EDIÇÃO 61 • Agosto de 2005
ORPHEU SANTOS SALLES DIRETOR / EDITOR
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que sejam expulsos os vendilhões do templo
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Combate à corrupção, promoção da ética
TIAGO SANTOS SALLES DIRETOR EXECUTIVO EDISON TORRES DIRETOR DE REDAÇÃO DAVID RIBEIRO SANTOS SALLES SECRETÁRIO DE REDAÇÃO FELIPPE BITTENCOURT EDITOR DE ARTE SIMONE MACHADO REVISÃO EDITORA JUSTIÇA & CIDADANIA AV. NILO PEÇANHA,50/GR.501, ED. DE PAOLI CEP: 20020-100. RIO DE JANEIRO TEL/FAX (21) 2240-0429 CNPJ: 03.338.235/0001-86
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Juízo, muito juízo senhores políticos
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Poder judiciário e o ato infracional
SUCURSAIS SÃO PAULO ORPHEU SALLES JUNIOR AV. PAULISTA, 1765/13°ANDAR CEP: 01311-200. SÃO PAULO TEL.(11) 3266-6611 FORTALEZA CARLOS MOURA RUA JOAQUIM FERREIRA Nº 1200 BAIRRO LAGOA REDONDA. FORTALEZA-CE TEL(85) 476 -1200 / 9951 - 3773 PORTO ALEGRE DARCI NORTE REBELO RUA RIACHUELO N°1038, SL.1102 ED.PLAZA FREITAS DE CASTRO. CENTRO. CEP 90010 272 TEL (51) 3211 5344 CORRESPONDENTE BRASÍLIA ARMANDO CARDOSO TEL (61) 9968 - 5926
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CONSELHO EDITORIAL aurélio wander bastos
ÁRIO eDITORIAL
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a burocracia estatal : um entrave que ainda persiste
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Getúlio vargas + 51 anos
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Cervantes - Don Quijote de la mancha - 400 anos de paixão
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DIREITO AUTORAL NOS MEIOS DE HOSPEDAGEM
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Contrato de permissão: equilíbrio econômico-financeiro, prorrogação e tarifas
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A questão do transporte público urbano
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Quilombos: Da insurreição à propriedade inconstitucional
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O metrô como instrumento de resgate da cidadania
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O Beijo da morte aos aposentados
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Direito como causa da economia informal
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Arnaldo Esteves Lima antonio carlos Martins Soares Antônio souza prudente Bernardo Cabral carlos ayres britTo Carlos mário Velloso carlos antônio navega Darci norte Rebelo denise frossard Edson Vidigal eLLIS hermydio FIGUEIRA fernando neves Francisco Viana Francisco Peçanha Martins Frederico José Gueiros
ISSN 1807-779X
Humberto Gomes de Barros Ives Gandra martins josé augusto delgado José Eduardo carreira Alvim Marco Aurélio Mello Miguel Pachá maximino gonçalves fontes Paulo Freitas Barata thiago ribas filho
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EDITORIAL
Lágrimas de Raiva
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or três vezes na minha longa vida, face incríveis e inesperados fatos, senti e passei por extremada frustração, e dos meus olhos brotaram lágrimas de raiva. A primeira vez foi em 24 de agosto de 1954, quando, no exercício e função de Delegado do Trabalho na cidade de Santos – SP, ao saber da morte do Presidente Getúlio Vargas, que motivado e ferido pela violenta e soez campanha de infâmias, calúnias e humilhações, patrocinadas pelo jornalista Carlos Lacerda, além das safadezas e traições praticadas por amigos e companheiros que enlamearam o seu governo, o levou a praticar o suicídio. A veneração que dedicava ao Presidente Vargas, motivou, em face da sua absurda morte, violenta revolta, raiva e lágrimas. A segunda vez ocorreu na noite de 31 de março de 1964, quando ao microfone da Rádio Marconi, em São Paulo, protestava contra a arbitrariedade do presidente do Congresso Nacional, Senador Áureo de Moura Andrade, que havia declarado vago o cargo de Presidente da República e empossado na Presidência o Deputado Ranieri Mazilli e ainda criticava o apoio e a participação golpista dos Governadores Ademar de Barros, Magalhães Pinto e Carlos Lacerda e as traições dos Generais Amaury
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Kruel, comandante do 2º Exército, Justino Alves Bastos, Comandante do 4º Exército e Humberto Castelo Branco, Chefe do Estado Maior do Exército. Nessa noite, por volta das 21 horas, os policiais do DOPS invadiram os estúdios da rádio e determinaram o encerramento. Não tendo como resistir, nos despedimos dos ouvintes com as palavras: “Conforme já vínhamos informando, a emissora acaba de ser invadida, o Delegado Alcides Cintra Bueno determina o encerramento por ordem do Governador Ademar de Barros; não temos como resistir, mas queremos declarar que voltaremos um dia para continuar a luta em favor da emancipação econômica, social e política da nossa pátria. Até a próxima oportunidade”. Novamente, face a impossibilidade de resistir, fui acometido de violenta raiva e chorei. Fechada a rádio, fui levado aos porões do DOPS, tendo ali começado uma via crucis em diversas prisões, inclusive no navio presídio Raul Soares, onde permaneci por 6 meses. A terceira vez ocorreu em fins de 1976, quando João Goulart, que se encontrava no exílio em Montevidéu, mandou que me entregassem a importância de 1 milhão de cruzeiros, produto da venda de seu apartamento no edifício Chopim, em Copacabana, com a recomendação
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que comprasse mil cabeças de gado para a Fazenda Três Marias, em Mato Grosso. Decorrido um mês após a compra do gado, se apresentaram em meu escritório em São Paulo, dois investigadores que me intimaram a acompanhá-los ao DOPS onde fui levado a uma sala, encapuzado e sem qualquer explicação pendurado no “Pau de Arara”, onde permaneci por mais de 3 horas. Durante o tempo em que permaneci no “Pau de Arara”, além da dor atroz e dilacerante, dava tratos à memória e não encontrava uma plausível ocorrência que justificasse a torpe ação policial que me havia sido imposta. Horas depois, voltaram à sala onde havia sido deixado e, pela primeira vez, me dirigiram a palavra me perguntando se eu já estava pronto pra confessar o recebimento dos dólares enviados pelo Presidente João Goulart e a quem eu havia feito a entrega. Estupefato, diante do absurdo do motivo da prisão e revoltado pela forma utilizada para obterem uma confissão, tive ímpetos de revolta e com extremada raiva e lágrimas, reverti a situação e posição e, arrancado o capuz, passei a increpar os policiais, denunciando a torpeza da tortura desnecessária e inútil, face às explicações e provas da realidade contra acusações e denúncias infundadas.
Estes três fatos por mim intensamente sofridos e que estão indeléveis na memória, causadores que foram de lágrimas e prantos de raiva, por certo se assemelham à raiva e choro da grande maioria dos petistas, que, durante 25 anos, cultuaram na política as práticas da moral, da ética, do civismo e de patriotismo e , de repente, se vêem de frente à derrocada dos seus ícones e paradigmas da moralidade, traídos que foram por um grupelho acanalhado do Partido. Os tristes, lamentáveis e criminosos acontecimentos que a Nação estarrecida tem assistido nas Comissões Parlamentares de Inquérito, com a quebra da esperança e confiança com que milhões de brasileiros esperavam do operário Luiz Inácio Lula da Silva, é mais frustrante e traz a revolta da maioria da população, que aguardava e confiava nas modificações sociais e a implantação da ética e da moralidade, como foram apregoadas e anunciadas durante as passadas campanhas eleitorais do PT. O desencanto só não será maior se a revanche que é esperada pelos estafantes trabalhos e disposição dos membros das CPIs, sob o comando do Senador Delcidio Amaral e dos atuantes Deputados e Senadores que investigam e apuram as falcatruas de delinqüentes que emporcalham o Congresso Nacional, resultar efetivamente no que se espera: a cadeia.
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CAPA
A BUROCRACIA
UM E
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ESTATAL:
ENTRAVE QUE AINDA PERSISTE Delcídio Amaral Senador da República
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m relatório recente do Banco Mundial apresenta dados para avaliar a economia em áreas consideradas chave, como produtividade, investimento, informalidade, corrupção, desemprego e pobreza. As informações são úteis para que o parlamento brasileiro possa identificar as áreas em que o País se encontra atrasado e trabalhar para construir uma legislação adequada às necessidades de um país moderno, eficiente e acima de tudo competitivo no cenário internacional. Essas reformas legislativas, sejam amplas ou restritas, são medidas essenciais para incrementar a atividade econômica. E o crescimento econômico é o caminho mais rápido para a construção de um país mais justo, mais harmônico, onde a riqueza nacional possa ser melhor distribuída. Um dos itens mais importantes do relatório citado é o funcionamento do Judiciário. Especialmente no que se refere ao cumprimento dos contratos celebrados entre credores e devedores. O tempo médio gasto no Brasil para execução judicial da dívida é de espantosos 566 dias, mais que o dobro da média da OCDE, de 229 dias. Para melhorar esse número, é necessário reduzir a quantidade de recursos, ampliar o acesso ao Judiciário, reduzir seu custo e elevar o grau de efetividade do ordenamento jurídico. Para isso, torna-se indispensável a regulamentação da Reforma do Judiciário, com mudanças na legislação infraconstitucional.
Recentemente, diversos países implantaram soluções práticas para reforçar o cumprimento dos contratos. A Finlândia instituiu juízos sumários para cobrança de dívidas e o Chile limitou os recursos processuais. O parlamento brasileiro deu importante contribuição para reduzir a burocracia no Brasil ao aprovar a nova lei de falências, tornando mais ágil o processo de recuperação das empresas, seja no âmbito judicial ou extrajudicial. O ultrapassado instituto da concordata foi extinto e o processo falimentar ganha em celeridade e eficiência. O tempo gasto atualmente para concluir um processo de falência no Brasil é de catastróficos 10 anos, segundo dados do relatório do Banco Mundial. A média nos países da OCDE é de cerca de 1,7 ano. E a informação que mais impressiona é a taxa de retorno da empresa insolvente, o que sobra para os credores após a conclusão do processo, que é de 0,2 centavos por dólar. Nos países integrantes da OCDE, a média é de 72,1 centavos por dólar. O relatório do Banco Mundial apresenta dados para avaliar a economia em áreas consideradas chave, como produtividade, investimento, informalidade, corrupção, desemprego e pobreza. As informações são úteis para que o parlamento brasileiro possa identificar as áreas em que o País se encontra atrasado e trabalhar para modificar o que precisa ser reformado. São medidas fundamentais para incrementar a atividade empresarial e ampliar as oportunidades para toda a população. Enumero esses dados para reflexão, como um alerta. Estamos caminhando, avançamos em várias frentes, mas
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CAPA não podemos ignorar que, em muitas áreas, o país se encontra atrasado e precisamos trabalhar para modificar o que ainda precisa ser reformado. O Senado Federal e a Câmara dos Deputados vêm colaborando decisivamente para reduzir a burocracia no Estado, uma herança que vem do Brasil colonial, a fim de eliminar obstáculos ao crescimento do País. No ano passado, entre outras proposições, foram aprovadas a Reforma do Judiciário e a nova Lei de Falências, duas áreas que merecem destaque em importante estudo elaborado por técnicos do Banco Mundial, que investiga o alcance e a modalidade de regulação no sentido de fomentar ou restringir a atividade empresarial. Em seu segundo ano de elaboração, o relatório do Banco Mundial compara o custo regulatório de fazer negócios em 145 países – da Albânia a Zimbábue -, e constitui relevante indicador para mostrar o que precisa
ser reformado para que as empresas invistam, gerem empregos e melhorem a produtividade. O estudo apresenta informações em sete áreas pesquisadas: abertura de uma empresa; contratação e demissão de funcionários; registro da propriedade; obtenção de crédito; proteção dos investidores; cumprimento dos contratos e fechamento de uma empresa. Nessas áreas, é necessário e urgente que o Brasil apresente melhores resultados. O empresário brasileiro despende 152 dias, em média, para cumprir todos os 17 procedimentos requeridos para abrir sua empresa. O tempo gasto é bem superior à média de 70 dias verificado nos países da América Latina e bastante distante da Austrália, país de melhor desempenho, no qual são necessários apenas 2 dias. Parece incrível, mas um dos principais entraves apontado pelo relatório é a obtenção da licença do corpo de bombeiros e, caso necessário, de outros órgãos
“O Senado Federal e a Câmara dos Deputados vêm colaborando decisivamente para reduzir a burocracia no Estado, uma herança que vem do Brasil colonial, a fim de eliminar obstáculos ao crescimento do País.”
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“O aperfeiçoamento da legislação trabalhista é extremamente relevante e não pode deixar de ser incluído na agenda do parlamento brasileiro.”
de fiscalização estaduais e municipais. Os indicadores mostram que essa licença, que é concedida em média no prazo de 120 dias, é o principal fator de demora no processo de registro de empresas. Para a redução desse prazo, é necessário aperfeiçoar a coordenação dos órgãos federais, estaduais e municipais na abertura das empresas. Além disso, é importante diminuir o número de procedimentos e reduzir a distância percorrida pelos requerentes do registro. Merece destaque a iniciativa do Departamento Nacional do Registro do Comércio, ganhadora do prêmio Hélio Beltrão de experiências inovadoras de gestão na administração pública federal, que criou o Centro de Atendimento Empresarial – Sistema Simples, em Brasília-DF, cuja idéia é reunir todos os órgãos envolvidos no processo de registro e legalização de empresas em um mesmo local. Outra área que dificulta o desenvolvimento do país diz respeito às regras trabalhistas. A rigidez da
regulamentação laboral é apontada pelos especialistas em mercado de trabalho como fator de menor geração de novos empregos e de períodos mais longos de desemprego. O estudo do Banco Mundial classifica o índice de regulamentação trabalhista em uma escala de 0 a 100. Quanto mais próximo do valor máximo, mais rígidas revelam-se as regras trabalhistas. São levadas em consideração, entre outras, questões como jornada de trabalho exigida, remuneração de horas-extras, pagamento de dias não trabalhados e procedimentos para a demissão. O índice do Brasil é de 72, bastante superior à média de 44 da América Latina, região na qual se destaca o Chile, um dos países de melhor colocação geral, cujo indicador, segundo o estudo, encontra-se na casa de 19. O aperfeiçoamento da legislação trabalhista é extremamente relevante e não pode deixar de ser incluído na agenda do parlamento brasileiro.
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“Que sejam vendilhões
Ministro Edson Vidigal Presidente do Superior Tribunal de Justiça
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País, como que perplexo e insone, parece estar à espera de uma voz que lhe repita o brado de Caxias: “Quem for brasileiro que me siga!”. “Brado de Caxias”, esse foi o nome do primeiro jornal fundado na nossa cidade, Caxias, por Cândido Mendes de Almeida, em 1846, aos 27 anos de idade. Uma vez, eu ainda menino, recém-chegado para trabalhar e estudar na capital, São Luís, fui atraído a um ajuntamento que crescia mais e mais, numa tarde, na Praça João Lisboa. Naquele Maranhão, onde a pobreza era quase tudo e o direito às oportunidades quase nada, ouvi, pela primeira vez, sobre a necessidade e a possibilidade de um “desenvolvimento já!”. O profeta, naquele
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Maranhão escravizado e dominado pela “politicalha” e pela “politiquice”, era o professor Cândido Mendes de Almeida. Aquele discurso me inundou e me impeliu e ainda hoje me inspira – “desenvolvimento já!”. Com o tempo, fui aprendendo que o desenvolvimento é incompatível com a mediocridade, com a falta de coragem e que, ao contrário, é compatível com a ousadia de sonhar sonhos grandes, sonhos possíveis de serem realizados. “Desenvolvimento já!” é possível, sim. A cruzada do desenvolvimento não é convocação que se faça aos covardes, de almas míopes; não é tarefa que se entregue aos que se acomodam, que se conformam; não é serviço para os que não gostam do salário honesto.
expulsos os do templo” Aliás, já está passando da hora de voltarmos a falar seriamente em “desenvolvimento já!”. Precisamos reescrever, adaptando-o ao novo século, o nosso projeto de Nação. O que queremos para o Brasil? Quais os nossos maiores desafios? Como vencê-los e com quais recursos e aliados contaremos? Aonde queremos chegar? Não podemos, com certeza, ceder à mesmice. Precisamos mostrar a nós mesmos o quanto somos capazes, fortes, honestos, idealistas, criativos. Precisamos resgatar valores, muitos dos quais nos foram arrebatados pelo populismo político, de alguns dos quais fomos nos desprendendo em momentos difíceis de fadiga moral imposta pela predominância de tantos maus exemplos. Precisamos resgatar a família, a escola com a educação moral e cívica e, também, a fé religiosa. É esse engenho de virtudes que vai nos restituir a coesão familiar, a responsabilidade escolar, o respeito com o coletivo e os limites espirituais. Tudo em favor de uma sociedade mais comprometida com o desenvolvimento e com a paz. Para nada servem as leis quando o Estado, encarregado de fazer cumpri-las, se enfraquece e se distancia, ampliando o dissenso entre a sociedade e os grupamentos políticos incumbidos de fazê-lo funcionar. As leis não se realizam na sua força coercitiva quando a sociedade, indiferente, não as legitima. Sem legitimidade, não há autoridade e, sem autoridade, tudo resulta num teatrinho de intermináveis formalidades. As pessoas do povo em geral já não disfarçam o cansaço com a desfaçatez que de há muito estamos vivenciando. Do mesmo modo como a política de juros altos não pode ser o único remédio para o controle da inflação, também o Código Penal não pode ser a única saída para o enfrentamento da violência. A criminalidade a ser combatida não é apenas a das ruas, das praças, das favelas. Não podemos perder de vista a criminalidade do conluio, da cumplicidade, do silêncio; a criminalidade engravatada, exatamente aquela do malandro “que nunca se dá mal”, conforme os versos de Chico Buarque de Hollanda: “Agora já não é normal / o que dá de malandro / regular, profissional / malandro com aparato de malandro
oficial / malandro candidato a malandro federal / malandro com retrato na coluna social / malandro com contrato / com gravata e capital / que nunca se dá mal (...)”. É o malandro que não bate carteira até porque o Zé do Povo já nem a usa mais à falta do que nela guardar; é o malandro que não troca tiros com a Polícia, até porque não atua nas ruas nem nos morros; é o malandro que, com mandato político ou não, consegue ficar cada vez mais parceiro da arrecadação tributária porque tem sempre um coleguinha pelas adjacências dos cofres públicos. É o malandro “que nunca se dá mal”. O povo brasileiro, que é todo, em si, íntegro, trabalhador, honesto, ético, envergonha-se quando se apercebe de que está sendo enganado por quantos, malandramente, conseguem mandatos políticos e, malandramente, passam a atuar no seu nome. Não sendo tais políticos pessoas honradas, não têm como honrar a representação. Aliás, nem precisam, até porque os seus compromissos são outros e com outros igualmente malandros. Os nossos políticos, na grande maioria, felizmente, pessoas do bem, precisam se acertar com a Nação. Sem corporativismos, sem conluios de qualquer espécie, precisam reagir logo com normas legais rígidas de procedimentos sumários contra a impunidade triunfante. A impunidade não pode continuar fazendo troça da sociedade. Sendo o Congresso Nacional o grande templo onde se louva e se afirma a democracia, a Nação exige que sejam expulsos, o quanto antes, os vendilhões do templo! Não há que haver condescendência. Não há que haver proteção. Proteção se dá é à vítima de injustiça; a quem sofre constrangimento ilegal por abuso de poder. Nas ditaduras, isso se justifica se a vítima, pessoa honrada, é perseguida pelas suas idéias políticas. Nas democracias, não. Nas democracias, é possível distinguir a impunidade da imunidade. Nas democracias, é dever da Justiça pública perseguir os acusados de qualquer crime, inclusive os lesivos aos cofres públicos. O último relatório do PNUD – Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento - sobre a democracia na América Latina conclui que o Brasil tem menos
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chamada economia informal, que não assina carteira democratas que a média de todo o continente. A pesquisa do trabalhador, nem paga imposto. Se conseguirmos envolveu dezoito países, sendo o objetivo central medir que todos saiam da economia informal e se juntem aos o grau de comprometimento das populações com os que, na economia, não têm problemas com a legalidade, princípios democráticos. somaremos uma arrecadação maior; assim, será possível O Brasil, nessa pesquisa, tem 15º (décimo quinto) reduzir, de pronto, as alíquotas dos impostos. percentual de população considerada democrata. Apenas Só com justiça tributária, todos pagando pouco e a 30,6% dos brasileiros se enquadram nessa classificação, arrecadação somando mais, será possível apresentar ao País um contra 71,3% dos uruguaios, aliás, segundo a pesquisa, orçamento forte, suficiente para responder aos compromissos os mais democratas do continente. O Brasil fica à frente do Estado e às promessas da democracia para com a sociedade. apenas do Equador, do Paraguai e da Colômbia. Para cada problema há que haver uma solução simples e Outra pesquisa do PNUD, divulgada em julho do ano barata. Mas mesmo essas soluções simples e baratas não se passado, ainda nos espraia perplexidades: 59% dos brasileiros materializam quando não existe dinheiro. não sabem o que é democracia. Ou seja, ignoram o significado Está na moda mirar a China. A despeito das nossas de democracia. E agora, pasmem! Outros 54% apoiariam um divergências quanto à predominância governo autoritário se isso resolvesse os totalitária nas suas instituições, o problemas econômicos. Estado funciona, o Governo trabalha, E o que esperar do Estado brasileiro “Só com justiça a sociedade participa. E o que é que quando a sociedade desconfia cada vez mais dos homens públicos? Segundo o tributária, todos pagando tem a China para justificar tanto IBOPE, numa pesquisa concluída no pouco e a arrecadação crescimento, para sair mundo afora com tanto dinheiro na mão bancando último mês, 87% dos brasileiros não somando mais, será investimentos? A China tem muito o confiam nos nossos políticos. que nem de longe temos; a China tem Na pesquisa do PNUD, no ano possível apresentar tem dinheiro vivo. passado, os militares brasileiros tinham ao País um orçamento reservas, Tenho sustentado a opinião de que 38% de confiança da população, acima, forte, suficiente a questão agrária não se resolverá no portanto, do Executivo e do Judiciário confronto com o direito à propriedade (25%) e do Legislativo (23%). para responder aos privada. Essa é uma questão que só não Até os bancos, com os juros altos, compromissos do Estado é a mais antiga no Brasil porque aflorou apareceram com mais credibilidade do logo após a queda do Império, enquanto que cada um dos três Poderes (36%). e às promessas da a reforma do Judiciário vem sendo Partidos políticos, então, nem falar; 23% de confiança da população. Mas isso no democracia para com a discutida desde o Império. Naquele tempo, já se cuidava de ano passado... sociedade.” garantias individuais como o habeas Por que será que a confiança maior corpus, por exemplo. Já se falava sobre hoje, exatos 75%, está com os militares? exigências mais rígidas para o ingresso na magistratura. Já Essas duas constatações somam um excelente enredo para se defendia o principio da súmula vinculante, quando se conclusões simples, mas preocupantes. É que, quanto mais estabelecia que as decisões de instâncias superiores não a imagem dos políticos, no geral, salvo exceções, vinculapoderiam ser contrariadas pelas instâncias inferiores. se à inoperância e à corrupção, mais o tempo tange para o A reforma do Judiciário prossegue em discussão esquecimento das atrocidades da ditadura militar. até hoje. E é bom que nunca se deixe de falar nisso, E entre os que não fazem e, dizem por aí, só dão pois Justiça precisa e precisará sempre de reformas, de maus exemplos e os que, mais eqüidistantes, mostram-se atualizações profundas nos seus procedimentos. comprometidos com a ordem e com a disciplina, com a Quanto à reforma agrária, é importante que nunca defesa das instituições democráticas e com a defesa das deixemos de afirmar que ela só se realizará se for pela lei. fronteiras da Pátria, logo a tendência do povo é apoiar os Nunca pela força, com invasões da propriedade privada e que projetam os bons exemplos. governos inoperantes ou omissos fazendo vistas grossas, Então, precisamos cuidar melhor da democracia. não comparecendo com a justa indenização. Precisamos combater a sonegação fiscal, a pirataria, o Com regras mais flexíveis para o usucapião rural ou tráfico de drogas, o contrabando de armas, a lavagem urbano, será possível legalizar a situação patrimonial de dinheiro. Precisamos trazer para a legalidade a
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luta insana para esmagar o próximo, fazendo tábula rasa também dos moradores dos morros e das favelas. da solidariedade, que até os irracionais manifestam em Outros países da América Latina já estão fazendo isso. sua vida coletiva. E por que não o fazemos? Tudo com seriedade, com É oportuna a advertência do poeta Moacir Félix: responsabilidade, sem populismo. Para a subnutrição, “No Brasil, o poema drapeja em suas lanças centrais de proteínas. a mais sagrada das fúrias, a do homem Importante lembrar que, civis, militares ou eclesiásticos, condenado a morrer vivendo longe somos todos brasileiros. Nossas mazelas, até quando? O da sua mais própria identidade”. quando não vai demorar. Só dependemos agora de mais É hora de restaurar valores eternos, que se julgam superados, efetivos para a Polícia Federal, que precisa ampliar o seu mortos, enterrados. A História, que Cícero chamava de “a quadro para, no mínimo, mais vinte mil entre agentes, professora da vida” (magistra vitae), está aí para nos recordar delegados e peritos criminais. Precisamos de mais membros exemplos de superação de momentos críticos, nos quais a no Ministério Público Federal e de mais juízes federais em nação se reencontra e ganha forças para vencer as dificuldades. quantidade correspondente a, pelo menos, o triplo do atual No Brasil, vemos o Poder Executivo paralisado por um contingente. Estado mastodonte, incapaz de cumprir Vamos ter que interiorizar mais as os seus deveres elementares e de atender ações da Polícia Federal, do Ministério aos reclamos essenciais da população; o Público Federal, da Justiça Federal. Os “Com regras mais dividido entre a sua missão mecanismos da União Federal de apoio flexíveis para o usucapião Legislativo, maior de elaborar as leis da Democracia à sociedade e de garantia do dinheiro Representativa e o emaranhado de lutas rural ou urbano, será público e do patrimônio das pessoas não políticas e partidárias intestinas. se estendem com eficácia ao interior do possível legalizar a Apesar dos seus problemas e falhas, Brasil. E é para o interior que o crime situação patrimonial só o Poder Judiciário ainda pode inspirar está indo, que o bandalho das licitações de araque está migrando. Não havendo também dos moradores à sociedade a confiança de que ela tanto necessita. O Poder Judiciário emerge, punição a tempo, quem manda é a dos morros e das favelas. neste momento, como uma luz na impunidade. Muito do nosso dinheiro, arrecadado (...) Tudo com seriedade, escuridão, uma chama de esperança para que ainda crêem na força do Direito, dos nossos incontáveis sacrifícios para os com responsabilidade, os no respeito às leis e aos contratos cofres públicos, não chega à destinação sem populismo. Para a legitimamente firmados, na garantia das orçamentária. Estima-se hoje que algo individuais. em torno de 72 bilhões de reais são subnutrição, centrais de liberdades Ontem, diante do arbítrio, a História desviados dos cofres públicos. Isso proteínas.” nos cobrou a coragem de resistir. equivale a sessenta vezes mais que todo Resistimos e vencemos. Hoje, na o investimento do Governo só no setor democracia, a mesma História nos cobra dos transportes, no ano passado. Estudos atitudes, resgate de princípios, lealdade a valores, muitos dos do Banco Mundial indicam que, num país corrupto, os quais até esquecidos. E é a História que molda o caráter de investimentos saem, no mínimo, 20% mais caros. um povo, que dá consistência a uma Nação. O retrato moral do mundo de hoje, o Brasil incluído, Devemos, portanto, aprender com as lições da História. até supera o quadro de decadência que o apóstolo Paulo Ela nos ensina que o País não se compadece dos covardes, descreveu sobre os romanos do seu tempo: dos acomodados, dos conformados, dos que insistem na “Estão cheios de toda sorte de injustiça, de defesa dos seus privilégios em detrimento da democracia e perversidade, de cupidez, de maldade, cheios de inveja, da cidadania. O que a História afinal nos ensina é que não de homicídios, de brigas, de dolo, de depravação, são devemos ter medo. E o povo brasileiro não terá medo. difamadores, detratores, inimigos de Deus, provocadores, orgulhosos, fanfarrões, astutos para o mal, rebeldes contra os seus pais, sem inteligência, sem lealdade, sem coração, sem compaixão”. Nossa sociedade se entredevora feroz em apetites egoísticos. Ficam em segundo plano a fraternidade e a paz entre os homens. É como se todos se digladiassem na
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Getúlio Vargas 51 ANOS José Gomes Talarico Jornalista e ex-Presidente da Comissão de Direitos Humanos Liberdade de Imprensa da ABI
O
Dr. Getúlio Vargas, no período de 1937 – 1945, promoveu amplas reformas administrativas, econômicas e sociais. No âmbito administrativo, o dispositivo que causou impacto: que vedava a acumulação de cargos públicos da União, Estados e Municípios, extinguindo o privilégio de uma pessoa exercer dois, três ou mais cargos. Criou, em 1938, o Departamento Administrativo do Serviço Público, o DASP, para racionalizar a administração e o funcionalismo, introduzindo critério de recrutamento e promoção que elegiam o mérito. O DASP foi importante instrumento para a melhoria dos padrões dos serviços administrativos. Entre suas principais metas, o enfrentamento dos problemas econômicos e sociais, rompendo as comportas do subdesenvolvimento e partindo para o progresso industrial e modernização agrícola. Deu ascensão à classe trabalhadora proporcionando direitos sem prejuízos das demais comunidades. Fundiu uma consciência nacionalista, através das relações do Governo com os Estados que se se desenvolveram de modo a cimentar a unidade nacional. E não
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formalizou o regime neofascista. O homem de confiança do Brasil com os Estados Unidos era Oswaldo Aranha que, por sua discordância ante o novo regime se demitiu da Embaixada Brasileira em Washington, regressando ao Brasil em dezembro de 1937, onde retornou às atividades de advogado. Devido ao agravamento da situação mundial, era muito solicitado pela imprensa. O Presidente Vargas o convidava para conversas e almoços. Entretanto, nada superava sua mágoa pela decretação do Estado Novo. O esfriamento de relações EUA – Brasil, o nosso principal importador, causava preocupações gerais. Surgiu, então, a questão dos refugiados judeus. Os EUA reclamavam da política anti-semita de setores brasileiros, que articulavam a expulsão dos que tinham entrado no país como turistas e clandestinamente. O embaixador americano Jefferson Catery pediu a interferência de Oswaldo Aranha. Apesar das objeções do ministro da Justiça, Francisco Campos, e do chefe de polícia, Major Felinto Muller, Aranha conseguiu, junto ao presidente, suspender a execução das deportações. O “New York Times” enviou ao Brasil um jornalista para observar a situação brasileira. Aranha, procurado pelo jornalista, o ajudou no seu trabalho. Demonstrou o caráter nacionalista do regime e os antecedentes históricos do país, da simpatia que os Estados Unidos e o Presidente Roosevelt desfrutavam na opinião pública brasileira. Uma série de reportagens foi publicada no “New York Times” e reproduzida em vários outros jornais americanos. Vargas ficou grato por mais essa colaboração do seu antigo companheiro e
acionou a família e os amigos para quebrar as resistências de Aranha. Afinal, em março de 1938, Aranha aquiesceu em assumir o Ministério das Relações Exteriores. Introduziu inovações no Itamarati, unificou o corpo diplomático e criou informativos sobre os acontecimentos internacionais. As reformas concretizadas. O controle do Estado sobre as indústrias básicas passou a figurar como uma das metas governamentais, tendo declarado de propriedade da União as jazidas de petróleo e determinou a nacionalização da indústria de refinação do petróleo importado, criando o Conselho Nacional do Petróleo. Além da instalação da grande indústria do aço, deu tratamento especial ao rearmamento das Forças Armadas, produção de munição e equipamentos. Lançou o movimento Marcha para o Oeste, pregando a ocupação dos espaços despovoados e a incorporação da Amazônia. Em 1940 executou o plano qüinqüenal: instalação de indústrias de base, especialmente a siderúrgica,
a usina hidrelétrica de Paulo Afonso, a drenagem do Rio São Francisco, a construção de estradas de ferro e de rodagem, a compra de aviões e navios para o Loide Brasileiro. Criou o Serviço de Alimentação da Previdência Social, SAPS, que organizou uma rede de refeitórios nas principais cidades e o suprimento, por preços baixos, dos gêneros alimentícios. Instituiu o Ministério da Aeronáutica que passou a organizar a Força Aérea e o Correio Aéreo. Em 1941, promoveu alterações no Ministério; nomeou Vasco Leitão da Cunha ministro interino da Justiça, em substituição a Francisco Campos; para ministro do trabalho, Alexandre Marcondes Filho; para ministro da agricultura, Fernando Costa. Em 1942 assinalou uma virada com o crescimento industrial. Pela primeira vez, desde 1920, começaram a se acumular reservas cambiais, graças à expansão do programa de aquisição de material estratégico. Criou a Coordenação da Mobilização Econômica, com poderes para regular a produção e fixar preços. Os ramos industriais
“Vargas teve, sem dúvida, a percepção de que, com o fim da guerra, o regime estadonovista não sobreviveria, tanto que não concretizou os órgãos previstos na Carta. Não criou partidos, nem propiciou que se organizassem novas gremiações políticas. Se a cristalização do Estado Novo era evidente, o prestígio popular do Presidente tornara-se crescente com os atos sociais (...)”
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expandiram suas atividades, a indústria do carvão se modernizou; fábricas químicas, de lataria, celulose e de caldeiras foram instaladas no Vale da Paraíba; organizou-se uma empresa para desenvolver a indústria de álcalis. Esse crescimento foi estimulado pela política monetária e fiscal. O financiamento do esforço de guerra proporcionou obras públicas de grande vulto, como a construção dos Ministérios da Fazenda, Educação e Trabalho. Incrementou a navegação ao nacionalizar e fundir duas empresas que serviam à região amazônica: Company Port of Pará e Amazon Rever Stean. A Companhia Nacional de Navegação Costeira seguiu como resultado do controle governamental sobre a empresa Lage-e-Irmãos. Foi criado o Serviço Nacional da Bacia do Prata para a navegação nos Rios Paraguai e Paraná. A guerra levou o governo a criar a Fábrica Nacional de Motores, em Xerém, Estado do Rio, cujos objetivos eram garantir os serviços de manutenção de motores e sua produção, devido à escassez dos
tempos de guerra. Em 1943, pela Carta de 1937, terminava o mandato governamental. A permanência de Vargas no poder decorreu, conseqüentemente, do prosseguimento da guerra. Se em 10 de novembro de 1937 e nos seqüentes registrouse uma profunda apatia política no país, as campanhas populares contra o nazi-fascismo, as reações ao afundamento de nossos navios e capitulação das forças alemães na Europa, da Itália na África e do Japão na Ásia, estimularam os opositores do regime a se opor às transformações políticas. Vargas teve, sem dúvida, a percepção de que, com o fim da guerra, o regime estadonovista não sobreviveria, tanto que não concretizou os órgãos previstos na Carta. Não criou partidos, nem propiciou que se organizassem novas gremiações políticas. Se a cristalização do Estado Novo era evidente, o prestígio popular do Presidente tornara-se crescente com os atos sociais – a Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada em 1º de maio de 1943, amparando o trabalhador. Essa foi, em todos os
Getúlio Vargas e o 24 de agosto de 1954. O dia de 24 de agosto, para nós (os getulistas), representa uma data profundamente triste. É que completam 51 anos do falecimento do saudoso Presidente Getúlio Vargas, e 122 do seu nascimento. O Brasil inteiro recorda ainda aquela noite trágica em que o presidente, pressionado por alguns fatos não bem explicados, preferiu suicidar-se. Ainda há um vazio histórico, que a Nação tenta conhecer em profundidade. O que se observa é que, longe de resultados políticos, cresce cada vez mais o interesse por conhecer a vida de Vargas, que é considerado o mais eminente brasilieiro desse século. A história quer conhecer melhor a Era Vargas. Alguém já examinou em profundidade os arquivos pessoais de Vargas que seus descendentes zelam cuidadosamente? Está na hora de fazê-lo. Guilherme Arinos
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tempos, a aspiração mais premente das classes operárias, que instituiu o salário mínimo e a remuneração condigna que proporcionasse as suas necessidades vitais; inovou o instituto da estabilidade, que foi a maior conquista no campo do Direito Social. Estabeleceu as normas reguladoras do trabalho, sua nacionalização, proteção da mulher e do menor, organização das associações representativas operárias e patronais e o imposto sindical, um tributo especial. Não tivessem as entidades sindicais como fonte primordial de suas receitas, dificilmente estariam habilitados a cumprir as suas finalidades assistenciais. O que houve de errado no imposto sindical foi a denominação, que induziu a equívoco sobre a verdadeira natureza da contribuição que representou. Foram inseridas na CLT duas conquistas na Justiça do Trabalho: o recurso extraordinário por violação expressa do Direito e a criação do Instituto do Pré-julgado. E também estabelecida a autonomia do Ministério Público, quer para a Justiça do Trabalho, quer para a Previdência Social, como elemento de controle da legalidade e de promotor da jurisprudência do Direito. O Presidente Getúlio Vargas, quando deixou o poder em 1945, renunciado, o Brasil pela primeira vez em nossa história era credor internacional. Países como os Estados Unidos, Inglaterra, Itália, Alemanha e outras nações eram nossas devedoras. Possuía, em reservas no estrangeiro, mais de 800 milhões de dólares em ouro e divisas, recursos superiores a nossa dívida externa e em situação financeira melhor que os Estados Unidos e Inglatera, assoberbados com os gastos de guerra.
OPINIÃO
Juízo, muito juízo, senhores políticos Antônio Ermírio Empresário
A
renúncia é um ato unilateral e um direito garantido em todos os países. Afinal, ninguém é obrigado a continuar em uma relação que não deseja. É direito do cônjuge renunciar ao compromisso firmado no casamento, assim como é direito de um sócio renunciar a seu cargo em determinada empresa. Mas a renúncia não significa passar uma borracha no passado. Na dissolução do casamento, o cônjuge se separa, mas continua com obrigações para com o outro e de forma nenhuma pode repudiar as dívidas contraídas no passado e enquanto durou a união conjugal. O mesmo ocorre com o sócio que se desliga de uma empresa. Ele responde por todos os atos passados e dos quais participou. No terreno da política, a lei é diferente. Os nossos códigos permitem usar a renúncia como um estratagema para apagar o passado e garantir o futuro. Quando num beco sem saída, os políticos renunciam para não perder seus direitos políticos e, com isso, voltar à cena na próxima eleição. O Congresso Nacional tem vários casos de parlamentares que se valeram dessa oportunidade legal para voltarem à Câmara dos Deputados ou ao Senado. Embora o renunciante continue com a responsabilidade de responder pelos seus mandos e desmandos perante a Justiça, raramente isso acontece. O uso e abuso dos recursos, da controvérsia das provas, do excesso de processos que entopem os tribunais, tudo isso lhe permite arrastar as ações por um longo prazo. Na maioria dos casos, a Justiça não consegue emitir uma sentença a tempo para impedir que uma pessoa condenada se candidate no próximo pleito.
Ganhando a eleição, o renunciante recupera a imunidade parlamentar e, com isso, passa a ter foro privilegiado, o que, na prática, significa um retardamento ainda maior do efetivo julgamento. Há os que acreditam na vingança do eleitor. Ledo engano. Se o renunciante estiver bem equipado financeiramente, ele conseguirá montar uma daquelas campanhas que encantam e vendem ilusões, manipulando as emoções dos eleitores. A conquista do voto é quase certa. Difícil seria se o renunciante devolvesse o dinheiro que apropriou indevidamente. Renunciar é uma coisa. Devolver o dinheiro é outra. Lembram-se dos ‘’anões do Orçamento’’? Qual deles devolveu o dinheiro? Se não estou enganado, nenhum. Por isso, vários deles contataram com os marqueteiros campanhas hipnóticas que lhes deram os votos necessários para voltar ao Congresso Nacional. A lei é assim. Ela garante os direitos políticos de quem saqueia os cofres públicos, desde que saiam (provisoriamente) da cena política por alguns meses. No caso em tela, há uma verdadeira fila de candidatos à renúncia. Mantendo o dinheiro que levaram, ficarão fora da política por 18 meses, o tempo para montar a próxima campanha eleitoral. Bem diferente é o caso do que se divorcia ou se retira de uma empresa. Eles respondem pelas dívidas do passado até o fim da vida. Será que esta lei está errada e a dos políticos está certa? É um bom tema para começar a tão falada reforma política.
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O Poder Judiciário e o Ato Infracional. Siro Darlan de Oliveira Desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro
A
o tomar posse na Presidência do Tribunal de Justiça o Desembargador Sergio Cavallieri ratificou o compromisso da Justiça com a sociedade. “O Judiciário moderno não se limita aplicar cega e automaticamente as leis aos casos concretos. A sua missão é muito mais ampla na medida em que tem que interpretar e ajustar as leis às reais necessidades da sociedade”. Justiça, para o presidente eleito, não é apenas dar a cada um o que é seu. “Isso importa em dar cada vez mais ao que tem muito e cada vez menos ao que tem pouco, gerando desigualdade social. Essencial é dar a cada um o mínimo existencial, o mínimo para viver com dignidade”, ressaltou. Para Cavallieri, não somos mais um país pobre, já que estamos na base do terço dos países mais ricos do mundo. O desembargador citou que pelo menos 70% dos países são mais pobres do que nós. Mas o Brasil, segundo ele, é um dos que tem a maior desigualdade no mundo, empatando com a África do Sul e outros menores. “Países com a renda per capta do Brasil têm apenas 8% da sua população abaixo da linha de pobreza. O Brasil tem 33%, ou seja, mais de 50 milhões de brasileiros vivem abaixo dessa linha” , afirmou. Ainda de acordo com o desembargador o Judiciário tem compromisso com a sociedade tanto quanto o Executivo e o Legislativo. E a sua missão está ligada à efetividade e à eficiência operacional. “Se o povo, se a sociedade como um todo, têm sede e fome de justiça, então o Judiciário tem por obrigação saciá-los. Não pode esperar por reformas constitucionais demoradas, tampouco pela edição de medidas milagrosas e leis mirabolantes”, defendeu o presidente do TJ-RJ, para quem essa é a cultura do repasse que tem atrasado a verdadeira reforma do Judiciário por várias décadas. O discurso do novo presidente marca de forma definitiva que deve haver um casamento perfeito entre o que diz a Constituição e as leis da Nação e a realidade de nosso povo, e que não podem os juízes se limitar a simples e burocrática aplicação das leis sem o sentir das ansiedades, necessidades e desejos da sociedade. 18 • JUSTIÇA & CIDADANIA • AGOSTO 2005
Refletindo a opinião pública da sociedade em recente pesquisa publicada aponta que quase 70% dos magistrados brasileiros são a favor da redução da responsabilidade penal para 16 anos. A pesquisa não aponta, no entanto, qual o percentual desse universo de magistrados ouvidos que efetivamente conhece e está em dia com a efetivação dos direitos constitucionalmente assegurados à infância e à juventude. No que tange a aplicação das medidas sócio-educativas, o noticiário é farto na demonstração da incompetência das autoridades administrativas para a efetiva execução das mesmas. A Febem de São Paulo encontra-se em permanente estado de rebelião apesar dos esforços das autoridades que se sucedem em medidas equivocadas ao invés do simples cumprimento das regras constitucionais, dos compromissos internacionais e da Lei 8069/90, o Estatuto da Criança e do Adolescente. A polêmica jurisprudencial marcada pelas posições dos diversos Tribunais quanto à interpretação se devem ou não aos maiores de 18 anos que praticaram atos infracionais permanecerem nas unidades destinadas ao cumprimento das medidas sócio-educativas é um exemplo da insensibilidade das autoridades judiciárias para o caos em que se encontram as escolas em todo o país. A finalidade da aplicação das medidas sócio-educativas é a ressocialização do adolescente e a promoção de sua cidadania que muitas vezes é a verdadeira e única razão de seu envolvimento com a conduta anti-social. Ora, se o Poder Público foi incompetente para obter o desiderato que é a ressocialização do adolescente durante o tempo da aplicação da medida, outro caminho não há senão a decretação da extinção da medida sócio-educativa eis que o jovem atingiu a maioridade civil, o que constitui causa de extinção da medida sócio-educativa. A excepcionalidade da medida de internação e o advento do novo Código Civil que igualou a capacidade civil à penal impõe a interpretação restritiva que importa na imediata liberação daquele que atingiu a maioridade civil e penal. Ainda, é de
se ressalvar que: “Com o advento do Novo Código Civil, seu artigo 5º estabeleceu que a plena capacidade é atingida aos 18 (dezoito) anos de idade, perdendo os pais o pátrio poder. (sic) Portanto, atualmente, a pessoa maior de 18 (dezoito) anos não pode mais ser considerada pessoa em desenvolvimento, pela aquisição da plena capacidade, não mais se justificando a aplicação de medida sócio-educativa de internação”. Inicialmente, há que se recordar a manifestação da ilustre Relatora do Projeto de Lei 5.172/90, Deputada Rita Camata, que se transformou no Estatuto da Criança e do Adolescente – Lei 8.069/90, de 13/07/1990, que ressaltou em seu minucioso trabalho que “A base doutrinária sobre a qual se assenta o novo Estatuto é o reconhecimento da criança e do adolescente como sujeitos de direitos e sua condição peculiar de pessoa em desenvolvimento”. “Nesta perspectiva, propõe sua proteção integral pelo Estado, pela sociedade, pela família, sem qualquer tipo
de discriminação, em consonância com os preceitos constitucionais, especialmente aqueles contidos no art 227, “É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à conveniência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”. “Ao contrário do Código de Menores (então) em vigência, que estabelece (estabelecia) o direito tutelar do menor, considerado objeto de medidas judiciais apenas quando em situação irregular, a norma proposta se dirige ao conjunto da população infantil e juvenil do Brasil. Vale dizer, à quase metade da população do país”. Ficou ainda destacado no relatório da ilustre deputada que “Inova também o projeto no que se refere à atuação 2005 AGOSTO • JUSTIÇA & CIDADANIA • 19
do Poder Judiciário, eximindo-o de atividades alheias à função judicante, tais como o atendimento às crianças e adolescentes em situação de desamparo e carência. Ficam, portanto, os órgãos da Justiça livres para prestar serviços de forma mais rápida e eficiente naqueles casos em que sua atuação é indispensável”. Por outro lado, José de Faria Tavares, em sua obra “Comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente”, Editora Forense, 2ª edição – 1995, pág 8, leciona, referindo ao art 2º e seu parágrafo único: “A regra geral estabelecida no caput tem a grande exceção do parágrafo único, que admite referência a menores de 21 (vinte e um) anos de idade com mais de dezoito anos, ou seja, aqueles que não mais são adolescentes por terem dezoito ou mais anos de idade, porém, ainda civilmente menores por não haverem completado os 21 anos, a maioridade civil. Dependem da assistência e do consentimento de quem sobre elas exerça o pátrio poder-dever (CC – arts 384/395) ou o substitutivo que é o instituto da tutela (CVC – arts 406 a 445) ou mesmo da guarda judicial”. (Ressalte-se que a referência é ao Código Civil antigo – de 1916). “O universo dessas pessoas na faixa etária 18/21 anos, remanesce no direito comum, sob o regime do Código Civil, ressalvados os casos de legislação especial. Penalmente, são considerados de relativa responsabilidade, como se depreende dos comentários ao art 104”. Da mesma forma, Valter Kenji Ishida, em seu Estatuto da Criança e do Adolescente – Doutrina e Jurisprudência – 3ª edição Editora Atlas S/A, 2001, pág 26, também leciona: “O ECA expressamente permite a internação do maior de 18 anos: v. § 5º do at 121. Para Roberto João Elias (1994:3), a exceção do parágrafo referese somente a internação.” E ainda às mesmas páginas, sobre questão de guarda: “A guarda extingue-se de pleno direito a partir do momento em que o menor atinge 18 anos, não havendo nenhum dispositivo legal que a estenda até os vinte e um anos. Por via transversa o parágrafo único do art 2º diz ser aplicável o Estatuto às pessoas entre 18 e 21 anos de idade, apenas excepcionalmente e nos casos expressos em lei, e não há, repitamos, norma legislativa que imponha ao guardião o encargo de permanecer zelando pelo adolescente após tal idade.” Efetivamente, a doutrina sobre a qual dispõe o Estatuto da Criança e do Adolescente é o da proteção integral, que, consoante estabelece o artigo 227 da Constituição
da República, é responsabilidade de todos, da família, do poder público e da sociedade assegurar com absoluta prioridade a crianças e adolescentes, na forma definida no artigo 2º da Lei 8069/90. No mesmo sentido, o artigo 3º da Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança e do Adolescente estabelece que em todas as ações e decisões administrativas, legislativas e judiciárias prevalecerá sempre o interesse superior da criança. Esclareça-se que a mesma Convenção, erigida à categoria de norma constitucional pela última reforma, define em seu artigo 2º, criança como “todo ser humano com menos de dezoito anos”. O artigo 6º do Estatuto da Criança e do Adolescente define as diretrizes de interpretação da lei que deve “levar em conta os fins sociais a que ela se dirige, as exigências do bem comum, os direitos e deveres individuais e coletivos, e a condição peculiar da criança e do adolescente como pessoas em desenvolvimento”. Fica claro, portanto, que os destinatários dessa lei são “os seres humanos com menos de dezoito anos”, ou seja, crianças e adolescentes, assim definidos na lei como “pessoas em desenvolvimento”. Ora, deve ser grifado que, com a vigência do novo Código Civil (Lei 10.406, de 10/01/2002), a partir de 11/01/2003, houve uma drástica redução da idade para a capacidade plena da pessoa, limitada aos dezoito anos completos, com fulcro no art 5º (A menoridade cessa aos dezoito anos completos, quando a pessoa fica habilitada à prática de todos os atos da vida civil), aliás, a modesto ver, com imediata repercussão nas normas dos Códigos Penal e Processo Penal e no Estatuto da Criança e do Adolescente, especialmente, no seu parágrafo único, do art 2º da Lei 8069/90 (Nos casos expressos em lei, aplica-se excepcionalmente este Estatuto às pessoas entre 18 (dezoito) e 21 (vinte e um) anos de idade) e no § 5º de seu art 121 (A liberação será compulsória aos 21 (vinte e um) anos de idade), que deverão ser interpretados como dezoito, e não como vinte e um anos de idade. A excepcionalidade antes admitida evidentemente ocorria em razão da existência da duplicidade de lapso temporal para uma modalidade ou outra de capacidade. A capacidade civil e penal, agora unificadas para o mesmo período de tempo, 18 anos, não justificam mais a excepcionalidade. Ademais, o intérprete deve levar em conta os fins sociais a que a lei se dirige que, no caso, é a ressocialização
“A finalidade da aplicação das medidas sócio-educativas é a ressocialização do adolescente e a promoção de sua cidadania que muitas vezes é a verdadeira e única razão de seu envolvimento com a conduta anti-social.”
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dos adolescentes em conflito com a lei. Considerando que atingida a maioridade, o aparelho sócio-educativo deixou de cumprir seu objetivo ressocializador, a manutenção da segregação equivale a uma medida inócua e prejudicial à própria sociedade que estará insistindo na aplicação de uma medida que jamais atingirá seu objetivo prático: a ressocialização de um adolescente como pessoa em desenvolvimento. Não há mais adolescente a ser ressocializado, mas um adulto penalmente e plenamente responsável por seus atos e passível de aplicação das normas penais. Ainda há que se observar que a permanência desse jovem entre os demais adolescentes só servirá para contaminar aqueles que, estando em processo de desenvolvimento, podem receber dos maiores de dezoito anos as más influências de uma experiência infracional mais madura, prejudicando, desse modo, o bem comum da coletividade. Não se argumente que o ato infracional praticado permanecerá impune, eis que não é essa a finalidade das medidas sócio-educativas e sim a promoção de sua ressocialização. Considerar que a permanência do jovem após atingir a maioridade poderá recuperá-lo é uma ilusão, e mantê-lo apenas e tão somente em razão do ato infracional praticado é laborar contra os interesses da coletividade. Por fim, se não foram atingidos os objetivos ressocializadores das medidas aplicadas devem a família, o poder público e a sociedade responder por sua própria ineficiência e negligência no cumprimento de norma constitucional que obriga a todos. Importa, ainda, ressaltar que sendo o jovem um adulto e não mais adolescente e que, nos dias atuais, sendo penalmente, portanto, responsável, não deve este continuar internado, pois não se justifica a manutenção da medida internação aplicada; haja vista que a preocupação do Juízo precisa direcionar-se, especialmente, aos infratores menores de dezoito anos que em número elevado perambulam pelas ruas, e deixar aos maiores, civil e penalmente responsáveis, responderem por seus atos com fulcro no Código Penal se novamente voltarem a delinqüir. Ainda, a lição jurisprudencial traduzida nos arestos do Egrégio Superior Tribunal de Justiça a seguir in verbis transcritos, da lavra sempre brilhante dos eminentes ministro Paulo Gallotti, ministro Vicente Leal e ministro Felix Fischer, referem-se a fatos em que a maioridade
consumava-se aos vinte e um anos e, com propriedade, podem ser adequados à nova maioridade aos dezoito anos. Em resumo, o parágrafo único do art 2º do ECA dispõe que entre 18 e 21 anos, o referido estatuto só se aplica nos casos expressos em lei, mas apenas excepcionalmente e, não sistematicamente como, data venia, vem sendo acolhido, inclusive para medidas de semi-liberdade e de liberdade assistida. Acrescente-se que as medidas sócio-educativas não podem ser interpretadas como sanção penal, pois a legislação tem o fito de proteger o adolescente como pessoa em desenvolvimento. A aplicação subsidiária da Lei de Execução Penal em detrimento dos interesses superiores dos adolescentes é incabível, uma vez que afronta a doutrina da proteção integral e contraria os princípios de interpretação insculpidos no art. 6º da Lei 8069/90. Essa questão tormentosa que tem dividido as opiniões dos mais diversos e cultos Tribunais do país demonstra o distanciamento existente entre a letra da lei e a realidade em nos encontramos. Desse modo também os discursos dos políticos e administradores encontrase no mesmo diapasão, ou seja, há uma grande distância entre o discurso na mídia e a realidade a ser enfrentada para que efetivamente sejam respeitados os direitos fundamentais de crianças e adolescentes. Urge que os Conselhos de Direitos tenham uma atuação mais vigorosa no sentido de apontar as verdadeiras causas e caminhos que os administradores devem traçar para garantia da cidadania das crianças pobres e excluídas. Por outro lado, os Conselhos Tutelares devem ser aparelhados de forma a dar cumprimento a sua missão de garantidor da efetivação desses direitos e a Municipalidade imbuída da responsabilidade de elaborar políticas públicas que assegurem o acesso das crianças aos seus direitos fundamentais. No entanto, é preciso que haja não só uma conscientização coletiva desse dever de zelar pelos direitos das crianças, mas, sobretudo que se faça através de uma conduta suprapartidária colocando o interesse superior das crianças e dos adolescentes acima de todas as decisões administrativas, legislativas ou judiciais.
“Acrescente-se que as medidas sócio-educativas não podem ser interpretadas como sanção penal, pois a legislação tem o fito de proteger o adolescente como pessoa em desenvolvimento.”
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Semin·rio
Dom Quixote
CERVANTES – DON QUIJOTE DE 400 ANOS DE PAIXÃO
Pronunciamento do desembargador Paulo Roberto Leite Ventura, Diretor-Geral da Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro - EMERJ, no dia 05 de julho de 2005, por ocasião da abertura do simpósio comemorativo a Dom Quixote de La Mancha - 400 anos de paixão.
O
clássico “Don Quijote de la Mancha”, de Miguel de Cervantes Saavedra, ao longo dos seus quatrocentos anos, foi elevado à categoria de excelência pela crítica literária, a par de ter sido considerado pelo público como o livro mais divertido de todos os tempos, tanto que há duzentos e vinte e cinco anos passados, desde 1780, a Real Academia Espanhola publicou memorável edição de Quixote, impressa por Don Joaquim de Ibarra. Antes de mais nada, “Don Quijote de la Mancha”, esta imortal obra de Cervantes, retrata, na sua essência, a forte e marcante imagem de um fidalgo cinqüentão dentro de uma armadura anacrônica, tão esquelético como seu cavalo, acompanhado sempre por um camponês, grosseiro e gordalhão, montado em um asno. Quem já leu Quixote, percebeu que o tema da obra reside em uma grande ficção, aliás, verdadeira razão de ser da própria obra. Isto porque o fidalgo manchego, que é o seu protagonista central, transtornado pelas fantasias do livro de cavalaria e crendo que o mundo é como as novelas dizem, se lança então a viver aventuras exageradas e exuberantes, frutos dos seus sonhos, criando pequenas catástrofes das quais não obtém nenhuma lição de realidade. A ficção, então, se vai misturando com a realidade e fazendo daquelas fantasias um fato concreto.
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Até o próprio Sancho Pança, quem, nos primeiros capítulos, se mostra extremamente realista e materialista, aos poucos se deixa envolver pelas fascinantes fantasias de Dom Quixote, entrando efetivamente naquele mundo de pura ilusão. “Don Quijote de la Mancha” é um clássico da literatura que mostra, com muita evidência, que a ficção na vida imaginária e dos sonhos está em todos os lugares, por todas as partes, até mesmo no ar que os personagens respiram. Ao mesmo tempo em que o clássico encerra uma grande ficção, o Quixote é, na verdade, um canto à liberdade. Vale lembrar a famosa frase dita por Quixote a Sancho Pança: “A liberdade, Sancho, é um dos mais preciosos dons que aos homens deram os céus; com ela não podem se igualar os tesouros que encerram a terra e o mar cobre; pela liberdade, assim como pela honra, se pode e se deve aventurar a vida, e, pelo contrário, o cativeiro e o maior mal que pode acontecer para os homens”. A idéia que D. Quixote tem da liberdade é a mesma que, a partir do século XVIII, tiveram na Europa os chamados liberais: a liberdade, segundo Quixote, é a
E LA MANCHA. Paulo Roberto Leite Ventura Desembargador e Diretor-Geral da EMERJ
soberania que tem um indivíduo para decidir sua vida sem pressão ou restrições, em função exclusiva da sua inteligência e vontade. Em verdade, o que D. Quixote buscava era libertar seu próprio espírito, tanto que o clássico livro está repleto de episódios contendo uma visão individualista e uma concepção própria de justiça, pautada pelo caminho da moral. O livro aborda, ainda, as pátrias de Quixote, dando Cervantes uma imagem de uma Espanha sem fronteiras geográficas, constituída por um arquipélago de comunidades, aldeias e povos que chamou de pátrias, as quais, ao longo do tempo, vão adquirindo uma idéia de união; fazendo crescer, assim, uma nação, pregando uma ideologia coletiva, identificando os indivíduos como patriotas na medida em que ressalta que o patriotismo é um sentimento generoso e positivo de amor, que não permite fronteiras e é capaz de acolher e ajudar qualquer um, indiferentemente da sua raça ou religião. “Don Quijote de la Mancha” é, apesar do tempo, um livro sempre moderno. Tal modernidade se reflete na responsabilidade que o personagem Quixote assume para tornar o mundo melhor, embora se equivocasse ao implementar suas idéias de grande sonhador.
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Semin·rio
Dom Quixote Saudação do Desembargador PAULO ROBERTO LEITE VENTURA, Diretor-Geral da EMERJ, ao Sr. Dr. Professor FRANCISCO RAMOS MÉNDEZ, Catedrático de Direito Processual da Universidade Pompeu Fabra, Barcelona, Espanha, quando, no dia 27 de julho de 2005, encerrou o ciclo de palestras DOM QUIXOTE – 400 ANOS DE PAIXÃO.
C
omo Diretor da Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro, onde os juízes acompanham a sistemática evolução do direito em todas as variações, neste momento histórico, quando muitos países do mundo celebram os quatrocentos anos do Engenhoso Fidalgo Dom Quixote de La Mancha, embora não tenhamos nenhuma notícia direta sobre o autógrafo que Cervantes imprimiu em sua primeira redação completa, queremos saudar muito especialmente o Sr. Dr. Professor Francisco Ramos Méndez, advogado e catedrático de Direito Processual da Universidade Pompeu Fabra, de Barcelona, Espanha, que veio até a nossa Escola para nos dar uma aula magnífica, falando sobre a marcante influência de Dom Quixote na Justiça. É verdade, Senhor Professor, que ao mesmo tempo em que este livro fantástico, estudado e analisado de todos os pontos de vista possíveis, não representa somente a ficção, Quixote, na verdade, é um canto à liberdade, a mesma liberdade que, a partir do século XVIII adotaram na Europa os chamados liberais: a liberdade, para Quixote, é a soberania de um indivíduo para decidir sua vida sem pressões nem condições, em função de sua inteligência e vontade, exclusivamente. Ou seja, o que vários séculos mais tarde, Isaías Berlin definiria como “liberdade negativa”, a de estar livre de interferências e coações para pensar, se expressar e atuar. Quixote sustentava a idéia de que o fundamento da liberdade é a propriedade privada, e que o verdadeiro prazer só é completo se, ao aproveitá-lo, uma pessoa não vê recortada a sua capacidade de iniciativa, sua liberdade de pensar e atuar. Quixote não crê que a Justiça, a ordem social, o progresso, sejam funções das autoridades, mas trabalho de indivíduos que, como seus modelos, os cavaleiros andantes, e ele mesmo, se encarregaram da tarefa de fazer mais justo, livre e próspero o mundo em que vivem. Quixote disse que as autoridades, quando aparecem, em vez de facilitarem a sua tarefa, a dificultam. Pela sua participação intelectual neste seminário, que durante todo este mês nossa Escola viveu intensamente O Quixote, receba nosso afetuoso abraço e nosso reconhecimento por sua notável cultura e simpatia. Muito Obrigado.
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Direito Autoral nos Meios de Hospedagem
Parte 2
Cláudio R. Alves de Alves Assessor Jurídico da Federação Nacional de Hotéis, Restaurantes, Bares e Similares - FNHRBS
ECAD A Constituição Federal confere tutela específica à propriedade intelectual dispondo que “aos autores pertence o direito exclusivo de utilização, publicação ou reprodução de suas obras” (artigo 5º, inciso XXVII). Já o inciso XXVIII do mesmo artigo assegura “nos termos da lei”, “proteção às participações individuais em obras coletivas e à reprodução de imagem e voz humanas, inclusive nas atividades desportivas” (alínea “a”), e “o direito à fiscalização do aproveitamento econômico das obras que criarem ou participarem aos criadores, aos interpretes e às respectivas representações sindicais e associativas” (alínea “b”). Os direitos autorais foram inicialmente protegidos por dispositivos do Código Civil e de legislação esparsa. Com o advento da Lei nº 5.988/1973, foi estabelecido um mecanismo centralizado para arrecadação e criados o Conselho Nacional de Direito Autoral - CNDA, órgão estatal e o Escritório Central de Arrecadação e Distribuição - ECAD, sociedade civil de natureza privada, para garantir a efetiva proteção dos direitos do autor.
Ao CNDA, organizado pelo Decreto nº 76.275/1975, incumbia, dentre outras atribuições, normatizar o setor e fiscalizar as associações de titulares dos direitos autorais, estabelecendo regras de cobrança e fixando normas de unificação de preços (artigos 116 e 117 da Lei Autoral de 1973). A seu turno, o ECAD, sociedade civil formada por associações de autores, tem por finalidade atuar na administração, defesa, arrecadação e distribuição dos direitos autorais decorrentes da utilização pública de obras musicais e fonogramas (artigo 115). A obra artística é um patrimônio do seu criador, portanto este deve estipular-lhe o preço. O autor da obra musical, no ato de sua filiação a uma associação de titulares de direitos de autor, torna-a sua mandatária para a prática de todos os atos necessários à defesa judicial ou extrajudicial de seus interesses, inclusive para cobrança de proventos pecuniários decorrentes da utilização pública de sua obra por terceiros (artigo 104). Assim, da análise da Lei nº 5.988/73 (artigo 117, IV) fica claro que o direito de fixar unilateralmente os preços de utilização de obras musicais e fonogramas foi reservado
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ao CNDA; o ECAD ficou com a função de arrecadar os oferecer consultas e assistência no ramo dos direitos direitos autorais de forma centralizada (artigo 115). autorais. O CNDA, contudo, não atuava exclusivamente No exercício da delegação legal de fixar normas para nas atividades do ECAD, razão pela qual este não unificar os preços dos direitos autorais a serem cobrados dos perdeu sua legitimidade pela extinção daquele, vez que usuários de músicas, o CNDA editou a Resolução nº 21, de permaneceu existindo no ordenamento legal. Por outro 21.12.1980, a qual especificou que cabe ao ECAD autorizar lado referida extinção apenas demonstra a intenção do a utilização de obras intelectuais, tanto em relação a direitos Estado em diminuir sua intervenção nas relações derivadas do autor como aos que lhe são conexos, arrecadando e dos direitos autorais. distribuindo as retribuições oriundas daquelas utilizações, com A Lei nº 9.610/1998 manteve o mesmo mecanismo amplos poderes para atuar judicialmente ou extrajudicialmente centralizado de arrecadação e legitimou o ECAD para em nome próprio para a consecução de suas finalidades (artigo promover a cobrança de direitos autorais e para atuação 2º). Referida legitimação extraordinária consta expressamente em juízo ou fora dele (artigo 99). do artigo 4º desta Resolução ao determinar que “nos termos Esta lei, com o intuito de atualizar e consolidar a legislação do artigo 115 da Lei nº 5988/73, com o ato de vinculação do sobre a matéria, bem como de afastar o intervencionismo ECAD, as associações por si e por seus representados, investem estatal no âmbito do direito autoral, manteve as disposições o ECAD, nos limites da competência desta, dos poderes acima citadas com pequenas alterações, sem, contudo, mencionados no artigo 104 retirar a legitimidade judicial daquela lei”. e extrajudicial do ECAD Apesar da inquestionável legitimidade A seguir, a Resolução para atuar judicialmente CNDA nº 24, de 11.03.1981, ou extrajudicialmente na judicial e extrajudicial, legalmente estabeleceu que os valores a realização de seus objetivos conferidas ao ECAD, os critérios de serem cobrados constariam institucionais. Desse modo, fixação de preços não se baseiam na de tabela única, elaborada conclui-se que o ECAD é efetiva utilização das obras musicais pelo ECAD e homologada uma associação legalmente protegidas, mas envolvem elementos pelo CNDA (artigo 3º), bem constituída e com poderes estranhos às composições, como como que para fixação dos expressos para defesa de metodologia complexa, fórmulas preços os usuários poderiam direitos autorais (artigos 98 ser classificados em grupos, e 99). matemáticas confusas, índices, fatores, tipos, classes, níveis e regiões, A propósito, o Supremo reduções e parâmetros físicos e de acordo com a atividade Tribunal Federal decidiu, em demográficos. exercida, capacidade financeira relação às Leis nºs 5.988/1973 e região sócio-econômica e 9.610/1998: onde operassem (artigo 5º). Este ato normativo foi ratificado “Direito Autoral - Legitimação do Escritório Central de pela Resolução CNDA nº 46, de 25.02.1987, delegou que a Arrecadação e Distribuição para autorizar a execução pública de competência para fixar o preço de utilização de obras musicais obras musicais, bem como arrecadar e distribuir as respectivas e fonogramas, revisando-o quando entendesse conveniente, retribuições. Poderes para atuar judicial ou extrajudicialmente era da Assembléia Geral do ECAD. em nome próprio para consecução de suas finalidades. Lei nº A extinção do CNDA, ocorrida no governo Collor 5.988, de 1973, arts. 104 e 115” (10); e antes mesmo da vigência da Lei nº 9.610/1998, não “I. Liberdade de associação. 1. Liberdade negativa impediu que o ECAD continuasse a elaborar tabelas de associação: sua existência, nos textos constitucionais de preços, posto que a entidade sempre foi o órgão anteriores, como corolário da liberdade positiva de encarregado de prepará-las. Nem mesmo a ausência de um associação e seu alcance e inteligência, na Constituição, órgão homologador estaria a inviabilizar a cobrança dos quando se cuide de entidade destinada a viabilizar a gestão preços fixados, posto que o artigo 73 da Lei nº 5.988/1973, coletiva de arrecadação e distribuição de direitos autorais à época vigente, vedava a execução de composição musical e conexos, cuja forma e organização se remeteram à lei. 2. sem autorização do autor. Direitos autorais e conexos: sistema de gestão coletiva de Tem-se que a extinção do Conselho Nacional de arrecadação e distribuição por meio do ECAD (L 9610/ Direitos Autorais em nada retirou do ECAD a legitimidade 98, art. 99, cabeça e §1º), sem ofensa do art. 5º, XVII e para a cobrança de direitos autorais. XX, da Constituição, cuja aplicação, na esfera dos direitos Tal entendimento decorre do fato que o órgão extinto, autorais e conexos, hão de conciliar-se com o disposto no criado pelo Poder Público, tinha como função fiscalizar, art. 5º, XXVIII, b, da própria Lei Fundamental” (11).
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Ademais, trata-se de uma relação de direito privado e por isso cabe aos titulares de direitos de autor, ou às associações que os representam, elaborar tabela de valores correspondentes à retribuição autoral a ser cobrada pela utilização das obras musicais, lítero-musicais e de fonogramas, sem nenhuma interferência de órgão governamental ou mesmo do Poder Judiciário. Aliás, esse é o posicionamento do Superior Tribunal de Justiça, que em numerosos precedentes reconhece a legitimidade ativa do ECAD para cobrança de direitos autorais em nome dos titulares das composições líteromusicais, sendo inexigível a prova de filiação e autorização respectivas: “Não cabe ao Poder Público estabelecer tabela de preços para a cobrança de direitos autorais, ausente qualquer comando legal nessa direção, competente, assim, o ECAD para tanto. (.......) O direito autoral não pode ser considerado fora do âmbito do seu titular, ou seja, quem exerce o poder de fixar o valor para utilização da obra intelectual, no caso, é o autor, não o Estado. Não há previsão legal alguma para que tal ocorra, nem é possível admitir que esse direito inerente ao trabalho criador possa ser deslocado para o Estado” (12). “Os valores cobrados são aqueles fixados pela própria instituição, em face da natureza privada dos direitos reclamados, não sujeitos a tabela imposta por lei ou regulamentos administrativos” (13), ao que acrescemos, especialmente levando em conta a ausência de tabela oficial ou regulamento a disciplinar como as cobranças de direitos autorais devem ser feitas; “Cabe aos titulares dos direitos autorais ou às associações que mantêm o ECAD determinar os valores para a cobrança dos direitos patrimoniais decorrentes da utilização de obras intelectuais” (14). Ainda de notar que todo o sistema de direito autoral se embasa na cobrança, pelo titular, dos direitos patrimoniais que detém, razão pela qual lhe cabe fixar o valor pelo qual oferece sua obra. Existem no Brasil diversas associações que administram a utilização de obras intelectuais de seus filiados, sem que o ECAD perca a representatividade para cobrar os direitos autorais, agindo como substituto processual e sem impedir que outras associações ou o próprio titular também possam fazê-lo diretamente (artigo 98 e parágrafo único, da LDA de 1998). A Lei nº 9.610/1998 assegurou às associações, mandatárias de seus associados pelo simples ato de filiação, a prática de todos os atos necessários à defesa judicial e extrajudicial de seus direitos autorais, bem como para sua cobrança (artigos. 97 e 98). Referida lei estabeleceu ainda que “as associações manterão um único escritório central para arrecadação e distribuição, em comum, dos direitos
relativos à execução pública das obras musicais e literomusicais e de fonogramas”, que atuará “em juízo e fora dele em seus próprios nomes como substitutos processuais dos titulares a ele vinculados”, podendo fazê-lo também as associações, bem como “manter fiscais” (artigo. 99 e § 4º). Com efeito, tratando-se de uma relação de direito privado, cabe aos titulares de direitos de autor, ou às associações que os representam, elaborar a tabela de valores correspondentes à retribuição autoral a ser cobrada pela utilização das obras musicais, lítero-musicais e de fonogramas, sem nenhuma interferência de órgão governamental e nem mesmo do Poder Judiciário. Assim, os próprios titulares podem dispensar a intervenção das associações e do ECAD, não sendo, portanto, compelidos a se associarem para receber seus direitos patrimoniais. Assinale-se, mais, que não há tabela oficial regulamentada por lei ou norma administrativa sobre o assunto, em razão da natureza essencialmente privada desses direitos. A fixação destes valores deve ser norteada por critérios objetivos e publicizados, competindo ao Judiciário impedir condutas abusivas, ainda que se tratando de relacionamentos privados e direitos disponíveis. O Regulamento de Arrecadação do ECAD, bem como a respectiva Tabela de Preços, têm seu fundamento no artigo 5º, incisos XXI, XXVII e XXVIII, da Constituição Federal e no artigo 99 da Lei nº 9.610/98, devendo ser fixados pela Assembléia Geral da entidade, publicados no Diário Oficial da União e registrados no cartório competente, de modo a assegurar a todos os usuários o pleno conhecimento da matéria. Portanto, tem plena validade jurídica uma decisão tomada em assembléia do órgão máximo do ECAD, composto por associações de titulares de direitos de autor, que fixe o preço a ser cobrado pela utilização das obras artísticas que protege. Contudo, necessário enfatizar que a par da inquestionável legitimidade judicial e extrajudicial, legalmente conferidas ao ECAD, os critérios de fixação de preços não se baseiam na efetiva utilização das obras musicais protegidas, mas envolvem elementos estranhos às composições como complexa metodologia, fórmulas matemáticas confusas, fatores, reduções, índices como a UDA-Unidade de Direito Autoral e parâmetros físicos e demográficos (classificação dos usuários em grupos, tipos, classes, níveis, regiões e capacidade financeira e, no caso de meios de hospedagem, a taxa de ocupação dos estabelecimentos). A sociedade organizada está a exigir parâmetros mais simples, diretos, transparentes e acessíveis à compreensão de todos os usuários, o que, por certo, constitui igualmente objetivo do ECAD. Saliente-se que é completamente infundada a tentativa
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de atrair para a discussão do tema a incidência das disposições do Código de Defesa do Consumidor, uma vez que inexiste na espécie qualquer relação de consumo. O ECAD não presta serviços e nem vende produtos, mas cobra direitos autorais, agindo como substituto processual dos titulares, razão pela qual não há como falar em incidência do CDC. Outro aspecto que merece relevo é o fato de descaber a cobrança dos meses anteriores à lavratura do Auto de Infração de Direito Autoral, posto que o período de inadimplência inicia-se “na data do auto de comprovação de violação do direito” (15), até porque a entidade fiscalizadora deve provar a existência da dívida, a qual não pode ser presumida. Por derradeiro de consignar que o Regulamento de Arrecadação do ECAD prevê que “toda utilização não previamente autorizada, será objeto da lavratura de um auto de comprovação de violação de direito autoral”, que deverá ser devidamente assinado pelo usuário infrator e por duas testemunhas (item 13). Tais formalidades são imprescindíveis para a prova das infrações alegadas, porquanto os fiscais do ECAD não são portadores de fé pública e os documentos produzidos sem os requisitos mencionados carecem de validade e valor probante. Nesse sentido, orienta-se a jurisprudência: “AÇÃO DE COBRANÇA - DIREITOS AUTORAIS - ECAD - LEGITIMIDADE - AUTO DE INFRAÇÃO REQUISITOS DE VALIDADE 1 - A lei confere ao ECAD a atribuição de promover a arrecadação e distribuição dos direitos autorais, cabendo a ele a fixação dos preços e ao usuário a utilização da obra musical e lítero-musical e o pagamento do preço ou simplesmente deixar de pagar o preço, mas sem fazer o uso pretendido.
2 - Constituem requisitos do auto de infração, conforme Regulamento de Arrecadação, a assinatura do representante legal ou do preposto da empresa infratora, bem como de testemunhas devidamente qualificadas, para legitimar formalmente a cobrança de direitos autorais, já que os fiscais do ECAD não gozam de fé pública, não decorrendo, pois, dos autos ou termos por eles lavrados, presunção de veracidade” (16); “AÇÃO DE COBRANÇA - DIREITOS AUTORAIS DECORRENTES DE REPRODUÇÃO DE OBRAS MUSICAIS - ECAD - ESCRITÓRIO CENTRAL DE ARRECADAÇÃO E DISTRIBUIÇÃO. Sendo o ECAD uma instituição privada, seus fiscais não gozam de fé pública ou poder de polícia, não se podendo impor presunção de veracidade aos atos por eles lavrados e elaborados unilateralmente, cujo conteúdo não foi corroborado pela assinatura do responsável pelo evento ou por testemunhas que comprovem a reprodução de obras musicais desautorizadas” (17); “O Regulamento de Arrecadação do ECAD estabelece o critério de cobrança por parâmetro físico, vinculando todos os usuários que constituem seu público-alvo. Não comprovada irregularidade na fixação dos valores, estes se confirmam como válidos e com correção na forma prevista no citado dispositivo normativo próprio” (18); “Admite-se a comprovação da execução de músicas, sem prévia autorização, por auto padronizado com indicação das mesmas e por duas testemunhas assinado, ficando caracterizada a violação aos direitos dos autores” (19).
Notas bibliográficas MADEIRA, Carlos, RE 113.471-2-SP, 2º Turma, Supremo Tribunal Federal, julgado em 05.06.1987, DJU de 26.06.1987, pag. 13.251, Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, vol. 105, pag. 201. (11) PERTENCE, Sepúlveda, ADI 2.054-DF, Pleno, Supremo Tribunal Federal, julgado em 02.04.2003, DJU de 17.10.2003, pág. 13, Ement. 2.128-2001, pag. 97. (12) DIREITO, Carlos Alberto Menezes de, RESP 163.543-RS, 3ª Turma, Superior Tribunal de Justiça, julgado em 16.08.1999, DJU de 13.09.1999, pag. 63. (13) JÚNIOR, Aldir Passarinho, RESP 328.963-RS, 4ª Turma, Superior Tribunal de Justiça, julgado em 21.03.2002, DJU de 29.04.2002, pag. 248. (14) MONTEIRO, Barros, RESP 528.297-RS, 4ª Turma, Superior Tribunal de Justiça, julgado em 11.11.2003, DJU de 167.02.2004, pag. 268. (15) VASCONCELLOS, Vicente Barroco, Apelação Cível 70002262244, 15ª Câmara Cível, Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, julgado em 08.08.2001. (16) PAULA, Duarte de, Apelação Cível 1.0372.02.002191-4/001(1), 8ª Câmara Cível, Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, julgado em 11.11.2004, DO-MG de 31.03.2005. (17) PADUANI, Célio César, Apelação Cível 1.0000.00.315907-6/000(1), 6ª Câmara Cível, Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, julgado em 14.04.2003, DO-MG de 22.08.2003. (18) VIEIRA, Dácio, Apelação Cível 83.719, 5ª Turma Cível, Tribunal de Justiça do Distrito Federal, DJ de 24.04.1996, pag. 5.958. (19) MESSIAS, Erades, Agravo de Instrumento 70355100, Tribunal de Alçada do Estado do Paraná, julgado em 21.08.1996, JUIS (10)
- Jurisprudência Informatizada Saraiva, CdRom nº 11.
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Contrato de Permissão:
Equilíbrio Econômico-Financeiro, Prorrogação e Tarifas. Carlos Eduardo Gurgulino Advogado
As origens das distorções Historicamente a delegação de serviços públicos de transporte de passageiros no Brasil, em todas as esferas, faz-se por permissão com prazo indeterminado, assegurando ao particular o direito a uma tarifa. Essa tradição em nosso país é fruto de uma visão na qual a Administração, buscando evitar a geração de direitos ao particular na delegação dos serviços de transporte coletivo, almeja infundir o caráter de precariedade e unilateralidade à relação outorgante-outorgado. Assim, no setor de transportes, vive-se na realidade apenas a histórica tradição de perpetuação de um erro, que como brilhantemente coloca o Prof. Marçal Justen Filho, traduz “uma espécie de situação esquizofrênica, derivada de uma interpretação adotada genericamente em todos os setores e que parte do seguinte esquema jurídico: é a idéia de que a concessão gera direitos ao particular, permissão não gera e autorização gera menores direitos ainda”. Cultivou-se uma espécie de longo casamento de conveniência entre a Administração e o particular, no qual um finge que acredita no outro, onde no mais das vezes o 2005 AGOSTO • JUSTIÇA & CIDADANIA • 29
enfoque político se sobrepôs ao jurídico, numa estranha simbiose. Com essa distorção conceitual em mente, veio a Administração adotando o regime de permissão e autorização para tais delegações, julgando agir em seu benefício na crença de que não se criariam direitos a ela oponíveis pelo particular. Longe de trazer segurança jurídica a tão importante atividade, fundamental para milhões de usuários em nosso país, assistimos ao crescimento de uma instabilidade que só redundou em menores investimentos, maiores custos, menor qualidade ao usuário e depauperação patrimonial de vasto capital empregado por particulares - na sua maioria empresários laboriosos, aguerridos e empreendedores. Estabilidade da permissão e equilíbrio econômico-financeiro. Analisando a Constituição de 88 e a Lei de Concessões (Lei nº 8.987/95) vemos que a figura da autorização não mais se aplica à delegação regular de serviços públicos, sendo que a mesma só se aplicaria a duas situações: a liberação pela Administração para o desempenho de atividades econômicas privadas, como para transporte de produtos perigosos ou medicamentos por exemplo, ou diante de uma situação excepcional e de caráter verdadeiramente precário e transitório, como, por exemplo, em caso de uma crise ou calamidade. Esta seria a melhor leitura, fazendo a harmonia entre as disposições contidas nos artigos 21, inciso XII, alínea 175 da Carta, e desta com a legislação ordinária. Assim, aplicam-se à delegação de serviços públicos a particulares apenas os institutos da permissão e da concessão, sendo que a distinção na escolha da modalidade estaria na existência ou não da realização
de investimentos amortizáveis no tempo pelo particular, e é aqui que se insere a fundamental questão do equilíbrio econômico-financeiro do contrato de delegação do serviço. Felizmente a orientação doutrinária e jurisprudencial estipula que é a natureza jurídica do vínculo entre a Administração e o particular que define o tipo de outorga, e não sua denominação formal. O conteúdo se sobrepõe à forma. O contrato de permissão
“(...) a orientação doutrinária e jurisprudencial estipula que é a natureza jurídica do vínculo entre a Administração e o particular que define o tipo de outorga, e não sua denominação formal.” de exploração de serviços de transporte, portanto, que se reveste de deveres e obrigações impostos pela Administração e investimentos, tarifa e prazo para o particular, corresponderia a uma concessão de fato. Chamá-la de “permissão condicionada” ou “permissão qualificada” não gera situação precária ou muda o fato de que atribuem direitos ao particular, especialmente o direito ao equilíbrio econômico-financeiro. Essa garantia é constitucional, derivada do princípio da isonomia, do princípio da inviolabilidade da
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propriedade, Art. 5º XXII e XXIV, e do princípio da moralidade, explicitado no Art. 37, XXI, e insculpido na Lei de Licitações (Lei nº 8.666/93), art. 65, II, “d”, Lei Geral de Concessões (Lei nº 8.987/ 95) art. 9º, §4º e Lei nº 9.074/95 art. 35, este último particularmente relevante face as gratuidades que grassam pelo país e o problema de desequilíbrio da equação econômicofinanceiro daí decorrente. Os Tribunais vêm garantindo a proteção ao equilíbrio econômicofinanceiro, tanto através do viés indenizatório quanto pela determinação de reajuste tarifário, este último sempre sujeito às pressões, especialmente as de natureza política, que atuam em vista da contemporaneidade da decisão. Ao passo de que as indenizações ocorrem já passado o calor do embate tarifário que, em geral apresenta, de um lado, sobretudo organizações de defesa de usuários e Ministério Público, e de outro, as empresas prestadoras do serviço, tendo a Administração presença em um dos pólos, a depender de posições ora técnicas, ora políticas. Prorrogações e validade dos contratos Essa garantia jurisprudencial, no entanto, encontrou óbice recente em decisões do Superior Tribunal de Justiça, onde se entendeu que permissões outorgadas sem licitação, mesmo que anteriores a vigência da CF de 88, não têm direito ao equilíbrio econômicofinanceiro e ,consequentemente, os permissionários não têm direito à indenização. Ainda que entendendo que a natureza jurídica da outorga é de “verdadeira concessão”, interpretouse o artigo 175 de forma a aplicá-lo retroativa e draconianamente. Em artigo publicado recentemente sobre o tema nesta revista, o sábio
Dr. Darci Norte Rebelo sintetizou bem a questão: “Por esse raciocínio, a VARIG e outras concessionárias aéreas que nunca conjugaram o verbo licitar, jamais poderiam ter vencido as ações de indenização que propuseram contra a UNIÃO perante o mesmo Tribunal. Nenhuma delas nasceu de licitação alguma. Na essência, a ação proposta contra a União pela VARIG é a mesma que dezenas de empresas permissionárias promoveram contra o poder concedente de Minas Gerais. Mas a solução dada pelo STJ ao Estado mineiro foi diferente da que proferiu contra a União. Negou a estas o que deu àquela”. Ora, de fato tal entendimento enfrenta dois óbices. O primeiro diz respeito a validade das outorgas concedidas sem licitação antes da Constituição de 88, e mesmo de suas prorrogações pós-Carta. Da correta leitura guiada pela aplicação conjunta dos princípios da segurança jurídica e legalidade, entende-se que a própria CF prevê a prorrogação das outorgas no parágrafo único, I, do Art. 175, e a forma com que a Lei nº 8.987/ 95 tratou da transição do regime constitucional anterior ao atual reflete claramente, pela combinação lógica dos artigos 42 e 43 e seu parágrafo único, que as outorgas feitas sem licitação anteriores a CF de 88, e em execução quando da sua promulgação são válidas. Adicionalmente, o parágrafo segundo do Artigo 42 deu atribuição à Administração de prorrogar as outorgas por, no mínimo, 2 anos para adequar os sistemas para novas licitações. Portanto, válidas são as outorgas e suas prorrogações. Discutível seriam apenas situações que não contemplassem prorrogação única, bem definida e por prazo certo. Não se tratam, portanto, de renovações, o que ensejaria
obrigatoriamente licitação. A leitura seca que alguns têm feito da Carta e desta regra de transição, colide com o princípio de segurança jurídica e o da proporcionalidade. Ademais, passados dez anos de sua vigência, em nenhum momento foi a Lei nº 8.987/95 declarada inconstitucional. Exemplo prático é o Decreto nº 2.521/98, que no artigo 98 prorrogou por 15 anos as permissões de transporte interestadual.
“Se sobre este equilíbrio de interesses opostos, obtidos e traduzidos em regras tarifárias quando da outorga inicial, resulta lesado o equilíbrio econômicofinanceiro, o judiciário pode, deve e tem agido.” O segundo óbice é que a tutela ao equilíbrio da equação econômicofinanceira independe da existência ou não de licitação. Eis que, se ainda que de maneira viciada, a Administração contratou e o serviço foi efetivamente executado, havendo seu uso, sua fruição, a necessidade de indenização, ao menos dos custos incorridos pelo particular, subsiste. Dispor em contrário seria tutelar o enriquecimento sem causa. Dentro da atual regra constitucional, a prorrogação da outorga também se apresenta como caminho lógico quando não
se aperfeiçoa a amortização do investimento ao término da relação contratada. É no interesse público e da Administração que, melhor que indenizar o particular, prorrogue-se a outorga por prazo certo e técnico para a eliminação do passivo. Tarifas A tarifa está no cerne da questão do equilíbrio econômico-financeiro e é o eixo da equação envolvendo valor de investimento, volume de passageiros, distâncias percorridas, prazo de amortização e o desejo de modicidade tarifária. Quanto mais técnica for a análise e estipulação de tarifa, e para que técnica seja incluise também a abordagem pela ótica da função social deste serviço, mais vantajoso será para todos os opostos envolvidos: população usuária, Administração e operadores, e de resto para a sociedade como um todo, pois, em última análise é ela que paga maior ou menor preço dependendo das escolhas, se técnicas ou políticas, adotadas. Se sobre este equilíbrio de interesses opostos, obtidos e traduzidos em regras tarifárias quando da outorga inicial, resulta lesado o equilíbrio econômico-financeiro, o judiciário pode, deve e tem agido. Em suma, em que pese o desamparo que alguns setores buscam impor aos outorgados e a percepção de desordem e insegurança jurídica, a ordem legal vigente valida as prorrogações feitas dentro das regras de transição bem como admite a possibilidade das mesmas para fins de atingir a amortização de investimentos feitos. Igualmente, a outorga da permissão para a exploração de serviços públicos de transporte, enseja a tutela da intangibilidade da equação econômico-financeira, do direito à justa remuneração tarifária bem como o direito à indenização.
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A QUESTÃO DO
TRANSPORTE PÚBLICO URBANO L.C. Urquiza Nóbrega Superintendente da Fetranspor
Visão presente Sob o título “Transporte para lá de diversificado”, o jornal O Globo, em sua edição de 31 de julho último, publicou extensa e grave matéria sobre o transporte coletivo de passageiros da cidade do Rio de Janeiro. Como subtítulo, o matutino carioca destacou: “Rio tem dezenove tipos de veículos, entre eles chalanas, surfbus e monotrilho”. Mais adiante, como velada e grave advertência ao Poder Público e à sociedade da capital
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fluminense, escreve a autora, jornalista Alba Valéria Mendonça: “É quando os fins (o destino) justificam os meios (de transporte). Além dos tradicionais ônibus, trem e metrô,a topografia do Rio, as falhas do atendimento público e as crises econômicas fizeram surgir os curiosos mototáxis chalanas, surfbus e triciclos, também chamados por alguns de ecotáxis”. Com raras exceções no Brasil, o transporte coletivo urbano tem se mostrado vulnerável a investidas da
informalidade e da pirataria, geradoras de competição desleal e predatória sobre os sistemas formais, ameaçadoras da segurança da população, na medida em que o crime organizado encontra espaço na atividade para lavagem de dinheiro, transporte de drogas e de bandidos, corrupção dos agentes públicos e controle sobre espaços urbanos. Renomado especialista de São Paulo, Laurindo Junqueira, publicou interessante artigo a esse respeito sob o título “O Rio não merece”, na edição do mesmo O Globo, de 07 de março de 2003. Esse quadro de vulnerabilidade e desorganização do transporte público no Brasil é de todo incompatível com os fundamentos e objetivos republicanos de proteção da cidadania e da dignidade humana e ainda de garantia do desenvolvimento nacional, base de uma “sociedade livre, justa e solidária”, como previsto nos artigos 1º e 3º da CF. Há que se atentar, no Brasil – infelizmente poucas autoridades se dão conta da seriedade e implicações de dispositivo constitucional – que o transporte coletivo urbano é serviço público de cunho essencial e que há de
Ora, o quadro caótico que se observa no transporte coletivo urbano em muitas partes do Brasil – a própria Capital Federal a ele não está infenso – se revela contrário à ordem jurídica vigente por comprometer legítimos interesses da população em seu direito constitucional de obter serviço adequado, por inviabilizar maior aporte de investimentos públicos e privados no setor, por estimular a informalidade e pirataria em serviço público essencial, por ferir o princípio da moralidade administrativa, por contribuir para a desordem urbana e, finalmente, por abrir as comportas de tão nobre e necessária atividade de locomoção diária de mais de 60 milhões de brasileiros à marginalidade criminosa, com todos os seus tentáculos no poder público e na sociedade. O Brasil atravessa difícil período na atividade pública, no funcionamento das instituições, algumas delas colocadas sob suspeita. Essas vicissitudes, como sempre ocorreu em nossa rica e gloriosa história, serão mais uma vez superadas pela honradez, patriotismo e determinação da imensa maioria dos brasileiros. Portanto, passada a tormenta das CPIs, que na reconstrução institucional do País se coloque na pauta
“Há que se atentar, no Brasil – infelizmente poucas autoridades se dão conta da seriedade e implicações de dispositivo constitucional – que o transporte coletivo urbano é serviço público de cunho essencial e que há de ser organizado e prestado, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, pelos municípios (artigo 30, V, da CF).” ser organizado e prestado, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, pelos municípios (artigo 30, V, da CF). Ainda a CF, em seu artigo 175, ao dispor sobre os princípios que a legislação ordinária sobre o regime das empresas permissionárias e concessionárias de serviços públicos deverá seguir, sabiamente estabelece os direitos dos usuários, política tarifária e obrigação de manter serviço adequado. E a lei ordinária de número 8.987/95 cumpriu o mandamento constitucional ao estabelecer, em seu artigo 6º, parágrafo 1º, que “toda a concessão ou permissão pressupõe a prestação de serviço adequado ao pleno atendimento dos usuários...” e que “serviço adequado é o que satisfaz as condições de regularidade, continuidade, eficiência, segurança, atualidade, generalidade, cortesia na sua prestação e modicidade das tarifas”.
de prioridades a questão do transporte público urbano, tendo como agenda de partida as propostas patrióticas do Movimento Nacional pelo Direito ao Transporte Público de Qualidade para Todos – MDT –, coordenado pela Associação Nacional de Transportes Públicos – ANTP – e que conta com apoio de ampla e multipartidária Frente Parlamentar no Congresso Nacional. Visão Futura Louvado em experiência do setor, em mais de 40 anos, e inspirado em irrecusável e exclusivo dever de cidadania, de fato entendo, com a devida modéstia, que é deveras urgente ao Poder Público do Brasil rediscutir a questão do transporte coletivo nas cidades e metrópoles, definindo medidas de curto e médios prazos que coloquem o setor no nível de qualidade e de responsabilidade exigido pelo interesse nacional.
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Não há mais como tolerar o desperdício irracional de derivados de petróleo consumidos pela frota de automóveis nas cidades brasileiras, a serviço do transporte individual, por falta ou por insuficiência, qualitativa ou quantitativa, de sistema de transporte público. O petróleo, recurso finito, necessariamente com perfil de escassez crescente nas próximas décadas, acha-se altamente vulnerável a conflitos de interesses estratégicos dos países produtores e consumidores, com oscilações temerárias de ofertas e de preços. Dois fatos recentes e graves, por exemplo, valem como advertências neste mundo global marcado pelo desenvolvimento, pela tecnologia, pela disputa do poder e pelo terrorismo: a oscilação rápida do preço do barril, hoje ultrapassando a barreira dos U$ 60,00 e a expansão vigorosa da China nas compras de petróleo, com crescimento anual da ordem de 15%. Mantido o atual ritmo de expansão da economia chinesa pelos próximos 10 ou 15 anos, há de se imaginar, pelas regras de mercado, a que custo estará o barril, com todas as seqüelas na economia mundial. Há de se advertir ainda para a crescente conscientização da humanidade quanto à defesa do meio ambiente. A natureza dá seguidas mostras de alterações de climas,
degelos de calotas polares ante o aquecimento global e outros efeitos perniciosos sobre a saúde dos seres vivos do planeta. Sobretudo a sobrevivência da espécie humana e a preservação da qualidade de vida hão de prevalecer sobre todos os demais interesses. O transporte público, inexoravelmente, estará inserido nessa pauta extrema, para que melhorado em conforto, segurança, disponibilidade e economia, possa receber os milhões de pessoas que egoisticamente desperdiçam o petróleo no transporte individual. Experiências exitosas nesse sentido vêm sendo feitas em diversas partes do mundo, algumas com mais de um século, e tudo indica que crescerão nos próximos anos. No Brasil, Curitiba constituiu um marco inicial, seguido em menores escalas por outros centros urbanos. Os interesses nacionais e da humanidade impõem, portanto, aos nossos governantes, que abram com urgência essas discussões de alto nível sobre o nosso sistema de transporte público, a partir daquelas propostas do MDT – Movimento pelo Direito ao Transporte de Qualidade para Todos. Tenho convicção de que a nossa sociedade, pelo que possui de mais legítimo, tem muito a discutir e propor para consecução desses objetivos de interesse direto e imediato desta Nação.
“O transporte público, inexoravelmente, estará inserido nessa pauta extrema, para que melhorado em conforto, segurança, disponibilidade e economia, possa receber os milhões de pessoas que egoisticamente desperdiçam o petróleo no transporte individual.”
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Combate À Corrupção, Promoção da Ética
Fernando Neves Advogado, Presidente da Comissão de Ética Pública, Ex-Ministro do Tribunal Superior Eleitoral
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IV Fórum Global contra a Corrupção, ocorrido em Brasília, nos dias 6 a 10 de junho deste ano, reuniu especialistas dos cinco continentes para discutir como passar “das palavras à ação” em matéria de promoção da ética e combate à corrupção. Nada mais oportuno. Segundo Daniel Kaufmann, diretor do Instituto do Banco Mundial, também presente, nos últimos oito anos, para cada país que apresentou progressos visíveis em suas políticas anticorrupção, um outro permaneceu estagnado e outro “involuiu”. O cenário não é para se comemorar. Os chefes de delegação, reunidos no IV Fórum Global, subscreveram Declaração em que reconhecem que “a corrupção é um problema complexo de ordem econômica, política e social que impõe ameaças à democracia, ao crescimento econômico e ao estado de direito, o que contribui, em particular, à disseminação de práticas corruptas e à expansão do crime organizado e do terrorismo”. Ao longo da história da humanidade, a ética sempre foi considerada um imperativo, condição para o florescimento do ser humano. Não obstante, práticas não morais ainda são largamente aceitas ou até estimuladas em algumas organizações e governos. Até meados dos anos 90 a controvérsia sobre os reais efeitos da falta de ética pendia para sua desconsideração.
Organismos multilaterais de apoio ao desenvolvimento econômico e social consideravam a corrupção questão de política interna de cada país. Especialistas apontavam práticas corruptas como o “azeite necessário para fazer mover engrenagens emperradas”. Na sociedade do bemestar, conforme ressaltou Norberto Bobbio, o moralista passou a ser considerado o desmancha prazeres, que não sabe se divertir e não deixa os outros se divertirem. Propagou-se a idéia da existência de um trade off, em determinadas circunstâncias amparadas na realidade, entre eficiência e ética. Não surpreendente, por isso, que muitos países, entre os mais desenvolvidos, permitissem que suas empresas deduzissem para fins de apuração dos lucros tributáveis as propinas pagas além de suas própria fronteiras. Os efeitos perversos da falta de ética sobre a confiança dos cidadãos, clientes, fornecedores e demais partes com elas relacionadas passou a representar risco para a sobrevivência das organizações, com reflexos na qualidade do próprio regime democrático. Como se imaginava, a reputação valia alguma coisa, mas a exata dimensão de quanto valia somente pode ser aferida em inúmeros escândalos que passaram a envolver figuras públicas e líderes do setor privado, em um ciclo que alcançou tanto os setores públicos quanto esferas privadas, e que parece ter saltado aos olhos com o caso Watergate e coroado
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pelos desvios envolvendo empresas transnacionais como a Enron, Worldcom e a Arthur Andenrsen, entre tantas outras. A expectativa inicial era que o fortalecimento institucional e a modernização das instituições que integram o aparelho do Estado fossem suficientes para alcançar o padrão ético necessário. Em todo o mundo, e o Brasil não é exceção, investiu-se muitíssimo em reengenharia organizacional, absorção de novas tecnologias, capacitação de pessoas. Sem embargo, nem sempre o que resultou desse esforço foi o reconhecimento de um padrão ético mais efetivo. Pior, os quadros organizacionais, ante uma sociedade cada vez mais ciosa da observância de limites éticos estritos, passaram a apresentar um comportamento de crescente insegurança sobre que conduta seguir, sobre o que pode e o que não pode. A partir de meados dos anos 90 os governos começaram a buscar uma agenda mínima para promover a ética e combater a corrupção, firmando sucessivamente acordos nos âmbitos da Organização dos Estados Americanos OEA, da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico - OCDE e da Organização das Nações Unidas – ONU, cada qual com mecanismos próprios de acompanhamento e avaliação. O Brasil é signatário de todos, o último firmado ao final do primeiro ano do governo Lula. O que o IV Fórum Global veio demonstrar de forma insofismável é que a promoção da ética e o combate à corrupção são desafios que não se vencem sem auxílio e que permanecem pendentes na maior parte dos países. É, pois, realmente preciso passar das palavras à ação. É necessário transformar o relativo consenso em torno desse objetivo do culto da moralidade em ações concretas que a tornem resultado certo e, não, fruto do acaso. A formação dos indivíduos, o bom-senso e a honestidade de propósitos continuam a ser elementos imprescindíveis a um entorno ético, mas não são suficientes para assegurar um padrão efetivo. A promoção da ética e o combate à corrupção pressupõem ainda transparência, registro e responsabilização dos processos e rotinas organizacionais, assim como a participação e o controle social. Nas organizações, públicas ou privadas, em grande medida, os desvios de conduta escondem soluções inadequadas para dilemas éticos que envolvem conflitos de interesses, tema crítico que afeta todas as organizações,
em todas as suas esferas e níveis, como bem ressaltou Narelle George, integrante da delegação da Austrália no IV Fórum. Assim, priorizar o desenho e implementação de um programa efetivo para a identificação e prevenção de conflitos de interesses é uma boa prática que deve ser seguida. Reconhecer que todas as pessoas têm legítimos interesses particulares é um mister. Mas quando esses interesses, pecuniários ou não, influenciam impropriamente o exercício das atribuições do cargo que o indivíduo ocupa, está configurado um conflito que precisa ser tratado, para que não resulte em desvios de conduta. Segundo a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, a partir do exame dos seus países membros, entre as principais fontes desses conflitos estão: a)exercício de atividades profissionais paralelas à função, seja em organizações governamentais ou não-governamentais, remuneradas ou não; b) atividades políticas; c) relações pessoais e de parentesco; d) interesses patrimoniais próprios ou de pessoas ligadas. Um programa de prevenção de conflitos de interesses envolve a definição de regras claras e de fácil aplicação, que permitam a identificação do que o configura ou não, assim como a forma segura de cuidá-lo. Naturalmente, não se trata de se trabalhar apenas com quem não tenha parentes ou amigos, ou com quem não tenha outra atividade além da ocupação principal, nem de privar o indivíduo de assegurar a boa gestão do seu próprio patrimônio. Menos ainda de desconhecer o direito constitucional de ter atividade política ativa. Trata-se, sim, de estabelecer limites claros que devem ser observados, sob pena de uma danosa confusão entre o público e o privado, com os conseqüentes e maléficos efeitos sobre a reputação da organização e a confiança das pessoas. No IV Fórum Global, a Comissão Independente contra a Corrupção e a Comissão contra o Crime e o Desvio de Conduta da Austrália apresentaram uma experiência prática de identificação e prevenção de antagonismos digna de nota. Uma vez mais ficou claro que o que diferencia as nações e os governos não é a existência ou não do problema, mas a forma como se organizam para enfrentálo e, principalmente, como o enfrentam.
“A formação dos indivíduos, o bom-senso e a honestidade de propósitos continuam a ser elementos imprescindíveis a um entorno ético, mas não são suficientes para assegurar um padrão efetivo.”
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A Comissão de Ética Pública da Presidência da República vem igualmente empreendendo esforço no mesmo sentido, por meio da administração do Código de Conduta da Alta Administração Federal, que reúne um conjunto de regras específicas com foco nos ministros, secretários nacionais, presidentes e diretores de empresas públicas, sociedades de economia mista, fundações e autarquias, todos cidadãos a quem foi concedida a distinção de servir à administração pública em seus mais elevados escalões, que, por isso mesmo, têm o dever de dar o exemplo da sua própria conduta para os demais servidores e para toda a sociedade. Esses servidores, nomeados pelo Presidente da República, que possuem alto grau de poder decisório e grande visibilidade, estão particularmente sujeitos a conflitos. Por isso mesmo, de acordo com o Código de Conduta, têm o dever de revelar à Comissão de Ética Pública todos os fatos que, efetiva ou potencialmente, possam configurar colisão entre seus interesses particulares e o exercício das atribuições do cargo público. A legislação pátria não define com clareza o que seja conflito de interesses. Entretanto, ela contempla várias normas práticas para preveni-los, como a proibição para participar de gerência de empresas privadas, para trabalhar para quem quer que tenha interesse em sua ação ou omissão como servidor ou empregado público etc. O que a Comissão de Ética Pública busca fazer é identificar aquelas situações que, apesar de não caracterizarem infração à lei, são condenáveis do ponto de vista moral. O simples cumprimento da lei, que é o mínimo da ética, não mais pode ser utilizado como argumento suficiente para justificar condutas moralmente inaceitáveis. As entidades e órgãos que integram o Executivo Federal têm apresentado progresso no cumprimento das funções básicas na observância dos padrões éticos, seja na explicitação de regras claras do que é e do que não é aceitável em matéria de conduta, como de programas de educação, monitoramento e aplicação de sistema de conseqüências. Sem embargo, a implementação de uma infra-estrutura ética está apenas no seu começo, pois crença anterior de que dilemas dessa natureza são questões de foro íntimo e que devem ser resolvidos entre quatro paredes ainda exerce grande influência nas organizações. Mas, nem sempre as organizações mais suscetíveis
a desvios éticos são aquelas que mais progresso vem apresentando, o que mantém acesa a luz amarela. Até por isso ganha relevo a necessidade de uma coordenação eficiente. No cumprimento da importante tarefa de assegurar um padrão ético mais efetivo e aderente às expectativas da sociedade, algumas lições merecem ser destacadas: a) Promover a ética e combater a corrupção é desafio de todos. Reconhecer o problema é sinal de maturidade. O que vai diferenciar uns de outros é a forma como enfrentam a falta de decência e combatem a corrupção. b) Promover a capacidade de governança pública e corporativa é fundamental para um padrão ético efetivo, que é, a um só tempo, conseqüência e causa da capacidade de governança. Além do mais, é preciso ter em conta, como já lembrou o antropólogo Roberto DaMatta em trabalho para a Comissão de Ética, que o desafio não é apenas o de gerar resultados, mas fazê-lo dentro dos limites estritos da moralidade. c) Ter código de conduta não poder ser encarado como uma panacéia, ainda que seja um passo importante para o estabelecimento de um clima ético dentro das organizações. Por outro lado, é preciso reconhecer que códigos nada ou pouco valem se não tratam de questões da agenda da própria organização, que suscitam dúvidas e requerem solução padrão, para fazer frente a eventual custo de reputação. Além disso, é fundamental estabelecer uma adequada infra-estrutura que assegure transparência e controle efetivos. d) Ter dúvida não é não ter ética. Todos temos dúvidas, sobretudo quando estamos diretamente envolvidos no dilema a ser resolvido. Assim, é imprescindível que cada organização conte com canais azeitados por onde possam fluir perguntas e respostas sobre situações práticas do dia a dia. e) Finalmente, como disse Abraham Lincoln, o que quer que seja moralmente errado, jamais será politicamente correto.
“O que a Comissão de Ética Pública busca fazer é identificar aquelas situações que, apesar de não caracterizarem infração à lei, são condenáveis do ponto de vista moral.”
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QUILOMBOS:
DA INSURREIÇÃO À PROPRIEDADE CONSTITUCIONAL Marco Aurélio Bezerra de Melo Defensor Público no Núcleo de Direitos Humanos Professor de Direito Civil da Universidade Cândido Mendes
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presente artigo tem por objetivo apresentar argumentos jurídicos para o convencimento de que a norma constitucional do artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias que prescreve: “aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os títulos respectivos” é justa e exige a sua pronta efetivação. A palavra quilombo sugere vários significados, dentre os quais o de “valhacouto de escravos fugidos; unidade básica da resistência negra“ como sugere o saudoso e eminente advogado Alaôr Eduardo Scisínio em seu consagrado Dicionário da Escravidão. A norma constitucional acima transcrita indica que efetivamente o sentido da palavra quilombo seja o de uma fortificação composta de negros fugitivos que desafiando o direito estatal, formaram um núcleo populacional que buscava manter a cultura e a estratificação social trazida da África. Os quilombos que se formaram e se espalharam pelo território brasileiro traziam duas práticas insurrecionais. A primeira relativa à ocupação da terra que não se fazia dentro do modelo estatal da compra e venda ou da sucessão hereditária e o segundo que guarda relação com o próprio questionamento do regime servil e que contribuiu para a
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sua derrocada. Com efeito, o apossamento de um território quilombola significava uma medida duplamente insurgente e aí se encontra a grandeza da luta histórica dos escravos fugidos que lograram trazer, a despeito da distância continental, um pedaço da África para o Brasil no tocante ao território e cultura, ajudando a que o país se livrasse da maldição de manter pessoas cativas servindo a outras sem liberdade, mas também foi a primeira demonstração de que a posse da terra como instituto independente da propriedade podia ser utilizado em sua função social para afirmar a moradia, produção e trabalho dos rebelados do sistema escravagista. Nesse exato ponto, impende situar, ainda que brevemente, o cenário jurídico de aquisição da propriedade de terras no período que antecedeu a abolição da escravidão. Em um primeiro momento a terra era concedida por Cartas de Sesmarias, cuja definição nas Ordenações
Manuelinas, Livro IV, Tít. 67 era a de “datas de terras, casas ou pardieiros, que foram ou são de alguns senhores e que, já em outro tempo foram lavradas e aproveitadas e agora o não são”. Após esse período e com o reconhecimento da independência do Brasil não se verificou uma modificação no sistema fundiário pátrio e o regramento mais importante dessa fase foi a Lei nº 601, de 18 de setembro de 1850, conhecida como Lei de Terras, cujos artigos 1°, 4° e 5° deixavam claro que a aquisição da propriedade somente se daria por ocupação primária anterior, compra e venda, sucessão hereditária, sendo revalidadas as outorgas das referidas cartas de sesmarias. A lei de terras data do mesmo ano da lei Eusébio de Queirós que fora decretada no dia 4 de setembro de 1850 reprimindo o tráfico de africanos e punindo com rigor os selvagens contrabandistas de gente. Isto nos conduz a
uma conclusão lógica: o país que se preparava para abolir a escravidão, consolidava os latifúndios nas mãos da oligarquia rural tomando cuidado para que o escravo, ao se deparar com a liberdade, não tivesse acesso à propriedade pelo obstáculo do preço e pela proibição de legitimar posses posteriores à referida lei de terras. Com efeito, vê-se com clareza que as áreas de posse de quilombos não encontraram mecanismos jurídicos para se legitimar no direito positivo vigente após a abolição da escravidão, permanecendo à margem da titularidade formal dos imóveis que com a lei de terras passou a ser a situação proprietária, sendo a posse um instituto de categorização inferior, tido como estado provisório e, portanto, inseguro, que funcionava como uma mera exteriorização da propriedade. Kant sustenta ser legítima a primeira posse de um pedaço de terra, sendo um direito natural ter algo, cuja utilização por outrem possa se traduzir em um prejuízo a quem exerce a posse sensível sobre o bem. Diz o autor que este postulado está ligado a uma lei permissiva da razão prática que confere ao possuidor direito de exigir de todas as outras pessoas um dever geral de abstenção frente a aquele que primeiro exerceu a posse sobre o bem. O indigitado filósofo ensina que o estado de posse é um fenômeno da natureza que confere proteção jurídica ao primeiro possuidor, pois é também direito natural não ser obrigado a certificar sua posse, além do que é correto formular a proposição de que tudo que uma pessoa submete ao seu controle de acordo com as leis da liberdade externa, manifestando a vontade que seja o titular, realmente o será. Nessa ótica, aduz o autor em sua memorável “metafísica dos costumes” que: “realizar a primeira tomada de posse tem, portanto, uma base jurídica (titulus possessionis), que é posse original em comum; e o brocardo: “felizes são aqueles que tem a posse” (beati possidentes), porque ninguém ser obrigado a certificar sua posse é um princípio básico de direito natural, o qual estabelece o tomar a primeira posse como uma base jurídica de aquisição com a qual pode contar todo primeiro possuidor.” A posse de terras no solo brasileiro para a formação de quilombos pelos escravos equivale à posse no estado da natureza e justifica a sua defesa pelo título conferido pelo próprio apossamento ab origine. Nessa linha de raciocínio, as áreas utilizadas para a formação de quilombos eram terras de ninguém (res nullius) que foram possuídas pelos escravos que fugiam do cativeiro e cujos descendentes continuam exercendo posse passados mais de cem anos de abolição da escravidão. A idéia acima de apreensão originária se encontra também em autores clássicos como o Doutor Spencer
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Vampré, J.M. Carvalho Santos, Pontes de Miranda, Martinho Garcez e Lafayette Rodrigues Pereira. Entretanto, forçoso reconhecer que mesmo Kant aduzia que a defesa fulcrada em uma legítima apreensão, como fora a que historicamente se verificou nos territórios quilombolas, não basta, pois há a necessidade de uma legitimação estatal com o reconhecimento de uma titularidade definitiva sobre o bem possuído. Verifica-se também nas lições de Kant que é necessário que do estado da natureza em que se acha a posse haja a conversão para o estado de direito que, à luz do ordenamento pátrio, seria o reconhecimento da propriedade como direito definitivo. Dizia o mestre que: “Em síntese, o modo de ter alguma coisa externa como sua num estado de natureza é posse física que tem a seu favor a presunção jurídica de que será convertida em posse jurídica através de sua união com a vontade de todos numa legislação pública, e em antecipação a isto é válida comparativamente como posse jurídica.”1 E falando sobre a propriedade, o apontado filósofo alemão ratifica a aludida afirmação prescrevendo que: “alguma coisa pode ser adquirida definitivamente sob uma constituição civil. Em um estado de natureza também pode ser adquirida, mas somente provisoriamente.” E conclui dizendo que: “a conseqüência é poder a aquisição original ser apenas provisória. A aquisição definitiva ocorre somente na condição civil.” Assim, é de importância vital para a segurança jurídica dos descendentes dos escravos africanos e para a afirmação cultural e étnica das comunidades remanescentes de quilombos a atestação da propriedade sobre os territórios quilombolas, e que do reconhecimento unilateral de afirmação da titularidade sobre o bem – posse em estado natural - se chegue ao reconhecimento da sociedade acerca do direito de propriedade dessas terras promovendo, por conseguinte, a aceitação de todos de um direito definitivo assentado em uma legislação de ordem pública. Conclui-se, de logo, o quão importante é conferir efetividade ao comando normativo do artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, identificando as áreas remanescentes de quilombos e conferindo o título de propriedade na forma da lei civil pátria. Releve-se o fato de que o aludido dispositivo constitucional trilha a idéia kantiana quando prescreve que o estado deverá reconhecer a “propriedade definitiva” das comunidades remanescentes de quilombos, ou seja, o texto constitucional não faz referência à posse, tendo em vista a simples constatação de que esta já estava mais do que solidificada por ocasião da promulgação da lei maior em outubro de 1988. Imperioso ratificar que o reconhecimento da propriedade constitucional das áreas remanescentes de quilombos é originário por não se fundamentar em relação
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jurídica anterior que lhe dê suporte. Nesse passo, há uma semelhança muito grande com a usucapião, sendo certo que como sucede com o instituto análogo a eventual sentença judicial que o reconhecer também será declaratória. Entretanto, a prescrição aquisitiva conta com um termo inicial – a quo – e um termo final – ad quem e após a sua configuração o possuidor se faz proprietário, ou seja, o usucapiente não precisa continuar possuindo para que seja reconhecido o seu direito de propriedade, valendo lembrar a denominada ação publiciana que municia o usucapiente de pretensão reivindicatória sem título e posse atual. O termo inicial para que a posse de um quilombo seja reconhecida na atualidade como propriedade é o momento da instalação da comunidade de escravos africanos, e o termo final coincidirá com a promulgação da Constituição, momento em que o direito de propriedade se incorporou definitivamente ao patrimônio dos quilombolas que reconhecerem sua própria história de descendentes de escravos africanos que foram residir nos quilombos antes da decretação da lei áurea, merecendo destaque que tal direito pode ser usado como defesa em eventual ação reivindicatória proposta pela pessoa, cujo título se encontra registrado no cartório imobiliário. Com redobrada vênia, se a propriedade a que se refere a norma do artigo 68 do ADCT fosse por meio da usucapião, teríamos que imaginar que a usucapião do afrodescendente quilombola teria que ser por um prazo maior do que cem anos, sendo evidente que o prescrição mais longa, atualmente, no direito brasileiro, é a da usucapião extraordinária prevista no art. 1.238 do Código Civil Brasileiro que é de quinze anos. Se o Poder Constituinte Originário quisesse disciplinar o direito de propriedade das áreas de quilombos pela árdua via da usucapião teria feito, como aconteceu, por exemplo, com a usucapião especial urbana (art. 183, C.R.F.B.) e rural (art. 191, C.R.F.B.). A última parte do dispositivo legal assegura um direito subjetivo para as comunidades remanescentes de quilombos, acarretando ao Estado um dever jurídico prestacional, pois a lei das leis prescreve que o Estado deve emitir os títulos de propriedade. A grande dificuldade está em definir como o Estado poderá atestar a propriedade. A norma jurídica constitucional que se encontra nas disposições transitórias, por óbvio, tende a perder a sua importância social na medida em que o seu comando se efetiva, mas enquanto isto não acontece, deve ser encarada como parte integrante do texto constitucional a quem se deve conferir a máxima efetividade. Pela simples leitura do artigo 68 do ADCT observa-se que o tipo legal contém todos os requisitos de sua auto-aplicabilidade, sendo norma de eficácia plena para nos servirmos da nomenclatura adotada pelo eminente constitucionalista José Afonso da
Silva. A despeito de a norma do artigo 68 do ADCT conter todos os requisitos para a sua auto-aplicabilidade, o Governo Federal editou o Decreto Federal nº 4.887, de 20 de novembro de 2003 visando regulamentar a identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos. Nos imóveis registrados em nome do Estado, o próprio ente federativo deverá emitir o título respectivo, reconhecendo o direito de propriedade para as comunidades remanescentes de quilombos, na forma do que estabelece o artigo 12 do referido decreto. Estando o imóvel registrado em nome de particular, o artigo 13 do decreto federal nº 4.887/2003 prevê que a política governamental para a efetivação do direito de propriedade para as áreas de quilombos será a desapropriação dos imóveis com o conseqüente pagamento de verba indenizatória à pessoa cujo nome estiver registrado a terra ocupada pelo quilombo. Tal opção do encimado dispositivo regulamentar padece de flagrante inconstitucionalidade por afrontar diretamente a norma contida no artigo 68 do ADCT. O reconhecimento da propriedade prescinde de desapropriação, cumprindo, outrossim, as normas contidas nos artigos 215 e 216 da C.R.F.B. que objetivam proteger valores culturais, preservando-se a memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira. De efeito, como o Estado “expropriará” e “concederá” título a quem, a bem da verdade, já é o verdadeiro proprietário na forma do que disciplina o artigo 68 do ADCT? Será que os próprios quilombolas, por serem proprietários, receberão indenização? Qualquer solução nesse sentido é absurda. O fato é que os recursos que seriam destinados a “comprar” a terra de quem já não é mais o titular serão mais bem alocados para dotar os quilombos de infra-estrutura, promovendo a sua emancipação, proporcionando uma justiça, ainda que tardia, aos africanos que foram trazidos violentamente para o Brasil e aqui contribuíram para a formação do povo brasileiro. A indenização, salvo melhor juízo, não pode ser condicionante da regularização fundiária dos territórios quilombolas. Se for entendido que é devida uma indenização, que a mesma seja pleiteada por ação própria em face do Estado, pois foi ele que na constituição cidadã de 1988 afirmou a propriedade para os quilombolas dos territórios que ocupam. A nosso sentir, caberá a propositura de ação declaratória na forma do artigo 4º,I, do Código de Processo Civil e que nas sábias palavras de João Batista Lopes a ação será declaratória(e não constitutiva), porque sua eficácia preponderante não é a criação ou constituição de ato jurídico já existente, mas sim o reconhecimento judicial de
Marco Aurélio Bezerra de Melo sua existência. Na referida ação declaratória, de conteúdo real, serão citados eventuais interessados e, se for a hipótese, a pessoa, em cujo nome esteja registrado o imóvel. O pedido deverá conter requerimento de extração de Carta de Sentença para que o imóvel seja registrado em nome da associação de moradores ou, se for o caso, dos litisconsortes que provarem a descendência inerente aos quilombolas. Algumas providências preliminares devem ser observadas, dentre aa quais: laudo histórico de formação do quilombo, laudo antropológico reconhecido como autêntico pela Fundação Cultural Palmares (Ministério da Cultura), certidão atualizada do Cartório de Imóveis da cidade em que se situa o quilombo, cadastro sócioeconômico dos moradores, planta de situação do imóvel em que a comunidade está localizada, memorial descritivo, estatuto da associação de moradores na forma da atual lei civil e devidamente registrado, ata de assembléia da associação de moradores autorizando o ingresso com a ação declaratória de reconhecimento de propriedade. Augurando que o singelo texto sirva de reflexão para que os leitores desse valioso periódico jurídico pensem em caminhos jurídicos razoáveis para a titulação definitiva das comunidades remanescentes de quilombos como afirmação de valores culturais e étnicos que servem de base para a formação da história desse país, além do resgate de cidadania que se reveste como um imperativo de justiça.
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O metrô Como Instrumento de Resgate da Cidadania
Alexandre Farah Advogado e Presidente da RIOTRILHOS
Q
uando for inaugurada a Estação Cantagalo, em março de 2006, o metrô do Rio dará mais um passo para a complementação da Rede Prioritária Básica do mais moderno, rápido, seguro e confortável meio de transporte, que hoje já atende a cerca de 500 mil passageiros/dia. Na Região Metropolitana do Rio de Janeiro, mais de 10 milhões de habitantes realizam diariamente cerca de 13,2 milhões de viagens, 77% delas em ônibus que trafegam em vias já saturadas, sem possibilidade de aumento de sua capacidade, em função da peculiaridade geográfica da cidade que restringe os corredores de deslocamentos aos vales já ocupados por vias ferroviárias e rodoviárias. Os engarrafamentos são uma constante. As últimas vias de grande capacidade construídas, as Linhas Vermelha e Amarela já estão próximas à saturação, assim como a Ponte Rio Niterói, Av. Brasil e os Túneis Rebouças, Zuzu Angel e Santa Bárbara o que torna os deslocamentos da população carioca extremamente penoso, principalmente para a população de baixa renda obrigada a percorrer grandes distâncias entre a casa e o trabalho. Como conseqüência, é fato o crescimento das favelas localizadas próximas aos centros de emprego da metrópole, na busca da população minimizar este grave problema de deslocamento, tanto pelo ganho de tempo de viagem, quanto pela economia financeira em função da diminuição do número de modais utilizados. Essa gama de problemas afasta empresas de grande porte, que fogem para outros estados com infra-estrutura mais adequada, o que provoca a redução do fluxo de investimentos, a redução do mercado de trabalho e
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a conseqüente perda de arrecadação de impostos que financia os projetos sociais do governo. A implantação de um sistema metroviário integrado, aliado a uma política de transporte mais racional, que privilegie o transporte sobre trilhos como sistema estruturador e que promova a racionalização do transporte coletivo por ônibus, é a única maneira de resolver o problema de transporte no Rio de Janeiro. O metrô é o único transporte capaz de resgatar, neste aspecto, a cidadania principalmente da parte mais pobre da população, que merece um sistema de transporte de qualidade. Sem ele a cidade estará condenada a conviver com o caos no trânsito, com o baixo nível de qualidade de vida, com a desordem urbana e com a poluição sonora e do ar. A operação comercial do metrô no Rio começou em 1979 e hoje conta com 2 linhas. A Linha 1 com 17 estações, ligando a Tijuca, na Zona Norte, a Copacabana, o coração da Zona Sul do Rio. E a Linha 2, que une o Centro da Cidade aos bairros mais carentes do subúrbio com 16 estações, entre o Estácio e a Pavuna. Para uma cidade do porte do Rio de Janeiro, a segunda do país, a rede metroviária é muito aquém da necessidade da população. A falta de investimento ao longo dos anos impediu que as Linhas 1 e 2, cuja construção teve inicio na década de 70, estejam concluídas. Cabe aqui ressaltar que o Metrô do Rio de Janeiro é o único no Brasil que não recebeu financiamento, a fundo perdido, do Governo Federal, ficando o Governo do Estado com todo o ônus de sua construção. Nos últimos anos, a Governadora Rosinha Garotinho vem investindo na expansão do metrô. A maior prova de
que o sistema metroviário é prioridade do Governo do Estado são as inaugurações de novas estações, como as de Siqueira Campos, já em operação, e Cantagalo, ambas em Copacabana, e a futura extensão até a Praça General Osório, em Ipanema, estação final da Linha 1. A Estação Siqueira Campos, a última inaugurada, permitiu aumento de 30 mil passageiros/dia no sistema. A construção foi iniciada no governo Anthony Garotinho e a entrada em operação aconteceu no governo Rosinha Garotinho. A estação é uma das mais belas e confortáveis do metrô do Rio e atende a um dos bairros de maior densidade demográfica do mundo, Copacabana. Mas agora as atenções estão voltadas para a Estação Cantagalo, que será inaugurada em março de 2006, com previsão de acréscimo de demanda inicial de 25 mil passageiros/dia. A importância dessas duas estações do metrô pode ser notada na facilidade de entrada e saída do bairro e na diminuição dos engarrafamentos nas principais vias de Copacabana. Já começaram também as negociações para expandir o metrô até a Praça General Osório, em Ipanema, o que deverá proporcionar acréscimo de 65 mil passageiros/dia ao sistema. Depois de pronto esse trecho, o tempo de viagem de Ipanema até a Tijuca será de apenas 30 minutos. A valorização dos imóveis no local será imediata.
Além da expansão das linhas, a RIOTRILHOS vem trabalhando também no sentido de melhorar todo o sistema metroviário do Rio. Estão sendo executados projetos como os de maior acessibilidade em estações, áreas de manobra, o Programa de Recuperação Operacional, com a conclusão das instalações dos sistemas auxiliares, operacionais e de energia nas linhas 1 e 2, que irão permitir a diminuição dos intervalos entre as viagens, maior conforto e segurança aos usuários do sistema. A RIOTRILHOS pretende, ainda, para consolidar o sistema, levar o metrô até a Barra da Tijuca, a Niterói e São Gonçalo. Um dos projetos mais urgentes é a conclusão da linha 2 com a construção do trecho EstácioCarioca, que eliminará o maior gargalo do sistema metroviário em operação, o transbordo entre as linhas 1 e 2, hoje efetivado de forma inadequada na Estação Estácio. A conclusão deste trecho beneficiará cerca de 2 milhões de pessoas e permitirá acréscimo de 300 mil passageiros/dia ao metrô. Seguindo a orientação da Governadora Rosinha Garotinho, a RIOTRILHOS vem trabalhando para expandir e aprimorar o sistema metroviário, com a visão de que o metrô é importante instrumento de resgate da cidadania no Rio.
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O BEIJO DA AOS APOSEN
Cláudio Chaves Professor, Doutor e Livre Docente
“V
ocê que é aposentado ou pensionista do INSS... faça um empréstimo no Banco tal”. Aí está oficializado o crédito com desconto na folha de pagamento ou no benefício recebido do INSS, regulamentado pelo governo brasileiro, de acordo com a Instrução Normativa nº 121. O que aparentemente se apresenta como vantagem passa a ser um pesadelo a mais na vida dos sofridos aposentados do Brasil, atraídos por empréstimos a juros baixos (anunciados a pouco mais de 1% ao mês), quando na realidade, se computados a “Taxa de Abertura de Crédito”, o “Imposto sobre Operações Financeiras” e os juros sobre juros, chegam no final da conta a ultrapassar a casa dos 5,50% ao mês.
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Anunciados na mídia por meio de propagandas enganosas, incluindo a participação de artistas conhecidos do grande público, as operações relacionadas ao crédito consignado com desconto no benefício recebido passaram a ser para os Bancos mais uma excelente fonte de renda e para os inativos e pensionistas um duro golpe em suas vidas. Por envolver vultosas quantias de dinheiro – quase 8 bilhões de reais emprestados a mais de 3 milhões de aposentados e pensionistas, o que representa cerca de 17% dos benefícios da Previdência Social e mais de 30% dos créditos operados pelos Bancos - e não oferecer risco algum às Instituições Bancárias -, essa forma de empréstimo, que retira muito de quem tem muito pouco,
MORTE TADOS
passou a ser um grave problema aos brasileiros da terceira idade. Tudo isso contando com a anuência do governo e a omissão do Conselho Nacional de Auto-Regulamentação Publicitária. A atual política vigente no Brasil para os seus trabalhadores, no que concerne à aposentadoria, é com certeza uma das mais desiguais do planeta. Àqueles que ganham polpudos salários e que são detentores de mordomias advindas dos cargos que ocupam, a aposentadoria, que comumente só acontece no limite da idade compulsória (hoje aos 70 anos), é concedida integral e corrigida. No entanto, para a grande maioria dos trabalhadores, que recebem baixos salários, além do limite mínimo de idade (55 para mulheres e 60 para homens), a aposentadoria é paga com proventos defasados e não corrigidos integralmente quando comparada com os paradigmas dos que permanecem em atividade. Essa grande maioria, mesmo tendo completado o tempo de serviço, por ser forçada a pagar pedágio do limite mínimo de idade, deixa de obter renda adicional quando ainda tem capacidade laborativa para fazê-la, e, com os proventos defasados, seus ganhos são insuficientes para sobrevivência, considerando-se que cerca de 30% dos seus rendimentos são gastos com medicamentos prescritos para uso continuado no controle de doenças crônico-degenerativas, tais como hipertensão arterial, diabetes, reumatismos e glaucoma, dentre muitas outras. “O dinheiro extra” oferecido aos aposentados, na forma em que está sendo negociado, está a urgir por providências de reparo, por quem de direito, por ferir frontalmente o artigo 6º do Código de Defesa do Consumidor e as normas emanadas da Associação dos Direitos Financeiros do Consumidor. Também o
controle do lucro, das taxas de juros e da dinâmica das operações financeiras praticado pelos Bancos constitui-se numa das prioridades na prestação de contas do governo à sociedade. Os aposentados, após terem sido vítimas de ações leoninas e extorsivas decorrentes de propagandas enganosas, e ludibriados na sua boa-fé, vendo-se impotentes e patéticos, só lhes resta uma alternativa: cortar dos seus parcos orçamentos os gastos com medicamentos imprescindíveis para o cuidado da saúde, o que se traduz, na prática, em cortar a própria carne e disso advirem tanto deficiências físicas e mentais quanto redução do tempo de vida. Eis a dura realidade dos fatos: maior número de óbitos, maior gasto do Sistema Único de Saúde com os atendimentos de alta complexidade e aumento do número de deficientes, todos certamente agravados por essa situação inusitada e nada recomendável. Se o governo brasileiro quisesse dar um óbolo à sua sofrida população de aposentados, poderia muito bem utilizar parte dos recursos dos seus Fundos de Pensão, muitas vezes utilizados de forma equivocada para salvar Bancos falidos (e.g. PROER), e emprestar (via suas instituições creditícias) aos inativos, com taxas de juros não superiores às aplicadas às cadernetas de poupanças, e distribuir gratuitamente, de forma regular e continuada, os medicamentos para o controle das enfermidades comuns à terceira idade. Aí, sim, estaria o governo ofertando como prêmio um ósculo de amor aos seus retirados, pois permitindo continuar esse estado de coisas está ratificando que o conforto que deseja oferecer aos seus aposentados nada mais é que o BEIJO DA MORTE!
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Direito Como Causa da economia Informal Ney Prado Presidente da Academia Internacional de Direito e Economia
“Estamos convencidos de que, na medida em que se valorize a importância do direito, descobriremos que o problema não se encontra tanto na informalidade, mas na formalidade”. Hernando de Soto “Aquele que deseja exorcizar da nossa sociedade o desrespeito pela lei deveria fixar os olhos nos principais culpados. O Estado onipotente, onicompetente, altamente gastador e taxador está certamente entre os primeiros”. Barbara Shenfield.
P
ara Vito Tanzi, autor de várias obras sobre o assunto e pesquisador do FMI, a economia informal “é o produto nacional bruto que, por não ser declarado e/ou subdeclarado, não é medido pelas estatísticas 1 oficiais” . Na expressão de Daniela del Boca e de Francesco Forte, seriam “atividades que se caracterizam pela ausência de transações formais” 2. Em livro que escrevi sobre o assunto3, apresentei um conceito metaeconômico. Ao meu ver, economia informal é o conjunto de atividades econômicas que o estado de necessidade social ou a busca de lucros ilícitos leva a que sejam realizadas à margem da lei, de modo que não são detectadas, nem medidas, nem consideradas nas contas nacionais. Do conceito proposto, há que se explicar, mais detidamente, o que vem a ser o estado de necessidade social e a busca de lucros ilícitos. Realmente, quanto ao estado de necessidade social, defrontamo-nos, sob o aspecto político, com um dado crucial do problema. É lição ressabida, em Direito, que o estado de necessidade é aquele em que alguém, constrangido pelas circunstâncias, se vê levado fazer o que não devia ou omitir-se no que seria de seu dever. A novidade, aqui, está em reconhecer que o estado de necessidade não ocorre apenas em casos de excepcionalidade
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e urgência, como o considera, por exemplo, o Direito Penal, como excludente de criminalidade. Trata-se de uma situação permanente em que fica total ou parcialmente descaracterizada a ilegalidade de uma conduta, pela nenhuma ou pouca alternativa que se apresenta a alguém para garantir-se a sobrevivência e o sustento. O estado de necessidade social transcende, também, o seu assento individual para abranger todo um grupo social. Este, impossibilitado ou seriamente dificultado de garantir sua sobreexistência, comportando-se segundo os cânones vigentes em determinada sociedade, ignora-os e até os viola, ocasional ou habitualmente, como meio de vida. No conceito oferecido, portanto, a caracterização eventual do estado de necessidade social seria um excludente de ilicitude, reconhecido ou não no nível positivo, como adiante se examinará. Distintamente, a busca de lucros ilícitos não pressupõe um estado de necessidade social nem propicia normalmente a atividade marginal. O agente apenas assume o risco de auferir lucros que não produziria nos quadros da economia regular. Não pretenderia, portanto, nenhuma justificação moral, mas a mera satisfação material. Está claro que esses dois pressupostos, teoricamente distinguíveis, poderão surgir, na realidade, combinados de tal forma que seja muito difícil identificar, caso a caso, agente por agente, qual o que estaria coberto ou não pelo estado de necessidade social. A disjuntiva do conceito não deve ser entendida, portanto, com plena força alternativa, mas como uma indicação de diversos temperamentos possíveis entre as duas situações. É chegado agora o momento de indicar as causas da economia informal, costumeiramente apontadas: a
marginalidade, a pobreza, o desgoverno e como concausa o direito. A marginalidade toca a gênese do setor penal da economia informal. Embora o delito, antigo como o homem, tenha explicações sociológicas, psicológicas e até biológicas, como nos indicam os estudos de criminologia, não se pode deixar de reconhecer que, por vezes, há circunstâncias que induzem poderosamente à prática habitual de crimes de fundo econômico. O instituto do menor esforço se revela particularmente mais atuante quando ocorrem circunstâncias subjetivas ou objetivas especialmente favoráveis à conduta delituosa mais ou menos permanente, o que caracteriza o setor penal da economia informal. As circunstâncias subjetivas surgem com o desespero. Ao enfrentar uma situação duramente adversa de necessidade, nem todos os indivíduos conseguem preservar sua inteireza moral ou se intimidarem pelos riscos: sucumbem e praticam os delitos que os marginalizam. Os desempregados formam um grande contingente de desesperados que se voltam muitas vezes para o crime e para a contravenção; em sua maioria são mais vítimas que criminosos, numa economia perversamente ineficiente, filhos das crises econômicas, que têm no Estado, freqüentemente, seu principal fator.
As circunstâncias objetivas surgem com a oportunidade. Mesmo sem índole criminosa, é grande a tentação quando a prática do delito é facilitada ou quando se apresenta a perspectiva da impunidade. Um imenso contingente de delinqüentes ocasionais ou em potencial é atraído para o setor penal da economia informal pela ineficácia do desempenho policial, penal e penitenciário do Estado. A conjugação de circunstâncias subjetivas e objetivas altamente favoráveis à marginalização delinqüencial produz o que os sociólogos denominam de anomia, um estado em que os indivíduos ou grupos perdem seus referenciais de conduta. Na expressão de Robert Bierstedt, ela se caracteriza nas “situações sociais em que as próprias normas estão em conflito e o indivíduo tem dificuldade em conformar-se às suas exigências contraditórias”, o que levou R. K. Merton, também outro ilustre sociólogo que tratou o tema, a conotar o fenômeno da anomia ao da desinstitucionalização4. A pobreza, enquanto causa, vem a ser uma forma específica de marginalidade. Ainda que não induza o indivíduo à criminalidade, é ela um grande desvio dos processos sociais regulares, que se desdobram em inúmeras formas de recurso à economia informal. A ineficiência econômica é a geradora primária de grande marginalização de imensos contingentes humanos em todas as latitudes. O subdesenvolvimento,
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em particular, com sua miséria endêmica, leva a grandes contingentes humanos, que não têm condições de participar formalmente dos processos econômicos, a sobreviverem à custa dos mais variados expedientes, nem sempre lícitos, mas, na maioria dos casos, permitidos pelo estado de necessidade. Crises econômicas, inflação, redução da oferta de emprego, baixos salários, procriação descuidada, migrações descontroladas, monopólios de inspiração ideológica, endividamentos crônicos são causas da pobreza, herdadas das terríveis experiências socializantes e estatizantes. As sociedades reagem inconformadas com a pobreza; a natureza indomável do homem o leva a buscar sobreviver e a crescer mesmo à margem do Estado, ainda que desafiando o seu aparelho repressivo. Isso é bem evidente no setor laboral, em que os exércitos de “legítimos” são a vanguarda da liberdade econômica e, por isso, da democracia plena. O desgoverno é também uma das principais causas da economia informal. A ineficiência do Estado acabou por contaminá-lo no campo de atuação que lhe é próprio. Alcançou e comprometeu até o seu desempenho regular, como legislador, administrador dos interesses públicos e juiz dos conflitos de interesses. A máquina do Estado, ao se ampliar tão desmensuradamente para atuar no campo econômico, acabou produzindo severas distorções: privatizou-se, parcializou-se, tornou-se distributivista, alimentou o populismo, estimulou o empreguismo, fez renascer o cartorialismo, agigantou a burocracia, propiciou o desperdício, desenvolveu a corrupção, aumentou a carga fiscal sobre a sociedade, hipertrofiou o Poder Executivo, descuidou da legislação e formalizou o Direito. Nas judiciosas palavras de Hélio Beltrão: “Do distributivismo, do empreguismo e do cartorialismo à burocracia é um pequeno passo: sobrevém o culto do papel, a supervalorização do documento, a obsessão da forma, a desconfiança excessiva e a necessidade de ‘justificar’
“À guisa de conclusão, podemos afirmar que a economia informal é uma resposta que a sociedade desenvolve espontaneamente para sobreviver. Não é uma renúncia ao progresso: é a sua busca por outros meios.”
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o exército de servidores públicos. São tecnocratas que planejam tudo; são zelosos amanuenses que não produzem nada; são rigorosos fiscais que estão em toda parte, menos nas repartições; são chefes de si mesmo, assistentes de ninguém e até ministros de pastas extravagantes. Tudo, assim, para tornar o Estado ainda mais insensível, mais centralizado e mais desumano” 5. Como não podia deixar de ser, esse Estado distributivista, empreguista, cartorialista e burocratizado é tremendamente desperdiçador. Inexiste qualquer tipo de controle possível sobre essa megamáquina, onde os recursos somem na voragem dos custos dos projetos, dos trâmites e da folha de pessoal. Pouco sobra para suas atividades-fim. O pouco que ainda sobra, a corrupção encarrega de desviar. A conseqüência, como seria inevitável, é buscar os recursos que não produz e desperdiça, no bolso do contribuinte. A voracidade fiscal do Estado, mesmo que não se valesse da figura do “leão”, já teria suficientes características de violência e desumanidade. O desgoverno, em última análise, descorçoa a sociedade que deve suportá-lo e desespera os que não mereceram o privilégio das benesses públicas, ou porque não obtiveram um emprego que os pusesse a salvo da recessão ou um cartório que os protegesse contra a competição. Como a sociedade luta e se recusa a aceitar passivamente este estado de coisas, por ser da índole do homem não se deixar vencer pela adversidade, ser devorado por um ogro que ele mesmo criou, é que ela responde com a realidade insopitável da economia informal. Já se pode perceber que qualquer das grandes causas apontadas: a marginalidade social, a pobreza e o desgoverno, têm no direito inadequado sua concausa comum. O direito é, até o momento, a melhor explicação para a existência da informalidade. A partir dessa perspectiva, a escolha entre trabalhar formal ou informalmente é menos um desígnio inexorável, derivado das características das pessoas, mas um exercício racional, para determinar os custos e benefícios de integrar o sistema de direito existente e realizar suas atividades econômicas dentro dele. Realmente, ante a inadequação do direito posto por igual a situações desiguais da sociedade, esta reage, mais que tudo, desenvolvendo heteronomias paralelas. “Na verdade, há todo um sistema heterônomo em busca de sua própria legitimação”, diz Diogo de Figueiredo Moreira Neto ao tratar do problema da participação política, o que se completa com a percuciente observação de Agustin Gordillo em seu opúsculo sobre a “Administração Paralela”: “Em muitas comunidades geram-se, às vezes, formas sociais de um direito não emanado do Estado (...) às
vezes se contrapõem, quando as normas sociais imperantes são contrárias ou ao menos diferentes das normas jurídicas vigentes num mesmo lugar” 6. Ocorre, enfim, uma dicotomização ética, tornando a sociedade esquizofrênica, com um imenso fosso aprofundado entre ela e o Estado, que lhe impõe um direito inadequado. O double standard acaba por prevalecer de alto a baixo em todos os estamentos sociais, alcançando a própria personalidade do indivíduo e a cindindo: a sua pessoa autêntica e sua figura social, conforme nos advertia Ortega y Gasset em seu livro “El Hombre en la Defensiva”. É inevitável que a sociedade, que não encontre no direito posto pelo Estado a solução para seus interesses e conflitos de interesses, vá buscar num direito paralelo as instituições de que necessita para sobreviver. O direito não é, portanto, uma causa isolada, mas uma concausa, que atua em comum com todas as demais para que exista uma economia paralela, quando seu conteúdo e sua aplicação não satisfazem as finalidades de ordem, de segurança e de justiça para as quais existe. Por outro lado, embora não seja, o direito, nem de longe, o único fator a propiciar o desenvolvimento, não é menos certo que seu descompasso com a realidade sócioeconômico-cultural que deve reger, pode torná-lo um decisivo fator a impedi-lo. Por mais que possam pesar os fatores geográficos, os fatores humanos, os fatores culturais e os fatores tecnológicos no atraso de um país, é impossível encontrarse uma explicação plausível para a economia informal senão na inadequação do ordenamento jurídico. Como se justifica, indaga-nos Hernando de Soto, que um grande setor da população prefira desenvolver-se à margem da lei? Como se explica que desejem pagar o alto custo da informalidade se não pelo custo, ainda maior, imposto pelo ordenamento jurídico inadequado? A partir dessa perspectiva, a escolha entre trabalhar formal ou informalmente é menos um desígnio inexorável derivado das características das pessoas, e mais um exercício racional para determinar os custos e benefícios de integrar o sistema de direito existente e realizar suas atividades econômicas dentro dele. Ao descumprirem as obrigações legais, os informais estão convencidos de que essa atitude lhes propicia maiores benefícios, quando comparados aos custos da formalidade. Alguns indivíduos e empresas fizeram a opção pela informalidade por vontade própria; a grande maioria, no entanto, permanece à margem da legislação, porque, se tivessem que cumpri-la integralmente, seus negócios se tornariam inviáveis. Em contrapartida, os informais correm constantemente o risco de sofrer sanções impostas pelo sistema legal. E o
“É inevitável que a sociedade, que não encontre no direito posto pelo Estado a solução para seus interesses e conflitos de interesses, vá buscar num direito paralelo as instituições de que necessita para sobreviver.” sofrem, duplamente: por atuarem à margem da lei e, ao mesmo tempo, pela inexistência de um direito que lhes garanta e possibilite exercerem suas atividades econômicas com eficiência e segurança. Por diversas vezes usou-se neste trabalho sobre a economia informal referenciais de licitude, de legitimidade e de legalidade. É chegado o momento de dar um pouco mais de precisão a esses parâmetros. Adotamos o padrão de licitude para exprimir a compatibilidade de uma conduta humana com os padrões éticos dominantes numa determinada cultura. O ilícito atenta, assim, contra os valores cultivados na sociedade que, por isso, o repudia com sanções sociais espontâneas. A legitimidade vem a ser a compatibilidade do poder político instituído na sociedade com os interesses nela prevalecentes. A ilegitimidade atenta diretamente contra valores práticos de interesse coletivo e, indiretamente, contra valores abstratos, sendo repudiada através das sanções políticas também instituídas. A legalidade vem a ser compatibilidade de uma ação com os padrões objetivos de poder e de dever positivados pelo Estado, contendo os interesses que devem ser protegidos e como deverão sê-lo. A ilegalidade atenta diretamente contra a norma positivada e, indiretamente, contra os interesses e valores que nela encontram proteção. Como todo ato em sociedade pode ser aferido sob os três referenciais, devemos considerar as seguintes combinações possíveis, cada uma delas com suas características: 1) lícito, legítimo e legal; 2) lícito, legítimo e ilegal; 3) lícito, ilegítimo e legal; 4) lícito, ilegítimo e ilegal; 5) ilícito, legítimo e legal; 6) ilícito, legítimo e ilegal; 7) ilícito, ilegítimo e legal; 8) ilícito, ilegítimo e ilegal. Excluídos os casos extremos (1º e 8º), que não suscitam dificuldades, os demais apresentam os mais diversos e até curiosos problemas de compatibilidade ética, cada um deles com maior ou menor repercussão juspolítica. Dois são, todavia, os casos de maior impacto em termos
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de economia informal: o segundo e o sétimo. De todos, a atividade lícita, legítima, mas ilegal (2º caso) é a que mais preocupa. Nesta hipótese, a sociedade aceita como moralmente irreprochável e tem como de seu interesse uma atividade que o ordenamento jurídico condena e proscreve. É o caso do jogo do bicho, sob o aspecto penal. Por outro lado, há a atividade ilícita e ilegítima considerada legal (7º caso), extremamente chocante e geradora de descrédito para o sistema, pois a sociedade não absorve a legalidade como lacuna técnica, mas como impunidade. E o caso dos golpes econômicos, em pequena parte tipificados como crimes “de colarinho branco”. Encontramos assim, divergências específicas entre um processo de licitude e um processo de legitimidade, entre um de licitude e um de legalidade, entre um de legitimidade e um de legalidade, sempre que resultem incompatíveis. O estado de necessidade social, centrado sobre os interesses da sociedade e, portanto, atinente ao termo médio, da legitimidade, reflete-se nos demais: da licitude e da legalidade. Se, em estado de necessidade social, a sociedade admite ações extremas, poderá reduzir sua sensibilidade à licitude e antagonizá-la com a legalidade. Ambas as divergências retrasam o desenvolvimento ético de uma cultura, devendo ser cumpridamente evitadas e, se existentes, anuladas. Outro aspecto ético de importância está na dimensão ou volume econômico da atividade considerada. A economia informal praticada em grande escala é, sobretudo, uma resposta a um problema meramente econômico: como gerar riquezas. Mas a economia informal de pequena escala é, fundamentalmente, um problema social: como sobreviver. A moralidade, na grande economia informal, é equacionável em termos de custos-benefícios para a sociedade e sua ilegalidade não a torna, por si só, ilícita e, muito menos, ilegítima, salvo quando prejudique a sociedade. Por sua vez, a moralidade, na pequena empresa, é aferível em termos de valores humanos. Sua ilegalidade é mero dado formal, pois não se lhe pode negar a licitude e a legitimidade intrínsecas, face às circunstâncias. Se a economia informal tem no estado de necessidade social a sua fundamentação sociológica, fica planteado o problema técnico do desafio jurídico: a redução e a eliminação da divergência ética detectada em nível de legalidade. À guisa de conclusão, podemos afirmar que a economia informal é uma resposta que a sociedade desenvolve espontaneamente para sobreviver. Não é uma renúncia ao progresso: é a sua busca por outros meios. A margem da lei ou mesmo contra ela, não há como negar às populações miseráveis e desprotegidas o direito ao
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trabalho e o direito ao progresso. Por mais distorcidos e, por vezes, até pervertidos que os encontremos na economia informal, não se pode deixar de nela reconhecer esses dois valores imanentes ao homem trabalho e livre iniciativa - em sua prisca pureza. Embora possam até mascararem-se por trás de práticas e vícios moralmente condenáveis, é inegável que lá estão, na economia informal, trabalho e livre iniciativa, em meio à ganga bruta e impura em que medram. Como se poderá negar o dever de resgatá-los em proveito de toda a sociedade, como lídimas contribuições ao progresso geral? Não pode continuar a viger dois sistemas: o formal e o informal. Essa injusta e onerosa fratura só pode ter cobro com a integração de ambos os sistemas. Esta é a grande provocação que se propõe aos juristas, legisladores e juízes, que se disponham a trocar o racionalismo paralisante pelo realismo pragmático, a acomodação pelo enfrentamento de desafios, o papel pelo fato, e o passado esclerosado por um futuro voltado à flexibilidade conceitual. É preciso avaliar, portanto, com espírito crítico despreconceituoso e realista, os custos da lei inadequada em termos de dignidade humana, de paz social, de economia e de progresso. Com efeito, a realidade da economia informal brasileira, tal como a de outros países em condições semelhantes, não pode ser ignorada nem, tampouco, combatida, como um mal em si mesma. Mas, isto sim, considerada e absorvida com criatividade e imaginação: a nível doutrinário, normativo, administrativo e judiciário, adotando-se uma atitude flexível e integrativa. Economia informal não é um problema policial e fiscal, a ser solucionado apenas com medidas sancionatórias, mas um fenômeno sócio-cultural, a ser enfrentado com elevada dose de realismo, bom senso e criatividade. Sobretudo sem preconceitos.
Notas Bibliográficas 1.Vito Tanzi, Undergound Economy and Tax Evasion, in The United States: Estimates and Implications. 2.Daniela del Boca e Francesco Forte, Recent Empirical Survey and Theoretical Interpretations of the Paralell Economy. 3.Ney Prado, “Economia Informal e o Direito no Brasil”, editora LTr, São Paulo, 1991. 4.Verbete “Anomia”, na Enciclopédia de Ciências Socias, Rio de Janeiro, FGV, 1986, p. 53. 5.Hélio Beltrão e outros, Desburocratização - Idéias Fundamentais, Programa Nacional de Desburocratização, Brasília, 1982, p. 9 6.Agustin A. Gordillo, La Administración Paralela, Ed. Civitas, Madrid, 1982, p. 83
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