proporcionando o restabelecimento de sua produtividade e do seu equilíbrio econômico. Com aproximadamente metade da elevação da receita operacional assim obtida, as permissionárias passaram a remunerar o serviço complementar que, empregando veículos mais apropriados para atendimento a áreas periféricas com baixos níveis de demanda, apresenta custo quilométrico equivalente a 35% do apurado para a tecnologia ônibus utilizada no transporte coletivo da cidade. O novo serviço, além de viabilizar atendimento imediato a áreas de baixa densidade populacional ou de difícil acesso para o ônibus, tornou possível adequar a oferta de transporte às demandas características de cada comunidade beneficiada, raramente factível através do transporte coletivo convencional. A implantação do serviço complementar permitiu também promover a racionalização do uso da frota de ônibus, seja pela retificação de seus itinerários, que eram estendidos até essas áreas, seja pela preservação do traçado daquelas linhas que, embora consolidadas, vinham sendo objeto de prolongamento para tal fim. Tanto a melhoria do desempenho operacional das linhas, decorrente da retificação de seus itinerários, quanto a disponibilizarão de ônibus, conseqüência da substituição de linhas convencionais pelo serviço complementar, ensejaram o aumento da freqüência de ônibus nos bairros periféricos, onde, portanto, a elevação da qualidade de transporte ocorreu como benefício indireto da implantação do novo serviço. Instituído com o objetivo de efetuar a coleta e a distribuição de passageiros em conexão com as linhas de ônibus, o Leva e Traz tem servido também para os deslocamentos da população do bairro ao comércio ou aos serviços de interesse local, disponíveis na faixa de acessibilidade da rota estabelecida, que sempre atinge um bairro vizinho. Essa forma de utilização constitui-se em importante facilidade para os moradores da área e faz atenuar as pressões reivindicatórias da comunidade junto ao poder público com vistas à instalação de equipamentos urbanos, a exemplo de


unidade de saúde, onde a concentração populacional ainda não justifica tais investimentos. A solução adotada por Ribeirão Preto, com a utilização de veículos de pequeno porte, operando complementarmente ao serviço de ônibus urbano, procurou, enfim, observar os princípios de racionalidade e produtividade na destinação das frotas e na configuração da rede de transporte coletivo, potencializando os atributos de cada uma das tecnologias veiculares e obtendo notável expansão da capilaridade do sistema, o que resultou no desejável aumento da acessibilidade espacial e temporal para toda a população usuária.

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AS PERSPECTIVAS Desde sua implantação, o serviço complementar vem registrando contínua evolução da demanda, que já supera 350 mil passageiros transportados por mês, enquanto o modal ônibus mantém o mesmo nível de demanda alcançado logo após a eliminação do transporte clandestino na cidade. Essa tendência revela, por um lado, a importância e o êxito do novo serviço junto às comunidades beneficiadas, mas, por outro, sugere que ele, por não ser tarifado, esteja suscetível a utilizações abusivas ou atraindo demandas típicas de outras modalidades de transporte, mesmo que tal opção imponha significativas caminhadas ao seu usuário. Condutas como essas poderão, pois, precipitar a saturação da capacidade de transporte oferecida pela frota de mini-ônibus e, assim, comprometer sua função precípua, a de ampliar a acessibilidade proporcionada pelos ônibus urbanos, o que torna recomendável, doravante, a adoção de um efetivo controle de acesso ao serviço complementar, condicionando sua gratuidade ao uso integrado com o modal ônibus. Para tanto, a frota de mini-ônibus deverá ser dotada de equipamentos de bilhetagem eletrônica, compatíveis com os utilizados na frota de ônibus urbanos de Ribeirão Preto, de forma a introduzir o novo modal no âmbito da política de integração tarifária idealizada para o transporte coletivo da cidade e que, desde março de 2000, vem sendo praticada mediante o controle temporal da conexão entre duas linhas de ônibus, com prazo de validade para integração estabelecido em 120 minutos. Assim, dentro desse mesmo prazo e sem tarifa adicional, será também permitida a conexão entre linha de ônibus e rota do serviço complementar, preservando-se, pois, a gratuidade no uso do novo modal para os fins a que foi instituído. Por sua vez, para a utilização exclusiva do serviço complementar, incluindo eventual integração entre suas rotas, será fixada uma tarifa especial, correspondente a uma reduzida fração da tarifa básica vigente, em valor admitido como suficiente para coibir o uso indevido ou abusivo dessa modalidade de transpor- te e, assim, evitar sua

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Desde sua implantação, o serviço complementar vem registrando contínua evolução da demanda, que já supera 350 mil passageiros transportados por mês (..)

*Gerente de transporte coletivo da TRANSERP **Diretor - Superintendente da TRANSERP 2005 JANEIRO • JUSTIÇA & CIDADANIA • 33


A FIGURA DO AMICUS CURIAE Gustavo Binenbojm

A interferência do amigo da corte nas ações de inconstitucionalidade do Supremo Tribunal Federal e dos Tribunais de Justiça

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E o amicus, mais do que um amigo da corte, se convola em um verdadeiro amigo da democracia.

á algo de novo na Justiça brasileira ou, mais precisamente, nos processos em curso perante o Supremo Tribunal Federal e os Tribunais de Justiça dos Estados: refiro-me à figura do amicus curiae (permitam-me chamá-lo de “o amigo da corte”), cuja intervenção em processos de controle abstrato de constitucionalidade assumiu especial relevo com a edição da Lei N° 9.868/99. É bem verdade que a Lei n° 6.385, de 7 de dezembro de 1976, no seu artigo 31, já previa a intervenção da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), na qualidade de amicus, em processos entre partes privadas nos quais se discutam questões de direito societário sujeitas, no plano administrativo, à competência daquela entidade. Aliás, o próprio Supremo, muito antes da edição da Lei n° 9.868/99, já admitia, por influência do direito americano, a apresentação informal de memoriais por amici curiae nas ações diretas de inconstitucionalidade. O que há de novo e alvissareiro, todavia, é a forma pela qual a intervenção do amicus agora se institucionaliza no país. Enquanto a intervenção da CVM era de natureza neutra, destinada a colaborar com sua expertise para uma prestação jurisdicional tecnicamente informada, a intervenção do amicus curiae em processos de controle abstrato de constitucionalidade tem escopo bem mais abrangente. Com efeito, segundo o artigo 7°, parágrafo 2° da Lei n° 9.868/99, tendo em conta a relevância da matéria e a representatividade do postulante, o relator da ação direta de inconstitucionalidade poderá admitir a manifestação formal de órgãos e entidades no processo. Aqui, ao contrário da CVM, o órgão ou entidade se habilitará para apresentar a sua visão da questão constitucional em discussão, oferecendo à corte a sua interpretação, como partícipe ativo da sociedade aberta de intérpretes da Constituição Federal. O propósito da inovação é claramente o de pluralizar o debate constitucional, permitindo que o tribunal venha a tomar conhecimento, sempre que julgar relevante, dos elementos informativos e das razões constitucionais daqueles que, embora não tenham legitimidade para deflagrar o processo, serão destinatários diretos ou mediatos da decisão a ser proferida. Visa-se, ademais, a alcançar um patamar mais elevado de legitimidade nas deliberações do tribunal constitucional, que passará formalmente a ter o dever de apreciar e dar a devida consideração às interpretações constitucionais que emanam dos diversos setores da sociedade.

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Imagine-se que, contra uma lei que tenha proibido a comercialização de determinado produto, uma ação direta de inconstitucionalidade tenha sido ajuizada por um partido político perante o Supremo Tribunal Federal. Antes, no modelo autoritário de jurisdição constitucional, a questão seria decidida pela corte, com audiência apenas do legislador, do advogado-geral da União e do procurador-geral da República. Ou seja: os maiores interessados - as empresas do setor envolvido e os consumidores do produto - eram simplesmente ignorados. Hoje, no entanto, diante da relevância da matéria, qualquer entidade representativa da categoria econômica ou dos consumidores poderia postular a sua intervenção formal no processo para sustentar suas razões acerca da constitucionalidade da lei. Ainda melhor que isso: o Supremo, recentemente, decidiu que, além da apresentação de peças escritas, os amici curiae, por intermédio de seus advogados, estão autorizados a realizar sustentações orais nas sessões de julgamento. Tal possibilidade é especialmente relevante porque os julgamentos do Supremo são televisionados para todo o país, contribuindo as sustentações orais para incrementar o grau de racionalidade e controlabilidade social de suas decisões. É ainda de se anotar que a possibilidade da atuação do amicus se estende às Representações por Inconstitucionalidade de competência dos Tribunais de Justiça dos Estados. Isto porque a regulação desta atuação (na já citada Lei n° 9868/98) é norma de direito processual, de competência exclusiva da União (art. 22, I da Constituição), aplicando-se, inclusive, pela sua própria natureza, às Representações por Inconstitucionalidade em curso. Em um país que confere a última palavra sobre a interpretação da Constituição a um colegiado de juízes não eleitos, é salutar que as decisões de tal colegiado sejam precedidas de um amplo debate público envolvendo os diversos setores da sociedade civil. A participação ativa dos amici curiae em processos de controle abstrato de constitucionalidade se erige, assim, em importante condição de legitimação social das decisões proferidas em controle de constitucionalidade abstrato. E o amicus, mais do que um amigo da corte, se convola em um verdadeiro amigo da democracia. Gustavo Binenbojm é advogado, LL.M. pela Yale Law School e professor da Faculdade de Direito da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ)

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A EFICIÊNCIA DOS SISTEMAS PENAIS E SISTEMAS SÓCIOEDUCATIVOS NO COMBATE À CRIMINALIDADE Guaraci Viana

A pena de prisão deve sua origem a dois fatos: à convicção de que as crueldades impostas

aos condenados não diminuíam o desenvolvimento da criminalidade e ao desejo de retirar do condenado uma utilidade econômica.

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questão da repressão à criminalidade é vetusta. As idéias e sistemas lançados no mundo jurídico, acadêmico e social são incontáveis. As teorias criminológicas estão em crescente expansão qualitativa e quantitativa. A sociedade deseja que os criminosos (assim considerados os definitivamente condenados por decisão judicial) avassalem-se à reprimenda aplicada, seja ela qual for, na expectativa de que a punição, a pena, os dissuadirá de novos intentos anti-sociais, ou, ao menos, durante o período em que estiver cumprindo a reprimenda não se dêem a mais ilicitudes penais. Alguns ainda alimentam a esperança, como nós, de que a punição imposta e cumprida faça com que alguns criminosos reinstalem-se na aceitação dos interesses e valores socialmente preponderantes. Ninguém pode olvidar ou ignorar que as Leis devem ser cumpridas por todos. Pelos cidadãos e pelo Estado. Geralmente o descumprimento de uma Lei específica, a Lei Penal e seus desdobramentos, geram uma punição, e após um processo judicial devidamente garantido pelos cânones processuais modernos (ampla defesa, contraditório, provas conclusivas, juiz natural etc) e pela quase sempre efetiva observância de Leis legitimadas -socialmente as quais garantem o respeito às limitações fáticas da tipicidade, às demarcações qualitativas e quantitativas da pena, reverenciando-se com religiosidade a um devido processo Legal-, o Estado cumpre a Lei e isso dá à sociedade a sensação de que houve uma resposta adequada à criminalidade. A Lei foi cumprida, puniu-se o criminoso, evitou-se a necessidade da vingança privada, não há mais necessidade de se preocupar com o fato criminoso em si, pois se cumpriu a Lei. Entretanto, a realidade de nosso sistema penitenciário, os crescentes índices de criminalidade, não apenas a violenta, não apenas a praticada por reincidente, mas, principalmente, a praticada por jovens e primários, nos sinaliza no sentido de que tem alguma ou algumas coisas erradas. 36 • JUSTIÇA & CIDADANIA • JANEIRO 2005

Detecta-se, de plano, que se o Estado, a Lei e grande parcela da sociedade prezam sempre os Direitos do Réu, passam a desprezá-los ou postergá-los quando este mesmo réu se transforma em sentenciado, numa nítida impressão de que a obediência à Lei somente teria passe obrigatório para o Estado até o momento em que, afastada a presunção de inocência, têm-se a certeza legal ou processual da culpa, através da sentença penal condenatória exeqüível. Direitos do réu e Direitos do sentenciado parecem ser antagônicos para o Poder Público, mas fundamentais para o que pretendemos trazer à baila, pois acreditamos que enquanto não forem ambos igualmente considerados e observados não se pode falar em sistema penitenciário, sistema punitivo, sistema recuperador ou qualquer outro sistema. Ressalte-se, por relevante, que não pretendemos discutir aqui, rediscutir ou apresentar a já batida e tormentosa questão da privação da liberdade, a prisão, o isolamento celular. Não. O que se pretende apresentar é uma discussão a respeito do Sistema punitivo o qual, no nosso entendimento, é inexistente porque não são considerados os direitos do sentenciado, a partir de quando ele começa a cumprir a pena. A história da evolução da pena obedece a várias etapas, no decorrer dos séculos. No início era a vingança brutal e instintiva exercida pelo ofendido contra o ofensor (vingança privada direta)1. Mais tarde, o desenvolvimento dos sentimentos de solidariedade familiar fez com que a vingança passasse a ser exercida pelo ofendido e sua família contra o ofensor, que também contava com a solidariedade de seus familiares, gerando inúmeros conflitos que extinguiam numerosas famílias (vingança familiar).2 Aos poucos, porém, foi ganhando corpo a idéia de que ao Estado competia a aplicação do Direito de punir, exercido como autêntica vingança pública. E a fase social da pena. Durante séculos o Estado exerceu essa vingança


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pública de forma cruel (impondo violentos castigos corporais, torturas, amputações, etc). Na Segunda metade do Séc. XVIII surge o primeiro grande movimento de humanização das penas, através, principalmente do Livro de Beccaria (Dei delliti e delle pene) que para alguns deu origem a primeira grande escola de Direito Penal – a escola clássica, mais tarde combatida pela escola positiva, integrada por Lombroso. De qualquer forma importa apenas a consideração de que a humanidade entrou (e ainda não saiu) criminologicamente na fase social da pena. A pena de prisão deve sua origem a dois fatos: à convicção de que as crueldades impostas aos condenados não diminuíam o desenvolvimento da criminalidade e o desejo de retirar do condenado uma utilidade econômica. A Idade Média como a Antigüidade, conhecia lugares de detenção, como os castelos fortes e os subterrâneos das hospedarias das cidades. Mas é no Séc. XVI que surgem as primeiras prisões, onde eram recolhidos os mendigos e os vagabundos, obrigando-os ao trabalho. Havia prisões famosas em Londres, Nuremberg, Amsterdã, Florença. Em 1703, sob as ordens do Papa Clemente XI, uma parte do hospício de São Miguel é destinada ao recolhimento de delinqüentes menores de 21 anos.3 Todavia, o regime penitenciário, na acepção exata do termo só aparece em 1776, com a famosa prisão de Gand, na Bélgica, onde havia o trabalho durante o dia e o silêncio e isolamento durante a noite, além de uma classificação de criminosos. O primeiro grande sistema penitenciário surge nos Estados Unidos, em Filadélfia, como conseqüência da repercussão do Livro de Johh Howard (the state of Modern Prisons) e tomou o nome de Sistema Pensilvânico ou Filadelfico. Era caracterizado pelo isolamento celular absoluto, sem comunicação do preso com o mundo exterior. Tendente à amenização do Sistema Filadelfico, surge

posteriormente, ainda nos Estados Unidos, o Sistema Auburniano, praticado na cidade de Auburn. Durante o dia havia o trabalho em comum, e a segregação celular só se verificava à noite, revivendo o regime penitenciário da antiga prisão de Gand. Procurando suavizar os rigores dos precedentes sistemas, surgiu na Inglaterra, no Séc. XIX, o Sistema Progressivo ou MARK SYSTEM. Nele o cumprimento da pena era dividido em três estágios: no primeiro, aplicava-se o regime filadelfico; no segundo o regime auburniano e no terceiro, havia um período de liberdade condicional. O Sistema Progressivo foi aplicado com grande êxito e mereceu muitos comentários favoráveis e aprimoramentos diversos. Na Segunda metade do Séc. XIX surge em Nova York o reformatório de Elmira, que aperfeiçoa o regime progressivo, baseado no princípio da ajuda em substituição ao castigo e, principalmente, no princípio da sentença indeterminada, em vez do prazo fixo e no propósito de reabilitar o delinqüente, em vez de apenas o castigar e intimidar. Esse Sistema (de Elmira) foi adotado, não se sabe se por inspiração ou coincidência, com alguns temperamentos, no Estatuto da Criança e Adolescente (Lei 8069/90), ao estabelecer, por exemplo, que a medida de internação não comporta prazo determinado e deve ser reavaliada a cada seis meses. O mundo inteiro fez contra o encarceramento uma campanha para humanização das penas de prisão, ressaltando a dignidade do preso que, embora encarcerado, não se anula como homem, e, um dia, resgatada a sua culpa, deverá voltar ao convívio dos homens livres. Todos nós sabemos que o isolamento celular longe de forçar à meditação e a um recolhimento reforça predisposições anti-sociais, tornando mais penosa e mais difícil a sua readaptação à vida social. A prisão no sentido filadelfico, auburniano e mesmo progressivo está em crise. 2005 JANEIRO • JUSTIÇA & CIDADANIA • 37


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através da persuasão, do exagero e da ideologia da segurança, fomenta-se o desvio de questionamentos e cobrança de problemas de maior gravidade, inerentes à ordem social vigente (...)

Aí está a problemática: crise do sistema penitenciário. Crise determinada pela preponderância que ganhou nesses sistemas o aspecto retributivo da pena em detrimento do aspecto regenerativo. A moderna orientação penitenciária não permite mais que se veja a pena primordialmente como castigo, mas sim como um instrumento de recuperação, o meio de que se servirá a sociedade para recuperar o transgressor. A pena, longe de se despersonalizar, longe de aniquilar, deve reerguer. Pois bem. Embora cônscios desse mister, o Estado e a sociedade vêem na pena e no criminoso, (após o mesmo ser sentenciado e lhe ser imposta uma pena) apenas um fator de expiação, de rebaixamento, de diminuição e estigmatização do preso, causando-lhe uma revolta, enchendo-o de rancores e despertando-lhe uma sede de vingança. Partindo-se e restringindo-se à criminalidade InfantoJuvenil, como podemos reverter esse quadro e fazer das medidas sócioeducativas, que pensamos tratar-se de penas em sua essência e natureza, passarem a ser efetivamente regenerativas, a trombeta que o pastor fará soar, para que volte ao aprisco a ovelha transviada? O que o Estado e a sociedade têm feito para interferir diretamente no processo de marginalização do jovem? O Sistema progressivo de execução das medidas realmente existe? Se existente, ele é funcional? Os jovens são, de fato, recuperáveis? Recuperados? Com outras palavras: a resposta Estatal para a recuperação dos jovens infratores é suficiente? Os Estabelecimentos de recuperação dos adolescentes são suficientes? As medidas elencadas na Lei são suficientes? A retaguarda oferecida pelo Estado e pela Sociedade é suficiente? Todas essas questões, que no fundo se sintetizam no título provisório da dissertação proposta, serão pesquisadas e desenvolvidas na tese ou trabalho dissertativo. Pretendemos, sustentar que a existência do regime progressivo de execução de medidas sócioeducativas é puramente formal, que não há e nunca houve, nem para delinqüentes menores de idade, nem para criminosos adultos, um sistema penitenciário progressivo. A esmagadora maioria dos presos menores e maiores de idade, só dispõem de uma prisão no regime de isolamento celular. Nunca se passou 38 • JUSTIÇA & CIDADANIA • JANEIRO 2005

muito disso. Os regimes semi-aberto e aberto são ilusórios, e praticamente inexistentes. Pouco ou nada se investe nesses campos. Entretanto, presídios de segurança máxima são sempre, inaugurados para alcançar o objetivo proposto, como se constata, sem dúvida, ao se elaborar um estudo histórico do penitenciarismo brasileiro desde os seus primórdios. Hoje, ao contrário do início do século passado, onde havia um sistema único, convivemos formalmente com o sistema duplo, o qual concebe um sistema penal para adultos e outro para jovens (crianças e adolescentes), que muitos acreditam ser sócioeducativo na lei e penal na realidade cotidiana. Dessa forma é inevitável um estudo paralelo entre as penas e as medidas sócioeducativas, o que tivemos oportunidade de realizar em outro trabalho. Evidentemente, o panorama antigo e atual da execução penal deve ser enfocado com o objetivo principal de verificar que o sentenciado desfrute de uma posição jurídica capaz de torná-lo senhor de direitos e sujeito a deveres, uns e outros demarcados em Lei. Adere-se uma nova dimensão jurídica, o “status de recluso”, como a denomina CARNELUTTI,4 onde o sentenciado adquire novos direitos, particulares e indissociáveis da concisão de encarceramento em que se encera. Partindo-se dessas assertivas, tem-se que para que haja uma execução penal aceitada às técnicas de individualização e de tratamento, à observância da progressividade do regime prisional, é preciso: primeiro que haja estabelecimentos fisicamente adequados, depois, material humano suficiente e capacitado. Somente com isso se pode dizer se o sistema funciona ou não funciona, se comporta ou não aprimoramentos. O que se vê hoje é que através da persuasão, do exagero e da ideologia da segurança, fomenta-se o desvio de questionamentos e cobrança de problemas de maior gravidade, inerentes à ordem social vigente e fomenta a escamoteação de tais problemas, como se a súmula do caos se esgotasse na criminalidade reconhecida pela Lei e na prisão de seus autores. Um dos principais objetivos do presente trabalho é demonstrar que o sistema formal praticamente inexiste na prática, e que se ele existisse, como um todo orgânico, em suas inteirezas resolveria muitos problemas sociais, diminuiria a violência e a criminalidade e, melhor, poderia


dar uma utilidade social ao sentenciado durante e após a execução da pena. Os problemas que enfrentaremos são, sem dúvida, a crença doutrinária e até jurisprudencial, para nós falsa, de que o sistema é inútil. Estamos convencidos, si et in quantum, que não pode o sistema ser avaliado e nem tampouco julgado, porque ao longo da história brasileira ele, a não ser formalmente, nunca existiu e nunca foi aplicado ou usado em todos os seus fundamentos e práticas. Talvez seja preciso uma década de experimentos para se comprovar que estamos certos ou errados. Mas a crença de utilidade (ou a contrária) só poderá existir, cientificamente, quando houver aplicação integral do sistema progressivo, partindo do regime fechado, passando pelos regimes semi-aberto e aberto e chegando como ponto derradeiro, anterior à recuperação do criminoso maior ou menor de idade, às penas ou medidas alternativas à privação de liberdade. Justifica-se tal dissertação exatamente porque as questões propostas, salvo literatura não conhecida por nós, carecem de estudo relativo ao direito brasileiro e, mesmo num contexto globalizado, uma vez que o penitenciarismo moderno sofreu várias interrupções por conta de guerras internas e externas envolvendo os países onde os referidos sistemas já haviam se desenvolvido em estágio avançado. Lovis Wacquant, em sua conferência proferida na USP em 1995, denominada “Punir os pobres” (a nova sertão de miséria nos Estados Unidos) traça um retrato da sociedade brasileira atual, não obstante esteja retratando, o caso americano. A exceção dos números, bem menores, felizmente, o quadro brasileiro é esse. Saímos ou estamos saindo de um Estado Social caritativo e entrando, a despeito do esforço de muitos, num Estado Penal repressivo das classes menos favorecidas, que precisam ser contidas em benefício da continuidade da hegemonia da classe econômica dominante: a polícia, o Estado-Juiz, e o próprio Estado Legislador estão a serviço dessa classe e dessa ideologia que somente será alterada se for feita uma reforma de base. Essa reforma começa com a informação não manipulada, que gera o conhecimento real. Isso é o que se espera, pelo menos dos atuais cultores do Direito, e nesse sentido, o trabalho, o tema e as indagações formuladas contribuíram e muito para os objetivos de correção de rumos das atividades de todos os profissionais que atuam direta ou indiretamente no combate ou prevenção à violência. O aprofundamento de tais questões (o que esperamos ser possível neste trabalho de pesquisa) está subordinado ao resgate de valores éticos, ao exercício da cidadania e a um projeto de inclusão das classes menos favorecidas no regime democrático brasileiro. E dentro dessa concepção, se enquadra o nosso papel de juristas que, enquanto operadores sociais, não podemos nos dizer neutros, acríticos, defensores de meias mudanças, pois estas são na realidade disfarces, “uma forma de não mudar”. Alguns, talvez, vejam que o nosso papel é muito limitado, de mudanças muito graduais, não importa, se

esta é a única forma que temos de estarmos engajados, de não nos conformarmos com o que nos é apresentado como sem solução, pois “seria outra ingenuidade pensar que as forças contrárias à mudança não percebem que a mudança de uma parte promove a mudança de outra, até que chega a mudança da totalidade, como seria ingenuidade também não contar com a reação, sempre mais forte, a estas mudanças parciais”. Para finalizar, não podemos ficar inertes diante da violência que nos rouba a humanidade, que nos animaliza. Há que se exigir ações efetivas por parte do Estado e da sociedade. É imperioso, portanto, uma REAÇÃO contrária ao cotidiano avanço da violência, do descaso com os direitos humanos mais elementares. E é exatamente neste contexto que desponta a figura de GANDHI, que como recorda LUBICH “lutou pela independência de sua pátria não só vivendo e difundindo a não-violência mais também provocando”. A não violência de GANDHI, dessa forma, jamais deve ser entendida como uma submissão cega ao poder, pelo contrário, ela enseja um inconformismo. A revolta pacífica, que implica em primeira análise numa conscientização acerca dos graves problemas que afetam as nossas crianças e adolescentes; e em segundo lugar, uma “reação”, seja a luta sem tréguas pela melhoria da qualidade de vida, seja pela via institucional, através de políticas públicas coerentes com a nossa realidade, seja na esfera privada, alterandose o autoritarismo e a exploração vigentes nas relações interparticulares e até mesmo domésticas. Urge um resgate ético, que sejamos intransigentes ao querer um sistema mais humanitário.

Juiz de Direito Titular da 2ª Vara da Infância e da Juventude da Comarca da Capital do Rio de Janeiro

Notas Os autores apontam também a existência de vingança privada indireta, que era dirigida contra qualquer um. 2 É nesse estágio do Direito Penal que existem o talião e a compostio (remuneração pecuniária do ofensor à vítima). 3 ADOLPHE PRINS. Science Penale et Droit Positif. 4 Derecho Procesal Civil Y Penal – Princípios de Processo Penal Vol II, pág. 340. 1

Bibliografia AZEVEDO, Maria A. Guerra. Crianças vitimizadas: a sindrome do pequeno poder. SP: Iglu. 1989. BARATTA, Alessandro. Direitos humanos: entre a violência estrutural e a violência penal. Trad. Da revisão alemã do original espanhol: Ana Lucia Sabadell. Alemanha: Universidade de Saarland, 1993. KRYNSKI, Stanislau et alii. A criança maltratada. SP: Almed, 1985.

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1935, o dia em que o trem da revolução atrasou  Francisco Viana

Não foi uma intentona, como pregam os conservadores, mas um levante liderado pelo Partido Comunista inspirado na certeza de que operários e camponeses estavam unidos com os liberais.

A teoria põe, a realidade dispõe. Os manuais estão cansados de repetir: quando a insatisfação popular se encontra com o ideal revolucionário, é sinal de que o trem da história se pôs em movimento e urge correr para não deixá-lo passar. A prática política, desconfiada do caráter volúvel das aparências, costuma recomendar a quem espera na plataforma a ficar bem atento na hora do embarque para evitar o desastre da troca de horários ou a escolha do trem errado. A experiência ensina que o comboio do triunfo e do reves circularam nos mesmos trilhos, e todo o cuidado é pouco para não confundi-los. No Brasil de 1935, a recessão, a insatisfação nas cidades, o estado permanente de rebelião no campo e o isolamento do governo, que virara as costas para o País – assim pensava a oposição, erradamente, é certo - reuniu a esquerda e os liberais numa mesma estação. Havia pressa de conciliar o povo com a nação e empurrar estruturas arcaicas do século XIX para a modernidade. Restava saber a que horas passaria o trem e como identificá-lo. “Ontem era cedo. Amanhã é tarde. É hoje” A propósito, que horas são? Vamos verificar o relógio 40 • JUSTIÇA & CIDADANIA • JANEIRO 2005

de Luís Carlos Prestes. Data: 26 de novembro de 1935. Local: um aparelho no tranqüilo bairro carioca do Leblon, onde ele e o secretário-geral do partido Comunista , Miranda (Antonio Alves Bonfim). Estão reunidos. Dão os últimos retoques nos planos para insurreição das unidades militares no Rio, marcando dia e hora para a ação. Miranda hesita: ao contrário do que vinha afirmando desde a chegada de Prestes ao Rio de Janeiro, vindo de Moscou, considera o levante inoportuno. Principalmente por causa da desmobilização da classe operária. Prestes reage: lembra ao seu interlocutor que ele garantira a existência de sólidas bases nas Forças Armadas, além de ter informado que os operários já tinham, inclusive, instalado bombas nos postes da Light. Se era assim, por que recuar? A reunião duraria duas horas. Miranda cedeu. Imediatamente, Prestes assumiu o comando das operações: assinou as ordens para o levante e despachou os estafetas do partido rumo às unidades militares. “ Ontem era cedo. Amanhã é tarde. É hoje”, decidira Lenin em outubro de 1917, quando o comitê central dos bolcheviques se opôs veemente à idéia de insurreição.


O núcleo aliancista era reduzidíssimo. Somado com a célula do Partido Comunista, contava com três dezenas de militantes. Daí o valor estratégico da ação de Otero.

Natal, 23 de novembro: fogos de artifício. Foi essa a primeira impressão do governador Rafael Fernandes quando percebeu que sucessivos disparos abafavam a voz dos oradores na solenidade de entrega, no Teatro Carlos Gomes, dos diplomas dos alunos do tradicional Colégio Marista. Certo, a capital vivia um clima de guerra: os partidários de Café Filho não se conformavam com a derrota do interventor Mário Câmara, homem de confiança de Vargas, nas eleições estaduais e hostilizavam abertamente o novo governo empossados há 26 dias. Aspiravam a anulação das eleições, com a intervenção federal do Estado. Motivo: abertas as urnas em outubro, a vitória foi reivindicada pelos partidários de Câmara e de Fernandes. A justiça eleitoral daria a vitória este último, apoiado pelo oligarca José Augusto Bezerra de Medeiros. Paralelamente, nos círculos militares o confronto entre a oficialidade e os subalternos parecia inevitável. Tradicionalmente, pelos regulamentos militares, os subalternos eram desligados após oito anos de serviços ou por limite de idade. A revolução de 30 anulou tal dispositivo,

mas com a promulgação da nova constituição a exigência voltou. Os subalternos reagiram aderindo maciçamente à Aliança Nacional Libertadora e se mobilizavam em todas as frentes para reconquistar o direito adquirido, lutando de arma em punho contra a República Velha. No Nordeste, aliancistas e comunistas tinham fechado a questão: reagiram a qualquer ameaça de expurgo dos subalternos. Mas naquele sábado nada parecia anunciar uma insurreição. A cidade transpirava tranqüilidade por todos os poros. Daí o governador confundir tiros com o espocar de fogos. Enganou-se. E só não foi imediatamente preso porque se apressou em fugir em busca de asilo numa corveta mexicana. “Todo o poder à ANL” A resistência foi débil, a princípio. Rapidamente os soldados do 21º. Batalhão de Caçadores ocuparam os prédios públicos, fizeram um grande número de prisioneiros e, em nome de Luís Carlos Prestes e da ANL, criaram um governo popular, o primeiro da história do país. Das oficinas do jornal A República, rebatizado com o nome de Liberdade, o programa 2005 JANEIRO • JUSTIÇA & CIDADANIA • 41


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(...)é mito pensar que o brasileiro é passivo. Ou que a questão social pode ser jogada sob o tapete. Caso contrário, não teria tanta gente na plataforma em 1935 à espera do comboio da revolução que, infelizmente, não chegou. Mas que hoje promete chegar na hora certa para uma revolução de novo tipo. Pelo voto.

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do governo revolucionário sairia para as mãos da massa com o slogan-manchete: “Todo poder à ANL”. Recife, 24 de novembro. Na Vila Militar de Socorro, precisamente às 9h20min, o tenente Lamartine levantou o quartel, cumprindo ordens diretas de Silo Meirelles, comandante Militar do Comitê Revolucionário do Nordeste. Uma coluna de dois mil homens, muitos deles armados com metralhadoras, fuzis e granadas marcha sobre o centro de Recife. Há forte resistência. Combate sem tréguas nos quartéis e nas ruas. Rapidamente a rebelião se propaga por Moreno, Jaboatão e cidades vizinhas. A adesão popular é espontânea. Em Pernambuco, como em todo o Nordeste, os cinco anos que se sucederam à Revolução de 30 foram pródigos na multiplicação de atritos. Os protestos populares seguiam sempre o mesmo roteiro: o governo tentando reprimir a massa de um lado, o exército procurando defende-la de outro. Em inúmeras ocasiões, a tropa ora recusava a recorrer à violência para dissolver manifestações, como no caso da greve de Great-Western, a linha férrea, ora entrava em confronto com a força pública para impedir a repressão se desencadeasse. Por isso, ganhava força uma crença: qualquer movimento contra o governo que tivesse o exército como epicentro contaria com sólido respaldo popular. Um fato era fora de dúvida: Pernambuco se constituía num dos mais férteis terrenos para a pregação da ANL.

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A estratégia da ação Rio, 27 de novembro. 2h30m: o tenente Leivas Otero, responsável pela defesa do principal ponto estratégico do 3º. Regimento de Infantaria, na Praia Vermelha, deu uma rajada de metralhadora para o ar. Era o sinal. Imediatamente em cada um dos integrantes da companhia do 3º Regimento de Infantaria, aliancistas e comunistas, aprisionaram os comandantes e oficiais subalternos, imobilizaram os sargentos e assumiram o comando da tropa, liderados pelo capitão Agildo Barata. Quase na mesma hora espocava o tiroteio na Escola de Aviação ao lado da Vila Militar. Despojado do elemento surpresa, devido à prontidão, o plano do 3º. RI foi alterado na última hora. O fator surpresa foi substituído pelo fator ação. E nessa nova concepção estratégica, o tenente Otero jogava papel de essencial relevo. Não pela sua posição pessoal (Leivas era irmão do secretário particular de Vargas, Augusto Leivas Otero), mas pela sua posição de comando. O quartel do 3º. RI não existe mais. Dos seus três imponentes pavilhões, sobreviveram apenas dois edifícios laterais. O resto foi destruído no tiroteio, pelos bombardeios e pelo incêndio na batalha que duraria até a manhã do dia 28. Mas naquela madrugada, hoje perdida nas brumas da história, o quartel do 3º. RI era uma construção sólida e suficientemente ampla para abrigar 1.700 homens, a maioria dos quais comprometida com o esquema do governo. O núcleo aliancista era reduzidíssimo. Somado com a célula do Partido Comunista, contava com três dezenas de militantes. Daí o valor estratégico da ação de Otero. Ele estava de prontidão


na balaustrada que separava o pátio do quartel. Três metros de altura, por seis de largura, içados entre o morro da Urca e da Babilônia. Um local privilegiado para a instalação de armas automáticas. Quem o ocupasse, dominaria o movimento das tropas. O comandante do 3o. RI, José Fernando Afonso Ferreira, não desconhecia a realidade. Escolhera Otero para o posto pelo seu parentesco com um funcionário graduado do Catete e dera ordens expressas: as tropas só poderiam sair dos alojamentos caso ele pessoalmente desse ordens. Assim, a ação do tenente Otero foi decisiva para que por dez minutos os revoltosos arrebatassem todos os comandos, quase sem encontrar reação. Na escola de Aviação, também o fator ação seria vital. Os boatos em torno de um possível levante circulavam há dois meses e, cauteloso, o comandante Ivo Celso, excluíra da prontidão os militares suspeitos: os capitães Sócrates Gonçalves da Silva, Agliberto Vieira de Azevedo e os tenentes Ivan Ribeiro e Dinarco Reis. Todos os líderes do movimento conspiratório. Num Opel, com Sócrates ao volante, o grupo de oficiais furou o bloqueio, aproveitando-se de um descuido do sentinela e levantou a Escola. Dos alojamentos, grupos de aspirantes saíram disparando armas aos gritos: “viva a revolução”. Falta de sincronia O regime liberal é inegável, elastecera as liberdades públicas. Mas não resolveu o conflito entre o Brasil moderno, clamando por reformas, e o Brasil tradicional, insistindo em permanecer ancorado na primeira república. Então, a esquerda detectou a inviabilidade do entendimento. E, ao difundir a palavra de ordem da insurreição, acreditava que o poder tinha se colocado ao alcance das mãos. O tempo de uma marcha rápida e triunfante dos quartéis do Rio de Janeiro sobre o Palácio do Catete. Assim imaginava o comando da rebelião. Teria razão? A hora de seus relógios coincidia com a hora marcada pelos ponteiros dos relógios dos operários e camponeses? Seria o mesmo momento registrado nos documentos da nova orientação da Internacional Comunista que pregava insurreições armadas em toda a América Latina? As contradições da realidade indicavam ter efetivamente chegado a hora da tomado do poder ou não passavam de sinal de alerta? Enfim, estava em marcha o comboio da revolução ou do revés? Os fatos. Operários e camponeses não foram convidados a tomar assento no comboio da insurreição. Estavam insatisfeitos, em estado de rebelião, mas só tomaram conhecimento de que o trem da história se atrasou quando leram nos jornais o noticiário da derrota na rebelião e viram desfilar pelas ruas de Natal, Pernambuco e Rio de Janeiro as tristes levas de prisioneiros fardados, sob pesada escolta policial. Aliás, não foi por falta de avisos que o comando revolucionário esqueceu de emitir tão preciosos convites. Nas vésperas da rebelião, o jornalista Barreto Leite Filho conseguira fazer chegar a Prestes, seu velho conhecido, uma

longa carta denunciando o conteúdo baluartista dos informes difundidos pela direção do partido. Militante ativo, intelectual de sólida formação marxista, Leite Filho vivia angustiado com a revelação feita por um influente dirigente do partido no Rio: “Nós temos 50 mil camponeses armados, prontos para entrar em ação quando for necessário”. Leite Filho conhecia Prestes desde a época da dissolução da Coluna. O entrevistara na Bolívia para O Jornal (1928). E se transforma em seu homem de confiança na imprensa: publicaria seu manifesto de adesão ao comunismo no Diário da Noite (1930) e fora redator do manifesto de criação da efêmera Liga de Ação Revolucionária, criada e desfeita por iniciativa de Prestes. Tantas credenciais o encorajaram a intervir quando soube dos rumores da insurreição. Reuniu um grupo de intelectuais do partido e, como porta-voz, resolveu escrever a Prestes num tom pessoal. A carta expressa varias preocupaçõeschaves: chama atenção para a profusão de conceitos em torno da revolução brasileira que em pouco mais de uma década foi agrária e antiimperialista, operária e camponesa e, por fim, nacional-libertadora; indaga sobre os elos de ligação entre as três formulações e as vias para transformálas numa revolução proletária socialista; relativiza a força da ANL (“Como movimento de agitação, foi o maior já vi no Brasil, com o seu caráter. Mas este desenvolvimento deu sem nenhuma cristalização organizada, sem nenhuma consistência interior, sem nenhuma capacidade de resistir...”). E concluiu com pela inadequação dos fundamentos da linha do partido à realidade brasileira. Palavras proféticas. Prestes não lhes deu ouvidos. Quando recebeu a carta, Leite Filho já tinha sido sumariamente expulso e seu nome divulgado no jornal do partido com o estigma de traidor. Se os relógios dos camponeses e dos operários sequer foram ativados, a sincronização entre os militares não era perfeita. E quando a insurreição eclodiu, instaurou um clima de desencontro. Por avanço ou por atraso, a hora não coincidiu em todos os quartéis. A Vila Militar rebelou-se contra o movimento e não contra o governo. Foram seus homens esmagaram o levante na escola de aviação e no 3. RI. A Marinha ficou neutra. No Rio Grande do Sul e no resto do país a única voz a se levantar foi a dos conservadores, 2005 JANEIRO • JUSTIÇA & CIDADANIA • 43


aproveitando a oportunidade para decretar o estado de sítio e calar por antecipação qualquer eventual reação operária. Sem diálogo A Aliança Nacional Libertadora era, a um só tempo, o produto da expansão, o pilar de sustentação e o problema dos comunistas. Graças à frente ideológica, deixara de viver na obscuridade e de atuar na órbita puramente classistas para ser um partido de toda a nação brasileira. Seu raio de ação estava multiplicado infinitamente: penetrava desde campos supostamente exóticos para as condições da época, como a defesa dos índios e dos negros, até a luta intransigente em favor da democracia e do capital privado nacional. Em contrapartida, a administração de alianças conflituosas era uma questão de vida ou morte. Voltava ao ponto de partida. Como ser aliado da burguesia e inscrever a ruptura com o sistema capitalista no seu programa? Uma ambigüidade puxa outra. Em lugar de tirar do caos político uma aliança ordenada, concentrando o foco das suas energias no antifascismo, os comunistas deixaram confundir pela miragem do seu próprio vigor e enredaram numa teia de equívocos. Substituíram a preocupação com a consistência teórica pela radicalização do discurso. O trabalho de massa pelo recrutamento nos quartéis. A analise concreta da realidade concreta pela realidade aparente. E desperdiçaram energia na luta prematura pelo poder, em lugar d e reforçar a frente antifascista, o elo realmente forte da corrente de alianças. Na raiz deste e de outros equívocos vai germinar e amadurecer a opção putchista. Aconteceu o seguinte: quando Vargas, num gesto ousado, resolveu passar à contra-ofensiva e ceifou o liame unia a Aliança à legalidade, o partido viu na decisão uma declaração de guerra. Refluiu para a clandestinidade. Fez o divórcio do trabalho de massa e partiu para atacar. Traçou uma estratégia de dupla orientação. No Nordeste, adotaria uma política insurrecional, respaldada pela forte penetração entre os militares subalternos, em especial no Recife e Natal, contando com a adesão espontânea do campesinato e da população das cidades. No centro-sul, tentaria uma composição – como tentou – com os liberais, em especial o general Flores da Cunha, com legítimas ambições à Presidência da República. E, também, com Pedro Ernesto, um político de rara popularidade. Como prefeito da Guanabara, então capital federal, revelara uma personalidade carismática a empreendedora, melhorando as condições de vida nas favelas cariocas, construindo escolas, hospitais e ambulatórios de clínica gratuita. Teoricamente parecia dificílimo articular faces tão díspares de um processo de tomada de poder dessa natureza, mesmo o partido logrado manter a aliança na legalidade. No bojo de uma insurreição, o diálogo entre os dois fronts simplesmente não aconteceu. Houve um curto circuito e a revolta explodiu de forma descontrolada. O elemento surpresa volatizou nos primeiros momentos 44 • JUSTIÇA & CIDADANIA • JANEIRO 2005


do levante de Natal e deu chances ao governo de tomar providencias para resguardar em todos os campos. Por outro lado, propiciou a Vargas um pretexto singular para celebrar um armistício provisório com todos os seus adversários do círculo de poder. Posteriormente, um a um, seriam descartados. Pois, derrotados os comunistas, ficou livre o terreno para a aproximação com os militares conservadores e a substituição do projeto democrático pela ditadura. Junto com a esquerda, foram afastados os liberais. E logo a seguir fechadas as cortinas de fero do Estado Novo. Além da retaguarda O esquema defensivo fora premiado pela ingenuidade dos revoltosos, agindo no estilo dos levantes da década de 20: um, dos oficiais aliancistas, o tenente Augusto Paes Barreto, foi preso quando tentava aliciar o comando das tropas guarneciam o Ministério do Exército. Interrogado pelo general Eurico Gaspar Dutra, comandante da 1a. Região Militar, declinou os nomes conhecia. Vargas poderia tê-los mandado prender. Preferiu deixá-los agir sob controle. Confiante, deitou para descansar antes da meia-noite e só acordou nas primeiras horas da madrugada, quando Filinto Muller ligou para o Catete avisando o estouro do levante. Agora sim, era o momento de correr na frente da História e, num movimento brusco, destruir seus inimigos principais e calar o coro oposicionista iniciado dentro das hostes governamentais. Politicamente, sua técnica lembra a guerra de guerrilha. Ou seja, fustigava o inimigo até levá-lo ao desespero e recuava, forçando-o a avançar muito além de sua retaguarda. Aí, atacava sem clemência. Assim, A frente cerzida com os liberais enfraqueceu e os comunistas não viram. Estavam tão preocupados com o horário do trem da história e na pressa tomaram o assento no vagão errado. Tomaram assento ao lado do revés, viajando disfarçado com trajes revolucionários e lhe cobriram de honras. Quando perceberam o engano, era tarde. No dia 27, antes de ser fechado, A Manhã noticiou o acontecimento de forma sensacional: Carlos Prestes á frente da insurreição armada no Rio. Fora impresso precipitadamente e, portanto, desconhecia o trágico epílogo. Logo Prestes e todos os revoltosos estariam condenados a longuíssimas penas. A polícia agia com poderes incontroláveis. Prendia, espancava e torturava qualquer pessoa suspeita de ser contra o governo. Em Natal e Recife mais de mil soldados, cabos e sargentos forma presos. No Rio, os presos foram tantos – mais de dois mil – e o maio navio do Lóide Brasileiro, o Pedro I foi transformado numa imensa prisão flutuante. Operários, lavradores, soldados, escritores, professores universitários e políticos, todos eram diariamente submetidos a interrogatórios e torturas das mais bárbaras formas. Todo o comitê central do Partido Comunista Brasileiro foi preso, assim como toda a direção da proscrita ANL. Por pouco, o general João Gomes, ministro da Guerra, não fuzilou os revoltosos. Mas nenhum dos assessores do Comintern

escapou à tortura. Harry Barger foi torturado até a loucura e sua mulher, Elise Ewert, várias vezes seviciada na sua frente pelos homens da Polícia especial, teve os seios cortados e foi mandada para um campo de concentração na Alemanha, onde morreria; Victor Allan Baron, especialista em comunicação foi morto; e Prestes, não foi torturado, mas passou dez anos em completa incomunicabilidade. Sua mulher, Olga Benário, foi deportada para um campo de concentração na Alemanha: lá morreu. A onda de prisões alcançou também escritores, como Hermes Lima e Graciliano Ramos. Este último ficou mais de dois anos na cadeia, depois de ter sido detido em Maceió por causa de uma denúncia anônima de um integralista. Seu livro, Memórias do Cárcere, transformado em filme-denúncia por Nelson Pereira dos Santos, relata com fidelidade o drama dos presos de 35. Houve protestos na imprensa internacional, nos jornais brasileiros, no parlamento, nos meios intelectuais. De nada adiantaram. Uma revolução para transformar a sociedade precisa realmente acontecer. Em contrapartida, set fracassa e projeta só uma sombra, é o bastante para provocar o retrocesso e a contra-revolução. O partido sentiu a violência dessa cruel lei da História. Como força política, o partido deixou de existir. Presos os comunistas, abafado o pensamento liberal, era chegada a hora da noite autoritária. Foi assim em 1935. Foi assim no pós-64. Mas o Brasil resiste a mudar. Não se dá conta como a pensamento conservador e autoritário é arraigado no País e mesmo depois de duas décadas de democracia esquerda e liberais ainda se enfrentam sem atentar para o desafio maior: a edificação de uma democracia autêntica, de massa, sem o cabo de guerra da exclusão social e a inércia das elites, sem o cabo de guerra do discurso e de uma prática que ignora a realidade. A novidade é que setenta anos depois da polícia de Vargas expedir ordem de prisão contra Castro Alves, perigoso agitador baiano – morto em 1871! – vai ser muito difícil deixar enganar pelas aparências. O anti-comunismo morreu. Um operário foi eleito presidente, à frente de um partido de esquerda. Não se comemora mais nos quartéis a derrota da intentona comunista – uma espécie de conspiração – que, aliás, nunca existiu. O que ocorreu foi um levante de verdade. Faltou, sim, massa popular. Foi uma comuna de Paris versão tropical. Não deu certo, mas deixou um ensinamento: é mito pensar que o brasileiro é passivo. Ou que a questão social pode ser jogada sob o tapete. Caso contrário, não teria tanta gente na plataforma em 1935 à espera do comboio da revolução que, infelizmente, não chegou. Mas que hoje promete chegar na hora certa para uma revolução de novo tipo. Pelo voto.

Jornalista; co-autor dos livros Prestes Lutas e Autocríticas e 1935 – Meio Século Depois 2005 JANEIRO • JUSTIÇA & CIDADANIA • 45


A QUEM (NÃO) INTERESSA A INVESTIGAÇÃO PELO MINISTÉRIO PÚBLICO? João Antonio Bastos Garreta Prats

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A Constituição de 1988 conferiu ao Ministério Público a titularidade exclusiva da ação penal pública; ou seja, atribuiu-lhe o poder de postular perante o Poder Judiciário a punição dos que cometem delitos.

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sociedade brasileira está farta da violência. O cidadão de bem não tolera mais a impunidade. A corrupção corrói recursos públicos indispensáveis a tantas ações sociais necessárias. Essas afirmações retratam a realidade atual do nosso País. Se um observador externo, no entanto, recebesse notícias apenas da maior discussão que se trava no momento no setor jurídico brasileiro, certamente teria outra visão: acreditaria que a criminalidade está sob pleno controle e que o erário não sofre ameaças. É que a comunidade do Direito discute a retirada do poder de investigação de um órgão do Estado. Parece surrealista. Em uma nação assolada por tantas mazelas, há quem esteja preocupado em impedir que promova investigações o Ministério Público; Instituição incumbida da “defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis” (Art. 127 da CF) e que tem por principal função institucional “promover, privativamente, a ação penal pública” (Art. 129, I, da CF). Se é da tradição jurídica nacional a investigação pelo Ministério Público, nunca antes questionada, por que a discussão agora? Por que reduzir o Ministério Público à condição de — como expressou o Ministro Carlos Ayres de Britto — “bobo da Corte”? Uma vez que não estão contidas a criminalidade organizada, a macro-criminalidade econômica, a corrupção eleitoral e as violações aos direitos humanos, a única resposta possível é que as investigações que vêm sendo feitas pelo Ministério Público estão incomodando poderosos. Não há dúvida de que o cidadão comum quer um Ministério Público investigando os fatos criminosos que o atormentam. Em pesquisa feita pelo IBOPE — encomendada pela CONAMP - Associação Nacional dos Membros do Ministério Público — no início deste ano, 68% dos entrevistados expressaram que o Ministério Público “deve investigar todos os crimes”; somente 4% disseram que “só a Polícia deve investigar”.


Nesse contexto social, qual o argumento dos que querem tolher o poder de investigação do Ministério Público? Basicamente o de que o Ministério Público não tem atribuição para instaurar e presidir “inquéritos criminais”. Ora, não se discute essa dedução. Não pretende — e nunca pretendeu — o Ministério Público presidir inquéritos. A Constituição Federal, efetivamente, não concede ao Órgão essa atribuição. Entretanto, o inquérito policial não é a única forma de se promover investigações. Inúmeras são as maneiras de leválas a efeito: procedimentos administrativos, sindicâncias, comissões parlamentares de inquérito, entre outras. A Constituição de 1988 conferiu ao Ministério Público a titularidade exclusiva da ação penal pública; ou seja, atribuiu-lhe o poder de postular perante o Poder Judiciário a punição dos que cometem delitos. Se lhe deu essa missão, implicitamente outorgou-lhe todos os meios necessários à sua consecução: para intentar a ação penal, é necessária prévia investigação. É a denominada teoria dos poderes implícitos, consagrada na doutrina. Além disso, dotados seus membros das garantias de independência, tem o Ministério Público melhores condições de promover investigações quando elas alcançam detentores de poder político ou econômico. Não é por outra razão que, no mundo moderno, em países avançados, as investigações promovidas pelo Ministério Público têm produzido excelentes resultados. Graças a elas, por meio da denominada “Operação Mãos Limpas”, a Itália conseguiu livrar-se do jugo da Máfia, organização criminosa tão organizada quanto antiga. Por isso tudo, o poder de investigação do Ministério Público é prerrogativa da sociedade, do cidadão honesto e cumpridor de seus deveres. Sua exclusão só trará benefícios aos criminosos e corruptos.

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Procurador de Justiça do Estado de São Paulo e atual presidente da Associação Paulista do Ministério Público (APMP)

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Se é da tradição jurídica nacional a investigação pelo Ministério Público, nunca antes questionada, por que a discussão agora?

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LANÇAMENTO DO LIVRO RESPONSABILIDADE CIVIL

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om a publicação deste livro, a Editora Justiça & Cidadania abre um leque em sua programação editorial e, além da revista, inicia um trabalho com livros especializados em assuntos jurídicos. Responsabilidade Civil, que reúne assuntos discutidos no Seminário Internacional promovido pelo OAB, é o primeiro deles. Com uma edição de 15 mil exemplares distribuídos para todos os juízes do país. O livro é prefaciado pelo desembargador Sylvio Capanema de Souza, do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro.

PREFÁCIO

A

Ordem dos Advogados do Brasil, através de sua seccional do Rio de Janeiro, realizou, em junho de 2004, importante Seminário Internacional, versando sobre Responsabilidade Civil, cujo êxito, como se esperava, marcou, de maneira indelével, este ano de grandes transformações. Mestres de merecido prestígio intelectual, como o Prof. Regis Fichtner, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Marshall Shapo, de Chicago, João Calvão da Silva, da Universidade de Coimbra e Charles Keckler, da Universidade George Mason, na Virgínia, conduziram os participantes, com mão segura e confiável, pelas desafiantes questões que envolvem a Responsabilidade Civil, principalmente após o advento do Novo Código Civil. Poucos temas, na vastidão oceânica do direito privado, estão submetidos a tão intenso processo de releitura, quanto a Responsabilidade Civil, o que exige permanente esforço de atualização dos profissionais do Direito. O corajoso avanço da teoria objetiva, entre nós, com a vigência do Código de Defesa do Consumidor, e, agora, do Código Civil de 2002, tornou o Seminário de fundamental importância para advogados e magistrados. Os temas escolhidos não poderiam ser de maior relevo, a começar por uma visão panorâmica da matéria, no Novo Código, percorrendo, a seguir, a Responsabilidade Civil por fato do produto, analisando os seus vícios e defeitos, e encerrando-se com o aprofundado estudo das ações coletivas, nas relações de consumo, e que transformaram-se em poderoso instrumento de exercício da cidadania. Tão entusiásticos foram os aplausos, dos que ali se encontravam, bem como a unânime consciência da necessidade de se preservar, na memória social, os conceitos e as lições ministradas pelos conferencistas, que surgem agora os anais com a transcrição das palestras, para que se possa ampliar a repercussão cultural do evento. Ao apresentar o resultado do louvável esforço despendido pelos organizadores, o que tanto me honra, tenho certeza de estar contribuindo, ainda que modestamente, para a melhor formação técnica e intelectual dos profissionais da área jurídica, em seus diversos segmentos. Como foi por várias vezes ressaltado, durante a realização do memorável seminário, está surgindo uma nova ordem jurídica, alicerçada em princípios fundamentais, da preservação da dignidade do ser humano, da boa-fé objetiva e da efetividade. Nestes momentos, de profundas transformações, é que o profissional do Direito assume sua verdadeira dimensão, construindo os modelos que irão inspirar a nova ordem jurídica. A OAB/RJ está de parabéns pela iniciativa que permitiu que tantos advogados tivessem acesso ao debate, o que agora se completa com a publicação das palestras pela conceituada Editora Justiça & Cidadania. Esta consciência social e o trabalho de participação que os organizadores demonstraram são exemplos eloqüentes que nos tranqüilizam, com a certeza de que se poderá construir uma sociedade mais justa, fraterna e solidária. Agradecendo, sensibilizado, a honra do convite para a apresentação do trabalho, reitero minha convicção que o mesmo se transformará em fonte segura de consulta e citação, o que enriquecerá as letras jurídicas nacionais. 48 • JUSTIÇA & CIDADANIA • JANEIRO 2005


ABILIO DINIZ CAMINHOS E ESCOLHAS

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O drama vivido por ele nos sete dias de cativeiro e que, de certa forma, abalou toda sociedade brasileira, é narrado com detalhes...

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m 11 de dezembro de 1989 o país é surpreendido com a notícia do seqüestro do empresário Abílio Diniz em São Paulo, ação criminosa que durou sete dias. Nesse espaço de tempo, enquanto a polícia se mobilizava para prender os seqüestradores, Abílio permaneceu no cativeiro confinado entre estreitas paredes com o ar penetrando com dificuldade por pequenos orifícios. No chão, apenas um colchonete. Neste ano o fato é relembrado com o lançamento da 13ª edição do livro “Abílio Diniz – Caminhos e Escolhas – o equilíbrio para uma vida mais feliz”. O drama vivido por ele nos sete dias de cativeiro e que, de certa forma, abalou toda sociedade brasileira, é narrado com detalhes no segundo capítulo do livro “Os passos da mudança”. O que mais chama a atenção do leitor é o seu depoimento sobre a transformação que o seqüestro fez em sua vida desde que deixou o cativeiro. Começava ali uma mudança reproduzida num trinômio: mais serenidade, mais tranqüilidade e mais humildade. Para ele, dinheiro e poder não são suficientes para uma vida de qualidade. Organização e disciplina tornaram-se os elementos mais relevantes. Abílio fala dos dias terríveis vividos nesta prisão forçada e de como reviveu o passado nesses dias. As

lembranças dos tempos de garoto gorducho e baixinho, o curso primário no Externato Teixeira Branco, a padaria de seu pai, e as façanhas como goleiro do time de futebol, o curso ginasial no colégio Mackenzie, a Escola de Administração de Empresas da Fundação Getúlio Vargas, a medalha conquistada nos jogos universitários de São Paulo, o sonho adiado de viajar para os Estados Unidos e se especializar em economia e a conversa com seu pai no final dos anos 50 e seus planos de se iniciar no ramo de supermercados depois de vender a padaria, emergiram em meio à solidão. Estes e outros inúmeros fatos de sua vida foram repassados no minúsculo cubículo. Mas o livro não fala só do seqüestro, os capítulos seguintes se referem exatamente ao processo de mudança que sofreu e das lições aprendidas provocadas por três fatos que mudaram a sua vida: o seqüestro, a briga de família e a quebra do supermercado Pão de Açúcar. Vale a pena ler as 228 páginas do livro, um lançamento da Editora Campus. É a história de um empresário vitorioso que todo o Brasil conhece, que narra suas transformações e sua principal descoberta de que a virtude está na bondade, na humildade, na tolerância e não na força, na arrogância e na prepotência. 2005 JANEIRO • JUSTIÇA & CIDADANIA • 49


FÓRUM

MINISTRO PÁDUA RIBEIRO. INDICADO PARA O CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA.

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Ministro Antonio de Pádua Ribeiro do Superior Tribunal de Justiça foi eleito no final do ano passado para integrar o Conselho Nacional de Justiça, órgão recém-criado pelo Congresso Nacional dentro da Reforma do Judiciário. A comunicação foi feita pelo presidente daquela corte, Ministro Edson Vidigal, ao Presidente do Congresso Nacional, Senador José Sarney; destacando que “a experiência do Ministro Pádua Ribeiro, consagrada ao longo de bem-sucedida carreira no Ministério Público Federal e na Magistratura, sendo hoje o decano da nossa corte, resume em si as qualidades que o credenciam às funções de corregedor-geral do Conselho Nacional de Justiça”. Antes da longa carreira na magistratura, o Ministro Pádua Ribeiro foi jornalista, advogado, assessor parlamentar, professor de Direito Processual Civil e procurador da República. Formado em Direito na Universidade de Brasília, é especialista em Direito Processual e coordena a pós-graduação nessa área nas faculdades de Direito do Centro de Ensino Unificado do Distrito Federal (AEUDF) e do Centro Universitário de Brasília (UniCeub). Foi membro suplente e efetivo do Tribunal Superior Eleitoral. Já foi corregedor-geral da Justiça Federal por duas vezes. Presidiu o STJ e o Conselho da Justiça Federal de 1998-2000.




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