Revista Justiça & Cidadania

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Foto Capa: Jorge Campos/STJ

EDIÇÃO 57 • ABRIL de 2005

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ORPHEU SANTOS SALLES DIRETOR / EDITOR

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sÃO PAULO APLAUDE O TROFÉU DOM QUIXOTE

NO FUTURO, UMA LEGIÃO DE MENDIGOS

TIAGO SANTOS SALLES DIRETOR EXECUTIVO EDISON TORRES DIRETOR DE REDAÇÃO DAVID RIBEIRO SANTOS SALLES SECRETÁRIO DE REDAÇÃO FELIPPE BITTENCOURT EDITOR DE ARTE SIMONE MACHADO REVISÃO EDITORA JUSTIÇA & CIDADANIA AV. NILO PEÇANHA,50/GR.501, ED. DE PAOLI CEP: 20020-100. RIO DE JANEIRO TEL/FAX (21) 2240-0429 CNPJ: 03.338.235/0001-86

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PRECISAMOS DE UMA REFORMA POLÍTICA

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Prorrogação de permissões de serviços públicos

SUCURSAIS SÃO PAULO ORPHEU SALLES JUNIOR AV. PAULISTA, 1765/13°ANDAR CEP: 01311-200. SÃO PAULO TEL.(11) 3266-6611 FORTALEZA CARLOS MOURA RUA JOAQUIM FERREIRA Nº 1200 BAIRRO LAGOA REDONDA. FORTALEZA-CE TEL(85) 476 -1200 / 9951 - 3773 PORTO ALEGRE DARCI NORTE REBELO RUA RIACHUELO N°1038, SL.1102 ED.PLAZA FREITAS DE CASTRO. CENTRO. CEP 90010 272 TEL (51) 3211 5344

CONSELHO EDITORIAL aurélio wander bastos Arnaldo Esteves Lima antonio carlos Martins Soares Antônio souza prudente Bernardo Cabral carlos ayres britTo carlos antônio navega denise frossard Edson Vidigal eLLIS hermydio FIGUEIRA

BRASÍLIA ARMANDO CARDOSO TEL (61) 9968 - 5926

fernando neves Francisco Viana Francisco Peçanha Martins

ISSN 1807-779X

Um Estilo Múltiplo - o percurso da poesia ao direito e ao jornalismo

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eDITORIAL: a luta contínua contra a morosiade

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Agilidade e transparência no Stj

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a luta pelo poder

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Mesmo erro velhos argumentos

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emfim o novo diploma falimentar brasileiro - Lei nº 11.101, de 9 de fevereiro de 2005 -

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a fragilidade dos consumidores frente as taxas de juros

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direitos humanos: uma homenagem a josé talarico

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reforma trabalhista e o meio rural

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Carlos mário Velloso

CORRESPONDENTE

revistajc@revistajc.com.br www.revistajc.com.br

ÁRIO

Frederico José Gueiros Humberto Gomes de Barros Ives Gandra martins josé augusto delgado José Eduardo carreira Alvim Marco Aurélio Mello Miguel Pachá maximino gonçalves fontes Paulo Freitas Barata thiago ribas filho

2005 ABRIL • JUSTIÇA & CIDADANIA • 3


OPINIÃO

UM ESTILO MÚLTIPLO O longo percurso da poesia ao direito e ao jornalismo

Arnaldo Niskier Membro da Academia Brasileira de Letras

A

fecundidade nem sempre é compatível com a qualidade. Isso na literatura fica bem patente, quando o autor atira em todas as direções. Para os críticos rigorosos, mesmo Machado de Assis, nosso gênio literário, não conseguiu reproduzir nos versos a imbatível criatividade, na língua portuguesa, da sua prosa incomparável. Apesar de ter escrito o poema “À Carolina”, dos mais belos da nossa língua nem tão inculta assim. Ives Gandra da Silva Martins, da Academia Paulista de Letras, é um dos maiores advogados tributaristas do Brasil. Seus pareceres são clássicos e servem de referência a muitas decisões dos nossos tribunais superiores. Se o tema é poesia, num contraponto admirável, ele se dá igualmente bem. A inspiração costuma estar centrada em Ruth, sua musa de sempre, homenageada com poemas de grande sensibilidade. Hoje, devemos analisar o cronista, que acaba de lançar “Na imprensa...”, coletânea de artigos publicados em diversos jornais e revistas, no período de 1987 e 2004. Há uma espantosa versatilidade nos temas apontados, o que só pode se justificar pela grande cultura amealhada pelo autor. Aliás, fomos testemunhas de um fato recente, ocorrido em reunião do Instituto Metropolitano de Altos Estudos (IMAE), em São Paulo. Dado o tema para discussão por outro grande pensador brasileiro, que é José Aristodemo Pinotti, Ives Gandra desenvolveu de improviso uma profunda análise do que representou o 4 • JUSTIÇA & CIDADANIA • ABRIL 2005

livro “D. Quixote” para a cultura universal. Abordou os interesses econômicos e religiosos que inspiraram Miguel de Cervantes, há 400 anos, na construção do romance que consagrou o cavaleiro da triste figura, juntamente com o seu inseparável Sancho Pança. Uma grande crítica de extrema virtuosidade. Vejamos o livro de Ives Gandra, voltando à crônica. Começa com o bem elaborado decálogo do advogado (“nenhum país é livre sem advogados livres”), para prosseguir com críticas ao inconstitucional ajuste fiscal, passando pelo uso de drogas e reflexões sobre o socialismo, a tirania do corporativismo, a deterioração dos costumes, cultura e fé e o código do contribuinte. Tudo dentro de um princípio inarredável: a fidelidade à coerência. O estilo é claro, objetivo, direto, tornando a leitura agradável. Como acontece na análise de reforma universitária, em que se preocupa nitidamente com a tendência vigente de preconceito contra as instituições universitárias privadas. Defende a imunidade prevista na Constituição, que tem sido desmoralizada por atos de governos que se sucedem. Apesar disso, enxerga exemplos promissores, como a PUC, a Universidade Mackenzie e o que se fez pela qualidade de ensino na UNIFMU. Conhece muito bem a matéria, por se tratar de aplicado e consagrado mestre de gerações, não apenas um teórico bem informado. Quando se discute a reforma universitária brasileira, caindo num poço de inconstitucionalidades, o pensamento de um verdadeiro catedrático torna-se necessariamente oportuno.


EDITORIAL

A LUTA CONTÍNUA CONTRA A MOROSIDADE Orpheu Santos Salles Diretor - Editor

T

ranscorre neste mês de abril o primeiro ano da administração do ministro Edson Vidigal na Presidência do Superior Tribunal de Justiça. Ao rememorarmos os propósitos de administração expostos no seu pronunciamento ao assumir a curul da Presidência do Tribunal, nos fixamos nos exemplos afirmados e trazidos no discurso, que se tornaram a meta e rumo alcançados na ação administrativa e jurisdicional e alicerçados na afirmativa da lembrança de Danton, um dos grandes líderes da Revolução Francesa: “Para conquista, a audácia, ainda a audácia, sempre audácia”. Os trabalhos executados e a ação imprimida pelo ministro Edson Vidigal em todos os setores do Superior Tribunal deJustiça nesses doze meses de atividades, principalmente os seus incisivos pronunciamentos, se destacam pela oportunidade de sua real aplicação e reforçam e se coadunam com o mote de Danton, da necessidade e coragem de ter audácia para fazer e de fazer. Os desafios enfrentados pelo ministro Edson Vidigal em propugnar pela agilização processual da Justiça, propiciando um melhor atendimento aos jurisdicionados tem surtido efeito graças às instalações de novas varas, a criação de inúmeros juizados federais de pequenas causas e a nomeação de novos juízes. Cumprindo o prometido, o ministro Edson Vidigal tem tomado posições positivas na tentativa de solucionar velhas pendências judiciais, em especial, aquelas que dizem respeito aos litígios em que o Estado é parte, propondo conciliação extrajudicial com nítida intenção de fazer os pleitos mais céleres, na busca evidente de modernizar a justiça e diminuir a morosidade de demandas. A luta que vem empreendendo contra a morosidade se faz notar pela aprovação da lei que criou 183 novas varas federais, as quais estarão funcionando até o final deste ano, o que, entretanto, não satisfaz o ministro Edson Vidigal, que pretende antes de concluir sua administração, encaminhar um novo anteprojeto de lei para o Congresso (Câmara e Senado) que permita a instalação de mais 400 varas federais, para melhor agilização da justiça.

Em complementação na luta contra a morosidade, o presidente do STJ tem afirmado a necessidade urgente da reforma do Código de Processo Civil, reduzindo o número de recursos a fim de evitar a lentidão do sistema judiciário brasileiro, enfatizando nas críticas contra os abusos: “Agravo no agravo no agravo, embargos nos embargos nos embargos, o que há de se reduzir, sim”. Na firme disposição de agilizar a tramitação dos processos, além de pugnar pelo aumento de juizes, também prega o uso da mediação e conciliação como um dos meios possíveis de desafogar o Poder Judiciário, bem como a ampliação do trabalho dos juizes de paz para melhorar o funcionamento conforme sua sugestão: “Poderemos constituir mesas de conciliação nas associações de moradores de bairros e nos sindicatos presididos pelos juizes de paz”. Além do maior uso da mediação, que ainda tem utilização restrita no Brasil, o ministro também defende o uso maior da Internet como forma de democratizar as decisões do Judiciário e da súmula vinculante como antídoto contra o excesso de processos acumulados nas cortes superiores, declarando: “A súmula vinculante não deve ficar restrita ao Supremo Tribunal Federal, deve ser estendida aos demais tribunais, inclusive os dos Estados. Quando houver isso teremos feito uma lipoaspiração no judiciário, queimando todas as gorduras que alimentam a morosidade”. Com os trabalhos e realizações executados pelo ministro Edson Vidigal no primeiro ano de sua administração é de se prever que todas as propostas e propósitos afirmados no seu discurso ao assumir a Presidência do Superior Tribunal de Justiça serão ultrapassados de muito, numa demonstração positiva de que o trabalho que vem sendo executado no sentido de agilizar a justiça, por certo melhorará muito. A editoria da Revista, pelos esforços e realizações que vem sendo feitos no STJ, se congratula com seu presidente, ministro Edson Vidigal, como também, com todos os operadores do direito e beneficiários das medidas implantadas. 2005 ABRIL • JUSTIÇA & CIDADANIA • 5


CAPA

Agilidade e Transparência no STJ Edson Vidigal

Fotos: Jorge Campos/STJ

Ministro

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Ao completar um ano como Presidente do Superior Tribunal de Justiça, o ministro Edson Vidigal fez um balanço das atividades daquela corte no ano passado, no que chamou de “Relatório de Atividades de 2004: Agilidade e Transparência. 20 anos em dois.” Disse o Ministro durante a primeira sessão de 2005 do STJ:

“O

s dois lemas lançados no início desta Administração, que poderiam parecer barreiras difíceis de ultrapassar, na verdade, ainda são um sonho e um grande desafio aos servidores empenhados no aperfeiçoamento dos métodos de trabalho, na luta contínua para escapar das armadilhas da morosidade e atentos aos apelos da sociedade brasileira, sempre carente de Justiça. Se não avançamos uma década no ano de 2004, é com orgulho que constatamos estar bem próximos das metas traçadas. Um dos exemplos mais significativos foi o de eliminar, em apenas quatro meses de trabalho, o atraso de 45 mil processos, estoque que se acumulava desde o ano de 1997. De janeiro a dezembro de 2004, atingiu-se a marca de 241.309 processos julgados, registrando-se o crescimento expressivo de 11% em relação a 2003, quando foram julgados 216.999 feitos. Em 2004, a média de processos por relator aumentou 10%. Cada relator julgou em média 8.452 processos no ano que passou. Em 2003, haviam sido 7.689 processos por relator. Ou seja, mais 763 por relator em 2004. A eliminação do estoque de 45 mil processos, uma tarefa muito bem-sucedida graças ao empenho, ao espírito público de toda a nossa equipe e de todos os nossos servidores, comprova que, empregando-se criatividade, dedicação e vontade de fazer, não há obstáculos intransponíveis ou feitos milagrosos. Simplesmente dá para fazer.

A implantação de dois turnos de trabalho e as três distribuições diárias de processos, com a inovação da distribuição remota de qualquer ponto do planeta por meio eletrônico, formam um conjunto de ações que contribuíram, entre outras medidas, para aumentar em 11% a produtividade do Superior Tribunal de Justiça. No índice geral de resultados, conseguimos realizar 90% das metas traçadas no nosso Planejamento Estratégico. No treinamento de servidores, somente em 2004, atingiu-se a média de 30 horas per capita. Em conseqüência, houve uma melhoria de 79% no desempenho do pessoal treinado. O servidor foi ouvido. As portas do gabinete do presidente permaneceram abertas. Criamos o serviço “Fale com o presidente”, em que este passou a responder pessoalmente a todas as demandas apresentadas pelos servidores via intranet e também o serviço “Cartas ao presidente”, em que qualquer cidadão de qualquer parte do País se dirige ao presidente, que responde também pessoalmente. O último acesso a essa página registrava mais de 10 mil comparecimentos no site do STJ. A criação da Ouvidoria-Geral abriu um novo canal de comunicação com a sociedade, antecipando, portanto, a própria reforma do Judiciário, que, agora, já impõe a existência dessas ouvidorias. No período de junho a 31 de dezembro, a Ouvidoria recebeu 5.697 manifestações, média de 949 por mês. Pouco mais da metade das consultas,

55,01%, referiu-se especificamente ao STJ. O restante, 44,99%, destinava-se aos mais diversos órgãos públicos. A maior procura é do público em geral (3.206 manifestações), seguida de advogados (1.331) e de partes interessadas em processos (982). Na busca da eficiência em todos os projetos implantados na atual gestão, investiu-se não apenas em recursos humanos, mas também nos orçamentários. Os resultados são expressivos em razão, inclusive, das economias que fizemos com medidas administrativas restritivas de algumas despesas. Do orçamento de R$ 461.653.008,00 foram aplicados 99,5%, economizando-se 5,49%. Esse dinheiro foi reaplicado em outros setores e atividades do STJ. Traçou-se a meta de buscar 5% de incremento de recursos da União, mas foram alcançados muito mais, 6,99%, ao final do exercício de 2004. O Primeiro Encontro sobre Reforma Judiciária na América do Sul, em Brasília, realizado nos dias 25 e 26 de novembro e organizado em parceria com o Ministério das Relações Exteriores, significou mais uma etapa importante da presença do Superior Tribunal de Justiça no cenário jurídico internacional, especialmente na comunidade de países ibero-americanos. O evento é um marco histórico, o ponto de partida para a formação de um bloco do Poder Judiciário sulamericano, trabalho que vem sendo paulatinamente construído por este Tribunal desde 2002, quando ainda ocupava a Vice-Presidência, sob a gestão do sr. ministro Nilson Naves. Por essa razão, foi criado um setor específico de Assessoria Internacional 2005 ABRIL • JUSTIÇA & CIDADANIA • 7


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Visita do Ministro da Justiça de Cuba Roberto Diaz Sotolongo

Visita do Govenador do Maranhão José Reinaldo

Vidigal Entrevista Para Imprensa

no gabinete da Presidência, que apóia as ações e as atividades internacionais do Superior Tribunal de Justiça. Por último, mas não menos importante, a melhoria da percepção da sociedade espelha-se nos meios de comunicação de todo o País, que hoje já conhece muito bem o Superior Tribunal de Justiça - a que veio, para que serve e o que está fazendo. É de 99% o índice de notícias positivas ou neutras em toda a mídia nacional, segundo o controle que é feito diariamente por meio de um robô de busca que temos a nosso serviço, com toda a mídia impressa a respeito do Superior Tribunal de Justiça, dos srs. ministros e desta Presidência. Assim, é com muita alegria, com muita honra, com muita satisfação que registramos este resumo das atividades para enfatizar que tudo foi possível graças ao apoio das sras. ministras, dos srs. ministros, à compreensão do Poder Executivo e à dedicada e efetiva colaboração do Poder Legislativo na ação em que estamos praticando mais a harmonia, porque a independência há de ser praticada pelos relatores na jurisdição. Estamos conseguindo fazer com que o Superior Tribunal de Justiça se afirme no concerto das cortes do nosso continente sul-americano.”

Realizações Principais realizações Na atividade judicante, o ministro Edson Vidigal tomou duas decisões que causaram impacto e conseqüências imediatas para a melhoria do funcionamento do tribunal que foram estas: a criação de dois turnos de trabalho e três distribuições diárias de processos. A estrutura atual do STJ é gigantesca, contando com um efetivo de 756 servidores entre os quais 251 analistas judiciários, 505 técnicos judiciários, além de 88 estagiários de nível médio e superior. A Secretaria Judiciária está ligada à Secretaria Geral da Presidência, com a função de apoiar a atividade judicante, preparando o processo para julgamento, dando cumprimento aos despachos, acompanhando e registrando o trâmite processual e prestando informações aos usuários para bem exercer a prestação jurisdicional. Melhoria estrutural na administração dos gabinetes Para que se pudesse melhorar o fluxo de trabalho e a administração dos gabinetes dos ministros, foi criado o cargo de chefe de gabinete já que na

“Se antes havia um acervo de 45 mil processos nos depósitos da Secretaria Judiciária, atualmente a tramitação dos feitos é mais célere até sua distribuição, sem o auxílio de serviço extraordinário.”

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“Um dos exemplos mais significativos foi o de eliminar, em apenas quatro meses de trabalho, o atraso de 45 mil processos, estoque que se acumulava desde o ano de 1997.” estrutura do tribunal havia apenas a figura do oficial de gabinete. A partir de 2004 cada um dos 33 ministros, a presidência e a vice-presidência, além da revista do STJ, passaram a contar com um chefe de gabinete. Tornavase necessária esta decisão uma vez que todos os ministros da corte se ressentiam da falta de um funcionário que pudesse chefiar a administração. Mutirões da Corte Especial Em maio de 2004, 131 processos constavam na pauta da Corte Especial. Era preciso diminuir esse número, razão pela qual o Presidente, ministro Edson Vidigal, dividiu as sessões em dois turnos e cada turno em dois períodos. Essa nova organização proporcionou um melhor rendimento da Corte especial. Um processo com uma questão simples como a de um agravo regimental que esperava um ano ou mais na fila, passou a ser julgado em minutos. A partir daquela data o STJ realizou 26 sessões de julgamento da Corte Especial, 22 ordinárias e 4 extraordinárias. Nesse mutirão, 12 sessões foram realizadas em período integral, sendo que no período de maio a dezembro do ano passado foram

julgados 640 feitos na Corte Especial. No sistema antigo, a sessão começava pelas preferências regimentais e pauta. Em seguida, o presidente chamava a julgamento processos de todos os ministros para que cada um decidisse sobre os processos atribuídos a eles que constavam da pauta. Modernização tecnológica Somente seria possível implantar a agilidade e transparência no Tribunal, aperfeiçoando os sistemas utilizados internamente e outros disponíveis para o público. Isto porque a maioria deles requer a certificação digital para que sejam garantidas a autenticidade, a integridade e a confidencialidade da informação. O Superior Tribunal de Justiça optou por criar uma autoridade certificadora do Sistema de Justiça Federal (AC-Jus), em parceria com o Conselho da Justiça Federal e Tribunais Regionais Federais Com isso, objetivase fazer uma AC normativa só se emitindo certificados para as ACs de nível imediatamente inferior, não se emitindo certificado final. A Caixa Econômica Federal (CEF), o Serpro e a Certsign, uma empresa privada, manifestaram interesse de

Reunião com a ADPU - Associação dos Defensores Públicos da União

Seminário de Relações Humanas MPU

Reunião com o Ministro Nelson Jobim e a Ministra Ellen Gracie

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ser autoridades certificadoras de segundo nível, subordinadas à ACJus, assumindo a responsabilidade pela emissão desses certificados. Com isso, por exemplo, um ministro pode enviar um e-mail criptografado para outro ministro que só poderá abri-lo se dispuser do certificado. Decisões monocráticas on-line As decisões monocráticas certificadas e com validade estão disponibilizadas no site do STJ. Um código mínimo autentica a decisão que pode ser verificada pela Internet, o que garante a procedência do documento: esse sistema lançado em novembro de 2004 contabilizou mais de 24 mil consultas até o final do mês de dezembro. Agora os advogados ou as partes não precisam mais comparece ao tribunal para obter cópias autenticadas, assim como não será mais necessário dispor de arquivos para cada discussão. Basta, apenas, tirar uma cópia na Internet. 10 • JUSTIÇA & CIDADANIA • ABRIL 2005

Diário de justiça on-line O princípio do Diário de Justiça – DJ on-line - é publicar o documento no site do STJ quando este estiver pronto para ser encaminhando à Impresa oficial. Os sistemas de decisões on line, monocráticas ou não, e dos acórdãos on-line serão ainda mais proveitosos quando se iniciar a contagem de prazos a partir do instante em que forem divulgados por meio digital. Atualmente não se conta e a publicação válida para os prazos continua sendo a impressão em papel. Hoje, o presidente Edson Vidigal distribui processos à distância, de qualquer lugar do planeta. Equipado com um notebook no qual foram introduzidos alguns mecanismos para ampliar a segurança, o presidente acessa a rede do STJ e faz a distribuição. Em novembro do ano passado quando estava na Espanha participando do Encontro de Informação e Documentação Judicial, o ministro Cesar Asfor Rocha fez a primeira distribuição de processos do STJ do exterior. Seiscentos e noventa e oito processos foram distribuídos aos ministros do STJ diretamente da Europa. Integração com os Tribunais Regionais A integração da rede e base de dados está sendo desenvolvida pelo STJ, pelos Tribunais Regionais Federais e

pelo Conselho de Justiça Federal. Eles desenvolveram sistemas processuais próprios, mas que não estão integrados. O Projeto de Integração permitirá que os tribunais, sem necessidade de nenhuma mudança, possam dialogar de forma mais ágil. O processo quando chega ao STJ seu número de origem é digitado por um funcionário e todos os principais dados são acessados evitando-se o trabalho de incluir informações na base de dados, esse serviço é chamado de Malote Digital. No projeto de Integração, ele será estendido a todos os vinte e sete tribunais de justiça. O Catálogo de Questões Jurídicas contém questões já apreciadas pelos ministros, interligada à base de jurisprudência do Tribunal. Esse sistema auxilia os gabinetes dos ministros e possibilita a identificação de precedentes, tornando mais ágil a elaboração de decisões. É um instrumento simples e o seu software foi desenvolvido pela própria equipe de informática do Superior Tribunal de Justiça. Corte Virtual É um projeto de grande amplitude que inclui a transmissão das sessões, dotando as salas de mecanismos que permitam, por exemplo, a um ministro acessar o relatório de outros ministros antes do julgamento. A circulação de relatórios entre eles já se faz em papel impresso. Na Corte Virtual utilizando-


se a certificação digital, o trânsito de relatórios será mais rápido em ambiente de total segurança e confiabilidade. A previsão é que num futuro ainda distante, a Corte Virtual permitirá a participação remota de magistrados durante sessões de julgamento. Consórcio BDJur Trata-se de uma base de dados de informações jurídicas, decisões, votos, artigos e palestras. A partir da Biblioteca Digital do STJ instalada em rede em dezembro do ano passado o Consórcio BDJur armazenará os repositórios de informação digital da área jurídica, com acesso imediato às jurisprudências e decisões de 141 órgãos do Poder Judiciário associados. Estudos minuciosos apontam o Dspace, software livre, como o programa escolhido para o Consórcio BDJur. Este programa foi lançado nos Estados Unidos em 2003 e hoje atende mais de 1500 universidades e instituições de ensino na América do Norte, Europa e Ásia. Aqui na América do Sul ele é utilizado pela Universidade de São Paulo, e o Superior Tribunal de

Justiça é a primeira instituição pública a adotar o DSpace para armazenar a informação digital. Hoje, um advogado que entra no site do STJ pode acessar o link da Biblioteca Digital e o Consórcio BDJur que acessará diretamente a Biblioteca Digital do STJ, assim como um portal onde será possível também pesquisar nas bibliotecas digitais dos órgãos que integram o Consórcio. Ouvidoria-Geral Foi instalada no dia 17 de junho de 2004, antecipando-se às determinações da Reforma do Judiciário e funcionando simultaneamente a um sistema similar da ouvidoria do Tribunal de Contas da União. Desde que começou a funcionar até dezembro de 2004, a ouvidoria recebeu 5.697 manifestações numa média de 949 por mês. Segundo levantamento, a maior procura é de cidadãos em geral (3.206), seguida dos advogados (1.331) e das partes em processos (892). Para entrar em contato os cidadãos têm escolhido o formulário eletrônico, com 3.237 manifestações, seguido

do e-mail, com 1.579. Outro meio utilizado é o telefone 0800 e cartas, estas mais utilizadas por cidadãos do meio rural. Com as manifestações cadastradas e arquivadas em banco de dados digital, a maior parte foi respondida no mesmo dia. Neste ano de 2005 entre os projetos de melhoria da OuvidoriaGeral, está a implantação de uma sistemática permanente de pesquisa de opinião e de mensuração do índice de satisfação do usuário do STJ. Previdência Complementar O Presidente do STJ, ministro Edson Vidigal, determinou a realização de estudos para implantação de Fundo de Previdência Complementar do Poder Judiciário. Uma comissão especial com integrantes do STJ, do Conselho da Justiça Federal e dos Tribunais Regionais Federais será a responsável por esses estudos que foram divididos em três etapas. Na primeira elaborou-se o anteprojeto de lei para instituir o regime de Previdência Complementar. Na segunda, estruturou-se o plano

“No treinamento de servidores, somente em 2004, atingiu-se a média de 30 horas per capita. Em conseqüência, houve uma melhoria de 79% no desempenho do pessoal treinado.”

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“A partir de 2004 cada um dos 33 ministros, a presidência e a vicepresidência, além da revista do STJ, passaram a contar com um chefe de gabinete.”

básico, definindo-se os benefícios que serão oferecidos aos magistrados e aos servidores. A terceira, agora em 2005, prevê a entrega do estatuto e do regimento interno do fundo. Esse fundo inclui funcionários e magistrados do STJ, do Conselho de Justiça Federal e dos Tribunais Regionais Federais beneficiando mais de 22 mil servidores. Num futuro próximo, pretende-se abranger a Justiça Federal de primeiro grau e as Justiças estaduais. Com esse universo de funcionários a Previdência Complementar do Judiciário será uma das maiores do país com rentabilidade assegurada para quem aderir ao plano. Guia do advogado Foi lançado no dia 11 de agosto de 2004 com uma primeira edição de 1.500 exemplares ao mesmo tempo em que os arquivos eram disponibilizados na Internet. Ainda no primeiro

Instalação da Ouvidoria Geral do STJ

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Comunicação Social No final de 2003, um dos pontos mais criticados na pesquisa interna que avaliava a satisfação dos funcionários do STJ foi a ausência, ou precariedade, de uma política de comunicação institucional. As críticas citavam a comunicação interna - notícias, eventos, ações e atividades relevantes - e a externa, a comunicação social que informa a sociedade sobre o STJ, seus ministros e a ações empreendidas pelo

Tribunal. Em abril de 2004, em seqüência ao trabalho iniciado na gestão do ministro Nilson Naves, a Comunicação Social do STJ cresceu, organizouse sob a orientação de uma nova política. Jornalistas aprovados em concurso foram integrados à equipe de Comunicação Social, que ganhou nova estrutura. Sob a orientação de uma Chefia de Comunicação, a nova estrutura abrange Núcleo Cultural, Núcleo de Editoria e Imprensa, Núcleo de Rádio, Núcleo de TV e Núcleo de Programação Visual. Ao incluir o Núcleo Cultural no âmbito da Comunicação Social o objetivo foi o de aproximar o STJ da sociedade com palestras, exposições, lançamento de livros e visitas guiadas, mostrando também a sede do Tribunal, que por si só é uma obra de arte da moderna arquitetura brasileira, assinada por Oscar Niemeyer.

Seminário de Relações Humanas do MPU

Reunião dos Ministros Edson Vidigal, Marcio Thomaz, Nelson Jobim e Ellen Gracie

semestre de 2005 será impressa e veiculada na Internet uma versão mais ampla e atual. Trata-se de uma publicação contendo tudo que um advogado precisa para operar no STJ. Esse guia informa desde como encontrar vagas no estacionamento, horário de restaurantes, consulta aos terminais de computador até em que local ele pode copiar um processo.


Visita do Min. Edson Vidigal ao Min.do Planejamento Guido Mantega

A nova pesquisa de satisfação, em julho de 2004, preparada pela Secretaria de Recursos Humanos, mostrava um novo panorama, agora favorável. A pesquisa concluiu que o corpo de funcionários aprovou com entusiasmo o trabalho desenvolvido com a nova política de comunicação institucional do STJ, destacando-a como um dos pontos fortes da nova gestão. As notícias positivas ou neutras sobre o STJ, os ministros e o presidente nos jornais, revistas e outras publicações de todo o país - reflexo acurado da opinião pública brasileira atingiram o índice de 99%. Conselho da Justiça Federal Sob a presidência do ministro Edson Vidigal, as sessões do Conselho da Justiça Federal (CJF) passaram a ser realizadas fora de Brasília. No Distrito Federal, a maioria das sessões era restrita à metrópole. Para que se ampliasse o conhecimento em outros pontos do País e a fim de que mais brasileiros saibam das atividades do STJ e do CJF, o presidente Edson Vidigal determinou que as sessões do Conselho tivessem caráter itinerante. As sessões ocorreram em São Paulo, Recife, São Luís, Londrina, Mata de São João (Bahia) e Dourados

Deputado Paes Landim e Ministro Edson Vidigal

(Mato Grosso do Sul). Em 2005, essa prática prosseguirá. As sessões do Conselho não são fechadas ao público, mas, como inexistia divulgação, acreditava-se que havia impedimento à participação do público e de representantes de outras instituições. Antecipando-se à reforma do Judiciário, que proíbe sessões administrativas fechadas, o presidente Edson Vidigal determinou a abertura das sessões do Conselho a representantes do Poder Executivo (Ministério da Justiça e Receita Federal), do Poder Legislativo (deputados federais e senadores), do Ministério Público e da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). A imprensa e o público também podem assistir às sessões. Das sessões do Conselho participam os dez membros: presidente, vicepresidente, coordenador-geral, dois ministros efetivos e os presidentes dos Tribunais Regionais Federais das cinco regiões. Ainda compõem a mesa o secretário-geral, o chefe do gabinete da presidência do Conselho e os convidados a participar pelo presidente. A Associação dos Juízes Federais (Ajufe) integra as sessões do Conselho na condição de membro

Visita do Pres. e Vice-Pres. da OAB ao Ministro Edson Vidigal

efetivo, mas sem direito a voto. No ano de 2004, foram levados às sessões do colegiado 120 processos e julgados 92. Essas decisões estão relacionadas às áreas de Controle Interno, Recursos Humanos, Informática, Orçamento. Editaram-se resoluções, respondeu-se às consultas e recomendações, com a finalidade de uniformizar procedimentos no âmbito do Conselho da Justiça Federal e Justiça Federal de primeiro e segundo graus. Em 2004, a presidência do Conselho da Justiça Federal expediu 60 resoluções para disciplinar matérias de aplicação comum ao Conselho da Justiça Federal e à Justiça de primeiro e segundo graus. Sob a presidência do ministro Ari Pargendler, coordenador-geral do Conselho, também foram realizadas, mensalmente, as reuniões da Turma Nacional de Uniformização de Jurisprudência dos Juizados Especiais Federais. Melhor atendimento a advogados São realizados em média 100 atendimentos pessoais e 100 atendimentos telefônicos por dia. O atendimento a advogados, às partes e aos interessados envolve informações

Visita do Ministro Edson Vidigal do Programa O Despertar Vocacional Jurídico

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CAPA

Reunião com a SERVPRAT Ministro Edson Vidigal

Visita Senadores Jonas Pinheiro, Garibalde, Paulo Bernardo, Pedro Naves e Leomar Quintanilha ao Ministro Edson Vidigal

Visita da Vice-Governadora de Brasília Maria Abadia ao Ministro Edson Vidigal

Homenagem ao Ministro Edson Vidigal na Confederação Nacional do Comércio

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relativas à distribuição e tramitação dos processos; procedimentos e serviços prestados no balcão, por telefone ou por escrito, com o fornecimento do andamento processual em slip impresso; lista de processos vinculados a um determinado advogado; expedição de certidões; e quaisquer outras informações que facilitem o acesso à Justiça. Em 2004, a Secretaria Judiciária fez tramitar 162.943 petições no prazo máximo de 24 horas após o recebimento. Em média, foram 700 petições recebidas a cada dia útil, por meio de papel, fax ou e mail. Doze terminais de auto atendimento, previamente testados e aprovados, foram instalados em pontos estratégicos do Tribunal. A localização foi definida em função do fluxo de pessoas e da proximidade aos órgãos julgadores e Plenário, facilitando o acesso do usuário às informações institucionais e processuais. Em 2004 foram atendidos 7.369 advogados na Seção de Apoio aos Advogados. Na Sala dos Advogados os profissionais têm à disposição uma bem montada infra-estrutura para bem realizar o seu trabalho, como se fosse um posto avançado de seu escritório. Recorde na distribuição de processos Em 2004, foram julgados 241.215 processos no STJ. Foram recebidos 165.594 processos e autuados 197.441, sendo distribuídos 242.011, neste caso incluídos os processos redistribuídos e atribuídos. A diferença a mais nos processos distribuídos ocorreu, em comparação aos originários, porque estes são interpostos diretamente no STJ, assim como os recursos incidentes e o passivo existente. A meta de colocar o serviço em dia foi alcançada. A Secretaria Judiciária atualmente trabalha com os processos recebidos no dia. Para atingir este objetivo, o setor foi reestruturado com a divisão da Subsecretaria de Autuação, Classificação e Encaminhamento por área de especialização e a adoção de nova metodologia de trabalho, inclusive

com a ampliação da distribuição diária de processos que hoje ocorre três vezes ao dia. Se antes havia um acervo de 45 mil processos nos depósitos da Secretaria Judiciária, atualmente a tramitação dos feitos é mais célere até sua distribuição, sem o auxílio de serviço extraordinário. O procedimento de Autuação, Classificação e Distribuição dos Processos de Competência Originária do STJ manteve sua Certificação de acordo com a Norma ISO 9001/2000. Acesso ao Bacen Jud Dois servidores da Secretaria Judiciária integraram a Comissão responsável pelos ajustes, entre o Banco Central e o Poder Judiciário, do sistema Bacen Jud, sistema de solicitação de informações, via internet, que facilita o acesso ao Sistema Financeiro Nacional. De posse de uma senha previamente cadastrada, o magistrado preenche um formulário na internet, solicitando as informações necessárias ao processo. O Bacen Jud, então, repassa automaticamente as ordens judiciais para os bancos, diminuindo o tempo de tramitação. No trânsito das informações entre a Justiça, o Banco Central e as instituições financeiras, será garantida a máxima segurança com a utilização de sofisticada tecnologia de criptografia de dados. Com a utilização da internet serão sensivelmente reduzidos os custos com recursos humanos e materiais, no processamento manual de mais de 600 ofícios enviados diariamente pelo Poder Judiciário. Integração do Poder Judiciário Em agosto de 2004, sob a organização da Secretaria Judiciária, foi realizado o Encontro com os Tribunais de Justiça Estaduais e os Tribunais Regionais Federais para promover a integração do Poder Judiciário, onde se discutiu a uniformização de procedimentos, a criação de indicadores de


desempenho e a obtenção de dados estatísticos gerenciais que propiciem a compilação de informações mais acuradas sobre o desempenho e atuação do Poder Judiciário Emenda Constitucional 29 O Presidente Edson Vidigal definiu as diretrizes estratégicas sobre a participação da Assessoria Parlamentar no encaminhamento da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) nº 29, que tratava da reforma do Poder Judiciário nas duas Casas Legislativas. Além disso, o Presidente coordenou o Grupo de Trabalho no STJ, efetuou contatos com membros do legislativo, incluindo-se os Presidentes das Casas e o relator da matéria objetivando a aprovação, defendeu as teses originárias do STJ por meio da mídia e segmentos representativos da sociedade. A Assessoria Parlamentar atuou como elo entro o STJ e o Congresso, auxiliando nos esclarecimentos das prioridades e articulação com parlamentares. A PEC 29/2000 foi aprovada com alterações, sendo promulgada a Emenda Constitucional nº 45/04 pelo Congresso Nacional. Lei Orçamentária Anual O Presidente Edson Vidigal, com o suporte da Diretoria-Geral, definiu as diretrizes estratégicas sobre a participação da Assessoria Parlamentar no encaminhamento das negociações sobre o Orçamento do STJ no Congresso Nacional. Fez contatos com os Presidentes das Casas, com o Relator da matéria e com o Relator Setorial objetivando a aprovação. A Assessoria Parlamentar atuou junto ao Congresso, auxiliando nos esclarecimentos das prioridades e articulação com parlamentares. Foi sancionada a Lei nº 11.100/2005, Lei Orçamentária Anual, da qual constam as dotações orçamentárias previstas para o STJ no exercício 2005. 2005 ABRIL • JUSTIÇA & CIDADANIA • 15


TrofÈu

Dom Quixote São Paulo aplaude a Confraria Dom Quixote

A

confraria Dom Quixote, criada por nosso diretor-editor Orpheu Santos Salles, se reuniu em São Paulo no dia 14 de março passado para, numa magnífica solenidade realizada no auditório do Tribunal Regional Federal da 3º Região, entregar o troféu Dom Quixote a vários de seus colaboradores dos setores da magistratura, da política, do jornalismo e dos meios jurídicos. “Fazemos esta festa para retribuir ao que temos recebido de apoio e colaboração através de matérias para a revista Justiça & Cidadania. Cada um dos senhores e senhoras estão recebendo o Quixote como prêmio por fazerem o bem, por distribuirem justiça, por lutarem pela cultura e pelo bem deste país que tanto precisa daqueles que têm boa vontade como todos os que estão aqui presentes”, disse nosso diretor durante a entrega dos troféus. Figuras representativas da capital paulista compareceram à solenidade para prestigiar os homenageados e a direção da revista Justiça & Cidadania por mais esse evento. São os seguintes homenageados:

Anna Maria Pimentel, Presidente do TRF-3 Armando Laudório, Diretor da CEG Cláudio Lembo, Vice-Governador de São Paulo Diva Malerbi, Vice-Presidente do TRF-3 Francisco Viana, Jornalista Ives Gandra Martins, Presidente da Academia Paulista de Letras Jorge Mattoso, Presidente da Caixa Econômica Federal José Kallás, Desembargador Federal Aposentado José Mindlin, membro da Academia Paulista de Letras Marcio Moraes, Desembargador Federal Miguel Reale, membro da Academia Paulista de Letras Newton de Lucca, Desembargador Federal Paulo Pereira Baptista, Corregedor-Geral da Justiça Federal Saulo Ramos, ex-Ministro da Justiça Zulaiê Cobra, Deputada Federal.

Os homenageados Francisco Viana, Zulaiê Cobra, Newton de Lucca e Pereira Baptista com seus respectivos troféus.

Da esquerda para direita: José Mindlin, Armando Laudório, José Kallás, Márcio Moraes e Diva Malerbi após a outorga do troféu.

Fotos: Eduardo Costa/TRF-3

Transcrevemos a seguir trechos de alguns discursos das personalidades homenageadas pela revista Justiça & Cidadania com a entrega do troféu Dom Quixote.

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Da esquerda para a direita: Ives Gandra Martins, Miguel Reale, Cláudio Lembo, Anna Maria Pimentel, Peçanha Martins, Orpheu Salles, Saulo Ramos e Jorge Mattoso.

Ministro Francisco Peçanha Martins Não é a primeira vez que compareço a uma solenidade de premiação desta confraria, que tem o nome do grande herói Dom Quixote, ficção criada pelo gênio de Cervantes nos idos da Santa Inquisição e que se valeu do insano Alonso de Quijano para traçar, com letras e tintas admiráveis, todos os tipos humanos da sociedade de então. Por isso mesmo, hoje se apresenta Cervantes como autor do maior dos livros que já se escreveu, norte mesmo da literatura do mundo. Cervantes, porém, foi sobretudo um herege, homem que não se submeteu às regras rígidas traçadas pela Inquisição e procurou da forma mais inteligente possível afirmar suas idéias e o fez com o brilho que todos conhecemos já que desde cedo sempre tivemos às mãos um exemplar do Dom Quixote. Ao longo dos anos que se seguiram, apesar de talvez não termos tido traduções perfeitas e não termos tido a sorte de poder ler seu original, a leitura deste livro marcou aquelas personalidades que não se conformam com o status quo dominante e que pretendem inovar, tanto quanto possível e sempre, na defesa das liberdades humanas. Aqui hoje, para minha felicidade, vamos entregar o prêmio em boa hora instituído por um desses Quixotes que conhecemos, o nosso Orpheu Santos Salles, idealizador da revista Justiça & Cidadania, e ele sim o criador do prêmio e da confraria Dom Quixote. Esta confraria se sente engrandecida pela presença de todos, mas sobretudo pelo número de confrades ilustres e, mais do que isso, sábios que passam a integrá-la. Tenho na pessoa do eminente professor e filósofo do Direito, Miguel Reale, uma figura excepcional que quero, embora no crepúsculo, continue a nos oferecer alvoradas. A primeira publicação do Quixote ocorre nos idos primeiros do século XVII quando a Lei Crowell, em sua revolução, deu os primeiros passos em defesa da igualdade dos homens, antecedendo em cem anos a Revolução Francesa. Devemos

também a Shakespeare palavras imorredouras, dísticos insubstituíveis na defesa da liberdade que desde cedo festejei pelos amigos que tive, ilustres e mestres, como os irmãos Mangabeira, que relatavam alguns dos sofrimentos a que haviam sido submetidos nas prisões e sobretudo no exílio. Disse em uma dessas reuniões da confraria que seu professor, mestre de nós todos nas lições imorredouras do direito e da política, Rui Barbosa, era para mim o símbolo ou a encarnação do Quixote no Brasil. Este grande mestre foi um combatente durante toda sua vida e esteve sempre a serviço da liberdade. Por isso mesmo, hoje o maior galardão que a Ordem confere aos seus membros tem seu nome: a Medalha Rui Barbosa. A liberdade por certo veio no sopro desmistificador de Deus ao criar o homem e dotá-lo de livre arbítrio como que lhe conferindo o bem maior. Estejam todos certos que os confrades reunidos em boa hora pelo espírito quixotesco de Orpheu Santos Salles estarão sempre de braços dados na defesa desse bem maior.

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TrofÈu

Dom Quixote Orpheu Santos Salles

Peçanha Martins entregando o troféu a Anna Maria Pimentel

Ives Gandra entregando o troféu para Miguel Reale

Francisco Viana recebendo o troféu de Paulo Bonadia

Zulaiê Cobra recebendo o troéu de Anna Maria Pimentel

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Quem merece todas as homenagens hoje são os magistrados e a Justiça porque o Quixote foi lembrado como forma de homenagear e retribuir a eles. Não conheço além de tudo que representa a obra de Cervantes nada que se coadune mais, pelo espírito de amor, de renúncia, de trabalho, de coragem e de justiça, com a própria história de vida dos magistrados. Só o magistrado tem aquele dom que só Deus tem que é o de julgar os homens, seus semelhantes. Porém, o que é o Quixote para todos nós? Ele é aquela figura caricata que de repente se transforma em um sonhador, em algo quase sublime pelo amor, pela renúncia, pela determinação, pela aventura, por tudo aquilo que todos sonhamos atingir que é o magnífico, o bom, o verdadeiro e o agradável. Dom Quixote tem por Dulcinéia um amor espiritual, não o amor carnal, que dignifica a mulher porque ela representa o que de melhor há em todos nós. Dom Quixote é aventureiro, mas sofredor. Buscou seu servo e escudeiro, Sancho Pança, e encontrou a fidelidade. Ofereceram-lhe o governo de uma ilha para que renegasse seu mestre. Sancho, por sua vez, disse que preferia ser enterrado a abandoná-lo. Quixote, em toda a imensidão de páginas que lemos na obra de Cervantes, além de aventureiro é sempre aquele que acredita no bem, em defender os injustiçados e indefesos; aquele que nos transmite uma lição de purificação do mundo pelo heroísmo, feito de fé intangível e de pureza perfeita. Quando fala de justiça é para defender os Magistrados, realçando o valor e a importância da efetivação daquela.


Cláudio Lembo recebendo o troféu de Orpheu Salles.

Saulo Ramos entregando o troféu a Jorge Mattoso.

Sem ela e sem o Direito não há nada que se iguale ao bem que todos desejamos. Quantos dos Magistrados aqui presentes ao se debruçarem em processos para julgar seus semelhantes e decidir a favor daquilo que é o certo, que é o Direito e a Justiça, não sentirão o peso de um manto como que divino? Por isso resolvemos usar a figura de Dom Quixote, que representa tudo aquilo que almejamos, na retribuição aos juízes, aos homens públicos que se dedicam à política, como a ilustre representante do Congresso Nacional, deputada Zulaiê Cobra, que já foi relatora do projeto da reforma do Judiciário, e a todos esses que se dedicam com amor e fé ao nosso país. É um prazer constatar que existe um cidadão, nosso amigo José Mindlin, que nos reconforta com o que faz porque com sua idade avançada ainda consegue ajudar a cultura deste país e estimula a sede de nosso povo pelas coisas boas que temos. Há à mesa figuras que são propriamente Quixotes andantes, como a maior figura da justiça brasileira, nosso maior jurista, Miguel Reale, e outra grande figura, o exministro Saulo Ramos. Temos ainda nossa anfitriã, a ilustre desembargadora Anna Maria Pimentel, Ives Gandra Martins, Cláudio Lembo, Jorge Mattoso e o ministro Peçanha Martins, que representa nesta solenidade o seu colega ministro Edson Vidigal, presidente do Superior Tribunal de Justiça e igualmente presidente da confraria Dom Quixote.

Newton de Lucca com o troféu Dom Quixote.

Diva Malerbi entregando o troféu a José Mindlin.

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TrofÈu

Dom Quixote Miguel Reale Cabe-me falar sobre Cervantes e Dom Quixote. Passaram-se dezenas, centenas de anos e até hoje não se penetrou no mistério que mantém essa obra de maneira tão permanente na vanguarda dos romances da humanidade. Para mim, Cervantes é o mestre da ironia, e o que é ela? A ironia é a razão, a busca de si mesma que não se encontra ali. É procurar defender-se e ver que é impossível; olhar para tudo que existe e verificar que o mais belo não se alcança; olhar para a experiência humana ao longo dos anos e indagar a verdade reconhecendo que é impossível assegurar-se dela. Esta, a ironia, é a razão que se julga senhora de tudo e que na realidade a si mesma não se encontra. É por esta razão que considero Cervantes um dos símbolos da criação cultural. Ao longo dos séculos vamos fixando determinados valores fundamentais. Assim como há valores imortais, há homens imortais que personificam o próprio valor. Este é o caso de Cervantes e Dom Quixote representando a ironia. O momento mais alto da ironia cervantina foi quando os fidalgos pensaram em poder tirar proveito do ridículo Sancho Pança e lhe deram uma ilha, ao que ele lhes deu uma lição extraordinária. Se lermos com atenção e cuidado as regras estabelecidas por Sancho para administração da ilha, verificamos que se trata de um espelho maravilhoso de abertura para a compreensão da capacidade que o homem tem de estabelecer seu próprio regulamento. Sancho Pança e sua lei, Sancho Pança e o exemplo do regulamento, Sancho Pança e uma lição eterna de humildade e de compreensão. Tudo isto é ironia que deve ser a guia nossa por que é através dela que reconhecemos a nossa própria felicidade.

Márcio Moraes recebendo o troféu de Ives Gandra.

Diva Malerbi recebendo o troféu de Peçanha Martins.

Pereira Baptista recebendo o troféu de Marli Ferreira.

Cláudio Lembo entregando o troféu para José Kallás.

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Jorge Mattoso

Anna Maria Pimentel com o troféu Dom Quixote.

Tiago Salles entregando o troféu a Newton de Lucca.

Estamos a quatro séculos após a publicação da primeira parte da belíssima obra de Miguel de Cervantes, que depois de todo esse tempo é claramente reconhecida como a obra iniciadora do moderno romance. Mais do que isso o personagem, o Cavaleiro da Triste Figura, Dom Quixote leva dentro dele sentimentos tão díspares quanto a ingenuidade e a convicção, quanto o sonho e a realidade e quanto a sensatez e a ousadia ou até a loucura. Esses valores contraditórios ou aparentemente contraditórios representam e são reflexos da condição humana e sobre tudo daqueles que vêem o mundo não apenas como um local de passagem, mas como um local para ser vivido e sobretudo para ser vivido buscando a transformação. Para mim, o Dom Quixote tem um peso especial, pois na operação Bandeirantes, na primeira vez que recebi a visita do meu pai, vinte dias depois de preso, ele me levou dois livros: um deles era “Casa Grande e Senzala” de Gilberto Freire e o outro era “Dom Quixote” de Miguel de Cervantes. Esses dois livros ficaram na memória não somente pelo momento sui generis da sua leitura, mas sobretudo por alguns significados que eles puderam me dar. A Caixa Econômica Federal e eu nos sentimos honrados de fazer parte da confraria Dom Quixote, recebendo este prêmio. A Caixa é uma empresa pública singular que tem 144 anos e suas ações são tão complexas e múltiplas como complexo é o nosso país. É uma instituição que vê o Brasil, que participa das mudanças de seu tempo e continua lutando por um país melhor. Nesse sentido é que nos sentimos honrados por estarmos juntos com todos os senhores.

Ives Gandra recebendo o troféu de Cecília Marcondes.

Armando Laudório recebendo o troféu de Saulo Ramos.

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TrofÈu

Dom Quixote Ives Gandra Martins Aproveitando a expressão do meu colega de turma Cláudio Lembo que retirou da obra de Cervantes e de sua biografia texto para falar da compreensão de Cervantes sobre a liberdade, a cidadania e a democracia, que representam, de rigor, a razão de ser da Revista Justiça & Cidadania, e da luta que efetivamente trava, no momento atual em prol do Brasil, nós acreditamos e batalhamos por ideais. Indiscutivelmente o maior dom que existe, na democracia, é a liberdade. Lembrome da obra de Kant, onde declarava que apesar da França viver o maior banho de sangue da sua historia, durante a revolução francesa, o simples fato de os pensadores que levaram à eclosão do movimento, terem lançado os princípios da liberdade, igualdade e fraternidade, aqueles princípios permaneceriam no tempo, muito além dos homens que fizeram a revolução, e que não imaginavam a extensão das idéias que defenderam. Kant era contemporâneo da revolução francesa e considerava a liberdade de tal envergadura, a ponto de, na defesa da “paz perpetua”, pretender que, no dia que todos os países fossem repúblicas, lutando contra as monarquias absolutas, nos teríamos a autêntica democracia, e Kant falava em República como sinônimo de Democracia. A busca da liberdade exteriorizaria, então, o verdadeiro sentido de integração dos povos, que lutassem e conseguissem governos republicanos, não conheceriam mais, nem a injustiça, nem as guerras, pois dizia Kant, nenhum povo deseja guerra, nenhum povo deseja injustiça e no dia em que o povo dominar os governos e os governos forem repúblicas nos teremos a paz perpétua. Ora, a liberdade de que Cervantes -e, aliás, muitos autores da idade média quando escreveram sobre os ideais da cavalariaprocurou mostrar, foi de que esses ideais residiam na busca de valores superiores àqueles que vivenciavam os próprios seres humanos, a época difícil da idade média. E em Cervantes, de cuja obra maior comemoramos os quatrocentos anos, o que se verificava é que está dentro do ser humano, o inconformismo com a injustiça, com a falta de liberdade, com as ditaduras, com tudo aquilo que, de certa forma, indignifica-o. Essa é a razão pela qual em todas as épocas, mesmo nos piores períodos de monarquias absolutas, de ditadura como a que vivemos no século passado, e inclusive de ditadura sanguinárias que existem em todos os momentos, alguns homens, algumas pessoas, alguns intelectuais ou idealistas que continuam lutando pelos valores maiores da humanidade, constituem o porvir de tempos melhores. E o que me impressiona em Orpheu, o fundador de nossa Confraria, que tem uma revista que cujo título representa tudo o que pretende, que é “Justiça e Cidadania”, porque não há justiça sem cidadania e nem cidadania sem justiça, e que criou uma Confraria de idealistas, a semelhança de Dom Quixote, idealistas que, muitas vezes, estão além de sua época, e, muitas vezes, vivem de utopias. Se

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os senhores, todavia, examinarem a história, vão verificar que aqueles que defenderam utopias são lembrados até hoje. Platão na República, Campanela, Thomas Moore o idealizador daquela cidade-ilha maravilhosa, em que os homens tinham ideais superiores aos da humanidade, a ponto de não desejarem riquezas, por que viviam outros bens morais e intelectuais maiores. Se nós analisarmos, esses todos são lembrados, enquanto aqueles que lutavam apenas pelo poder, pelo sexo, pelo dinheiro, aqueles que lutaram por valores temporais que desaparecem, estes a história desconheceu. O que nós temos, em nossa Confraria, essa extraordinária Confraria idealizada por Orpheu, é exatamente criar um núcleo de pessoas que vivem além de sua época, de pessoas que podem viver momentos difíceis, mas que não tiram os olhares das estrelas, daqueles que podem ter o pé no barro do mundo, em que o terrorismo, a incompreensão dos povos, as tentativas de retorno às ditaduras e às tiranias, a limitação de direitos fundamentais, inclusive no Brasil, são riscos evidentes, mas que não perdem a visualização das estrelas, dos espaços siderais, dos sonhos e dos ideais. Nós, nesta Confraria, temos a certeza absoluta, somos um pequeno núcleo de confreiras e confrades que, acreditam em ideais superiores e sabemos -e Orpheu é o nosso fundador, é aquele que idealizou esse momento e esse movimento- que na medida que lutarmos e continuarmos acreditando em nossos ideais, tudo passará, menos os nossos sonhos, e mesmo que vivamos um momento de profunda perplexidade no país, em que não sabemos se os direitos continuarão a ser respeitados, quais serão as vertentes futuras, em que as medidas provisórias prevalecem sobre as leis e que somos surpreendidos a todo o momento pela superação dos órgãos representativos da sociedade por dois, três ou quatro “iluminados sem iluminação” que definem nossos destinos, nós continuamos acreditando no futuro e em nossas metas superiores. Nunca desistiremos, porque a ponte entre o presente e o futuro se faz exclusivamente por aqueles que acreditam em tais objetivos superiores, e nós, e vejo aqui meu amigo Bertelli, presidente da Academia Paulista de História, temos consciência que, muitas vezes, sentimos a aproximação de crepúsculos, mas estamos convencidos que nesta casa, como confrades, confreiras e amigos da ordem de Dom Quixote, nós, apesar dos crepúsculos, que vivemos, seremos sempre uns colecionadores de alvoradas.


Saulo Ramos Em março temos essa tendência de falar dos idos... nos idos de março. Shakespeare não foi concorrente de Cervantes, e também não é pecado nenhum invocá-lo. Neste ano lembramos de Cervantes e dos quatrocentos anos da obra Dom Quixote. É uma eternidade de tempo, mas acho que a humanidade vai precisar de mais quatrocentos anos até que o trecho sobre a liberdade citado pelo professor Cláudio Lembo seja digerido pela alma de todos. Como disse uma vez um filósofo: “Defender a humanidade é fácil, difícil é defender o ser humano”. E nos idos de março, comemoramos os cem anos do 14 Bis de Santos Dummont; os 180 anos da descoberta do processo Braile de leitura; e hoje, 14 de março, faz exatamente 20 anos que houve aquela celeuma em que o Brasil recuperou a democracia e a celeuma da posse do vice-presidente, pois o presidente estava no hospital. Aproveito para contar uma história: na década de 60 fui incumbido de lançar um candidato a prefeito em Santos pelo presidente Jânio Quadros, de quem fui oficial de gabinete, e escolhemos o meu muito amigo Mário Covas, o Zuza; acabamos perdendo, ficando em segundo lugar. O prefeito vitorioso acabou por falecer antes da posse. Fomos então ao Judiciário discutir a respeito de outra eleição, pois o vice em

nossa opinião não deveria tomar posse. Foi decidido pelo TSE que o vice tem direito autônomo, já que era eleito não só para suceder, mas para ocupar a vaga se a mesma existisse. Conformamo-nos com a lição judiciária e aprendemos, já que éramos jovens. Então, passados 25 anos, neste dia 14 de março de 1985, estava eu em casa preparando um jantar para festejar a democracia (afinal depois de 21 anos o Brasil respirava liberdade), quando chegou o Zequinha Sarney para me buscar, pois seu pai solicitava minha ajuda já que não queriam empossá-lo porque o presidente Tancredo Neves encontrava-se no hospital. Não poderia assumir o vice porque o titular não foi empossado. E, segundo ele, quem estava sustentando isso era justamente Mário Covas. Liguei imediatamente para o Zuza e ele com aquela voz rouca: “Você me desculpa, Saulo. Sei que é amigo do Sarney, mas sem o titular assumir, o vice não pode ser empossado”. “Só é preciso lembrar...”, disse a ele, “que sou também seu amigo e já existe uma jurisprudência, inclusive sobre essa questão da posse do vice, defendida pelo TSE que garante esse direito”. Ele acabou se lembrando do fato ocorrido 25 anos antes em Santos e me disse: “Meu Deus, vou acabar com este negócio”. No dia seguinte, felizmente, o Brasil deu início aos seus, hoje 20, anos de democracia. Hoje gostaria de fazê-los quixotescamente lembrar deste período. Participei de tudo isso na minha vida jurídica sempre como advogado de defesa, e por tal, não posso ver nenhuma acusação sem resposta. Hoje acusaram o José Mindlin duas vezes de idoso e de talvez possuir a primeira edição de Dom Quixote. Devo dizer, que aqui entre nós, na confraria Dom Quixote o mais iluminado é ele que tem todas essas alvoradas de liberdade porque é o maior bibliófilo do mundo e está na nossa confraria. Sendo assim, tenho cumprida mais uma vez minha missão de advogado de defesa.

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TrofÈu

Dom Quixote Cláudio Lembo É um grande privilégio receber o troféu Dom Quixote. Confesso-lhes que leio Dom Quixote, não continuadamente, mas por espaços físicos e geográficos da obra que é tão maravilhosa. Sabem os senhores que Cervantes foi um lutador pela causa do Ocidente, pelo Cristianismo, e no entanto sofreu na batalha contra os turcos a perda até física de órgãos. Ele sabia o custo da luta e acima de tudo do cárcere porque foi preso pelos turcos e levado para Argel onde ficou durante cinco anos preso. Só foi libertado graças ao grande esforço de padres e militares que pagaram 500 escudos para sua libertação. Portanto, ele conhecia muito bem o valor da liberdade. Há um trecho do livro, que muito me emociona, onde Sancho pergunta a Quixote, que o tem o hábito notável do diálogo, o que é a liberdade, e Dom Quixote responde com muita clareza: “Sancho, liberdade é algo que tem um valor

imenso. A liberdade tem mais valor que todas as riquezas que estão debaixo da terra e debaixo do mar. Ah, Sancho, só quem perdeu a liberdade sabe o valor da liberdade”. É um trecho extremamente bonito, sensível, rico porque demonstra exatamente as liberdades individuais, e hoje a liberdade faz parte dos direitos fundamentais, que foram pregados pelos liberais, objeto de tantas lutas. Daí, fico realmente muito feliz em receber o troféu Dom Quixote e agradeço de uma maneira muito sensível à revista Justiça & Cidadania e à confraria Dom Quixote pela beleza da escultura que recebo que representa esse homem de tantos ideais, que ao voltar no fim da vida à lucidez, vê que é melhor ser louco. Porque a vida é tão difícil e tão conflituosa que só com visões e sonhos é que podemos superá-la.

Ana Maria Pimentel A tristeza pode uma pessoa suportá-la só, mas para estar alegre são necessárias pelo menos duas pessoas. A confraria Dom Quixote juntou muito mais que duas pessoas e entre elas seis desembargadores dessa corte que dividem conosco a distinção de receber o troféu Dom Quixote, honraria que traz 24 • JUSTIÇA & CIDADANIA • ABRIL 2005

ínsita a convivência entre o imaginário e o real, elementos que se harmonizam na transformação do sonho em fato. A confraria sonha e age. O Judiciário sonha em, preservando sua liberdade, agir para bem servir o povo brasileiro. Essa confraria tem identidade de pensar, mas o mesmo trecho que destaquei de Dom Quixote foi também mencionado por Claudio Lembo, Ives Gandra e Ministro Saulo Ramos: “A liberdade, Sancho, é um dos mais preciosos dons que os céus deram aos homens. Com ela não se pode igualar os tesouros que a terra encerra ou o mar encobre. Pela liberdade, assim como pela honra, pode-se e deve-se arriscar a vida.” Estes juízes livres para desempenharem suas funções são cativos do dever de gratidão do ensinamento também de Cervantes. A pessoa agradecida aos que lhe fizeram bem dá indício de que também o será a Deus, que tantos bens lhe fez e continuamente lhe faz. Grata ao Senhor Orpheu Santos Salles, editor da revista Justiça & Cidadania por este momento. Grata a todos. Por tudo, obrigada.

Zulaiê Cobra O professor Ives Gandra, que me conhece muitíssimo bem, sabe que nasci Dom Quixote, desde que vim ao mundo sempre fui um Dom Quixote, de saias. Gosto muito deste prêmio que me deixa fez profundamente honrada. Essa estatueta vai fazer parte da minha vida, que está no crepúsculo também. Quanto mais velho ficamos, melhores somos. O professor Miguel Reale é um baluarte eterno. Nesta mesa e nesta sala temos muitos Dons Quixotes. Quando comecei a reforma do Judiciário na Câmara dos Deputados em 1995, enfrentei muitas dificuldades. Hoje a emenda 45, que poderia se chamar Emenda Zulaiê (o que seria muito bom), que foi promulgada no dia 08 de dezembro de 2004 pelo Presidente da República, é para mim um orgulho muito grande. Tivemos grandes brigas, mas temos agora uma reforma possível do Judiciário; não é a melhor ainda, mas vamos chegar lá. Sinto-me muito feliz por participar dessa confraria. Muito obrigada.


No futuro, uma legião de mendigos Arnaldo Campello Carpinteiro Péres Desembargador

O

governo federal continua massacrando os idosos. Não tem jeito. Mas, enquanto me permitirem ocupar este espaço, vou continuar com estas mal traçadas linhas sempre protestando contra todas essas iniqüidades. Desculpem, vocês podem até me achar insistente, mas não posso concordar com o arbítrio e as injustiças dos poderosos. Claro, o meu protesto de nada adiantará, mas pelo menos fica o registro público da indignação de um humilde cidadão brasileiro. Na semana passada, por exemplo, o governo anunciou mais um pacote de medidas para a Previdência que tem como objetivo, segundo afirma, diminuir o seu déficit, combater a sonegação e ampliar a base de contribuição. Entre as principais medidas divulgadas pelo novo ministro está a mudança na concessão do auxílio-doença, baixando em média 40% do valor do benefício. A idéia é reduzir o número dessas concessões, aumentando o prazo de carência para 12 meses. Parece que o recém-empossado ministro da Previdência pretende solucionar parte dos problemas de caixa do órgão por decreto. Como? Resolveu simplesmente diminuir os gastos do Ministério, deixando de atender a graves situações sociais. Afinal, há de se perguntar quem dará cobertura aos milhões de brasileiros doentes que ficarão sem assistência médica antes de completar um ano de contribuição? Que existe déficit na Previdência, isto todo mundo sabe. Agora, convenhamos, adotar medidas para cobrir esse rombo, atingindo somente a parcela mais indefesa da população, além de injusto é desumano, principalmente quando se sabe que o Ministério sempre foi palco de corrupção, fraudes e desvios de verbas. A propósito, conforme matéria divulgada na revista “Conjuntura Econômica” da Fundação Getúlio Vargas, ao longo dos últimos 40 anos mais de 45 bilhões de dólares

foram desviados do caixa da Previdência e destinados a obras faraônicas, como a própria construção de Brasília, a ponte Rio-Niterói, a Tranzamazônica, entre tantas outras. E mais, segundo dados oficiais, de cada duas empresas fiscalizadas, durante o ano, praticamente uma está em débito. Além disso, números recentemente divulgados demonstram que a dívida do governo junto ao órgão alcança a cifra de R$ 400 bilhões, sendo que a dívida ativa chega a R$ 70 bilhões. Assim, diante desses dados, não se pode concordar que o rombo da Previdência Social tem como causa apenas os trabalhadores e aposentados. Portanto, como se vê, o Executivo, ao invés de combater os reais motivos da insolvência da Previdência -a escandalosa sonegação de tributos e de contribuições previdenciárias, os desvios de recursos públicos e sua má gestão, os débitos do próprio governo-, procura imputar aos menos favorecidos a responsabilidade por todo esse descalabro administrativo. Na verdade, o mais lamentável nisso tudo é constatar que os atuais dirigentes do país, esquecendo toda uma trajetória de lutas em defesa das causas sociais, estejam hoje retirando esses direitos conquistados pelos assalariados depois de muitos anos de batalha. Direitos, aliás, que eles mesmos tanto defenderam no passado e agora no poder praticam uma política neoliberal perversa, que está levando a classe média ao empobrecimento e fazendo aposentados, no futuro, uma legião de mendigos. O neoliberalismo, em longo prazo, pode até trazer benefícios ao país, mas certamente a um custo social elevadíssimo, com o aumento brutal da taxa de desemprego, da recessão e da miséria.

Arnaldo Péres é Presidente do Tribunal de Justiça do Estado do Amazonas 2005 ABRIL • JUSTIÇA & CIDADANIA • 25


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A LUTA PELO PODER Ives Gandra Martins Advogado

C

arl Schmitt, em seu “Conceito do político”, formula teoria das oposições, defendendo a tese de que a Ciência Política é conformada pela oposição entre o amigo e o inimigo. O poder se justifica por si mesmo e, sem citar, confirma os versos de Rotrou, de que todos os crimes são belos, se o trono é o preço “tous les crimes sont beaux dont un trône est le prix”. Nenhum partido personifica melhor a teoria Schmittiana do que o PT. Na oposição, defendia a ética política, atacava o fisiologismo, censurava o empreguismo dos amigos dos detentores do poder, exaltava a austeridade fiscal, enaltecia a competência administrativa e apregoava a justiça comutativa e social como seus grandes objetivos políticos,

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“(...) para o PT, Schmitt tinha razão, a Política é a arte que opõe o amigo ao inimigo, e o PT sabe quem são os amigos e a quem atribui o estigma de inimigos.”

sem deixar de respeitar a lei, ao ponto de acionar permanentemente o STF e o Ministério Público para atingir a todos os administradores públicos que transigiam com a legalidade ou se beneficiavam dos cargos públicos. No governo, não só esqueceu o que diziam, como suplantou a todos os governos anteriores, em qualquer destes aspectos. Ética é palavra incômoda, como se percebeu na luta para evitar a CPI do caso Waldomiro; para excluir os nomes dos amigos do rei e incluir os inimigos, na patética CPI do Banestado; para arquivar o processo contra a irresponsabilidade da fala presidencial, de que teria escondido crimes ocorridos no governo anterior – ou o presidente é mentiroso ou é protetor de peculatos -, ou mesmo

na luta para que não se esclareça em profundidade o caso Celso Daniel. No fisiologismo, dá o PT “shows” da arte maquiavélica de governar, pois aceita qualquer tipo de acordo com qualquer tipo de partido, independente da ideologia, para manter o trono. Os historiadores futuros – e sugeri aos meus confrades da Academia Paulista de História e do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo que comecem a colher dados para facilitar a reflexão, no porvir, de nossos sucessores sobre o período Lula- terão farto material comparativo para julgar a era petista. As reformulações, conformações e reestruturações ministeriais são a inequívoca prova de que o fisiologismo é o objetivo maior do partido para manter, enquanto o Brasil for uma democracia, o PT no poder.

O empreguismo é dramático. Enquanto FHC conseguiu - segundo Suely Campos, em seu artigo para o Estado “A farra do boi começou”, em 13/03/04- reduzir em 180 mil o número de funcionários, o governo Lula contratou 45.580, quase todos em função de sua preferência ideológica e não por merecimento e competência. A austeridade fiscal não tem, no presidente, o melhor exemplo. O caríssimo avião comprado por 57 milhões de dólares para ficar no chão – poucas vezes é utilizado - com dispendiosa manutenção; os cartões de crédito, que, por segurança nacional, não têm os gastos revelados, mas que são fartamente utilizados pelos amigos do poder e pagos pelos contribuintes (o limite parece ser de 350.000 reais para 39 membros do Executivo 2005 ABRIL • JUSTIÇA & CIDADANIA • 29


e 1 milhão para o Presidente), a contaminação de outros Poderes com o vírus de gastos desnecessários e desproporcionais, como ocorreu na compra de 33 ômegas, por um dos Tribunais, para uso pessoal de seus membros, e muitas outras formas de desperdiçar o dinheiro público são as notas dominantes do governo. A competência administrativa não é o forte. A grande maioria dos que foram agregados ao poder não tem qualificação profissional adequada. O fato terminou atingindo, inclusive, a própria Universidade, com promessa de notável perda de qualidade na pesquisa científica, pela inclusão de favorecidos menos qualificados, e a exclusão dos mais qualificados, que são discriminados pelos projetos do MEC. Ao violentar o art. 3º da Constituição, que não permite qualquer tipo de discriminação, o MEC criou, como disse “O Estado de S. Paulo”, a “exclusão dos incluídos” ou, melhor dizendo, a “exclusão dos competentes” pela “inclusão dos incompetentes”. Em outras palavras, no Brasil, a Ciência não se faz pelo mérito, mas por ideológico assistencialismo. É uma espécie de “meritocracia às avessas”.

Em matéria econômica, graças à explosão mundial, o Brasil cresce, mas cresce, dramaticamente, menos que seus concorrentes emergentes mais próximos. Enquanto crescemos 5,2%, em 2004, a Índia cresceu 8,2%, a Rússia 8,6% e a China 9,6%. Somos, de longe, o pior dos grandes países emergentes, por força de três causas principais: burocracia inchada e ineficiente, juros excessivos e carga tributária indecente. Por fim, como dizia Miguel Reale, em artigo para “O Estado de S. Paulo”, no dia 12/03/2005, a teoria gramsciana começa a ficar nítida e descoberta para o país, na prática política, ao financiar movimentos de terroristas no campo, que degradam a lei, desmoralizam as autoridades constituídas e invadem terras públicas e privadas com prévio aviso, além de seus integrantes se outorgarem o direito de assassinar e torturar pessoas, como ocorreu com os policiais de Pernambuco. Almejam uma ditadura marxista semelhante à do genocida Fidel Castro, que, sem julgamento, no início de seu governo, assassinou milhares de pessoas nos trágicos “paredons” e recentemente não hesitou em voltar a esses métodos.

“No fisiologismo, dá o PT “shows” da arte maquiavélica de governar, pois aceita qualquer tipo de acordo com qualquer tipo de partido, independente da ideologia, para manter o trono.”

Professor Emérito das universidades Mackenzie, UNIFMU e da Escola de Comando e Estado Maior do Exército e Membro do Conselho Editorial.

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Não sem razão –tendo em vista a ideologia que sempre acalentaramas autoridades governamentais prestam ao ditador cubano reverência permanente, visitando-o no país insular, lutando para que seus médicos, menos preparados, ingressem no Brasil com “status” de médicos muito mais qualificados- e, o que é pior, permitindo que os nossos agentes de inteligência aprendam com os cubanos como investigar a vida dos cidadãos, país cuja escola de investigação foi formada no melhor estilo da KGB. Estou convencido de que o PT, no Poder, deseja o Poder pelo Poder. E que, nada obstante, individualmente, cada um de seus líderes -que conheço pessoalmente e com que mantenho relações cordiais- continuem sendo pessoas agradáveis, desejam implantar uma ditadura sindicalista, idealizada pelos amigos e correligionários, com limitação de todos os direitos possíveis de seus opositores, embora não tenham sido eleitos para isso. É que afinal, para o PT, Schmitt tinha razão, a Política é a arte que opõe o amigo ao inimigo, e o PT sabe quem são os amigos e a quem atribui o estigma de inimigos.


Mesmo erro, velhos Argumentos

Delfim Netto Deputado Federal

É

inadmissível que não tenhamos aprendido nada com a repetição dos desastres produzidos no Brasil nas duas últimas décadas do século passado quando deixamos de dar suporte ao setor exportador. Estamos incorrendo nos mesmos equívocos das políticas de câmbio de 1986/1992/1994, esquecendo as dramáticas conseqüências da valorização cambial não apenas para a balança comercial, mas principalmente para a continuidade do crescimento econômico e do emprego. Foi a reação das exportações brasileiras a partir da desvalorização cambial de 1999, que reduziu a vulnerabilidade externa e permitiu esse início de retomada do desenvolvimento e da oferta de emprego em 2004. Esta recuperação esta sendo lentamente solapada enquanto o governo se recusa a admitir o erro, apesar dos sinais de desânimo emitidos pelo setor exportador. E utiliza os mesmos argumentos que no passado nos levam ao desastre: “a taxa de câmbio está correta porque continuamos com saldo comercial e até aumentamos nossa participação no comércio mundial”. É evidente que não existe reação instantânea entre o valor das exportações e a taxa de câmbio, mas o que não se percebe é que a valorização exagerada do real vai corroendo a taxa de crescimento físico das exportações. Mais grave, já está produzindo uma lenta devastação no ânimo dos empreendedores, desestimulando o ingresso de

novos exportadores, principalmente os pequenos que têm menos capacidade de colocar em risco o capital inicial que as exportações envolvem. O dinamismo exportador só se sustenta quando há o ingresso continuado de novas empresas e empresários. A experiência mundial - e também a brasileira - mostra que o volume da exportação (não o valor, que depende dos preços) está ligado ao crescimento constante de empreendedores que diversificam não apenas a natureza do produto exportado mas também o seu destino. É igualmente demonstrável a correlação que existe entre as exportações em anos sucessivos: tudo se passa como se as exportações de 2005 fossem determinadas pelas de 2004, o que mostra as estreitas ligações entre elas, produzidas pelos contratos, pelos hábitos e pelo conhecimento do parceiro externo e sua confiança nos suprimentos. É um encadeamento que não pode ser interrompido. Depois das enormes trombadas que o Brasil levou com os congelamentos do câmbio nos planos Cruzado e Collor e com a sobrevalorização nos quatro primeiros anos do plano Real que resultou na enorme dívida e no aumento da vulnerabilidade externa, é realmente inadmissível repetir a dose. Não podemos nos enganar: estamos no alto do tobogã e o piso lá embaixo não é dos melhores. Não consigo acreditar que o governo vai esperar o final da queda para então reagir. 2005 ABRIL • JUSTIÇA & CIDADANIA • 31


Enfim, o novo diploma falimentar brasileiro

- Lei nº 11.101, de 9 de fevereiro de 2005* -

Newton De Lucca Desembargador Federal do TRF-3ª Região

A

patética tentativa de mesclar a Poesia com o Direito em minha vida deu os resultados mais desastrosos que se podia imaginar... Pensava eu, na mais loira inocência de meu ser criança - para usar, ironicamente, um verso já de há muito ultrapassado -, que essa aproximação não apenas seria plenamente possível, como até mesmo filosoficamente desejável... Tratava-se, no entanto, de uma errônea suposição... Parece que Direito e Poesia nunca teriam andado tão distantes entre si como em nossa época, assim como os homens da Ciência Jurídica (não obstante as aparências em sentido contrário, provocadas por arroubos inevitáveis da vaidade humana), possuem poucas afinidades com o artesanato da expressão poética... Malgrado tais considerações, reconheço ter sido uma espécie de reincidente específico, em termos de Direito Penal, voltando a praticar, de forma contumaz, o meu delito de sempre... Resta-me o consolo, é claro, de não termos chegado, ainda, ao extremo exagero de considerá-lo hediondo, na tipificação penal dessa conduta indecente, como se fosse crível supor a existência de algum crime que não contivesse em si mesmo algo de repulsivo ou pavoroso... Servem tais considerações para justificar a razão pela qual tento iniciar esta minha introdução de forma surpreendentemente poética. Ao buscar na memória algo que pudesse refletir aquele sentimento de desencanto que acompanha naturalmente os sonhadores, que vêem suas esperanças frustrarem-se melancolicamente no dia-a-dia, esmigalhadas pelo triunfo inevitável do embuste, vieram-me à mente, como que guiados por uma determinação invisível, aqueles versos inolvidáveis de Raul de Leoni, constantes do soneto intitulado Legenda dos Dias. Ei-lo: O Homem desperta e sai cada alvorada Para o acaso das coisas... e, à saída, Leva uma crença vaga, indefinida,

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De achar o Ideal nalguma encruzilhada... As horas morrem sobre as horas... Nada! E ao Poente, o Homem, com a sombra recolhida, Volta, pensando: “Se o Ideal da Vida Não veio hoje, virá na outra jornada...” Ontem, hoje, amanhã, depois, e, assim, Mais ele avança, mais distante é o fim, Mais se afasta o horizonte pela esfera; E a Vida passa... efêmera e vazia: Um adiamento eterno que se espera, Numa eterna esperança que se adia... Dir-se-á - provavelmente mais uma vez - que me terei deixado levar por emoções pessoais impertinentes... Nada parece ser mais antipoético, a princípio, do que a matéria falimentar. Afinal de contas, cuida ela de uma patologia da atividade economicamente organizada para a produção ou circulação de bens e de serviços, de algo que ocorreu de forma anômala ao que fora originalmente previsto por quem se propusera ao exercício da atividade empresarial, sendo a idéia de morte quase inseparável da mesma... Minha decepção com a matéria, por razões várias e evidentes, não poderia ser mais indisfarçável. Durante décadas de jurisdocência na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, vivi a repetir aos alunos e alunas o estado lastimável da disciplina falimentar, entre nós, e os anseios de todos os professores do Departamento de Direito Comercial da Casa por uma legislação mais consentânea com a realidade contemporânea. Esforçava-me sempre para não deixar transparecer a eles a minha amarga decepção com as sucessivas e malogradas tentativas de uma reforma de nossa legislação falimentar, das quais sempre procurei participar, na medida de minhas limitações, com o máximo entusiasmo, como se fora um D. Quixote enlouquecido de esperança. Dizia-lhes, então, que o


Decreto-Lei 7.661, de 21 de junho de 1945, já estava com os dias contados, pois adiantados se achavam os estudos para a elaboração de um novo diploma legal sobre a matéria. Recordo-me, com muitas saudades, de um curso de pósgraduação sobre Direito Processual Falimentar, de caráter interdepartamental, envolvendo os Departamentos de Direito Processual e Direito Comercial da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, organizado pelo Eminente Prof. Cândido Rangel Dinamarco, em maio de 1993, com a minha modesta ajuda.1 Nele pudemos contar com a intensa participação do Professor Edoardo Ricci, da Universidade de Milão, proferindo várias palestras na Sala da Congregação, na qual levamos - o Prof. Cândido Dinamarco e eu - os nossos alunos e alunas da época. O entusiasmo de todos pelos ensinamentos do citado professor foi deveras invulgar.2 Discorrendo com notória proficiência sobre o moderno direito falimentar italiano, em especial sobre a chamada Legge Prodi, disciplinadora da administração extraordinária das grandes empresas em crise, foi possível perceber a extrema dificuldade de lidar-se com a matéria falimentar, mas, ao mesmo tempo, revelava-se, de forma cada vez mais evidente, a insuficiência de nosso velho Decreto-Lei 7.661 para resolver adequadamente os problemas causados pelas grandes empresas em crise. E multiplicavam-se, entre nós, os estudos sobre a matéria e as tentativas de levar adiante os projetos de reforma. Por razões que a própria Razão desconhece – como haveria de dizer Pascal, no alto de sua sabedoria –, porém, os numerosos anteprojetos visando à reforma da lei falimentar brasileira terminavam dando em água de barrela, como se diz popularmente... Todos os anos, diante dos alunos e alunas, repetia eu a mesma cantilena de sempre, desmanchando-me em explicações sobre a dúvida atroz que então se perenizara, após tanto tempo de espera inútil: estudar as tendências do direito falimentar contemporâneo, fundado na esperança de um novo texto legal que já era mais do que iminente ou, já descrente de tudo e de mim mesmo, após o adiamento eterno de que nos falara o poeta, continuar seguindo à risca os ditames do direito vigente desde 1945?... Parece agora que, finalmente, essa história chega ao fim. Por mais inacreditável que possa parecer, foi dada à estampa, em edição extra do Diário Oficial da União do dia 9 de fevereiro de 2005, a Lei nº 11.101, nessa mesma data sancionada, reformando o combalido – e poder-se-ia mesmo dizer, em tom de blague, falido – direito falimentar brasileiro. Digo inacreditável porque, depois de numerosas iniciativas malogradas ao longo de tanto tempo, muito poucos poderiam ter certeza de que o velho Decreto-Lei nº 7.661, de 1945, pudesse ser substituído pelo Projeto de Lei nº 4.376/93, de autoria do Deputado Federal do Rio Grande do Sul, Dr. Osvaldo Biolchi, que já tramitava havia mais de 10 anos no Parlamento Nacional. Ninguém jamais pôs em dúvida o meritório esforço dos consagrados juristas nacionais que fizeram nascer aquele velho diploma. Com efeito, para a época em que veio a lume,

o anteprojeto então elaborado pela Comissão de Notáveis, presidida pelo Ministro interino da Justiça Dr. Alexandre Marcondes Filho – e composta pelos eminentes Profs. Canuto Mendes de Almeida, Filadelfo Azevedo, Hahnemann Guimarães, Luís Lopes Coelho, Noé Azevedo e Sylvio Marcondes –, significava grande avanço. Mas aquele texto envelhecera muito rapidamente em razão de vários fatores que serão mostrados a seguir. Assim, era natural que o clamor doutrinário no País – extremamente visível a partir da década de sessenta –, no sentido de que se fazia necessária a reforma de nosso direito falimentar, foi ganhando cada vez mais corpo, embora tenha se revelado absolutamente inócuo, por prolongado período. Nem poderia ser de outra forma. Nossa doutrina jurídica, em que pesem os grandes nomes que a engalanaram e a engrandecem até hoje, nunca teve o condão de influir decisivamente nos movimentos reformistas de qualquer espécie. Sempre foram outros interesses mais fortes, muito bem representados pelas oligarquias dominantes – ou bem pelo poderes político ou cultural detido por algumas figuras espicaçadas pelo demônio da vaidade – que impunham a permanência ou a mudança de uma determinada disciplina normativa. Mas a doutrina jamais logrou fazer isso... Mesmo agora – é necessário que se diga, a bem da verdade –, a nova lei não foi o resultado de uma reivindicação doutrinária, fruto dos candentes apelos oriundos dos mais expressivos juristas nacionais, mas sim uma opção feita pelos dirigentes da política econômica do governo Lula. Não fosse isso, a subsistência do Decreto-Lei 7.661/45, por mais alguns anos, 2005 ABRIL • JUSTIÇA & CIDADANIA • 33


seria absolutamente inevitável, consoante mostrou a nossa história mais recente, a despeito dos reclamos doutrinários em sentido contrário... Assim é que, já na década de 70, dissera o eminente Prof. Fábio Konder Comparato, com a propriedade de sempre: “O mínimo que se pode dizer nessa matéria é que o dualismo no qual se encerrou o nosso Direito Falimentar – proteger o interesse pessoal do devedor ou o interesse dos credores – não é de molde a propiciar soluções harmoniosas no plano geral da economia. O legislador parece desconhecer totalmente a realidade da empresa, como centro de múltiplos interesses – do empresário, dos empregados, dos sócios capitalistas, dos credores, do fisco, da região, do mercado em geral – desvinculando-se da pessoa do empresário. De nossa parte, consideramos que uma legislação moderna da falência deveria dar lugar à necessidade econômica da permanência da empresa. A vida econômica tem imperativos e dependências que o Direito não pode, nem deve, desconhecer. A continuidade e a permanência das empresas são um desses imperativos, por motivos de interesse tanto social, quanto econômico”.3 Igualmente o saudoso Prof. Rubens Requião, um dos paladinos maiores da reforma, numa conferência proferida no Instituto dos Advogados Brasileiros, no Rio de Janeiro, em 8 de março de 1974, destacara com idêntica precisão: “Muito mais que o Código Civil e do que o Código de Processo, tanto quanto, sem dúvida, o Código Penal e o Código de Processo Penal, se evidencia e se impõe a reforma da lei falimentar. A falência e a concordata, como institutos jurídicos afins, na denúncia de empresários e de juristas, se transformaram em nosso País, pela obsolescência de seus sistemas legais mais do que nunca, em instrumentos de perfídia e de fraude dos inescrupulosos. As autoridades permanecem, infelizmente, insensíveis a esse clamor, como se o País, em esplêndida explosão de sua atividade mercantil e capacidade empresarial não necessitasse de modernos e funcionais instrumentos e mecanismos legais e técnicos adequados à tutela do crédito, fator essencial para o seguro desenvolvimento econômico nacional.” E assim, continuará a viger, até o dia 9 de junho do corrente ano de 2005, o velho diploma normativo de 1945, calcado na figura do comerciante individual, inegavelmente meritório para a época em que foi editado, como já salientado,4 mas inteiramente anacrônico para a realidade econômica do presente, na qual o papel da empresa moderna veio preponderar de forma definitiva sobre aquele que fora desempenhado pelo antigo comerciante. Com efeito, ninguém que tivesse um mínimo de sintonia com a realidade da empresa – concebida como a atividade econômica organizada para a produção ou circulação de bens ou de serviços, tal como constara da definição do empresário no art. 2.082 do Código Civil italiano e como consta agora no art. 966 do nosso novo Código Civil de 20025 – poderia deixar de aplaudir o impulso reformista, fossem quais fossem as limitações e as eventuais impropriedades dos textos que já tramitaram no Congresso Nacional. Quero dizer, com tais considerações introdutórias, que 34 • JUSTIÇA & CIDADANIA • ABRIL 2005

o primeiro grande mérito do novo diploma legal que regula a recuperação judicial, a extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária, há de ser, com toda certeza – não obstante algumas de suas notáveis contradições –, a sua própria existência. A relevância do tema é deveras considerável, razão assistindo a Ascarelli, por certo, ao afirmar que “as normas sobre a insolvência do empresário comercial constituem um dos capítulos mais importantes do direito comercial.” 6 Antes de encerrar estas breves considerações introdutórias, desejo justificar a minha afirmação no sentido de que a primeira virtude da Lei nº 11.101/05 há de residir, sem dúvida, no próprio fato de sua existência. O instituto da falência é, na verdade, um dos mais importantes no âmbito do direito comercial, embora fosse exato dizer, com o nosso grande Carvalho de Mendonça,7 que ele extrapola os limites do direito mercantil, ainda que este tenha se tornado um direito empresarial, ultrapassando as nebulosas fronteiras do que se convencionou chamar de Direito Privado. Já em 1955, o gênio profético de Ascarelli houvera se apercebido da enorme defasagem dos vários institutos reguladores da crise econômica da empresa. No que se refere ao nosso Direito, as considerações do citado jurista não poderiam ser mais atuais e pertinentes. A influência marcadamente processualista de nossos institutos falimentares é por demais evidente e a ela não terão ficado imunes nem mesmo juristas pátrios de renome, tais como: Carvalho de Mendonça, Miranda Valverde e Pontes de Miranda. Referida doutrina brasileira foi muito influenciada pela visão de Salvatore Satta, um dos doutrinadores máximos da índole processual da falência na Itália. No prefácio de sua famosa obra, entretanto, denominada Diritto Fallimentare, esse ilustre autor iria revelar, mais tarde, que aquela concepção rigidamente processualista da falência – que, antes, com tanto ardor, houvera defendido – foi-lhe parecendo, com o tempo, não correspondente à realidade. Convenceu-se o grande jurista peninsular de que outros caminhos deveriam ser percorridos para o correto entendimento do instituto da falência, passando pelos seus fundamentos econômico-sociais e pela organização da sociedade em que o mesmo se insere. Era necessário, portanto, retomar os movimentos do conceito de empresa. São suas palavras: “Per capire il fallimento io mi sono convinto che bisogna percorrere altre strade, risalire ai fondamenti economicosociali dell’istituto, all’organizzazione della società in cui esso si inserisce: in una parola bisogna prendere le mosse dal concetto di impresa.” (grifos meus) Poder-se-ia dizer, com efeito, com apoio na doutrina dominante, que uma análise crítica do conteúdo do nosso Decreto-Lei nº 7.661, de 21/06/45, ainda que singela, leva às seguintes conclusões sobre esse velho diploma: 1ª) Não pôde ele refletir, em razão da época em que veio a lume, as conseqüências sócio-econômicas que o segundo conflito mundial provocou nas diversas economias do mundo; 2ª) Dirigiu-se fundamentalmente para o comerciante


individual, descurando, quase completamente, da importância da empresa, enquanto atividade economicamente organizada para a produção ou circulação de bens e de serviços; 3ª) Não fez, pelo mesmo motivo do momento histórico em que foi editado, a necessária distinção entre empresário e empresa. Estabelecendo um esquema repressivo em relação ao primeiro, trouxe conseqüências desastrosas para a segunda, enquanto instituição social, com múltiplos interesses a serem preservados. As disposições constantes dos arts. 140, inciso III e 111 do texto legal são suficientes para demonstrar, por si sós, a evidência de tal assertiva; 8 4ª) Voltou-se, excessivamente, para regular a situação obrigacional entre devedores e credores, exacerbando-se num processualismo tal que os formalismos estéreis e inconseqüentes culminaram por obnubilar quase que inteiramente a realidade econômica, de sorte que o próprio fim da lei – realização do direito dos credores – não logrou ser atingido; 5ª) Subsistiu, na Lei Falimentar brasileira, em conseqüência das concepções anteriores, uma finalidade liquidatório-solutória que é indisfarçável e que só deveria existir nos casos de completa inviabilidade da atividade empresarial. Exemplo: o sistema de impontualidade e não da insolvência (v. art. 1º e art. 11, § 2º). A jurisprudência afirmara, inocuamente, que o processo falimentar não se constitui em meio de cobrança, mas é assim que tem sido. É verdade que o critério da impontualidade continuou adotado pela nova lei em exame, mas de forma atenuada, minimizando o caráter típico de meio de cobrança atualmente existente. Ao fixar um valor mínimo para o requerimento da falência (40 salários mínimos, conforme o inciso I do art. 94) e propiciar que a falência não seja declarada caso o devedor apresente o

pedido de recuperação judicial no prazo da contestação (10 dias, segundo o art. 98), de acordo com o disposto no inciso VII do art. 96, supõe-se que o pedido de requerimento da falência venha a perder um pouco de seu poder coercitivo. Trata-se de meras conjecturas... O legislador terá sido um pouco tímido, infelizmente, nessa tentativa de coibir a utilização da falência como meio de cobrança ao permitir que os credores, nos termos do § 1º do art. 94 da nova lei, reúnam-se em litisconsórcio a fim de perfazer o limite mínimo para o pedido de falência com base na impontualidade do devedor. De toda sorte, parece que alguma melhora deverá ocorrer... 6ª) Subsistiram, igualmente, excessivos privilégios estabelecidos em favor do fisco, de tal sorte que nem mesmo os credores com garantia real sentem-se seguros no momento de concordarem com a concessão do crédito. A mudança ocorrida, nesse particular, foi substancial, com a inversão da posição entre os créditos com garantia real e os créditos tributários, passando estes a ocupar o terceiro lugar na ordem de classificação dos créditos, cedendo o segundo lugar para os chamados “créditos financeiros”, consoante os termos do art. 83 da nova Lei (incisos II e III). Todas essas circunstâncias, ainda que sumariamente expostas, parecem levar à conclusão de que a nova lei falimentar – independentemente de sua real motivação, e sejam quais forem as suas limitações – haverá de trazer muitos benefícios à sociedade brasileira.9 Dir-se-á, com razão, não se tratar da lei dos nossos sonhos... Não é, pelo menos, a dos meus sonhos... Mas ela está aí e será com ela que precisaremos trabalhar. Acertos e erros, afinal de contas, fazem parte de toda obra humana...

Notas Trecho extraído do capítulo introdutório de livro ainda inédito sobre a matéria. Em memorável discurso proferido no dia 11 de outubro de 2002, foi o êxito desse curso recordado pelo citado professor. Cf. Revista da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, vol. 98, 2003, edição comemorativa de 110 anos de publicações ininterruptas, p. 743. 2 Não obstante todos os percalços sofridos pelo sistema falimentar italiano, o Prof. Edoardo Ricci encantou a todos, fosse pelo entusiasmo com que discorria sobre o tema - mostrando que um professor autêntico nunca deixa de acreditar naquilo que leciona -, fosse pela demonstração da humildade necessária para todo jurista que se proponha a estudar em profundidade o direito falimentar. 3 Cf. Aspectos Jurídicos da Macro-Empresa, Ed. Revista dos Tribunais, São Paulo, 1970, p. 102. 4 Razão assistiu, por certo, ao então Ministro interino da Justiça Alexandre Marcondes Filho - em substituição ao Titular daquela Pasta, o Dr. Francisco Campos - ao afirmar, na Exposição de Motivos anexada ao texto do anteprojeto encaminhado ao Presidente da República (e que se converteria mais tarde no Decreto-Lei n° 7.661/45), estar certo de que, “decretando uma lei elaborada por grandes valores jurídicos e após um longo período de consulta a todos os interessados, Vossa Excelência prestará inestimável serviço à vida econômica do país”. Para a época em que foi editado, sem dúvida, terá prestado mesmo. 5 Não difere muito, igualmente, a noção de empresa fornecida pelo Decreto-Lei n° 132, de 23 de abril de 1993, editado em Portugal, sobre os processos especiais de recuperação da empresa e de falência, conforme se pode ver no art. 2° desse texto: “Considera-se empresa, para o efeito do disposto no presente diploma, toda a organização dos fatores de produção destinada ao exercício de qualquer atividade agrícola, comercial ou industrial ou de prestação de serviços”. 6 Cf. Corso di Diritto Commerciale, Milão, 1962, Giuffrè, p. 308. 7 Cf.Tratado de Direito Comercial Brasileiro, vol. 7, p. 60, Livraria Freitas Bastos S.A., 5ª edição, 1954, onde se lê: “Na verdade, o instituto da falência não se restringe aos domínios do direito comercial; penetra nos do direito público, do direito civil, do direito internacional público e privado, do direito criminal, do direito judiciário, em cada um dos quais vai buscar regras, preceitos e ensinamentos, tendo, muitas vezes, de modificá-los, a fim de adaptá-los ao grande meio de execução coletiva que trata de organizar. Inspira-se ainda, na ciência econômica, cujos fenômenos não lhe devem ser estranhos, na ciência financeira e na estatística, onde verifica a prova do resultado do seu funcionamento.” 8 Diz o inciso III do art. 140 do Dec.-Lei 7.661 não poder impetrar concordata o devedor condenado por crime falimentar, furto, roubo, apropriação indébita, estelionato e outras fraudes, concorrência desleal, falsidade, peculato, contrabando, crime contra o privilégio de invenção ou marcas de indústria e comércio e crime contra a economia popular. O art. 111 desse mesmo diploma, por seu turno, estabelece que o recebimento da denúncia ou da queixa terá como condão obstar, até sentença penal definitiva, a concordata suspensiva da falência. Nesses dois exemplos citados, portanto, a punição ao empresário acarreta, por via oblíqua, uma sanção para a própria empresa. E como salientado, com a costumeira propriedade, pelo eminente e saudoso Professor Nelson Abrão (Curso de Direito Falimentar, 5ª edição, 1997, p. 445): “Não há muita coerência num diploma que procura a responsabilização de ordem penal do empresário e de seus gerentes, uma vez que os delitos são estranhos à sorte da empresa, que deve seguir normalmente seu ritmo de atividade, provavelmente na diretriz de profissionais que exponham ao Juízo as dificuldades e o norte de eventual tendência recuperatória”. 9 Diz-nos a respeito o saudoso professor Nelson Abrão (idem, ibidem), que tanto contribuiu para que o Projeto de reforma de nosso direito falimentar não ficasse adstrito ao mesmo espírito e à mesma letra da lei vigente: “Destarte, a ‘communis opinio’, de modo geral, sem divagações, orientou-se favorável à radical alteração que norteia o diploma em vigor, retirando seu espírito excessivamente processualista, para dotá-lo de forma procedimental consentânea com a viabilidade econômica da empresa, e os planos que pretendem preservá-la, sem grandes saltos de qualidade, mas com logicidade e racionalidade indispensáveis aos organismos que atravessam períodos de crise”. *

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Precisamos de uma Reforma política Frederico Gueiros Desembargador Federal

O desembargador Frederico Gueiros assumiu a Presidencia do Tribunal Regional Federal da 2ª Região para um mandato de dois anos. Também foram empossados os desembragadores Carneiro Alvim como Vice-Presidente e Castro Aguiar como Corregedor Geral. “Precisamos de reforma política para permitir que a coleta de votos, tão brilhantemente aperfeiçoada no sistema eletrônico, possa ser o resultado verdadeiro da vontade do povo”, afirmou o novo presidente daquela corte em seu discurso.

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eria uma rematada tolice, não fosse uma vaidade infantil, deixar de manifestar minha emoção por ascender a tão alto e dignificante cargo de operador do Direito, que fui por toda minha vida. No plano profissional não sei se terei outra alegria e orgulho tão grande como o de presidir o TRF da 2ª Região para o biênio 2005/2007. Éramos quatorze, no início, quando, a duras penas, cumprindo a regra constitucional contida na Carta promulgada em outubro de 1988, instalamos esta Corte Federal de Justiça. E esta Corte, assim como as demais quatro co-irmãs, trazendo, naquela oportunidade, o Poder Judiciário para mais perto do jurisdicionado, somente foi possível, diga-se a bem da verdade, em razão de iniciativa objetiva e pronta do egrégio extinto Tribunal Federal de Recursos, à época sob a presidência do Ministro Evandro Gueiros Leite, e ainda do Eminente Jurista e Acadêmico Oscar Dias Corrêa, então Ministro da Justiça do Governo do Presidente José Sarney. Pode até parecer um saudosismo, mas não é, porquanto o nosso Tribunal, assim como os demais, estão no desabrochar de sua adolescência. No começo, engatinhávamos, os problemas eram de toda ordem e os mais diversos. Entretanto, harmonicamente, pudemos dialogar e, conseqüentemente, resolvê-los. E temos aqui hoje o TRF da 2ª Região, moderno em tecnologia e na produção de julgados dos mais avançados

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em matéria da construção de jurisprudência, vale dizer, do verdadeiro direito que se tira da abstração pura da lei. Quando, com vinte e quatro anos de exercício continuado de advocacia, aqui cheguei, mediante o permissivo constitucional que autoriza os advogados com mais de 10 anos de profissão e notório saber jurídico tornarem-se magistrados, o momento era de desafio e, para mim, muito instigante. Agora, como último dos componentes da Corte no seu início, tenho para mim que este mandato, que me foi outorgado à unanimidade pelos meus pares, é extremamente instigante no momento em que teremos, toda a Corte, que enfrentar algumas situações desafiadoras: a reforma do Poder Judiciário, consubstanciada na Emenda Constitucional 45; a reforma que nós, aqui nesta Casa, fizemos antes mesmo da Emenda 45, para especializá-la por matéria nos seus órgãos fracionários, assim melhorando e agilizando a prestação jurisdicional; e, ainda, o aumento desta Corte no número de seus membros, conforme iniciativa que já se encontra no âmbito do Conselho da Justiça Federal perante o STJ. Feitas estas considerações preambulares, gostaria de dizer aos senhores que, apesar de as citações nos discursos, em geral, virem no seu fecho, para mim, torna-se imperioso citar, desde logo, um dos maiores pensadores e jurista do último século, Norberto Bobbio. Lendo sua obra, sensibilizou-me especialmente este excerto: “Como sempre, não pretendo ter a última palavra. Isso não me agrada e não me dá nenhuma satisfação. Detesto


as discussões que não acabam nunca, motivadas apenas pelo prestígio, e não por uma necessidade de dialogar. Depois da troca de opiniões, procuro esforçar-me para evitar a ruptura e percorrer a via da conciliação. No fim, prefiro estender a mão a virar as costas. O objetivo do diálogo não é demonstrar quem é o melhor, mas chegar a um acordo, ou, pelo menos, clarear as idéias de ambas as partes. Já afirmei que não gosto de cultivar inimigos. Já tenho muito trabalho para solucionar os meus conflitos internos, tomar as medidas necessárias para não perder tempo, pouco prático que sou (seria um desastre se não fosse minha mulher), mesmo nas pequenas tarefas cotidianas, e afastar o risco de me afogar em um copo de água, para me dar ao luxo de cultivar inimigos vivos e ativos diante de mim, ou, pior, nas minhas costas.” Os Juízes Federais aqui presentes, mais antigos, da época em que fui Corregedor Geral deste Tribunal, devem lembrarse muito bem deste texto, que conduz os meus procedimentos, não só como magistrado, mas também, e sobretudo agora, como administrador desta Corte de Justiça. E continuando nas citações, valho-me do grande sociólogo Alain Touraine que na sua obra “Qu’est-ce que la démocracie?” (O Que É a Democracia) diz com meridiana clareza que “a democracia não nasce apenas do estado de direito, mas do apelo aos princípios éticos de liberdade e justiça, em nome da maioria sem poder e contra os interesses dominantes”. E continua: “a democracia não se reduz,

portanto, de forma alguma, aos procedimentos ou mesmo às instituições. Ela é a força social e política que se esforça para transformar o estado de direito num sentido que corresponda aos interesses dos dominados”. E, para mim, penso que nada é menos democrático que um movimento nutrido nos salões e protegido pelos grandes da corte. Vamos agora ao que temos no momento no Brasil: depois de muitos anos sem uma Constituição elaborada pelo povo brasileiro, constituímos poderes republicanos que vêm se desenvolvendo de forma razoável. Precisamos de reforma política, para permitir que a coleta dos votos, tão brilhantemente aperfeiçoada no sistema eletrônico, possa ser o resultado verdadeiro da vontade do povo. Teríamos, assim, um Legislativo representativo, na medida do possível. Por outro lado, um Executivo não mais imperial. E o Poder Judiciário saindo de sua clausura, para estar perto do jurisdicionado. Os senhores talvez possam dizer ou pensar que o novo presidente do TRF da 2ª Região é um utópico. Mas, sem uma vocação utópica, sem esperança e sem a determinada vontade de cumprir um sonho não teremos combustível para acionar o motor que nos levará a um certo e determinado lugar que, com certeza, é de passagem, porque sempre devemos perseguir o progresso e o futuro, abrigados nas lições da história e na vivência do presente. Poderia agora elencar uma série de situações e circunstâncias que entravam o Poder Judiciário, mas iria 2005 ABRIL • JUSTIÇA & CIDADANIA • 37


assustá-los, porque passaríamos toda esta tarde, e também a noite, citando providências legislativas que impedem a entrega da prestação jurisdicional, posturas da administração pública no plano executivo, de dificultar o acesso dos cidadãos às soluções administrativas, e os recursos processuais, usados de maneira abusiva. O Poder Judiciário tem sido muito atacado e, em certa parte, com razão, sobretudo pela sua demora na entrega da prestação jurisdicional, que decorre muitas vezes de fatores alheios à vontade dos magistrados, mas que, na verdade, a meu ver, demonstra o contrário do que é posto na mídia. Exatamente, neste aspecto, constata-se a confiança do cidadão na Justiça. Após a Constituição de 1988, como acima afirmei, começamos a ter uma razoável noção de cidadania, o que levou o povo brasileiro a pleitear perante o Estado-Juiz a solução do conflito que não lhe foi possível obter diretamente com aquele que lhe devia certa e determinada obrigação. Felizmente, temos agora, ainda que de forma modesta, e com pouco aparelhamento, os Juizados Especiais Federais que têm atendido, de maneira surpreendente, os pleitos dos cidadãos hipossuficientes e, até mesmo, da classe média, dado o limite de alçada de sessenta salários-mínimos estipulado para este novo rito processual, que permite uma rápida e pronta entrega da prestação jurisdicional. Sabe-se, inclusive, que já há uma preocupação do Executivo (equipe econômica) com relação ao andamento desses processos, que estão determinando, numa média de seis a doze meses, a obrigação para a satisfação do julgado, sem precatório, diretamente na boca do cofre. Temse notícia de que somente neste primeiro semestre, na capital do Estado do Rio de Janeiro, serão emitidas mais de vinte mil Requisições de Pequeno Valor. Mas, fora desta alçada dos Juizados Especiais, em sede de Justiça Federal, a execução do julgado, a entrega da prestação jurisdicional, é feita a partir de um procedimento que se acha no art. 100 da Constituição, altamente perverso, que são os precatórios. Aliás, desde 1988, já vinha formatado no

plano constitucional de modo muito cruel. Piorou com a Emenda 30 à Constituição. E agora temos mais: na legislação infraconstitucional o art. 19 da Lei nº 11.033/2004 determina que aquele que possuir título judicial a receber da União, dos Estados e Municípios - os ditos cruéis precatórios - deve se subordinar à apresentação de certidões negativas de eventuais débitos federais, estaduais ou municipais, pelo credor do título judicial, para receber aquilo que o Poder Judiciário lhe outorgou por sentença transitada em julgado. Esta regra já está sendo alvo de uma ação direta de inconstitucionalidade no âmbito do STF, e temos notícia de que a 5ª Turma do TRF da 3ª Região, em agravo de instrumento, reconheceu, através de sua relatora, Desembargadora Suzana Camargo, que esta exigência é um tipo de cobrança forçada de tributo, sabendo-se que a Fazenda tem meios adequados para efetuar cobranças que se encontram na lei de execuções fiscais. Mas, quando pedimos o aumento de nossas varas de execução fiscal e funcionários para a lotação adequada, tudo isso nos é negado em face das ditas precárias reservas orçamentárias. Para concluir, não posso deixar de citar, e assim voltando à ortodoxia do discurso, trecho da locução do eminente Presidente Valmir Peçanha quando aqui, há dois anos, tomou posse para desenvolver magnífica administração. Dizia S.Exa. naquela oportunidade: “A renovação do compromisso que há pouco fizemos leva à consideração de um comportamento ético por parte do magistrado. O comportamento antiético do juiz importa em transgressão das normas que regulam sua vida profissional. Segundo Fernando Bastos de Ávila, o exercício da profissão de juiz, seja dentro do quadro da magistratura judicial, seja em qualquer outra situação da vida exige profundo senso de justiça e eqüidade, perfeita sinceridade e espírito de serviço público. Requer tal função um constante comportamento ético, uma capacidade de romper com desvios fáceis, para trilhar os caminhos verdadeiros, mesmo com as dificuldades que estes possam representar.”

“O Poder Judiciário tem sido muito atacado e, em certa parte, com razão, sobretudo pela sua demora na entrega da prestação jurisdicional, que decorre muitas vezes de fatores alheios à vontade dos magistrados, mas que, na verdade, a meu ver, demonstra o contrário do que é posto na mídia”

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PRORROGAÇÃO DE PERMISSÕES DE SERVIÇOS PÚBLICOS: SERIA UMA NORMA DE EFEITO CONCRETO ? Maximino Gonçalves Fontes Neto Advogado

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tema atinente à chamada “prorrogação” de permissões de serviços públicos de transporte coletivo de passageiros tem despertado atenção, ante o número de representações por inconstitucionalidade de leis (municipais e uma no plano estadual), ajuizadas pelo Ministério Público perante o Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. Em duas delas (uma por unanimidade, outra por maioria), houve a declaração de inconstitucionalidade de dispositivos de leis municipais que mantiveram permissões, enquanto que, em três outros controles concentrados e abstratos de constitucionalidade, estes não foram conhecidos (uma por unanimidade, duas por maioria) por se reconhecer que, em tais hipóteses, se tratava de norma de efeito concreto, a tornar essa via inadequada, na linha do entendimento do STF. Percebe-se, aqui, que, somente no plano processual, esse tema já desperta, por si só, grande interesse para os operadores do direito, sendo que as últimas decisões do Órgão Especial são as três últimas mencionadas, levando a crer que houve mudança de orientação do mais alto Órgão colegiado do Tribunal de Justiça deste Estado. A seguir, vai-se, através de ligeiras considerações, abordá-lo apenas sob essa perspectiva, deixando-se para outra oportunidade o debate da denominada prorrogação (rectius: manutenção) de permissões preexistentes à Lei nº 9.897/95. Como se sabe, o controle abstrato de inconstitucionalidade é um ato político, conforme acentuou o Ministro Moreira Alves, exercido pelo STF,

tendo por objeto a lei ou ato normativo federal, distrital ou estadual (art. 102, inciso I, alínea a, primeira parte, da Lei Fundamental). Aos Estados está, por seu turno, cometida a instituição de representação de inconstitucionalidade de leis ou atos normativos estaduais ou municipais em face da Constituição estadual (art. 125, § 2º, da Carta Magna). O controle abstrato de normas somente é cabível para os atos do Poder Público (excluídos os atos normativos privados: acordos, pactos, compromissos, estatutos de associações, convenções etc., que, se ofenderem a Constituição, poderão ser declarados inválidos, observa Zeno Veloso (1), através da via ordinária), com atributos de generalidade, abstratividade e impessoalidade, poderão ser submetidos à fiscalização de constitucionalidade, através de ação direta, ou, no caso dos Estados, de representação. Mas qual será o significado desses atributos? Na doutrina, observa Marcelo Caetano (2), em relação ao atributo abstração, que “enquanto nas normas se formula abstratamente a previsão de circunstâncias que poderão vir a dar-se e que servem de pressuposto de conduta a seguir em geral por todos quantos venham a encontrar-se nessas circunstâncias; no caso concreto está-se perante circunstâncias já verificadas e relativamente às quais se individualiza a conduta de pessoas determinadas”. Para o referido e saudoso Autor, a generalidade “... está na sua abstração, isto é, em ser formulada de tal modo que não se saiba quantas pessoas, nem quais virão ser abrangidas pelos seus comandos”. E dá exemplos: “... podem estes abranger apenas uma categoria restrita (os professores de uma Faculdade de 2005 ABRIL • JUSTIÇA & CIDADANIA • 39


Direito, os combatentes da guerra de 1914-18, ou como sucede freqüentemente nas disposições transitórias, aqueles que no momento da publicação da lei se encontrem em determinada situação), ou até apenas o titular de um órgão singular que se sabe, portanto, ser um único indivíduo: desde que a norma seja decretada para vigorar sucessivamente por tempo indefinido ou por período tal que se torne aplicável a todos quantos, durante a sua vigência, possam achar-se nas circunstâncias previstas para caírem sob a respectiva alçada, a generalidade existe”. Na hipótese de o comando dirigir-se a uma categoria perfeitamente determinada de pessoas, conforme o exemplo do ilustre administrativista, os atuais funcionários da Direção-Geral “X”; os antigos combatentes da guerra tal, neste o caso o critério para distinguir o ato da norma será o da permanência ou instantaneidade da execução. Se todos os atuais 2º oficiais do serviço “X” são promovidos a 1º oficiais, sendo a execução instantânea, há ato e não norma. Porém, se aos atuais 2º oficiais do serviço “X”, ao contrário do que por hipótese sucederia, é facultada a promoção por antiguidade até Diretor-Geral, é norma e não ato, visto que a indeterminação das circunstâncias em que, a cada um, corresponde o aproveitamento de tal faculdade, incerteza do tempo e da pessoa a quem será aplicável o preceito, isto é, o que se pode chamar de vigência sucessiva mantém-lhe o caráter de regra abstrata. Mas tal qual concebeu Hans Kelsen, mestre da Escola de Viena, há exemplo por ele formulado que continua irrespondível, conforme frisou o ministro Sepúlveda Pertence, no voto por ele proferido na ADin 2.057, relator ministro Maurício Correa, in verbis: “Não é o número de destinatários que decide entre ser a norma abstrata ou concreta: dizer o pai ao seu filho que ele está obrigado a ir à missa todos os domingos é

“Na jurisprudência do STF não se considera possível o controle abstrato de normas sobre leis de efeito concreto, sem caráter de generalidade. Leis, apenas no sentido formal, cujo conteúdo encerre preceito que tem objeto determinado e destinatários certos (...), não se prestam ao referido controle.”

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“A ação direta de inconstitucionalidade é o meio pelo qual se procede, por intermédio do Poder Judiciário, ao controle da constitucionalidade das normas jurídicas in abstrato.”

estabelecer norma geral; agora dizer que todos os filhos têm de ir, um determinado dia, visitar o avô, é uma norma concreta, ainda que com vários destinatários” (in RTJ, v. 173, pág. 490). Na doutrina, pode-se, ainda, referir à posição de Celso Antonio Bandeira de Mello (3). Ao se deter no exame dos atos abstratos, considera-os atos normativos, que se adequam, se amoldam ao conceito de lei em tese. Para esse autor, tais atos são os que prevêem reiteradas e infindas aplicações, as quais se repetem cada vez que ocorra a reprodução da hipótese nele prevista, alcançando um número indeterminado e indeterminável de destinatários. Dá, como exemplo, o regulamento cujas disposições colherão sempre novos casos tipificáveis em seu modelo abstrato. Por seu turno, Sergio Ferraz (4) destaca que “... é da essência de lei de efeitos concretos que a produção dos efeitos lesivos ao impetrante ocorra independentemente de qualquer ato que seja necessário para que a norma se torne concretamente eficaz ... (omissis)...” (MS 20.993-3, rel. Min. Moreira Alves, DJU 2.10.92, p. 16.843). Emblemático é o julgamento da ADin nº 647-DF – Medida Liminar, relator ministro Moreira Alves, que expôs a doutrina que tem sido seguida pela Excelso Pretório: “A ação direta de inconstitucionalidade é o meio pelo qual se procede, por intermédio do Poder Judiciário, ao controle da constitucionalidade das normas jurídicas in abstrato. Não se presta ela, portanto, ao controle da constitucionalidade de atos administrativos que têm objeto

determinado e destinatários certos, ainda que esses atos sejam editados sob a forma de lei – leis meramente formais, porque têm forma de lei, mas seu conteúdo não encerra normas que disciplinem relações jurídicas em abstrato” (RTJ 140/41). Portanto, ante a sintonia a respeito do conceito de lei de efeito concreto entre a doutrina e a jurisprudência, pode-se passar a examinar, apenas no plano do cabimento ou não do controle concentrado e abstrato de inconstitucionalidade, a hipótese tipificada no art. 6º, in fine, da Lei nº 972/99, do Município de Araruama, que manteve as atuais permissões e autorizações delegadas a uma única empresa transportadora daquela localidade. Esse dispositivo tem o seguinte texto, verbis: “Art. 6º. A permissão de serviço público de transporte coletivo será formalizada mediante contrato de adesão, sem prejuízo de seu caráter precário, mantidas, automaticamente, pelo prazo de quinze anos, prorrogável uma única vez, as atuais permissões e autorizações”. Desde logo, observa-se nesse texto que há, claramente, duas disposições: a) a permissão de serviço público de transporte coletivo de passageiros será formalizada mediante contrato de adesão, sem prejuízo de seu caráter precário; b) mantidas automaticamente, pelo prazo de quinze anos, prorrogável uma única vez, as atuais permissões e autorizações. Como observa Humberto Ávila (5), as normas não são textos, nem o conjunto deles, mas os sentidos construídos a partir da interpretação sistemática de textos normativos. Daí 2005 ABRIL • JUSTIÇA & CIDADANIA • 41


se afirmar que os dispositivos se constituem no objeto da interpretação; e as normas, no seu resultado. Os dois comandos, então, extraídos são: (a) No primeiro caso, em toda e qualquer permissão, uma das modalidades de delegação de execução indireta de serviços, deve haver um contrato administrativo, com prazo determinado (art. 57, § 3º, da Lei nº 8.666/93), com a observância de elementos essenciais (art. 23, da Lei nº 8.897/95, possivelmente repetida na referida lei municipal); precedida de licitação (art. 175, caput, e 37, inciso XXI, ambos da Constituição da República); b) No segundo, extrai-se norma no sentido de que as permissões delegadas (sim, pois são permissões por linha e não por área) a única empresa, que executa indiretamente os serviços públicos de transporte coletivo de passageiros por ônibus do Município de Araruama e que continuava a executar os serviços no momento da publicação da Lei municipal nº 972/99, foram mantidas pelo prazo de quinze anos, havendo possibilidade de final desse prazo ser prorrogada (aqui sim, se cogita da figura da prorrogação, pois se as permissões ostentadas por essa única empresa haviam sido firmadas por prazo indeterminado, não se podia cogitar de prorrogação, porém de se conferir um prazo para que eventualmente pudesse amortizar os seus investimentos). Há, entre elas, diferença marcante. No primeiro caso (a), nota-se, à evidência, a presença do atributo abstração, pois a norma impõe condições para quaisquer pessoas que se desconhecem para que não somente deverá haver escolha prévia, através de licitação, do futuro permissionário, como também se lhes impõe o atendimento de circunstâncias ou exigências na formalização do título que o vencedor do certame ostentará. Trata-se, com rigor, de norma jurídica com os atributos de abstração e de generalidade. No segundo caso (b), tal inocorre, pois no momento da publicação da Lei municipal nº 972/99, já se encontrava na situação de titular de permissões de serviços de transporte coletivo, naquele momento, a única empresa transportadora de Araruama. Por isso, o emprego do termo “atuais”. O significado desse termo revela que se trata de algo presente, que ocorre no momento em que se está falando. Há, conforme observa Humberto Ávila, determinados termos que apresentam significados intersubjetivados, tais como “vida”, “morte”, “antes”, “depois”, que não precisam a toda nova situação ser fundamentados. Portanto, “atuais”, no contexto da Lei nº 972/99, eram as permissões existentes ou preexistentes à publicação desse diploma legal, cuja titular, repita-se, era a única empresa operadora dos serviços públicos de transporte coletivo daquela comuna. 42 • JUSTIÇA & CIDADANIA • ABRIL 2005

Aqui, evidencia-se tratar-se de norma de efeito concreto, que alcançou especificamente pessoa determinada. É uma norma concreta. Aliás, no primeiro caso (a), o número de pessoas que poderão estar interessadas na permissão é indeterminado e indeterminável, não se sabe hoje quem e quais são essas pessoas e quem e quais poderão ser no futuro, a revelar a abstração. Já, no segundo (b), é perfeitamente determinada e determinável a empresa titular das permissões de Araruama, a rigor a única transportadora nas condições previstas na parte final do art. 6º, da referida Lei nº 972/99, o que evidencia ato e não norma jurídica com atributo de abstração. Por outro lado, dúvida não subsiste, no segundo caso (b), de que a incidência da norma de efeito concreto sobre a situação fática da única empresa transportadora operante do serviço público de transporte coletivo de passageiros ocorreu de modo instantâneo e numa única vez. Não mais ocorrerá pela simples circunstância de estarem completamente exauridos os efeitos da parte final do referido art. 6º, da Lei nº 972/99. O mesmo não se dá com a incidência da norma, no plano abstrato, como norma em tese, no primeiro caso (a), pois sua incidência ocorrerá de modo permanente, desde que, naturalmente, presentes estejam os elementos fáticos do tipo do art. 6º, primeira parte, ora em pauta. Estas breves considerações são oportunas, em face do julgamento, no último dia 11 de abril, da Representação por Inconstitucionalidade nº 19/2001 de três dispositivos da Lei nº 972/99, dentre os quais a segunda parte do seu art. 6º, cuja constitucionalidade foi questionada pelo Ministério Público deste Estado, através desse controle concentrado e abstrato perante o E. Órgão Especial do Tribunal de Justiça também deste Estado, não sendo conhecida por maioria de votos, em que se entendeu tratar-se, na espécie, de norma de efeito concreto, na linha do entendimento do Supremo Tribunal Federal.

NOTAS BIBLIOGRÁFICAS (1) Zeno Veloso (in “Controle de Constitucionalidade”, 2000, Belo Horizonte:Del Rey, pág. 109); (2) Marcelo Caetano (in “Manual de Direito Administrativo”, 1997, Coimbra:Almedina, pág. 436; (3) Celso Antônio Bandeira de Mello (in “Curso de Direito Administrativo”, 17ª ed., 2004, São Paulo:Malheiros, pág. 388) (4) Sérgio Ferraz (in “Mandado de Segurança (individual e coletivo) aspectos polêmicos”, 2ª ed., 1993, São Paulo:Malheiros, pág. 76) (5) Humberto Ávila (in “ Teoria dos Princípios”, 4ª ed., 2004, São Paulo:Malheiros, pág. 22)


A FRAGILIDADE DOS CONSUMIDORES FRENTE ÀS TAXAS DE JUROS Patrícia Nunes de Almeida Advogada

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ossa geração de advogados, formados de 1990 para cá, nasceu sob o signo do Código de Defesa do Consumidor. Tudo o que aprendemos na Faculdade de Direito começou a transformar-se em realidade nos primeiros contatos com a advocacia da relação de consumo e com as decisões, algumas pioneiras, dos Tribunais do Rio Grande. Fomos um celeiro na aplicação do Código de Defesa do Consumidor e nos sentimos orgulhosos do fato de que muitos julgados do STJ tiveram origem na palavra dos nossos juízes do primeiro e segundo graus. Foi no Resp. n° 621.776/RS que o STJ acertou o entendimento de que as administradoras de cartão de crédito são equiparadas a instituições financeiras, aplicando-lhes o conceito do art. 3°, § 2°, do CDC por considerá-las “atividade fornecida no mercado de consumo...”.Antes já se havia decidido, também em recurso originário do Rio Grande do Sul, que os bancos estão submetidos ao CDC (Min. Ruy Rosado de Aguiar Jr, Resp. 57.974). No Resp. 293.778/RS, o STJ consagrou a possibilidade de revisão dos contratos bancários, mesmo que findos. O Ministro Antônio de Pádua traduziu o sentimento de protesto dos consumidores ao proclamar que o Poder Judiciário não podia pactuar “com um sistema que privilegia o capital financeiro e releva a produção a um plano secundário, em que as instituições bancárias praticam taxas de juros que chegam a ser escandalosas, considerado o contexto econômico atual” (Resp. 457.367/RS). Nestes Acórdãos registram-se, como sintomáticos, os lucros líquidos do sistema bancário no ano de 2001, fato que se repetiu depois e se repete hoje. Naquele ano, o Banco Itaú obteve lucro de 2,38 bilhões, maior que o da Gerdau e da Votorantim. Nenhum preconceito contra o lucro. Nossa geração não foi uma geração ideológica ou preconceituosa contra o lucro. De repente, um tsunami jurisdicional abalou o sistema jurídico consumerista. O mesmo Tribunal que deu tantas lições de defesa do consumidor surpreendeu a todos com

uma virada hermenêutica, também em recursos do Rio Grande do Sul, nos Resp. 407.097/RS e Resp. 420.111RS, julgados na mesma tarde de 12 de março de 2003. A mudança não se deu, sequer, por maioria absoluta dos Ministros da Segunda Seção. Ela ocorreu pelo voto médio de apenas quatro ministros (ministros Ari Pergendler, Carlos Alberto Menezes Direito, Nancy Andrighi e Castro Filho). Segundo eles, a revisão judicial dos contratos bancários só pode ocorrer quando demonstrada a cobrança abusiva da taxa de juros em cada caso. Assim, o simples fato de o contrato estabelecer uma taxa de juros de 10,90% ao mês [!] numa inflação de pouco mais de 5% ao ano, não significava, segundo os votos vencedores, vantagem exagerada, onerosidade ou abusividade. Esta, conforme os Acórdãos referidos, precisa ser “cabalmente” demonstrada. Se essa tese da “demonstração cabal da abusividade” tivesse acrescentado que o ônus da prova seria dos bancos, pelo menos teria rendido homenagem ao princípio da inversão da carga probatória [CDC, art. 6º, VIII]. Caberia à instituição financeira provar, de forma conclusiva, que taxas elevadas de 12% ao mês, por exemplo, numa inflação em média de 6% ao ano, não era onerosa. Mas tal tema foi completamente alheio aos debates da Corte que parece ter feito uma leitura ao contrário da nossa avançada lei de consumo. Assim, o grave nesses quatro votos vencedores é o fato de haver transferido o ônus da “prova cabal” da abusividade para as vítimas do abuso, aqueles que, especialmente sendo pessoa física, consumidor final, são a parte mais frágil da relação de consumo. A inversão da prova - destinada a reduzir a diferença de poder dos contendores – funcionou ao contrário. Três outros votos (Ministros Barros Monteiro, Fernando Gonçalves e Aldir Passarinho Júnior) defenderam uma tese pior, a de que “a taxa de juros contratual não pode ser reexaminada em juízo” [Resp. 407.097], rendendo-se ao 2005 ABRIL • JUSTIÇA & CIDADANIA • 43


remuneratórios a taxas mensais que superam, em muitos casos, o dobro da inflação anual, sobre débitos corrigidos monetariamente, adotando, por inércia, procedimentos que lhes são altamente convenientes, vigentes na época da inflação exacerbada. Argumentam que praticam taxas de mercado. Mas que mercado? Nos Estados Unidos existem cerca de 14 mil bancos e a taxa de juros média não chega a 6% ao ano. No Brasil, em 1997, tínhamos 206 bancos, em 2002 temos aproximadamente 180, com um predomínio quase absoluto dos 10 maiores, que detinham, em 2000, 76,70% dos depósitos, caminhando para 85% nos próximos anos (fonte: Austin Asis)”. Em vão os vencidos proclamaram que “a equidade é a pedra angular do sistema protetivo inaugurado pelo CDC” [Resp. 407.097]. Às vezes os corajosos e justos parecem perder a batalha, mas suas vozes serão reconhecidas e lembradas entre os íntegros. Já o ministro Menezes Ribeiro, condutor do voto vencedor, chegou a registrar que, “a seu pedido” [sic], encomendou trabalho sobre o spread bancário a professores

velho culto dos pacta sunt servanda, cujos deuses pareciam enterrados pela função social do contrato, antevista por Orlando Gomes há quase trinta anos 1 , consagrada no CDC em 1990 para as relações de consumo2 e ampliada logo após, também, pelos padrões de comportamento objetivo contratual estabelecidos com base na boa-fé objetiva, pelo Código Civil3 . A eminente professora Judith Martins Costa observou, numa de suas obras, que “a boa fé obrigacional, também dita boa-fé objetiva, chegou tarde ao direito brasileiro”4 . Pior do que isso, porém, é, depois de chegar, perder a voz nos Tribunais. As únicas vozes discordantes, que buscaram uma harmonia social nesses julgamentos da Segunda Seção, foram as dos ministros Antônio de Pádua Ribeiro e Sálvio de Figueiredo que se manifestavam em favor da taxa SELIC mais juros de 6% ao ano, como fórmula para restabelecer o equilíbrio dos contratos em exame. Foram eles os únicos que aplicaram, ao caso concreto, um dos direitos básicos dos consumidores, os que a estes protegem contra cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou excessivamente onerosas [CDC, art. 6º, inc. VI]. O ministro Pádua Ribeiro acertadamente mencionou que “Hoje, os bancos sentem-se muito à vontade para cobrar juros

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da Fundação Getúlio Vargas com base no qual chegou às conclusões de que ‘uma taxa de 10,9 ao mês não se pode presumir abusiva’, mesmo numa inflação de um dígito. Tal estudo nem ao menos passou pelo crivo do contraditório, mas foi um dos fundamentos do seu voto na Segunda Seção. Examinando trabalho similar, de autoria do Banco Central5 , em estudo simultaneamente de matemática financeira, economia e direito, os professores Romualdo Wilson Cançado e Orlei Claro de Lima afirmam que o “estudo do Banco Central comprova que as taxas de juros praticadas pelo sistema financeiro brasileiro estão entre as mais elevadas do mundo “6 . A verdade do voto vencedor, portanto, é altamente polêmica. Nesse estudo, para uma inflação de 7,9% ao ano, o Banco Central registrou que os poupadores percebiam uma remuneração de 21% ao ano (taxa de captação) e os tomadores tinham um custo de 83% ao ano. Um spread de 62%, capaz de causar inveja a George Soros ou a qualquer investidor que não tenha o mínimo de preocupações sociais. Por isso é que o País, além dos títulos esportivos no futebol, é o campeão das taxas de juros. Se alguém se atrever a afirmar que o abuso é um abuso, que o excesso


é um excesso, terá de provar cabalmente o atrevimento de tal afirmação (4 votos). Antes, terá de enfrentar a preliminar para tentar conseguir o reexame das taxas contratadas (3 votos). Se vencer essa barreira, poderá ser decretado que taxas de 10, 11, 14 % ao mês não são abusivas, já que “não foram cabalmente comprovadas” pelo consumidor. O CDC, com essa leitura, transformou-se num CDB, Código de Defesa dos Bancos. O ônus da prova que, antes protegia o consumidor, se transformou na vestimenta do banqueiro. Nós, os advogados da geração do CDC, confiamos em que esse ponto de vista venha a ser revisado, em nome de toda a filosofia que está na base do nosso diploma de defesa dos consumidores - que tem base constitucional [Art. 5º, inc. XXXI; art. 170, inc. V] e em defesa daqueles que, na maior parte das vezes, por necessidade se submetem a cláusulas abusivas, altamente onerosas, dos contratos bancários de adesão. Depois disso, sucessivos recursos especiais começaram a ser barrados pela força dos precedentes que funcionam

limitamos os juros em 12% na Constituição, mas nunca a regulamentamos, até que a norma foi revogada. Agora, se prevalecer o ponto-de-vista da Segunda Seção do STJ, estamos dando um salvo-conduto aos bancos e cartões de crédito. As taxas estão soltas, tendo o céu como limite. Esse limite tem de estar muito mais próximo da terra do que das nuvens onde se encontra hoje. Por isso, uma das formas de submeter-se à fera é regulamentar o spread. Há muitas atividades que operam com custos planilhados. Dentro dessa moldura social, a atividade econômica tem de desenvolver-se dentro dos parâmetros da planilha de cálculo. Não é possível admitir que a poupança pague menos que 1% ao mês, enquanto os bancos detentores do dinheiro dos poupadores os emprestem a mais de 10% por cento ao mês. O ideal é que o legislativo seja chamado a resolver essa situação, realizando seu trabalho que é regulamentar as taxas de juros de maneira equilibrada, mas isso parece ser uma utopia. Enquanto isso, o Judiciário não pode fechar os

“O Judiciário não tem a função de legislar, mas tem a função de buscar o equilíbrio nos contratos e nos litígios sociais, e de ser sensível frente às injustiças “cabalmente” verificadas entre os fracos e os fortes.”

como se fosse uma súmula vinculante e juízes do primeiro grau começaram a render-se à força do precedente da Segunda Seção. A exigência de que a abusividade requer uma “demonstração cabal de cada situação, traduzida na excessividade de lucro da instituição financeira” (Resp. 493.357/RS e 540.001/RS) nos colocou, portanto, num conflito com o que aprendemos nos recentes bancos universitários e com um sentimento irrefreável de injustiça. O que fazer? O problema está no estabelecimento de limites. Já tiramos os Bancos fora da Lei da Usura;

olhos para os abusos que os consumidores estão sofrendo, deve ele buscar uma solução justa, com eqüidade. Deve o Juiz olhar para realidade social, para as leis protetivas do hipossuficiente, para as violências contra os consumidores, para os lucros exagerados e, assim, encontrar uma coerência, um índice aceitável de taxas de juros, como, por exemplo, a SELIC, mais 12 % ao ano. O Judiciário não tem a função de legislar, mas tem a função de buscar o equilíbrio nos contratos e nos litígios sociais, e de ser sensível frente às injustiças “cabalmente” verificadas entre os fracos e os fortes.

NOTAS BIBLIOGRÁFICAS Transformações Gerais dos Direitos das Obrigações, Ed. RT, SP, 1.967. Arts. 4º e 51, IV. 3 “Além da previsão da boa-fé em sua função interpretativa [art. 112], dois outros dispositivos vieram explicitar os valores primordiais da boa-fé e da probidade, além de estabelecer um condicionamento do exercício da liberdade de contratar aos atendimentos dos fins sociais do contrato [arts. 420 e 421]” [Célia Barbosa Abreu Slawinski, Contornos Dogmáticos e Eficácia da Boa-fé Objetiva, Lumen Juris, Rio, 2.002, p. 198/9]. 1 2

Diretrizes Teóricas do Novo Código Civil Brasileiro, Ed. Saraiva, SP, 2.002, p. 188. Juros e Spread Bancário no Brasil. Ed. Banco Central do Brasil, Departamento de Estudos e Pesquisas, DEPEP, outubro de 1.999. 6 Juros, Correção Monetária. Danos financeiros irreparáveis. 3a. ed., Ed. Del Rey, BH, 2.003, p. 146. 4 5

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DIREITOS HUMANOS Uma Homenagem a José Talarico

Em 10 de dezembro de 1948, ainda sob o impacto da 2ª Guerra Mundial, foi firmada a Declaração Universal dos Direitos Humanos, como um ideal comum a atingir, onde se estabeleceu princípios que norteiam Constituições e Leis de todos os países.

“T

odos os homens nascem livres e iguais, em dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em relação aos outros com espírito de fraternidade”. Reafirma-se, assim, a fé nos direitos fundamentais à dignidade do ser humano, à vida, à liberdade e à igualdade de direitos dos homens e mulheres, assim como das nações grandes e pequenas. É a esperança que significa: “fé, confiança em conseguir o que se deseja”. Realizar um mundo melhor, onde o cidadão, que “é o indivíduo no gozo dos direitos civis e políticos de um Estado, ou no desempenho de seus deveres para com este”, realmente tenha o mais fundamental dos direitos que é o direito à vida, pré-requisito para o exercício de todos os demais direitos. A Constituição Federal Brasileira proclama esse direito, mas cabe ao Estado assegurá-lo em seu duplo significado, sendo o primeiro relacionado ao direito de continuar vivo e o segundo de se ter vida digna quanto à subsistência. Também garante direitos sociais: a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, e ainda, a erradicação da pobreza e da marginalização e a redução das desigualdades sociais. Mas para milhares de pessoas por todo o mundo o conteúdo da Declaração ainda não tem sentido em suas vidas, assim como para uma multidão de brasileiros os princípios e direitos garantidos no texto Constitucional ainda não fazem parte do seu dia-a-dia. Contudo, tanto a afirmação desses direitos fundamentados pelo instrumento declaratório, como sua efetiva garantia e respeito, só poderão se dar através da luta e da participação dos indivíduos, exigindo continuamente seu cumprimento e ampliação. 46 • JUSTIÇA & CIDADANIA • ABRIL 2005

Compromissado com a defesa e realização dos princípios e direitos proclamados, não só na Declaração como na Constituição, o Governo do Estado do Rio de Janeiro instituiu o Conselho Estadual de Direitos Humanos, presidido pela Governadora e integrado por Secretários de Estado e Representantes da Sociedade Civil, com o objetivo de tomar conhecimento de qualquer violação aos direitos humanos e providenciar sua reparação. Lançou, ainda, em dezembro de 2004, o Prêmio Estadual em Direitos Humanos AUSTREGÉSILO DE ATHAYDE, em homenagem ao brasileiro que assinou a Declaração Universal dos Direitos Humanos, destinado a agraciar àqueles que se destacaram por seu trabalho em prol da dignidade humana. Em Reunião Ordinária do Conselho, foram indicados nomes de pessoas físicas e jurídicas para que fossem as primeiras contempladas com o referido Prêmio. Dentre os 10 indicados nas categorias pessoa jurídica e pessoa física, por eleição, foram escolhidos três em cada, assim definidos: Organizações: Grupo Tortura Nunca Mais, Quilombo São José da Serra e Defensoria Pública Geral do Estado do Rio de Janeiro. Personalidades: Dom Mauro Morelli, Senador Abdias do Nascimento e Jornalista José Gomes Talarico. A solenidade de entrega ocorreu no dia 21 de março corrente, no Salão Nobre do Palácio Guanabara, quando se comemora o Dia Internacional para Eliminação da Discriminação Racial e, ainda, a data no Brasil da instituição da Carteira Profissional, pelo Decreto-lei n° 21.175, de 21.03.1932, que visa à proteção do trabalhador, assegurando-lhe elementos probatórios para fazer valer seus direitos na Justiça do Trabalho. Hoje, também, um símbolo político de uma promessa de empregos. A José Gomes Talarico, as homenagens da Revista Justiça e Cidadania, por seus 90 anos de idade e mais de 80 anos


de atividades e lutas, ainda hoje Presidente da Comissão de Defesa da Liberdade de Imprensa e dos Direitos Humanos da Associação Brasileira de Imprensa - ABI - a mais antiga organização jornalística do país, a primeira entidade a defender os direitos do trabalho e dos trabalhadores e a se insurgir nas limitações à liberdade de imprensa-, as nossas homenagens a José Gomes Talarico. Desde a juventude ele viveu e atuou em episódios marcantes do país: as revoluções de 1924 e 1930; as mudanças de regime; o Estado Novo e os dias cruciantes de 1946 a 1950; a participação nos movimentos estudantis (criação da União Nacional dos Estudantes -UNE e da Confederação Brasileira de Desportos Universitários –CBDU); a fundação do PTB; o retorno de Vargas e os momentos trágicos de sua morte em 1954; a eleição de JK; a renúncia de Jânio Quadros; a posse de Jango na Presidência da República e sua derrubada em 1964; o enfrentamento dos 20 anos de terror da ditadura militar, quando teve o mandato cassado e foi caçado, preso e torturado por seus adversários políticos e as lutas pela redemocratização do país, gradualmente conquistada a partir de 1982. Trata-se de uma personalidade com atuação múltipla na vida política nacional, fluminense e carioca, que, seja como estudante, como funcionário do Ministério do Trabalho, como Conselheiro do Tribunal de Contas do Estado, seja como jornalista, militante ou parlamentar, manteve e mantém forte vinculação com a defesa da soberania do país, da liberdade de expressão, da valorização do trabalhador e da mulher, além de ser participante ativo do trabalhismo brasileiro, corrente política que teve, e ainda tem, enorme importância na história contemporânea do país. José Talarico, desde os albores da sua adolescência até os dias de hoje, teve participação em todos os movimentos e lutas sociais e políticas da vida brasileira, tendo efetiva participação na

fundação do Movimento Queremista e do Partido Trabalhista Brasileiro que conduziram e elegeram Getúlio Vargas à presidência da República em 1950, além de ter sido um dos articuladores da Frente Ampla, que reuniu Juscelino Kubitschek, Carlos Lacerda e João Goulart, na vã tentativa de organizar um movimento nacional reunindo as forças políticas para tentar a democratização, o que veio acarretar, entre as várias represálias do regime militar ditatorial, as prisões de Juscelino e Lacerda, e uma das prisões mais perversas sofrida por Talarico. Parafraseando o Senador Sergio Cabral Filho (Apresentação do 1º Livro “José Talarico” da Coleção Conversando Sobre Política da ALERJ), concluímos: “José Gomes Talarico é desses personagens que parecem ter inspirado o poeta e dramaturgo alemão Bertold Brecht* em seu poema de exaltação aos homens que se dedicam a lutar por toda a vida em prol da igualdade entre seus semelhantes e, por isso mesmo, são indispensáveis. O que ressalta de sua história é mais do que uma apenas aparente coerência entre palavras e gestos proferidos ou tomados em momentos diferentes da política. A verdadeira coerência se revela na honestidade de propósitos e princípios presente em suas posições ao longo de mais de 70 anos de atuação como militante e deputado”.

Há homens que lutam por um dia, e são bons; Há outros que lutam por um ano, e são melhores; Há aqueles que lutam muitos anos, e são muito bons; Porém há os que lutam por toda a vida. Esses são imprescindíveis. Bertold Bretch 2005 ABRIL • JUSTIÇA & CIDADANIA • 47


REFORMA TRABALHISTA E O MEIO RURAL PAULISTA

Fábio de Salles Meirelles Presidente da Federação da Agricultura do Estado de São Paulo

“A crítica isenta do modelo trabalhista vigente e apresentação de propostas concretas e viáveis para seu aperfeiçoamento são desafios difíceis e complexos, mas que se impõem como uma necessidade impostergável ao progresso do País.”

O

debate sobre a reforma da legislação trabalhista transformou-se em matéria prioritária da agenda juspolítica nacional. Vem ocupando a atenção de doutrinadores, operadores do direito, sindicalistas, políticos de todos os partidos e diferentes matizes ideológicas. Para os empresários dos diversos setores que compõem a economia rural, o aprimoramento das nossas leis laborais tornou-se imprescindível. Este pensamento amplamente majoritário da categoria está expresso em documentos específicos e disponibilizados ao público interessado na matéria. Mas antes de adentrar no mérito de alguns aspectos jurídicos que 48 • JUSTIÇA & CIDADANIA • ABRIL 2005

envolvem o tema, desejo oferecer algumas informações básicas sobre o sistema FAESP/SENAR-SP. A Federação da Agricultura do Estado de São Paulo, associação sindical de grau superior, é constituída para fins de estudo, coordenação, proteção e representação legal da categoria econômica rural em todo o Estado de São Paulo, inspirando-se na solidariedade social, na livre iniciativa, no direito de propriedade, na economia de mercado e nos interesses do País. Congrega 240 sindicatos filiados, com 350 extensões de base, representando mais de 200.000 produtores rurais. Atua com uma estrutura organizacional adequada ao suporte e desenvolvimento de seus propósitos, em permanente trabalho de

consultoria, assessoria e defesa em áreas de interesse da classe produtora rural. O SENAR – Serviço Nacional de Aprendizagem Rural –, por sua vez, tem por missão desenvolver ações e atividades ligadas a Formação Profissional e a Promoção Social voltados para o homem do campo, contribuindo para sua qualificação, sua integração na sociedade, melhoria de sua renda, qualidade de vida e pleno exercício de sua cidadania. São poucas as entidades que reúnem tanta experiência e qualificação como a FAESP e o SENAR/SP. São décadas de tradição e competência na representação da agricultura de São Paulo, desenvolvendo um trabalho persistente pelo fortalecimento do segmento. Valendo-se da evolução e consolidação


das cadeias produtivas do agronegócio e insistindo na luta constante pela agregação de valores, vem propiciando o alcance efetivo das bases do setor da produção primária, onde se faz imprescindível a permanente assistência com vistas ao crescimento, sem prescindir do bem estar do produtor e do trabalhador rural. No tocante a necessidade do aprimoramento da nossa legislação trabalhista inexiste, em nosso meio, vozes discordantes. A justificativa decorre da inequívoca constatação de que o modelo vanguardeiro da CLT de 1943, passado mais de meio século, tem revelado alguns sinais de obsolescência, principalmente para sustentar a inserção internacional competitiva do País, num mundo em processo expansivo de globalização econômica. 2005 ABRIL • JUSTIÇA & CIDADANIA • 49


Evidências dessa crise dão-nos a pletora de depoimentos das mais distintas e abalizadas procedências, apontando inadequações e sugerindo correções. A crítica isenta do modelo trabalhista vigente e apresentação de propostas concretas e viáveis para seu aperfeiçoamento são desafios difíceis e complexos, mas que se impõem como uma necessidade impostergável ao progresso do País. Nada obstante as resistências de alguns setores da sociedade brasileira, o certo é que estão dadas, no nosso entender, as condições subjetivas e objetivas favoráveis para mudanças. No plano político, a afirmação da democracia entre nós parece ter decretado o fim do ciclo do autoritarismo versus populismo, sempre constante na vida brasileira, o que nos leva a crer que a sociedade brasileira fez uma opção pela democracia e está desejosa de mantê-la e aperfeiçoa-la. No plano econômico concorrem para o êxito das necessárias mudanças dois fatos internos relevantes: a decisão do Governo de abrir a nossa economia para o exterior e o plano de estabilização da moeda com a conseqüente queda dos índices de inflação. No plano social, o enfrentamento entre capital e trabalho, que alimentou tantos conflitos e atrasou tanto o desenvolvimento do País, está chegando ao fim, como já ocorreu em outros países desenvolvidos. O enfrentamento está cedendo lugar à reconciliação e a uma fase de parceria entre os fatores de produção. Na negociação dessas parcerias cresce a importância dos sindicatos, que abandonam o comportamento da confrontação para adotar o comportamento construtivo na busca de resultados. Finalmente, o próprio Governo dá sinais de amadurecimento para enfrentar as distorções da legislação trabalhista. Algumas de suas medidas recentes claramente sinalizam nesta direção, como a permanente discussão no sentido de

encontrar o fortalecimento do sistema sindical e a discussão da flexibilização das normas de contratação, entre outras. Todos esses fatores positivos estão a concorrer efetivamente para o surgimento de um novo diálogo social, com vistas à concretização de um novo contrato social. Não obstante nosso otimismo, temos bem presente que não há reforma perfeita; não há reforma imposta; não há reforma sem concessões; não há reforma sem finalidade legítima; e, por último, não há reforma que possa desconsiderar totalmente o marco legal existente, ou

“A CLT (...) tem revelado alguns sinais de obsolescência, principalmente para sustentar a inserção internacional competitiva do País, num mundo em processo expansivo de globalização econômica.”

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seja, a CLT e a Constituição. Este sucinto artigo, não nos permite analisar em profundidade todas as nossas propostas, já oferecidas no Fórum Nacional do Trabalho, do qual fui um de seus membros. Destacaria, apenas algumas delas: a) somos contra o pluralismo rural. Pode-se desejar que o mundo sindical urbano o adote. A realidade nos aponta, no entanto, que os homens do campo, porque dispersos em centenas de quilômetros de distância uns dos outros, não possuem meios e recursos para manter vínculos associativos consistentes; b) somos igualmente favoráveis à permanência da

contribuição sindical obrigatória, por ser imprescindível a atuação e sobrevivência de grande número de sindicatos; c) defendemos ardorosamente a redução dos tributos e encargos que gravam a folha de salário das empresas rurais; d) entendemos que a flexibilização de alguns direitos trabalhistas é uma necessidade imposta pelas especificidades da nossa atividade rural; e) para desafogar a Justiça do Trabalho, entendemos que é chegado o momento de se criar os “Juizados de Pequenas Causas”, a adoção de técnicas alternativas de solução de conflitos, como a conciliação, mediação e arbitragem, bem assim a chamada súmula vinculante; por último, condenamos, acerbamente o processo anárquico de uma reforma agrária ideologizada, rotulada de “social”, que outra coisa não tem feito senão levar insegurança aos produtores rurais e comprometer o desenvolvimento agrícola do País. Desejo lembrar que, criado o sistema sindical rural em 1963, fomos nós, da Federação da Agricultura do Estado de São Paulo, os primeiros a celebrar com a Federação dos Trabalhadores, uma pioneira convenção coletiva de trabalho do País. Com ela ficou demostrado que esteve sempre em nossas origens o diálogo e o consenso; não a intransigência e o inconformismo. Posso afirmar, em conclusão, que o setor rural patronal amadureceu muito e tem consciência de suas obrigações com seus parceiros trabalhadores, deveres para com a economia nacional e sentido de responsabilidade para alimentar 182 milhões de brasileiros, mantendo a extraordinária capacidade de geração de empregos.

Fábio de Salles Meirelles também é Presidente do Conselho Administrativo do Serviço Nacional de Aprendizagem Rural de São Paulo Primeiro Vice-Presidente do Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil


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