Revista Justiça & Cidadania

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EDIÇÃO 78 • JANEIRO DE 2007

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ÉTICA E TOLERÂNCIA

O ESTADO DE DIREITO

ORPHEU SANTOS SALLES EDITOR TIAGO SANTOS SALLES DIRETOR EXECUTIVO DAVID RIBEIRO SANTOS SALLES SECRETÁRIO DE REDAÇÃO

INTERRUPÇÂO DE SERVIÇOS

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DÉBORA MARIA M. A. R. DIAS REVISÃO ROBSON VERA DIAGRAMAÇÃO

CONSELHO EDITORIAL

VINÍCIUS GONÇALVES EXPEDIÇÃO E ASSINATURA

ALVARO MAIRINK DA COSTA

CLEONICE DE MELO ASSISTENTE DE EXPEDIÇÃO EDITORA JUSTIÇA & CIDADANIA AV. NILO PEÇANHA,50/GR.501, ED. DE PAOLI CEP: 20020-906. RIO DE JANEIRO TEL/FAX (21) 2240-0429 CNPJ: 03.338.235/0001-86 SUCURSAIS CUIABÁ JOSÉ RODRIGUES ROCHA JUNIOR RUA BARÃO DE MELGAÇO, 2.754, SL.903 CEP: 78020-800 TEL.(65) 3623-4979

ANDRÉ FONTES ANTONIO CARLOS MARTINS SOARES

TRANSPORTE, JUSTIÇA E CIDADANIA

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SUMÁRIO

ANTÔNIO SOUZA PRUDENTE ARNALDO ESTEVES LIMA AURÉLIO WANDER BASTOS BERNARDO CABRAL CARLOS ANTÔNIO NAVEGA

EDITORIAL

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CAPA

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PATRIMÔNIO PESSOAL DE SÓCIO NÃO RESPONDE POR DÍVIDA

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ÉTICA E TRANSPARÊNCIA NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

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DIPLOMACIA PARTICIPATIVA

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APOSENTADORIA COMPULSÓRIA AOS 75 ANOS

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AGILIDADE AOS LICENCIAMENTOS AMBIENTAIS

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TRIBUNA DA IMPRENSA 57 ANOS DE HISTÓRIA

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DÚVIDA REGISTRÁRIA

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FÓRUM DE NOTÍCIAS

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A INVASÂO DO DIREITO

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CARLOS AYRES BRITTO CARLOS MÁRIO VELLOSO CELSO MUNIZ GUEDES PINTO CESAR ASFOR ROCHA DALMO DE ABREU DALLARI DARCI NORTE REBELO DENISE FROSSARD EDSON CARVALHO VIDIGAL

SÃO PAULO RAPHAEL SANTOS SALLES AV. PAULISTA, 1765/13°ANDAR CEP: 01311-200. SÃO PAULO TEL.(11) 3266-6611

ELLIS HERMYDIO FIGUEIRA FERNANDO NEVES FRANCISCO VIANA FRANCISCO PEÇANHA MARTINS FREDERICO JOSÉ GUEIROS

PORTO ALEGRE DARCI NORTE REBELO RUA RIACHUELO N°1038, SL.1102 ED. PLAZA FREITAS DE CASTRO. CENTRO. CEP: 90010-272 TEL (51) 3211 5344

GILMAR FERREIRA MENDES HUMBERTO GOMES DE BARROS IVES GANDRA MARTINS JOSÉ AUGUSTO DELGADO JOSÉ CARLOS MURTA RIBEIRO JOSÉ EDUARDO CARREIRA ALVIM

BRASÍLIA ARNALDO GOMES SCN - Q.1 - BLOCO E Ed. CENTRAL PARK FONES: (61) 3327-1228 / 29 CORRESPONDENTE ARMANDO CARDOSO TEL (61) 9674-7569

LUIS FELIPE SALOMÃO MANOEL CARPENA AMORIM MARCO AURÉLIO MELLO MAURICIO DINEPI MAXIMINO GONÇALVES FONTES MIGUEL PACHÁ NEY PRADO PAULO FREITAS BARATA

revistajc@revistajc.com.br www.revistajc.com.br ISSN 1807-779X

SEBASTIÃO AMOÊDO SERGIO CAVALIERI FILHO SYLVIO CAPANEMA DE SOUZA THIAGO RIBAS FILHO

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SANDRA FADO

EDITORIAL

BASTA DE LENIÊNCIA: “ELES NÃO SÃO GENTE, SÃO MONSTROS”.

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notável escritor italiano Giovanni Papini (1891/1956), em uma de suas consagradas obras – ao se referir aos membros da polícia fascista, descrevendo cenas dantescas de torturas, sacrifícios e mortes aplicadas aos opositores do regime opressivo imposto por Mussolini –, com palavras contundentes, assim definiu a malta de torturadores: “Eles não são gente, são monstros transvertidos em animais; não têm rosto, têm focinho; não têm mãos, têm garras; são animais peçonhentos em transmutação em verdadeiras excrescências humanas”. Tais conceitos de Papini, bem a propósito, levamnos a lembrar esses atuais facínoras, produtos de uma sociedade estarrecida e acuada, somando-se com governos comprometidos, senão coniventes, com o descalabro da corrupção, impunemente afrontam as pífias medidas de segurança, deixando a população à mercê desses vândalos, os quais, acintosas e atrevidamente desprezam, desafiam e aviltam o poder constituído, perversamente assaltando e incendiando veículos particulares, evoluindo para os coletivos de passageiros, fazendo-os prisioneiros de suas sanhas, com requintes bárbaros e desumanos, causando mortes horrorosas de inocentes crianças, mulheres grávidas, trabalhadores e pessoas idosas, impiedosamente queimadas vivas. O desafio com que a pérfida corja organizada de bandidos afronta a nação não pode ficar impune, sob pena de ingressarmos, muito aproximadamente, no regime da plena anarquia. Essa súcia de bárbaros em nossas cidades, cometendo crueldades contra indefesos

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e inocentes cidadãos, impõe o despertar de atitudes objetivas e drásticas aos senhores governadores. A difícil situação econômico-financeira, geradora do desemprego e desajustes sociais por que passa a nação, não pode servir de pretexto ou escudo aos assaltos e roubos que praticam, agravados ainda mais quando associados aos cruéis assassinatos no nosso cotidiano. A atual situação de descalabro dos serviços de segurança pública de todo o país já não garante a tranqüilidade, nem a vida da população. Além disso, essa situação exige, principalmente do Poder Legislativo Federal, medidas drásticas, com alterações de base, especificamente na legislação penal e penitenciária, providência que se alvitra na perspectiva de frear essa horda de criminosos, os quais, com requintes de crueldade e inominável perversidade, infestam e anarquizam a Nação. Bem se há de frisar, as repetidas violências, praticadas com ferocidade animalesca, devem ser revidadas com mudanças efetivas e práticas que visem a coibir o crime, penalizando com maior rigor essa nauseabunda horda de impiedosos delinqüentes e, em última análise, como fator de intimidação derradeira, senão mesmo com a aplicação do vaticínio bíblico: “olho por olho, dente por dente”. Os pruridos inócuos dos defensores de direitos humanos, no pregão de princípios cristãos em abono de suas teses e recomendações, obviamente, se contrapõem às dores, sofrimentos e desgraças das indefesas vítimas de assaltos e, principalmente, dos familiares que tiveram

suas filhas e mães violentadas, crianças, jovens e chefes de família trucidados, dentre outros casos de hodierna violência. É tempo, e hora, do novo Congresso Nacional redimir o país da desídia, da omissão, dos escândalos escancarados de toda a corrupção comprovada da última legislatura, a fim de que, com trabalho e ações apropriadas, quão imediatas a coibir o cenário cinzento, senão mesmo escuro, pelo qual passamos, justifique a outorga do mandato popular recebido, defendendo os interesses e prerrogativas constitucionais de todos os cidadãos. A “fala” do Presidente da República, coadjuvada no mesmo tom, seguidamente das providências já desfechadas pelo governador do estado do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, demonstram que ainda subsiste luz no fim do túnel, no que se leva a crer, ainda que tardiamente, poderão trazer esperança numa ação presentânea, de natureza repressiva, de modo a tranqüilizar a sobressaltada e acuada população brasileira, praticamente até então ao desamparo. Portanto, basta de leniência. Assim, ninguém agüenta mais.

Orpheu Santos Salles Diretor-Editor 2007 JANEIRO • JUSTIÇA & CIDADANIA • 5


ENTREVISTA

MURTA RIBEIRO “MEUS PRIMEIROS ATOS SERÃO PERTINENTES A UMA TRANSIÇÃO TRANQÜILA, ORIUNDA DE UMA SÉRIE DE GESTÕES ANTERIORES VENCEDORAS, INCLUSIVE A EFICIENTE GESTÃO DO PRESIDENTE SÉRGIO CAVALIERI” O desembargador José Carlos Schimdt Murta Ribeiro, eleito Presidente do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, cargo que assumirá em 01/02/2007, diz que sua conduta como futuro gestor e ordenador das despesas do tribunal será transparente, sem mudar o que sempre foi nos 33 anos de magistrado: homem simples e devotado ao cumprimento do dever. Q u ais se rão os pri mei ros atos d o presidente? Meus primeiros atos serão aqueles pertinentes a uma transição tranqüila oriunda de uma série de gestões anteriores vencedoras, inclusive a eficiente gestão do presidente Sérgio Cavalieri, que nos proporcionou os meios materiais para a evolução de nosso tribunal e que agora pretendo continuar com o incremento da gestão de pessoas.

Poder Judiciário, quando então se colhem as queixas de nossos jurisdicionados – os maiores interessados do bom desempenho da administração da Justiça – e, bem assim, se marcam questões pontuais que estão sendo mal executadas. Os trabalhos até ag ora executados já sinalizam para uma posição favorável deste novo órgão vinculado à presidência do tribunal e que precisa – como todo órgão de recente criação – de ajustes. O que será realizado.

Alguns tribunais já implantaram dois turnos de funcionamento, principalmente nos serviços de atendimento, protocolo e distribuição. O senhor tem idéia de implantar também no Rio de Janeiro? Como estou ingressando só agora com mais afinco nas questões administrativas, no curto prazo, não tenho esta medida administrativa no meu plano de governo, mas nada em que não se possa pensar e implementar no futuro, se assim per mitirem o número de servidores e o orçamento a ser executado no exercício desta gestão que se inicia.

A Justiça do estado do Rio é a mais informatizada do país, com 100% das varas integradas. Qual o próximo caminho? Processo virtual sem a ida do advogado ao fórum para protocolo de processos? Como disse no início desta nossa entrevista, o diligente Presidente Sérgio Cavalieri já nos deu, na linguagem da informática, os meios, o hardware; agora precisamos aprimorar os empregos destes meios através dos softwares, isto é, os programas a serem implementados e as pessoas qualificadas para esta tarefa. O processo virtual é, na verdade, o objetivo máximo e final a ser atingido nesta área do conhecimento, mas isso deve ser feito com segurança e prudência, já que importa até em modificação da legislação. Recentemente, foi editada uma lei – 11.419/2006 – que, a meu sentir, deverá ser aplicada de modo gradual. Como uma reforma dessa natureza não se faz exclusivamente com a mudança legal, deve haver

A Ouvidoria de Justiça foi implementada há pouco tempo. Como o senhor vê o trabalho realizado até agora? Haverá alguma mudança? Já houve. No momento, está ela em processo de reestruturação, sendo certo que a Ouvidoria de Justiça é um reforço que se soma à boa administração do 6 • JUSTIÇA & CIDADANIA • JANEIRO 2007


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um prazo para sua implementação, máxime quando se sabe que, em nosso país de dimensões continentais, existem estados, municípios e comarcas que ainda não estão informatizados a este nível. Então, pergunta-se: “Se não há computadores, como aplicar o processo virtual?” Impossível! Será possível a participação dos juízes na gestão do Poder Judiciário fluminense, por exemplo, nas comissões e conselhos do tribunal? Esse também é um tema sensível e recorrente entre nós, magistrados – aí incluídos juízes, desembargadores, ministros –, mas, como somos organizados em uma carreira onde os postos vão sendo alcançados por antigüidade e merecimento, devemos ter tal indagação como um projeto a ser estudado e estruturado, não se podendo atuar apenas por “achismo”, isto é, por uma idéia minha ou de quem quer que seja. No momento, de imediato, não vejo como possível tal implementação. Entretanto, por certo, estas mudanças e outras devem estar sendo examinadas pelo eminente ministro Antônio Cezar Peluso, relator da nova “Loman”, cuja elaboração está em curso no Egrégio Supremo Tribunal Federal. 8 • JUSTIÇA & CIDADANIA • JANEIRO 2007

Alguns desembargadores reclamam da falta de democracia e transparência interna. O que o senhor pretende fazer a respeito? Aqui volto a artigo já publicado nesta revista, o qual continha uma verdadeira plataforma de minhas intenções caso e quando alcançasse o cargo de Presidente do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, e se intitulava “O Polinômio da Boa Administração da Justiça . Ética . Competência . Participação . Transparência . Efetividade”, em que a transparência dos atos de minha conduta como magistrado e agora como administrador e ordenador de despesas sempre foram e continuarão sendo uma constante, isto é: justamente transparentes. No que diz respeito a minha pessoa e a minhas atitudes como futuro gestor e ordenador das despesas do tribunal, estará sempre presente o atributo da transparência em todos os atos da administração. Nós aqui, no Estado do Rio de Janeiro, não temos nenhuma “caixa preta”. Portanto, meus colegas que me elegeram com 56,7% dos votos válidos em pleito democrático – aí presente a tão decantada democracia –, e, já agora, também os que não o fizeram, após se exercitar plenamente a democracia reclamada, podem ter certeza de que serei, como sempre fui nestes 33 anos


de magistrado, homem simples e devotado ao cumprimento do meu dever, e que busca, por meio da conciliação e par ticipação, a unidade da magistratura estadual e nacional. Um dos maiores anseios dos juízes consiste na possibilidade de ter um segundo secretário devidamente remunerado. Será possível tal implantação? Creio que, no momento, ante o limite orçamentário e a lei de responsabilidade fiscal, isso não será possível. No entanto, exorto a meus colegas mais novos que multipliquem seus esforços na correta aplicação da Justiça com os meios de que já agora dispomos e que são muito, aliás, muito superiores àqueles de quando ingressei na nossa dignificante carreira há 33 anos atrás. Vejamos as diferenças: a informatização em 100%, a presente estrutura com um só secretário (o que não havia no passado recente), o pagamento de diárias e acumulações (também não existentes até bem pouco), são condições bem mais favoráveis ao exercício da judicância hoje. Certo, outrossim, que não é só o número de funcionários que conta, mas, sobretudo, a racionalização do serviço com eficácia e eficiência, aumentando-se a produtividade com a racionalização dos meios eletrônicos, retificações de rotinas, enfim, a eficácia e a eficiência de que nos fala e ensina Peter Drucker. Os critérios objetivos para promoções e remoções por merecimento não foram fixados pelo Judiciário fluminense. Qual sua proposta para a definição destes critérios? A indagação, data vênia, parte de premissa falsa. E isso porque, entre nós, já existem critérios objetivos e claros constantes das informações que são prestadas pela Egrégia Corregedoria Geral da Justiça, tais como: a) posição na lista de antigüidade (por agora, só aqueles que estejam na 5ª parte da entrância podem pleitear as promoções e remoções); b) a produtividade dos colegas; c) o número de sentenças confirmadas e reformadas; d) elogios e punições; e) participações em comissões e seminários, todos critérios objetivos. Além de importante modificação implementada pela recente reforma do Judiciário – reforma, a meu sentir, ainda não completada e que precisa ser revista: o voto aberto e motivado. Em relação à formação e treinamento dos magistrados, qual sua opinião em relação às escolas de magistratura? As escolas de magistratura se tornaram indispensáveis nesta tarefa, que tem que ser um

“O PLANTÃO NOTURNO FOI UMA CONQUISTA DOS JURISDICIONADOS E QUE VEM DANDO CERTO, POIS SEMPRE OCORREM MEDIDAS DE URGÊNCIA.”

objetivo permanente de qualquer instituição voltada ao bem comum. Nós aqui, no Rio de Janeiro, temos uma excelente escola, a nossa EMERJ, e que mereceu ser certificada com o ISO 9000 em dezembro de 2004. Por essa razão, contamos com esse excepcional instrumento de formação e treinamento de nossos juízes para aperfeiçoar sempre a administração da Justiça. Qual é sua posição em relação ao plantão judiciário noturno? É realmente necessário que a Justiça funcione 24 horas? O plantão noturno foi uma conquista dos jurisdicionados e que vem dando certo, pois sempre ocorrem medidas de urgência. De sorte que não vejo a razão de modificar o que vem funcionando a contento, senão aperfeiçoá-lo na medida do possível. Como será possível melhorar a comunicação com os juízes do interior do estado? Esta comunicação já está em curso pela informatização em 100 %. E, ao demais, um dos fatores de maior evolução tecnológica em nosso país foi justamente o de comunicação imediata através de satélites. Hoje, com um telefone celular, se fala até com países do outro lado do planeta, como Japão, China. Logo, a comunicação dos juízes do interior não será nunca um entrave para um perfeito entrosamento com a administração central. 2007 JANEIRO • JUSTIÇA & CIDADANIA • 9


ÉTICA E TOLERÂNCIA Francisco Rezek

CLÁUDIO ALVES

Ex-ministro do STF e da Corte Internacional de Haya

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az algum tempo que este fantasma tem freqüentado as reflexões de muitos brasileiros e aparecido de vez em quando na imprensa: se repetimos com tanta constância que não temos o governo dos nossos sonhos, faria todo sentido pararmos um instante para indagar se somos, a nosso próprio juízo, a sociedade dos nossos sonhos. Como tantos outros, não tenho pronta resposta. Muitas vezes, tentando comparar sociedades, já me disse que nada iguala o arejamento, a generosidade, a resistência, o poder de adaptação dos brasileiros a novas e, não raro, surpreendentes circunstâncias. Por outro lado, custo a aceitar como justa a crítica isolada da função pública. Ela é tão comum no espírito e na voz da grande massa que faz pensar que nosso povo foi de algum modo induzido a associar incorreção e falta de escrúpulos ao exercício de um mandato eletivo e à dependência do voto popular, ou, de forma mais ampla, ao exercício de um cargo público e à dependência de um empregador custeado pela economia popular. Essa crítica contrasta com a indulgência com que os agentes econômicos e os formadores de opinião do setor privado se vêem e se fazem ver, quase sempre com sucesso, pelas bases da sociedade civil brasileira. Mas não é raro que, na elite do setor privado, os vícios da administração pública apareçam, antes de tudo, como um oportuno argumento para justificar a quebra dos próprios escrúpulos e a deserção de todo compromisso com o interesse comum. Ética na política não é apenas a do congressista, a do ministro, a do fiscal e a do promotor de justiça. É também, para todos, a ética do contribuinte, a ética do eleitor. E é ainda, para alguns, a ética que deve acompanhar o exercício de toda espécie de poder que, distinto e independente do poder público, tem como influir sobre este último, sobre sua formação e seu uso. Exigir integridade do titular da função pública é algo mais elementar e imperativo do que pedir-lhe que faça seu trabalho com talento e dê uma ajuda substancial à correção de nossos rumos e ao crescimento de nossa auto-estima coletiva. Entretanto, toda exigência do cidadão ao governante soa como um discurso falso se aquele pouco exige de si mesmo, se a consciência lhe diz que não faz corretamente sua parte e que tampouco faria melhor se fosse ele o governante. Temos todos o direito de esperar que, no governo, o nível de qualidade técnica supere aquele que esperamos de nós mesmos enquanto cidadãos comuns. No entanto, no estrito domínio da ética, sabemos que nada nos autoriza a nos sentir dispensados de observar com rigor o padrão que esperamos da administração pública. No diálogo entre dois personagens de Boris Pasternak, o mais jovem reage a certa crítica dizendo não acreditar que a idade melhore os seres humanos. Ouve o outro afirmar que, com a idade, as pessoas se tornam mais tolerantes, e responde que isso é porque as pessoas, ao longo do tempo, vão tendo cada vez mais o que tolerar em si mesmas. A tolerância é uma das mais belas virtudes da alma humana, mas é provável que ela represente, nesse quadro, uma patologia. Quando o desgaste progressivo da integridade do cidadão o torna menos exigente ao consagrar, pelo voto, os pretendentes da função pública, e ao controlar o respectivo desempenho, o que temos já não é mais tolerância enquanto virtude; é uma condescendência degenerativa do processo político e conducente a que o desprezo da ética, entre os eleitos, responda ironicamente a um anseio de representação fiel de seus eleitores. Com isso, nenhuma sociedade democrática pode conviver por muito tempo. 2007 JANEIRO • JUSTIÇA & CIDADANIA • 11


O ESTADO DE DIREITO E O DIREITO DO ESTADO Texto extraído de conferência do professor Ives Gandra da Silva Martins, proferida em 26/09/2006, na sede da LEX editora.

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No artigo, escrevo sobre homo sapiens que há 20 mil anos deixou marcas em Altamira e em outras cavernas, considerando a primeira era da globalização como aquela em que se formaram os grandes impérios a partir das grandes conquistas em que predominava o uso das armas. Venciam aqueles que possuíam mais armas e homens. Foi a era dos sumerianos, dos elamitas, dos assírios, dos babilônios, que sucederam aos sumerianos. O primeiro rei babilônio foi Hamurabi, que elaborou, com seus auxiliares, um código, que é de longe o mais conhecido, embora não o mais antigo. Há, pelo menos, uma dezena de códigos anteriores a Hamurabi, tais como os de Entenema, Urukagina, Gudez, Urnammu,

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m artigo meu na coluna quinzenal que mantenho no Jornal do Brasil, analisei a obra de Friedman – do Thomas Friedman, não de Milton Friedman, Prêmio Nobel de Economia –, jornalista do “New York Times”, que escreveu um livro muito interessante intitulado “O mundo é plano”. Trata-se de uma análise do mundo a partir do que o autor denomina de “três eras da globalização”. Haveria uma primeira era, que teria começado com a descoberta da América, em 1492, até 1800. Corresponderia à globalização das nações. Nesse período, o mundo inteiro foi conquistado e as fronteiras deixaram de existir. Depois, chega-se à segunda era, denominada a “era das grandes empresas”, de 1800 a 2000, em que os grandes conglomerados terminam dominando as nações e formatando a segunda era da globalização. Por fim, o autor denomina a era em que vivemos de “a era da globalização”, em que o mundo se torna plano, por força da internet, da comunicação. Friedman mostra, como exemplo, que bilionários americanos apresentam suas declarações de imposto de renda na Índia porque lá o custo tributário é cinco vezes menor, e que chineses e indianos fornecem tudo – em matéria de serviços – para os Estados Unidos porque a mão-de-obra nesses países é mais barata. Chineses e indianos aprendem a falar com o sotaque próprio dos americanos e adquirem, quando em contato com os ingleses, seu estilo sofisticado, abandonando a pronúncia própria da língua inglesa falada por indiano. Para Thomas Friedman, a globalização dos indivíduos é o que torna o mundo plano. Nas duas trilogias que escrevi – e aqui é publicada a primeira –, analisei também a globalização, mas em cinco eras. Nesse artigo, procuro relembrar o que chamo de “início da história da humanidade” – não só a história do homo sapiens, que hoje se sabe ter começado há 190 mil a.C.. Há anos atrás, falava-se que o homo sapiens aparecera há 160 mil anos e que teria convivido, inclusive, com o homem de Neanderthal.


mas o direito. Roma dura dois mil e cem anos – seu Azzittishu, Lipita Ishtar, Esnnunna, Shulgi e outros textos império vai desde 753 a.C. até 1453 d.C., com a queda incompletos. Essa era vai, a meu ver, até o Império de Constantinopla – exclusivamente, graças ao direito. Romano. Hoje não tenho a menor dúvida de que, se Roma Nesse tempo, também o valor supremo era a força: não tivesse utilizado o direito como instrumento de o mais forte conquistava, e as reformulações geográficas conquista, jamais teria mantido por tanto tempo o ocorriam em face do princípio do mais forte. Entretanto, império. Quando lemos, no Ato dos Apóstolos, São quando o pensamento grego começa a se difundir, Paulo dizendo: “Sou cidadão romano. É possível chibatar proporciona-se uma visão diferente do homem. É um cidadão romano?” percebeinteressante notar essa realidade se que a afirmação deixa o nos primeiros impérios a partir centurião extremamente do exame dos códigos e das preocupado, porque não era cartas então produzidas pelos possível açoitar alguém com governantes. cidadania romana. Por exemplo, Hamurabi, O espisódio demonstra o que governou durante 42 anos, “ROMA PERCEBEU que representava possuir a escreveu 153 cartas e em todas QUE DAR cidadania romana. Na verdade, elas procurou ser justo. No Saulo não nascera em Roma, entanto, a justiça era GARANTIA DO mas podia afirmar “Eu sou considerada apenas nas DIREITO ROMANO cidadão romano de nascença” relações entre os particulares, e porque sua cidade apoiara não entre o governante e o AOS POVOS Augusto contra Marco Antônio, povo, porque, sendo aquele CONQUISTADOS, e, em razão disso, Augusto descendente dos deuses, outorgara a cidadania romana a representante dos deuses, não NA MEDIDA DE todos os seus cidadãos e se punha em questão SUA FIDELIDADE, descendentes. O centurião, que problemas de governo ou de comprara a cidadania por um sua autoridade. O governo era PERMITIA QUE O alto preço, ficou realmente intocável e se encontrava em IMPÉRIO SE apavorado por tê-lo chibatado. nível superior ao povo, pois o ESTENDESSE E Roma percebeu que dar garantia soberano era o representante do direito romano aos povos dos deuses. PERMANECESSE.” conquistados, na medida de sua Quem lê o Código de fidelidade, permitia que o Hamurabi fica impressionado. Império se estendesse e As primeiras três páginas são permanecesse. ocupadas apenas pelos títulos Basta dizer que Antonino do governante, como Caracala, em 212 d.C, com o descendente das divindades: Império Romano, já carcomido em seu poder pela “Eu, representante do Deus Acade”, “Querido do Deus divisão entre dois imperadores e já não mais vivendo o Acade” e vai por aí afora, citando todo elenco dos deuses período da Pax Romana, ao estender a cidadania romana até chegar aos primeiros dispositivos de seu Código. a todo o território que dominava, atrasou, em 250 anos, Os gregos, entretanto, obrigaram o homem a pensar. a queda de Roma ocidental. No Império Romano do Desde os filósofos pré-socráticos até os da trindade áurea, Oriente, o restabelecimento por Justiniano, de sua surgiu a consciência de que o poder já não pode mais ser legislação, permitiu que, por ainda mais 900 anos, exercido, pura e simplesmente, por delegação divina. É predominasse como império, nessa era que chamo de interessante notar que as cidades-estado gregas terminam “globalização do direito”. Houve, no Ocidente, o gerando uma primeira concepção realmente moderna interregno da Idade Média, mas não do Oriente. de democracia, principalmente entre os atenienses. Por fim, entramos na terceira globalização, que começa A cidade-estado de Atenas conhece, inclusive, a em 1492, como diz Thomas Friedman. Só que, na visão tripartição de poderes. Era, é verdade, uma democracia que exponho nessas duas trilogias, das quais a primeira de elite, mas uma democracia. Já não era mais possível está sendo republicada agora pela Lex, ela vai até 1776, governar nos velhos termos. Nesse momento, para mim, com a Revolução Americana. Trata-se do período que começa uma segunda era da globalização, inspirada nos leva ao aparecimento da primeira Constituição moderna gregos. O instrumento da globalização não é mais a força, 2007 JANEIRO • JUSTIÇA & CIDADANIA • 13


“ATÉ QUE PONTO O HOMEM TERÁ INTELIGÊNCIA PARA COMPREENDER QUE VIVEMOS EM UM PLANETA GLOBAL, ONDE TODOS OS POVOS TÊM DE SER RESPEITADOS?”

(a americana de 1787). Nomeio esta era de globalização como “era da universalização geográfica”, porque o mundo, a partir de 1492, se estende em todas as dimensões. Conquista-se o globo pelas grandes navegações, pelo engenho dos portugueses, navegadores formados na Escola de Sagres – se é que realmente houve uma. Passa-se das monarquias absolutas à Revolução Americana, que gera a primeira grande Constituição moderna, depois da experiência de um constitucionalismo diferente e mitigado surgido na Inglaterra em 1215. Da Constituição americana, de 1787, vamos à francesa, de 1791, após a revolução que, destinada a promover a fraternidade, a igualdade e a liberdade, gerou o maior banho de sangue da história francesa. Entramos no que chamo de “quarta era da globalização”, que é a era do constitucionalismo, em que, efetivamente, o mundo passa a se reger pelas Constituições. Essa era surge, na França, apesar da Revolução Francesa, e nos Estados Unidos, e todos os países vão começando a elaborar seu texto supremo. Isso ocorreu também no Brasil, quando Dom Pedro I, depois de destituir, dissolver a constituinte, promulgou uma Constituição que, apesar de imposta, era boa para a época. Essa Constituição de 1824 foi a mais estável de todas as nossas Constituições, até hoje. Sua vigência ocorreu no período de 25 de março de 1824 até 1889, com algumas modificações, servindo de sustentação ao Império. A constituição republicana só foi promulgada em 91. A partir de então, tivemos as chamadas Constituições “provisórias”, em 1891, 1934, 1937, 1946, 1967, 1969, 1988. Com a de 1988, já com 58 emendas, estamos sob a mais provisória de todas as Constituições. A era do constitucionalismo regeu o mundo até quando? Até a quinta era da globalização, que, para mim, não começa, como Thomas Friedman diz, em 2000, mas em 1989, com a queda do Muro de Berlim. Aí, sim, passamos a ter um mundo globalizado com o conhecimento, a tecnologia, a internet e, principalmente, a busca de garantias efetivas dos direitos que foram universalizados na era anterior. Norberto Bobbio dizia que o mundo viveu, no século XX, a descoberta de seus direitos fundamentais (o homem, por meio do 14 • JUSTIÇA & CIDADANIA • JANEIRO 2007

conhecimento, percebeu quais eram eles). Contudo, o século dessa conscientização não foi da garantia dos direitos fundamentais, que, certamente, a nova era da globalização propiciará, encontrando meios de assegurálos através do Estado. Até que ponto o homem terá inteligência para compreender que vivemos em um planeta global, onde todos os povos têm de ser respeitados em sua maneira de ser, em sua cultura, em sua forma, em seus valores? Ou compreendemos esta nova realidade, ou então viveremos em guetos, com permanentes conflitos, que não acabarão devido à intolerância na convivência entre os países. Em 1964, tive contato com um homem que muitos acreditam ter sido um péssimo governante, e outros, um ditador excepcional. Não tenho a menor dúvida de que era um ditador, mas permitiu a preservação de valores maiores dentro de Portugal: Oliveira Salazar. Esse contato pessoal ocorreu depois de ter proferido palestra, no Castelo de Guimarães, juntamente com o, então, presidente da Sociedade de Geografia de Lisboa, Adriano Moreira. Por ser eu o mais jovem (com 29 anos) de todos os representantes dos países que participavam do “congresso das comunidades” – e qualquer outro brasileiro mais velho que fosse escolhido, poderia gerar mal-estar entre os 5 famosíssimos que ali estavam – acabei por ser escolhido para falar em nome das comunidades de língua portuguesa, representadas no evento por 32 numerosíssimas delegações. Parece que o presidente do Conselho de Ministros de Oliveira Salazar, que ouvira por rádio, gostou do que eu disse e me convidou, tão logo cheguei a Lisboa para uma visita. Por que conto esse fato? Porque Salazar disse-me, naquela ocasião, que, quando Truman negociou com ele, em 1946, a cessão da Base dos Açores, fez-lhe prognósticos: o primeiro, que os americanos iriam recuperar, economicamente, a Europa com o Plano Marshall, e que o “american way of life”, iria ser o padrão de toda a Europa, em face da felicidade que a América propiciaria aos europeus; o segundo, que o dinheiro dos Estados Unidos estenderia essa felicidade ao mundo inteiro.


Ele, Salazar, contestara imediatamente ambas as afirmações advertindo o presidente norte-americano de que os europeus poderiam até se recuperar – não se conheciam, ainda, os efeitos do Plano Marshall –, mas que ele perdesse a ilusão porque, com o estilo próprio de quem se considera auto suficiente, não reconheceriam jamais que o Plano Marshall os teria tirado do caos econômico. Nunca atribuiriam aos americanos aquela vitória. Ao contrário, iriam se transformar em adversários dos norte-americanos em muitos pontos. E acrescentou: “os Estados Unidos não têm dinheiro suficiente para transferir o seu jeito de ser para o mundo inteiro. Até porque cada povo tem sua cultura, a sua forma de viver. Portugal é um país que teve suas colônias e ainda tem algumas e sabemos que não é tão fácil a convivência entre culturas diferentes, religiões diferentes e povos diferentes”. Ele me dizia isso em 1964, atrás da Assembléia Nacional, onde morava, em Lisboa. Chamava-me de professor, falava muito manso, mas muito bem, e radiografava seu interlocutor com seu olhar. Nesse evento, a história deu-lhe razão, e não ao presidente Truman. Penso que o presidente Bush também não aprendeu muito. Ele continua dizendo a mesma coisa que Truman e vivendo problemas maiores, por não perceber, simplesmente, que os povos são diferentes. O certo é que estamos vivendo em um mundo novo, plano, aberto. Estamos percebendo que não estamos convivendo com as demais culturas com o respeito necessário. Ainda se acredita que a força é a única forma de impor nossa maneira de ser. Aí reside o fracasso monumental dos Estados Unidos em relação ao Iraque e ao Afeganistão. Não perceberam que o diálogo à exaustão é a única possibilidade de aproximação entre os povos. O respeito e a tolerância em relação às diferenças pode ser o instrumento para ofertar garantia aos povos; pode ser um caminho extraordinário de convivência com povos de culturas variadas, com maneiras de ser peculiares, em um mundo que, do ponto de vista econômico, já está completamente globalizado. Hoje, as empresas que Friedman colocava como conformando a Era das Empresas, de 1800 a 2000, são aquelas que efetivamente coordenam e definem os caminhos da humanidade. Se analisarmos em profundidade o que está acontecendo, verificaremos que a própria política tributária, em muitos países, deixou de estar condicionada pela União Européia, em que é exclusivamente definida pelos governantes que adaptamna aos interesses das empresas globalizadas, visto que seu direito de definir as melhores opções de investimentos conforma a política fiscal, de incidências ou isenções tributárias. E a competitividade internacional começa a reduzir fantasticamente, em alguns países de elevadíssima carga tributária, o nível impositivo.

Vê-se, por exemplo, que o Brasil é apresentado como um país em que, segundo o “The Economist”, a carga tributária representa 36% do PIB. A maior carga tributária maior do mundo, que é a da Suécia, está em 52%. A Suécia, que já chegou a níveis de mais de 70% a fim de competir com outras nações, foi obrigada a reduzir sua carga impositiva para aproximadamente 52%. Se analisarmos os dados tributários de outros países, vamos verificar que países como Israel, que tem carga tributária abaixo de 44%; Itália, 44%; Canadá, 37%; França, 46%; Holanda, 45%; Áustria, 46% e a Dinamarca, 50%, são países, que ao lado da Alemanha e do Canadá – estes últimos estão pouco acima do Brasil, porque apresentam menos de 40% –, têm as mais altas cargas tributárias. Caso, entretanto, comparemos esses países sob o prisma da competitividade, em face do nível da renda per capita, verificaremos que o Brasil tem hoje o mais alto nível impositivo, considerando-se os mesmos critérios. A renda per capita do Brasil é de 2500 dólares, enquanto a renda per capita de Polônia e Hungria, por exemplo – países que estão no patamar do Brasil –, está aproximadamente 5 mil dólares per capita. O Canadá tem renda entre 23 a 24 mil dólares per capita; a Itália, 22 mil; mesmo Israel, 17.500; a França, acima de 22.500; a Suécia, 27.500; Dinamarca, 30 mil e os Estados Unidos, 35 mil. O Brasil, com renda de míseros 2.500 dólares por ano, possui carga tributária de 36%, segundo “The Economist”, o que, em comparação com esses países, com uma média de 43%, revela uma situação dramática, já que todos possuem renda per capita consideravelmente maior. Se considerarmos a relação carga tributária/renda per capita, o Brasil está perdendo, de longe, competitividade internacional. E esta é a razão pela qual crescemos apenas 2,3%, quando todos os países cresceram muito mais que o Brasil, e de forma fantástica. Em face dos problemas que hoje o país enfrenta, principalmente com excesso de tributos, juros e encargos sociais, entendi oportuno entregar à Editora Lex a reedição de meus quatro opúsculos. O livro “O Estado de Direito e o Direito do Estado” é uma análise conjuntural do problema jurídico que revelamos, na época da primeira edição, quando vigorava no país o regime de exceção. Apresentei caminhos que me pareciam adequados para voltarmos democracia, daí seu título. Nesse trabalho, sustento que o Estado tem direitos, mas o verdadeiro Estado de direito é aquele que se destina, fundamentalmente, a servir ao cidadão. Faço, inclusive, comparação entre as classes militares e civis, mostrando a necessidade de uma grande compreensão por parte dos dois lados, para que pudéssemos sair de uma forma indolor do regime de exceção, para a democracia. Tenho a impressão de que, de alguma forma, o livro representou uma colaboração, 2007 JANEIRO • JUSTIÇA & CIDADANIA • 15


“NOS PRIMÓRDIOS, A CLASSE OCIOSA ERA A DOS HOMENS, QUE VIVIAM ÀS VOLTAS COM SEU ESPORTE PREDILETO – A GUERRA. O SUSTENTO DAS FAMÍLIAS ERA RESPONSABILIDADE DAS MULHERES.”

já que alguns de nossos amigos civis estavam vinculados ao governo, naquela época, e o receberam bem. Entre eles cito o senador Paulo Brossard, que, vindo do Partido Libertador do Rio Grande do Sul, atuava em Brasília, no MDB. O certo é que tivemos uma saída do regime militar não traumática. Não uma saída sangrenta, como, em muitos casos de mudança de regimes de exceção para a democracia no continente. No segundo livro, já analiso o período em que já se mostrava irreversível o fim do regime de exceção. Já se preparava a eleição que Tancredo viria a ganhar. Eu presidia, à época, o Instituto dos Advogados de São Paulo, e defendia a campanha “Diretas Já”. O Instituto, inclusive, encampou a tese da “constituinte exclusiva” à qual sempre fui favorável. Ou seja: uma Constituição elaborada por um conjunto de pessoas eleitas apenas para aquela tarefa e que, terminados os trabalhos, voltariam para casa. Pessoas como as de hoje: o Antônio Carlos e Pedro Dallari (que foi deputado estadual e é professor de nível) que poderiam concorrer e oferecer uma real contribuição, com seus profundos conhecimentos de direito constitucional, ou seja, do que é uma Constituição e do que é um processo constituinte. No livro, saliento quais seriam os riscos daquele momento de transfor mação. No momento, entretanto, em que o presidente Sarney assumiu a presidência, verificamos que ocorreu aquilo que Alvin Toff ler apresentou em “A Terceira Onda”: O fortalecimento da classe dos burocratas é o que me levou a escrever “A nova classe ociosa”, adotando o mesmo prisma de um grande economista que tinha um mau-humor tão grande quanto Marx, ou seja, Thorstein Veblen. Ele dizia que a classe ociosa, à época, era a dos empresários. Nos primórdios, a classe ociosa era a dos homens, que viviam às voltas com seu esporte predileto – a guerra. O sustento das famílias era responsabilidade das mulheres. Desde os povos primitivos e mesmo entre os índios, os homens ou guerreavam ou tratavam de negócios, mas tudo que era difícil ficava para as 16 • JUSTIÇA & CIDADANIA • JANEIRO 2007

mulheres fazerem. No século XIX, foram os empresários que se transformaram em uma imensa classe ociosa, em relação aos trabalhadores. Eu aproveitei o estudo do Veblen e sugeri que a nova classe ociosa seria composta pelos detentores do poder. Burocratas e políticos passaram a ser os governantes. O livro “Roteiro para uma Constituição” foi escrito a pedido de alguns parlamentares com sugestões que, segundo Antônio Carlos do Amaral, em parte foram aceitas pelos Constituintes e, por outro lado, consideradas demasiadamente utópicas como, por exemplo, a de transformar o Tribunal de Contas em um órgão do poder Judiciário, em um poder “responsabilizador”, para que todos tivessem respeito por suas decisões, sendo não apenas um órgão acólito do Poder Legislativo, o que reduz sua força. Essa tese foi considerada ilusionária, pois nenhum país do mundo adotara antes tal modelo. Como em muitas oportunidades, me referi tanto aos escritos que compõem a primeira trilogia, com o “Roteiro para uma Constituição”, alguns amigos sugeriram que os reeditasse. Carlos Sérgio Serra e Dirceu Coutinho entenderam que valeria a pena retornar a essas reflexões e publicá-los. Não mudei uma linha sequer, porque muitas daquelas idéias continuam rigorosamente atuais. A outra trilogia que escrevi é composta dos livros “Uma visão do Mundo Contemporâneo”, “A Era das Contradições” e “A Queda dos Mitos Econômicos”. Os dois primeiros livros estão esgotados e o terceiro ainda em sua carreira editorial. Neles, já faço uma análise da situação mundial a partir da queda do muro de Berlim, procurando em uma visão extra-profissional e extrajurídica, tentar compreender a sociedade em que vivemos. Meu grande conforto, ao ler que o livro de Thomas Friedman está fazendo um sucesso estupendo, é que, na verdade, muitas das coisas ou quase tudo o que ele está dizendo agora, eu já havia dito com muita antecedência, com a diferença de que escrevi em português e ele em inglês, o que faz uma diferença fantástica, no que diz respeito à divulgação das idéias.



INTERRUPÇÃO DE SERVIÇOS POR INADIMPLÊNCIA DE ÓRGÃO PÚBLICO AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 2006.01.00.046483-1/MA ORIGEM: 200637010005835 RELATOR: DESEMBARGADOR FEDERAL FAGUNDES DE DEUS AGRAVANTE: TELEMAR NORTE LESTE S/A AGRAVADO: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

DECISÃO Trata-se de agravo de instrumento contra decisão que, em ação civil pública, deferiu parcialmente o pedido de liminar, para determinar à TELEMAR “que se abstenha de efetuar a suspensão do serviço de telefonia fixa de que é concessionária, por falta ou atraso no pagamento das correspondentes faturas mensais, a órgãos e entidades públicas que prestem serviços de saúde (pública), segurança e distribuição de justiça”. Com esse breve relatório, decido. A jurisprudência do STJ vem decidindo, reiteradamente, em ações análogas, referentes, porém, ao corte de energia elétrica fornecida a órgãos públicos que prestam serviços essenciais à comunidade, ser lícita a interrrupção do serviço prestado pelas concessionárias, tendo em vista que a continuidade do serviço, sem o efetivo pagamento, ocasiona o enriquecimento sem causa, tão repudiado pelo Direito. Nesse sentido, cito os seguintes arestos do Superior Tribunal de Justiça: ADMINISTRATIVO – SERVIÇO PÚBLICO – CONCEDIDO – ENERGIA ELÉTRICA – INADIMPLÊNCIA. 1. Os serviços públicos podem ser próprios e gerais, sem possibilidade de identificação dos destinatários. São financiados pelos tributos e prestados pelo próprio 18 • JUSTIÇA & CIDADANIA • JANEIRO 2007

Estado, tais como segurança pública, saúde, educação, etc. Podem ser também impróprios e individuais, com destinatários determinados ou determináveis. Neste caso, têm uso específico e mensurável, tais como os serviços de telefone, água e energia elétrica. 2. Os serviços públicos impróprios podem ser prestados por órgãos da administração pública indireta ou, modernamente, por delegação, como previsto na CF (art. 175). São regulados pela Lei 8.987/95, que dispõe sobre a concessão e permissão dos serviços públicos. 3. Os serviços prestados por concessionárias são remunerados por tarifa, sendo facultativa a sua utilização, que é regida pelo CDC, o que a diferencia da taxa, esta, remuneração do serviço público próprio. 4. Os serviços públicos essenciais, remunerados por tarifa, porque prestados por concessionárias do serviço, podem sofrer interrupção quando há inadimplência, como previsto no art. 6º, §3º, II, da Lei 8.987/95. Exige-se, entretanto, que a interrupção seja antecedida por aviso, existindo na Lei 9.427/97, que criou a ANEEL, idêntica previsão. 5. A continuidade do serviço, sem o efetivo pagamento, quebra o princípio da igualdade das partes e ocasiona o enriquecimento sem causa, repudiado pelo Direito (arts. 42 e 71 do CDC, em interpretação conjunta). 6. Recurso especial conhecido em parte, e nessa parte, provido.


LUIZ CARLOS XAVIER / ASCOM / TRF1

(REsp 709.360/RS, Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, julgado em 18/08/2005, DJ de 26/ 09/2005, p. 335.) PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL. ENERGIA ELÉTRICA. INADIMPLÊNCIA. CORTE NO FORNECIMENTO. POSSIBILIDADE. INTERPRETAÇÃO SISTEMÁTICA DOS ARTS. 22 DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR E 6º, §3º, II, DA LEI Nº 8.987/95. 1. O artigo 22 da Lei 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor), dispõe que “os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos”. 2. O princípio da continuidade do serviço público assegurado pelo art. 22 do Código de Defesa do Consumidor deve ser temperado ante a exegese do art. 6º, §3º, II da Lei nº 8.987/95, que prevê a possibilidade de interrupção do fornecimento de energia elétrica quando, após aviso, permanecer inadimplente o usuário, considerado o interesse da coletividade. Precedentes. 3. Agravo regimental improvido. (AgRg no Ag 768.854/RJ, Rel. Ministro Castro Meira, Segunda Turma, DJ de 12/09/2006, p. 310.)

ADMINISTRATIVO. SUSPENSÃO DO FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA. INADIMPLÊNCIA. ENTE PÚBLICO. PREVISÃO LEGAL. CONTRATO SINALAGMÁTICO. PREVALÊNCIA DOS INTERESSES DA COLETIVIDADE. FUNDAMENTOS ESSENCIALMENTE INFRACONSTITUCIONAIS. I – O contrato estabelecido entre o fornecedor de energia elétrica e o usuário é sinalagmático, concluindo-se que o contratante só pode exigir a continuidade da prestação a cargo do contratado quando estiver cumprindo regularmente a sua obrigação. II – A suspensão do fornecimento de energia elétrica pode ocorrer em diversas hipóteses, inclusive quando houver negativa de pagamento por parte do usuário. Tal convicção encontra assento no artigo 91 da Resolução nº 456/2000 da Agência Nacional de Energia Elétrica. III – Ainda que se trate o consumidor de ente público, é cabível realizar-se o corte no fornecimento de energia elétrica, mesmo no caso de prestação de serviços públicos essenciais, como a educação, desde que antecedido de comunicação prévia por parte da empresa concessionária, a teor do art. 17 da Lei nº 9.427/96. IV – Tal entendimento se justifica em atendimento aos interesses da coletividade, na medida em que outros usuários sofrerão os efeitos da inadimplência do Poder Público, podendo gerar uma mora continuada, assim 2007 JANEIRO • JUSTIÇA & CIDADANIA • 19


LUIZ CARLOS XAVIER / ASCOM / TRF1

“OS SERVIÇOS PÚBLICOS ESSENCIAIS, REMUNERADOS POR TARIFA, PORQUE PRESTADOS POR CONCESSIONÁRIAS DO SERVIÇO, PODEM SOFRER INTERRUPÇÃO QUANDO HÁ INADIMPLÊNCIA, COMO PREVISTO NO ART. 6º, §3º, II, DA LEI 8.987/95.” Ministra Eliana Calmon

como um mau funcionamento do sistema de fornecimento de energia. Precedentes: AgRg na SS nº 1.497/RJ, Rel. Min. EDSON VIDIGAL, DJ de 19/ 09/05; AgRg na SLS nº 12/CE, Rel. Min. EDSON VIDIGAL, DJ de 19/09/05 e REsp nº 628.833/RS, Rel. p/ Acórdão Min. FRANCISCO FALCÃO, DJ de 03/11/04. .......... (AgRg no RESP 619610/RS, Relator Ministro Francisco Falcão, Primeira Turma, DJ de 20/02/2006, p. 207.) Dessarte, na esteira de tal entendimento, reputo que o pretenso amparo ao interesse da coletividade — resguardando as instituições públicas inadimplentes que prestam serviços essenciais de eventual corte da rede de telefonia —, embora louvável, acaba por estimular a mora, a qual poderá, por via reflexa, comprometer, de forma ainda mais cruel, toda a coletividade, no caso de sobrevirem serviços de baixa qualidade por falta de investimentos, ou aumento das tarifas como resultado do não- recebimento pela concessionária da contraprestação pecuniária, o que prejudicaria, num e noutro caso, o usuário adimplente e pontual. Ademais, deve-se atentar para o efeito multiplicador que pode advir da banalização por parte de Municípios do uso da via judicial, com vistas a obter liminares que respaldem sua inadimplência. Dessa forma, o Judiciário 20 • JUSTIÇA & CIDADANIA • JANEIRO 2007

estaria corroborando o risco de lesão à economia pública, ao permitir que os Municípios desonrem seus compromissos financeiros, para os quais, no tempo devido, foram alocadas as devidas r ubricas orçamentárias, não utilizadas tempestivamente para os fins a que se destinavam. De outro lado, convém anotar, por relevante, que o inadimplemento total por parte dos órgãos e entidades públicas, sem a possibilidade de a TELEMAR suspender os serviços, aparentemente, acarretará lesão de difícil reparação à aludida concessionária, uma vez que sua remuneração se dá por meio das tarifas, as quais impulsionam sua prestação de serviços. Não há dúvida, pois, ser admissível interromper os serviços de telefonia em caso de inadimplemento. Ante o exposto, tendo presente que a decisão impugnada se encontra em manifesto confronto com a jurisprudência dominante desta Corte (CPC, art. 557, §1º-A, e RITRF/1ª Região, art. 30, inciso XXVI), DOU PROVIMENTO ao agravo, para revogar a decisão agravada. Comunique-se, com urgência, esta decisão ao insigne Magistrado de primeira instância. Publique-se. Transcorrido o prazo legal, sem recurso, remetamse os autos à Vara de origem.


PATRIMÔNIO PESSOAL DE SÓCIO NÃO RESPONDE POR DÍVIDA

RELATOR: DESEMBARGADOR FEDERAL ALBERTO NOGUEIRA AGRAVANTE: ROBERTO CERQUEIRA COSTA AGRAVADO: UNIÃO FEDERAL/FAZENDA NACIONAL ORIGEM: QUARTA VARA FEDERAL DE EXECUÇÃO FISCAL - RJ (0005331307)

RELATÓRIO Trata-se de agravo de instrumento com pedido de atribuição de efeito suspensivo, interposto por Roberto Cerqueira Costa, visando à reforma de decisão proferida pelo MM. Juiz Federal Titular da 4ª Vara de Execuções Fiscais da Seção Judiciária do Rio de Janeiro que rejeitou a exceção de pré-executividade oposta pelo ora agravante a fim de que fosse reconhecida a prescrição do crédito objeto da execução e sua ilegitimidade passiva para figurar no pólo passivo da execução fiscal. Em suas razões, aduz o agravante que, em atenção ao princípio da economia processual, nossos tribunais, inclusive os superiores, têm admitido a Exceção de PréExecutividade como forma de oposição à execução fiscal, desde que possam ou devam ser conhecidas de ofício pelo juiz, como as relativas aos pressupostos processuais e condições da ação e que não comportem dilação probatória, configurando a hipótese dos autos caso de exceção de pré-executividade, visto que sobressai o aspecto concernente à falta de legitimidade do agravante para ser executado, dada a inexistência de comprovação de que o mesmo possa ser responsabilizado diretamente pela dívida da sociedade a qual pertencia. Informações do MM. Juízo a quo, às fls. 64/65, comunicando a manutenção da decisão agravada. Contra-razões da Fazenda Nacional, às fls. 67/69. O Ministério Público Federal deixou de se manifestar nos presentes autos por entender ausente interesse público ou quaisquer das causas legais que exijam a sua intervenção. É o relatório. É o relatório.

VOTO Conforme relatório retro, versa o presente agravo acerca da responsabilidade de sócios, diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado por dívidas tributárias da sociedade. Interposto tempestivamente, e presentes os demais pressupostos de admissibilidade do recurso, passemos à análise do mérito. O patrimônio pessoal de sócio, diretor, gerente ou representante de pessoa jurídica de direito privado não responde pelas dívidas da sociedade, uma vez que com ele não se confunde. O simples inadimplemento não se presta a configurar a situação a que se refere o artigo 135, inciso III, do Código Tributário Nacional, na medida em que a responsabilidade só existirá quando provada a prática do ato com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos. Não se está a questionar a presunção de legitimidade da Certidão da Dívida Ativa, eis que não se põe em dúvida, em um primeiro momento, a existência da dívida e a sua titularidade. Apenas o Judiciário não reconhece a legitimidade do 3º que a autoridade administrativa fez constar arbitrariamente da CDA, utilizando-se da afirmação de que uma vez não pago o tributo, o diretor, gerente ou representante de pessoa jurídica estaria sempre cometendo infração à lei a ensejar a sua responsabilização. Outrossim, falta de inclusão do sócio, diretor, gerente ou representante de pessoa jurídica na certidão da dívida ativa não obsta a sua citação. Contudo, a legitimidade passiva desses sujeitos decorrerá da verificação de uma das situações descritas no inciso III, do artigo 135 do CTN. 2007 JANEIRO • JUSTIÇA & CIDADANIA • 21


Ressalte-se que esta prova incumbe ao exeqüente e, uma vez que este não tenha trazido aos autos quaisquer indícios de prática de atos previstos no aludido dispositivo legal não estará configurada a obrigação tributária do sócio-gerente, implicando em sua ilegitimidade para figurar no pólo passivo da execução fiscal. Ademais, a exigência da garantia do juízo e do ajuizamento de Embargos para discussão da matéria configuraria inversão deste onus probandi. O Superior Tribunal de Justiça, em especial a Primeira Tur ma, vem apreciando a matéria e decidindo reiteradamente pela impossibilidade de imputação de responsabilidade ao sócio-gerente de sociedade, caso não se tenha demonstrado que a pessoa física tenha agido com excesso de poderes, ou infração de contrato social ou estatutos, conforme previsto no artigo 135 do Código Tributário Nacional.

1. É cediço que os sócios (diretores, gerentes ou representantes da pessoa jurídica) são responsáveis, por substituição, pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes da prática de ato ou fato eivado de excesso de poderes ou com infração de lei, contrato social ou estatutos (art. 135, III, do CTN). 2. Este Superior Tribunal de Justiça fir mou jurisprudência no sentido de que o simples inadimplemento não caracteriza infração legal. Inexistindo prova de que se tenha agido com excesso de poderes, ou infração de contrato social ou estatutos, não há falar-se em responsabilidade tributária do sócio a esse título ou a título de infração legal. Precedentes desta Corte Superior. 3. Decisão agravada mantida. 4. Agravo regimental não-provido.” (Superior Tribunal de Justiça, Órgão Julgador: Primeira Turma, Relator: Ministro José Delgado, UF: DF, AgrRg no Ag 712270/DF, AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO 2005/0166279-7, Data do Julgamento: 14/02/2006, Data da Publicação: 13/03/2006, p. 210) (Grifos nossos).

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ARQUIVO JC

Neste diapasão: “PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL. RESPONSABILIDADE PESSOAL DO SÓCIO-GERENTE. LIMITES. ART. 135, III, DO CTN. PRECEDENTES DESTA CORTE. MANUTENÇÃO DA DECISÃO AGRAVADA.

“O SIMPLES INADIMPLEMENTO NÃO SE PRESTA A CONFIGURAR A SITUAÇÃO A QUE SE REFERE O ARTIGO 135, INCISO III, DO CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL, NA MEDIDA EM QUE A RESPONSABILIDADE SÓ EXISTIRÁ QUANDO PROVADA A PRÁTICA DO ATO COM EXCESSO DE PODERES OU INFRAÇÃO DE LEI, CONTRATO SOCIAL OU ESTATUTOS.”


“PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL. APRECIAÇÃO DE MATÉRIA DIVERSA. SUA CORREÇÃO. EXECUÇÃO FISCAL. RESPONSABILIDADE DE SÓCIO-GERENTE. LIMITES. ART. 135, III, DO CTN. UNIFORMIZAÇÃO DO TEMA PELA 1ª SEÇÃO DESTA CORTE. PRECEDENTES. 1. Agravo regimental contra decisão que negou provimento a agravo de instrumento. 2. Decisório que apreciou matéria diversa da tratada no acórdão a quo. Sua correção. 3. Os bens do sócio de uma pessoa jurídica comercial não respondem, em caráter solidário, por dívidas fiscais assumidas pela sociedade. A responsabilidade tributária imposta por sócio-gerente, administrador, diretor ou equivalente só se caracteriza quando há dissolução irregular da sociedade ou se comprova infração à lei praticada pelo dirigente, e não apenas quando ele simplesmente exercia a gerência da empresa á época dos fatos geradores. 4. Em qualquer espécie de sociedade comercial, é o patrimônio social que responde sempre e integralmente pelas dívidas sociais. Os diretores não respondem pessoalmente pelas obrigações contraídas em nome da sociedade, mas respondem para com esta e para com terceiros solidária e ilimitadamente pelo excesso de mandato e pelos atos praticados com violação do estatuto ou lei (art. 158, I e II, da Lei nº 6.404/76). 5. De acordo com o nosso ordenamento jurídico-tributário, os sócios (diretores, gerentes ou representantes da pessoa jurídica) são responsáveis, por substituição, pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes da prática de ato ou fato eivado de excesso de poderes ou com infração de lei, contrato social ou estatutos (art. 135, III, do CTN). 6. O simples inadimplemento não caracteriza infração legal. Inexistindo prova de que se tenha agido com excesso de poderes, ou infração de contrato social ou estatutos, não há falar-se em responsabilidade tributária do ex-sócio a esse título ou a título de infração legal. Inexistência de responsabilidade tributária do ex-sócio. Precedentes desta Corte Superior. 7. Matéria que teve sua uniformização efetuada pela egrégia 1ª Seção desta Corte nos EREsp nº 260107/RS, unânime, DJ de 19/04/2004. 8. Agravo regimental provido para revogar a decisão agravada. Na seqüência, dá-se provimento ao recurso especial.” (Superior Tribunal de Justiça, Órgão Julgador: Primeira Turma, Relator: Ministro José Delgado, UF: MS, AgrRg no Ag 684639/MS, AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO

2005/0092236-2, Data do Julgamento: 06/09/2005, Data da Publicação: 17/10/2005, p. 189) (Grifos nossos). Ante o exposto, voto pelo CONHECIMENTO e PROVIMENTO ao presente agravo de instrumento. É como voto. ALBERTO NOGUEIRA Desembargador Federal Relator EMENTA TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. PESSOA JURÍDICA. RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA. INCOMUNICABILIDADE DO PATRIMÔNIO PESSOAL DO SÓCIO, DIRETOR, GERENTE OU REPRESENTANTE DE PESSOA JURÍDICA. ART. 135, INC. III, CTN. COMPROVAÇÃO DE EXCESSO DE PODERES OU INFRAÇÃO A LEI, CONTRATO OU ESTATUTOS. INEXISTÊNCIA. ÔNUS DA PROVA. EXEQUENTE. I - O patrimônio pessoal de sócio, diretor, gerente ou representante de pessoa jurídica de direito privado não responde pelas dívidas da sociedade, uma vez que com ele não se confunde, pois o simples inadimplemento não se presta a configurar a situação a que se refere o artigo 135, inciso III, do Código Tributário Nacional, na medida em que a responsabilidade só existirá quando provada a prática do ato com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos. II - Ressalte-se que esta prova incumbe ao exeqüente e, uma vez que este não tenha trazido aos autos quaisquer indícios de prática de atos previstos no aludido dispositivo legal não estará configurada a obrigação tributária do sócio-gerente, implicando em sua ilegitimidade para figurar no pólo passivo da execução fiscal. III - A Turma, por unanimidade, deu provimento ao agravo de instrumento. ACÓRDÃO Vistos e relatados os autos em que são partes as acima indicadas: Decide a Quarta Turma Especializada do Egrégio Tribunal Regional Federal da 2ª Região, por unanimidade, em dar provimento ao recurso, nos termos do Relatório e Voto do Senhor Desembargador Federal Relator, constantes dos autos e que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

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ÉTICA E TRANSPARÊNCIA NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA A RESPONSABILIDADE DOS TRIBUNAIS DE CONTAS Thiers Montebello

CARLOS D. – DESIGN GRÁFICO

Presidente do Tribunal de Contas do Município do Rio de Janeiro

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O

primeiro passo para uma abordagem da ética é defini-la conceitualmente. A ética é a teoria ou ciência do comportamento moral dos homens em sociedade. Não estabelece princípios, normas ou regras de comportamento, mas, a partir de experiência histórico-social no terreno da moral, procura determinar sua essência, sua origem, condições objetivas e subjetivas do ato moral. Seu objeto de estudo é constituído por atos humanos conscientes e voluntários, de indivíduos que afetam outros indivíduos, grupos sociais ou a sociedade em seu conjunto. Estes três elementos – consciência, livre escolha e alteridade – são essenciais à caracterização da conduta moral.

A Constituição Federal de 1988 atribuiu aos tribunais de contas a incumbência de exercer o controle dos atos administrativos, por meio de fiscalização contábil, financeira, orçamentária e patrimonial das entidades da administração pública, sob os critérios de legalidade, legitimidade, economicidade e eficiência, aplicando-se aos responsáveis por eventuais irregularidades sanções legais. Em última análise, os tribunais de contas – em cumprimento ao princípio da legalidade, insculpido no artigo 37 da Carta Magna – asseguram a consecução das finalidades públicas e a proteção dos direitos e interesses dos administrados contra possíveis atos lesivos ou ilegais dos

“...É ETICAMENTE IMPRESCINDÍVEL QUE OS GOVERNANTES AJAM, EM QUALQUER CIRCUNSTÂNCIA, VISANDO AO BEM COMUM.”

Aristóteles considerava como a maior das virtudes humanas a capacidade de exercer ao máximo suas potencialidades, referindo-se claramente àquilo que era exclusivo ao homem – a razão –, e que só por meio dela poder-se-ia chegar à felicidade, considerada, para o filósofo grego, o bem supremo. O único meio para alcançá-lo era agir com temperança, buscando-se a justa medida entre os extremos, sempre visando à coletividade, ao bem comum, visto que o homem não é um ser isolado, mas um ser político. O bem da pólis é, portanto, maior e mais perfeito, sobrepondo-se a qualquer outro bem. Em “Ética a Nicômaco”, verifica-se que, na construção do pensamento aristotélico acerca dos atos virtuosos, ganham o sumo status aqueles que são dirigidos ao bem da coletividade. Portanto, no plano das atividades políticas, é eticamente imprescindível que os governantes ajam, em qualquer circunstância, visando ao bem comum. A conduta do administrador público moralmente responsável deve sempre priorizar a coletividade, jamais perdendo de vista que os bens ou valores éticos submetem-se a uma ordem hierárquica, e que se deve privilegiar o bem maior em detrimento daquele que visa a um objetivo insignificante, no espectro das ações voltadas ao grupamento social. No universo da administração pública, pesa sobre os governantes – além da responsabilidade pelas políticas públicas e gestão dos recursos – a responsabilidade moral de agir conscientemente de acordo com os parâmetros éticos.

administradores públicos, reclamando, por parte destes, um comportamento ético e moralmente responsável. Para que os tribunais de contas exerçam com o mesmo rigor moral as atividades de controle externo que lhes são constitucionalmente conferidas, é necessário que estejam atentos e diligentes quanto à composição de seu corpo deliberativo, majoritariamente constituído por membros indicados pelo Poder Legislativo, órgão titular da função fiscalizadora, a quem incumbe, portanto, selecionar criteriosamente aqueles que passarão a integrar as cortes de contas, privilegiando, não só a capacidade técnica mas também e, sobretudo, a conduta moral como critérios de escolha. A heterogeneidade social, somada às idiossincrasias pessoais, reflete-se de forma análoga na representação parlamentar de toda e qualquer sociedade. E é este universo legitimamente composto pela diversidade que se oferece à escolha livre e consciente, exigindo o máximo de ponderação e razoabilidade dos responsáveis pelas indicações de seus representantes. Por outro lado, compete aos tribunais de contas a mesma exação quanto à escolha dos membros do Ministério Público de Contas e dos Auditores – submetidos a rigoroso e exigente concurso público e com foco dirigido ao histórico ético dos aprovados –, visando a garantir a responsabilidade no exercício de suas funções, que tocam o terreno incerto das ações morais, porquanto fiscalizam, além do cumprimento da lei e dos princípios que orientam a administração pública, a conduta ética dos governantes. 2007 JANEIRO • JUSTIÇA & CIDADANIA • 25


TRANSPORTE, JUSTIÇA E CIDADANIA Lélis Marcos Teixeira Presidente da Fetranspor e da Rio Ônibus

ARQUIVO JC

O

Brasil passou por grandes transformações a partir da década de 50 até o final do século passado. A forte industrialização do país levou não só a uma grande mudança econômica como também causou uma revolução silenciosa na distribuição do povo brasileiro. De um país agrário, rural, com seus habitantes distribuídos ao longo das terras férteis, passou a uma concentração urbana sem precedentes, levada pela força das mudanças econômicas concentradas em poucos estados do país. Chegamos hoje a uma situação em que mais de 80% da população brasileira vive nas cidades, de acordo com o IBGE. Não é apenas um fenômeno brasileiro, pois a cada semana 1,3 milhão de pessoas chegam às cidades do mundo (cerca de 70 milhões por ano). É o maior movimento de seres humanos da história; começou há, pelo menos, 100 anos, ainda ganha velocidade e deve estender-se por décadas. As cidades são organismos notáveis e são, certamente, as mais antigas das organizações humanas.

26 26••JUSTIÇA JUSTIÇA&&CIDADANIA CIDADANIA••JANEIRO JANEIRO2007 2007


As empresas mais antigas do mundo – a Stora Enso, na Suécia, e o Sumitomo Group, no Japão – têm, respectivamente, 700 e 400 anos de idade. As universidades mais antigas (de Bolonha e de Paris) já existem há mil anos. Por outro lado, a cidade de Jericó, em Israel, tem sido continuadamente ocupada há 10,5 mil anos. Jerusalém é uma cidade importante há 5 mil anos, embora tenha sido conquistada 36 vezes e sofrido 11 conversões de religião. Quanto maiores as cidades, maiores são seus problemas. O Brasil é um dos poucos países do mundo que têm mais de 20 cidades com mais de 1 milhão de habitantes e duas megalópolis (aglomerações urbanas com mais de 10 milhões de habitantes) – caso de São Paulo e Rio de Janeiro, consideradas suas regiões metropolitanas. Sem dúvida, neste quadro, concentram-se mais riqueza (e pobreza), conflitos, desigualdades, divergências, e o contraditório é acentuado pelas grandes diferenças econômicas e sociais. Neste locus aparecem novas e fundamentais necessidades dos indivíduos: para assegurar o direito de ir e vir do cidadão, é básico que sua mobilidade esteja garantida nas grandes cidades. Nestas, as grandes distâncias entre o local de moradia e os bens sociais básicos – como escolas, hospitais, trabalho, lazer e cultura – fazem com que haja necessidade de transporte coletivo para garantir o acesso de todos. O direito de ir e vir, assegurado por meios que permitam mobilidade do cidadão nas urbes, passou a ser um novo direito fundamental, como definido no artigo 30 – inciso 5º da Constituição Brasileira. Para expandir a capacidade própria de locomoção (limitada entre 500 a 1000 metros), surgiu a necessidade dos transportes coletivos, já que o transporte individual transporta apenas 1,5 indivíduo por veículo, em média, nas cidades, segundo estudos técnicos. Há também a exigüidade das vias públicas em relação à quantidade de veículos, a qual impossibilita que todos tenham seus carros para a circulação pelas cidades, além das deseconomias externas causadas pelos congestionamentos, poluição, consumo de combustível extra, tempo perdido, etc. Esses “efeitos colaterais” do meio de transporte individual definem, em grande parte, muitas vezes, a qualidade de vida das grandes cidades. Melhor transporte coletivo significa melhor circulação das pessoas, menos tempo perdido nos congestionamentos, menos poluição e, conseqüentemente, cidades melhores. Por isso a necessidade de se priorizar e investir no transporte coletivo. Para se ter uma idéia da importância da mobilidade das pessoas na região metropolitana do Rio de Janeiro, são realizadas 19,9 milhões de viagens diariamente, segundo dados do Plano Diretor do Transporte Urbano (PDTU) realizado pela Secretaria de Transporte do Estado do Rio, em 2005. Desses, os modos motorizados totalizam 9,23 milhões (63%) de viagens e os modos não motorizados totalizam 7,38 milhões (37%). Há, portanto, na região metropolitana do Rio uma ampla predominância do transporte coletivo. Nos transportes motorizados, os ônibus predominam, realizando 6,6 milhões de viagens diárias , 74% do total em relação aos outros tipos de transportes coletivos (metrô, trens, etc.). A cidadania depende de uma sociedade capaz de assegurar a qualquer um e a todos a possibilidade de se auto-realizarem, em termos de acesso aos bens econômicos e socioculturais disponíveis. Para a noção plena de cidadania, as pessoas devem receber ou ter acesso à saúde, educação, segurança, etc, e, neste novo contexto urbano, ao transporte de qualidade. Fica claro que, em uma região metropolitana que realiza quase 20 milhões de viagens diárias, o transporte deve ser considerado como bem essencial, inclusive para ter acesso aos locais que fornecem os outros itens. Em outras palavras, não há plena cidadania sem que haja transporte acessível ao cidadão para realizar seu direito de ir e vir. 2007 2007JANEIRO JANEIRO••JUSTIÇA JUSTIÇA&&CIDADANIA CIDADANIA••27 27


ALEX VIANA

“...NÃO HÁ PLENA CIDADANIA SEM QUE HAJA TRANSPORTE ACESSÍVEL AO CIDADÃO PARA REALIZAR SEU DIREITO DE IR E VIR.”

Há uma tese na filosofia do Direito “segundo a qual a convivência originária do homem é marcada pelo predomínio indiscriminado do todo, como demonstra a violenta pressão social entre os primitivos”. Nas grandes cidades modernas, há também uma enorme pressão social, coletiva, sobre os bens econômicos e socioculturais, além dos ser viços produzidos pelo Estado e pelos agentes privados para interferir na vida cotidiana do homem comum. Dessa pressão, das exigências, surgem os mais variados conflitos entre os vários membros da sociedade, que levam, inexoravelmente, à necessidade de solução. Muitos acreditam que o “Estado-Nação” tornou-se pequeno demais para os grandes problemas e grande demais para os pequenos problemas da vida. Sendo assim, surge, como redenção da vida moderna e seus conflitos, a Justiça como única solução. Dela espera-se a fonte do equilíbrio e da sabedoria, o discernimento e a sóbria decisão. O Poder Judiciário hoje no país, das grandes cidades e dos grandes conflitos, aparece cada vez mais próximo 28 • JUSTIÇA & CIDADANIA • JANEIRO 2007

do cidadão. Entre a complexa relação econômica entre os agentes produtores e a massa de consumidores (como no transporte coletivo), há a presença do Legislativo e Executivo. Da ação de ambos, freqüentemente decorre o risco jurisdicional que pode provocar a perda do equilíbrio econômico-financeiro dos agentes privados. Para dirimir esses constantes riscos jurisdicionais e dar segurança jurídica às atividades dos vários setores produtivos da sociedade, que investem, correm os riscos de negócios e geram milhares de empregos (o setor de transporte coletivo gera mais de 100 mil empregos diretos no Estado), o Poder Judiciário se torna a última fronteira dos que acreditam no desenvolvimento do país. Se no estado do Rio temos várias deficiências entre as áreas com ação do Estado (segurança, por exemplo) há de se reconhecer a eficiência, a rapidez, a gestão profissional e a elevada capacitação dos magistrados que tornam a justiça fluminense um exemplo para o país.


DIPLOMACIA PARTICIPATIVA Márcia Freire

ARQUIVO JC

Embaixadora voluntária na Bélgica

Márcia recebendo seu titulo de embaixadora voluntária das mãos do embaixador Jerônimo Moscardo, na Bélgica.

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embaixador Jerônimo Moscardo, ilustre figura da cultura e da diplomacia brasileira, ultrapassou, há muito, os limites territoriais e culturais deste país que o viu nascer e do qual ele tanto se orgulha, defende e promove. Homem de cultura, diplomata, advogado, extremamente interessado e conhecedor dos aspectos sociológicos e antropológicos, Master of Arts em Ciência Política, hábil negociador de tratados e acordos internacionais, suas atividades e contribuições profissionais e pessoais refletem o carisma de alguém que busca, continuamente, melhorar o mundo que lhe foi dado para viver.

Antes mesmo de completar seus vinte anos, recebeu do Ministério de Educação e Cultura um prêmio por sua dedicação e conhecimento na área de história, que o levou à Europa, continente cuja cultura lhe serviria de modelo e estímulo de crescimento e sabedoria. No início de sua carreira diplomática, recebeu o título de “Cavaleiro da Ordem da Coroa”, outorgado pelo Reino da Bélgica. Poucos anos depois, representou o Brasil na missão junto às Nações Unidas, em Nova Iorque. Em seguida, ocupou posto de destaque na delegação junto à ALALC, em Montevidéu. Após vários postos de chefia na estrutura interna das divisões do Ministério das Relações Exteriores, 2007 JANEIRO • JUSTIÇA & CIDADANIA • 29


“SOMENTE ALGUÉM ASSIM, COM ESTA VIVÊNCIA E PERCEPÇÃO CULTURAL ABERTA E ECLÉTICA, PODERIA SERVIR DE CATALISADOR E ACELERADOR VITAL TÃO ALTAMENTE EFICAZ.”

entremeadas por promoções por merecimento, o encontramos em posições de liderança na delegação junto à Organização de Estados Americanos (OEA), em Washington. Em seguida, esteve na Embaixada brasileira em Moscou, a outra capital planetária do mundo bipolarizado da época, como conselheiro e encarregado de negócios. Em seu retorno ao Brasil, assumiu a chefia da Divisão e do Departamento Europa e da Assessoria Parlamentar do MRE, recebeu a Ordem do Mérito – e o título de Comendador – Militar, Aeronáutico, Naval e das Forças Armadas. Nomeado embaixador brasileiro na Costa Rica, recebeu, durante esse período, a Grã-Cruz da Ordem do Rio Branco. No início da década de 90, foi sucessivamente Embaixador na delegação junto à ALADI, em Montevidéu, Ministro de Estado da Cultura e Embaixador junto à UNESCO, em Paris. Assumiu, em seguida, a Embaixada brasileira na Romênia, período que se caracteriza por uma prolífica gestão dos negócios e interesses do país naquelas terras, e, principalmente, por uma aproximação cultural sem precedentes baseada na latinidade da história respectiva de nossos países. Estreitam-se os laços, cria-se visibilidade para os pontos comuns e de influência mútua, criam-se sinergias entre pontos de vista, posturas e iniciativas políticas e, sobretudo, culturais. Somente alguém assim, com esta vivência e percepção cultural aberta e eclética, conhecedor do mundo, da filosofia, das idéias e do gênero humano representado por elas, generoso e disponível para os demais, poderia servir de catalisador e acelerador vital tão altamente eficaz.

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Ao assumir a Embaixada na Bélgica, quis potenciar ainda mais o serviço a seu país. Entusiasmado pela vivência romena, Jerônimo pôs seu grande dinamismo e energia à disposição da comunidade brasileira. Neste contexto, algumas iniciativas se destacam: • abertura real da Embaixada e de seus serviços à comunidade brasileira residente na Bélgica e em Luxemburgo – independente de situação social, instr ução, cor, credo e ou outros fatores –, aproximando-a e estimulando sua presença naquele pedaço de território brasileiro no exterior; • transferência do ser viço consular, o de maior interação com o público, para o andar térreo, em melhores instalações físicas, melhorando a qualidade do atendimento e a agilidade dos processos administrativos; • criação da Casa do Brasil, com: • espaço cultural Darcy Ribeiro, utilizado para eventos semanais, seminários, fóruns, palestras, visitas de autoridades brasileiras, aos quais a comunidade correspondeu com sua presença e participação, sendo regularmente convidada; • galeria de arte Marco Antônio Vilaça para a exposição de obras de artistas brasileiros; • biblioteca com obras brasileiras e internacionais disponível ininterruptamente. • criação da diplomacia participativa, conceito que reconhece a necessidade de contar com a experiência e a vivência dos cidadãos residentes no exterior, para melhor representar o país e eles mesmos, estabelecendo uma relação mais sólida e próxima com a sociedade civil da terra que os acolhe. Esse elo de ligação entre a diplomacia institucional e a sociedade foi exercido por um grupo de embaixadores


ARQUIVO JC

Embaixador J. Moscardo recebendo a comenda do Rei Albert II da Bélgica

voluntários – elementos destacados da comunidade escolhidos gradativamente e nomeados publicamente pelo próprio Embaixador Moscardo – que trabalharam na aproximação de Bélgica e Luxemburgo, pondo seu conhecimento a serviço da ação inovadora. Certamente, uma das contribuições mais relevantes no âmbito geral de sua gestão, e, particularmente, no da diplomacia participativa, foi a iniciativa de propor e conduzir projeto de emenda constitucional, cujo esboço foi elaborado por juristas brasileiros residentes no

exterior e encaminhado a um dos maiores juristas brasileiros, Ives Gandra Martins, para elaboração jurídica final. Essa emenda dará direito à comunidade brasileira residente no exterior de eleger, dentre seus membros, aqueles que a representarão no Congresso Nacional. Dessa maneira, a comunidade brasileira residente no exterior disporá de representação política direta, fazendo-se ouvir e contribuindo para que as decisões legislativas sejam tomadas com ética, sabedoria, justiça e respeito ao cidadão que vive no exterior.

NOTA DO EMBAIXADOR Dentre as pessoas que compuseram o quadro da diplomacia participativa, destacamos a atuação de uma brasileira que vive fora do Brasil há mais de 20 anos, na Bélgica, onde sempre atuou no campo da consultoria e assessoria internacional, dentro da área de formação gerencial de executivos, melhorando o nível de gestão empresarial, visando a identificar oportunidades, aproximando, facilitando e divulgando pessoas, profissionais e instituições dos dois países. Entre outros, cabe citar órgãos bilaterais de representatividade de classe, joint ventures comerciais e de serviços, eventos de promoção de entidades e empresas brasileiras na Bélgica e belgas no Brasil. Comentei a seu respeito: “Conheci Márcia Freire ao chegar em Bruxelas, em 2003. Ela é uma empresária vitoriosa e consultora internacional bem estabelecida na comunidade belga.” Em um mundo dominado pelo egoísmo sagrado, pela “lei de Gérson” e pelo salve-se quem puder, é difícil imaginar a existência de personalidades – oásis – como a de Márcia. No projeto bem-sucedido de mobilização da comunidade brasileira na Bélgica, Márcia Freire – como embaixadora voluntária – exerceu um papel aglutinador – sem o qual não teria vingado a extraordinária experiência da diplomacia participativa. Destaco sua inestimável contribuição à articulação dos trabalhos da chancelaria em Bruxelas com a comunidade brasileira. Enfrentando o desânimo, a descrença, o cinismo, a preguiça e a má vontade de muitos, Márcia Freire estabeleceu as bases de uma comunidade de fraternidade, de solidariedade e de compaixão. Essa não é uma tarefa fácil, mas, ininterruptamente, Márcia luta em prol da manutenção da diplomacia participativa, tendo em vista seus inúmeros benefícios a favor da visibilidade da imagem positiva do Brasil no exterior.

2007 JANEIRO • JUSTIÇA & CIDADANIA • 31


APOSENTADORIA COMPULSÓRIA AOS 75 ANOS Cármine Antônio Savino Filho

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Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro e vice-presidente do Instituto dos Magistrados do Brasil

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A

ntônio Ermírio de Moraes, em seu artigo “Crescer: prioridade nacional”, faz profunda reflexão sobre as “aposentadorias precoces”, enfatizando a necessidade de “dura” reforma em nossa Previdência Social para salvá-la. O ministro do STF, Carlos Velloso, hoje aposentado, afirma que a aposentadoria compulsória aos 70 anos é um “luxo”. O jurista Edvaldo Pereira de Moura, magistrado e professor de direito da UESP, afirma, em artigo publicado na revista Justiça & Cidadania, que aposentadoria compulsória aos 70 anos é um “quisto“ de nossa Carta Política. Os ministros vêm falando, em diversas entrevistas, sobre o “colapso na previdência”, defendendo reformas e afirmando que a previdência é um desafio. Nelson Machado, da Previdência, “não descarta a possibilidade de alterar a idade mínima para aposentadoria”. Fábio Giambiagi e Raul Velloso afirmam que “a hora é agora para salvar a Previdência”. Os jornais publicam, constantemente, matérias sobre o “rombo” na Previdência Social. Ressalte-se que o IBGE publicou pesquisa revelando que a expectativa de vida no Brasil chegará a 78 anos em futuro próximo. Considerando-se que a aposentadoria compulsória em 75 anos possibilitará excepcional economia para o erário público, é importante refletir sobre o tema. A população brasileira acima dos 65 anos deve ultrapassar, nos próximos 10 anos, 13 milhões de habitantes, ou seja, praticamente a metade da população idosa de toda a América Latina, segundo o relatório do Fundo das Nações Unidas para a População, de 1999. Seremos, provavelmente, a quinta maior nação em número de idosos. Além do crescimento demográfico vegetativo, a melhor qualidade de vida, graças à medicina e a outros fatores, tem aumentado a expectativa de vida, que, segundo dados do IBGE, passou de 45 anos, na década de 40, para 61,8, em 1980, e atingiu 65,7 em 1990, em uma média de mais de cinco anos de acréscimo por década. Ou seja, cresce o número de aposentados, o que acarreta uma dificuldade cada vez maior para se cumprir a garantia da seguridade social expressa no Título VIII da Constituição. Em outras palavras: se já não existe hoje, muito menos haverá, no futuro, carga fiscal suficiente para assegurar o bem-estar social previsto na Constituição para trabalhadores e aposentados – que a ela têm direito legitimamente garantido. Com a velocidade de difusão de conhecimentos, somente após certa idade é realmente possível compreender, processar e, sobretudo, acumular diferentes variáveis das ciências, das técnicas e das artes. Além disso, os custos sociais para se formar profissionais

“...PRECEITO CONSTITUCIONAL QUE OBRIGA OS SERVIDORES DO ESTADO A SE APOSENTAREM AOS 70 ANOS AGRAVA O PROBLEMA AO AUMENTAR, COMPULSORIAMENTE, O NÚMERO DE APOSENTADOS E AO RECUSAR A CONTRIBUIÇÃO DAQUELES QUE QUEREM E PODEM CONTINUAR A DÁ-LA.”

de ponta é muito alto, mormente para uma sociedade pobre em vias de desenvolvimento. Muita gente, em ritmo crescente, está na porta de saída do mercado de trabalho, para quem não há cobertura previdenciária suficientemente adequada, prevista no art. 202 e de acordo com o preceito expresso no art. 230 da Constituição: “a família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as pessoas idosas, assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar, e garantindo-lhes o direito à vida”. Entretanto, o que não podemos é desperdiçar a força de trabalho treinada no vigor de sua plenitude intelectual, pois a participação vital dos jovens não dispensa nem elimina a contribuição do discernimento das camadas mais maduras. Por isso, o preceito constitucional que obriga os servidores do Estado a se aposentarem aos 70 anos agrava o problema ao aumentar, compulsoriamente, o número de aposentados e ao recusar a contribuição daqueles que querem e podem continuar a dá-la. Os que chegam à terceira idade não constituem um todo homogêneo. Vêm das mais variadas profissões e atividades físicas e intelectuais, e apresentam diferentes condições de saúde e longevidade. Muitos dos que se aposentam coercitivamente aos 70 anos estão no vigor de sua capacidade intelectual, querem trabalhar, mas são impedidos. É um contra-senso esse desperdício em uma sociedade que não agüenta o peso das aposentadorias existentes e que as vê crescer exponencialmente, mas que, 2007 JANEIRO • JUSTIÇA & CIDADANIA • 33


ao mesmo tempo, reconhece sua incapacidade de garantir aos idosos os benefícios de que merecidamente são titulares. Aumentar a idade limite de 70 para 75 anos de permanência a serviço do Estado virá minorar, a nossos olhos, as perspectivas sombrias do quadro atual. Vários são os benefícios: primeiro, o não-agravamento do contingente de aposentado; segundo, a economia que se fará pela não contratação de um novo servidor; terceiro, pela inestimável colaboração que a experiência da terceiraidade pode dar à qualidade de prestação de serviço. No Judiciário, por exemplo, é notória a sobrecarga de trabalho em todas as instâncias. A ampliação necessária da estrutura judiciária poderá suprir com sobras o percentual daqueles que decidem permanecer além dos 70 anos e garantir, plenamente, as vagas de promoção. Uma eventual mudança do texto constitucional – passando o limite de 70 para 75 anos – não será imperativa, mas sim facultativa. Ninguém, atualmente, é obrigado a ficar até os 70 anos, como também não o seria até os 75: permanece quem quer, quem pode. 34 • JUSTIÇA & CIDADANIA • JANEIRO 2007

O problema da aposentadoria compulsória reclama um foco de clareza. Algumas premissas gerais universalmente aceitas induzem ao unilateralismo da visão atual sobre a questão, que impede ver a outra face da moeda. Prolongar a permanência no trabalho e gerar novos empregos não são faces necessariamente conflitantes, antes, em muitos casos, são complementares. A geração de empregos é tarefa de uma sociedade organizada, em que as políticas públicas de investimento produzem oportunidades de trabalho e estimulam a poupança privada a fazer o mesmo, e o máximo aproveitamento da capacidade disponível dos segmentos já transitando na terceira idade só virá a contribuir com a produtividade do país. É de se indagar: qual é o reflexo que a regra de expulsão aos 70 anos causa no PIB nacional? Ademais, determinadas atividades utilizariam mais a permanência consentida, outras menos. Se existem funções em que o trabalhador se desgasta mais cedo que os outros – jogadores de futebol, atletas, trabalhadores

BIGFOTO.COM

“NÃO É SEM RAZÃO QUE, AO SE VEREM ALIJADOS DE SEU TRABALHO, TANTOS RECÉM-APOSENTADOS SE DEPRIMEM E DECAEM DE SAÚDE.”


em minas, mergulhadores, controladores de vôo, etc – também existem profissionais que, a exemplo dos bons vinhos, podem melhorar seu desempenho na idade mais avançada. É o caso de professores, médicos, diplomatas, magistrados e de tantas outras profissões cujo trabalho intelectual muitas vezes se aperfeiçoa com a idade. Um professor com vitalidade e boa saúde, forçado a deixar as salas de aula ou seu laboratório aos 70 anos, é obrigado a negar a seu país seu cabedal de conhecimento acumulado nas ciências, nas letras e nas artes, a experiência no trato com os jovens, uma compreensão maior do mundo. Da mesma forma, um magistrado que se rende à compulsória aos 70 anos, por força de lei, deixa de dar à sociedade a prudência, o zelo e a vivência que seus anos de

contribuição para um sentido maior do mundo. Não é sem razão que, ao se verem alijados de seu trabalho, tantos recém-aposentados se deprimem e decaem de saúde. Aliás, a própria Constituição fala em garantir ao idoso “sua participação na comunidade”. Como? Aumentando as praças públicas para os idosos darem de comer aos pombos ou jogar cartas? Outro aspecto interessante é o fato de que, ao impedir de trabalhar além dos 70 anos aos servidores do Estado, a Constituição agride seus direitos humanos, algo de que poucos se dão conta. O texto constitucional em seu art. 14, II, “b” diz que o voto é facultativo aos maiores de 70 anos. Pois bem: o legislador reconhece que, se não se deve obrigar o maior de 70 anos a voto, também não pode coibirlhe o exercício do voto, o que seria um desrespeito à

judicatura acumularam: qual é o valor destes diferenciais? Isso vale para a experiência médica dos profissionais de saúde, dos cientistas e de tantos outros. Exemplos contundentes se encontram em várias figuras da História universal, que, por sua notoriedade, não precisam ser citados. Condutores de povos, estadistas, cientistas, inventores, pesquisadores, líderes religiosos, escritores, artistas, etc., formam enorme o elenco de líderes de vários campos do conhecimento humano que atuaram e produziram muito além dos 70. O Vaticano, por exemplo, instituiu em 75 anos o limite de exercício de seus bispos e cardeais, à exceção do próprio Papa, cujo desempenho não tem limites. Destaca-se que Manuel Bandeira criou lindos poemas após 80 anos. Com mais de 80 anos, VilIa Lobos compôs signifi-cativas peças musicais. Com mais de 100 anos, Barbosa de Lima Sobrinho presidia a Associação Brasileira de Imprensa. Muitos exercem sua profissão como uma

cidadania. Ora, se lhe é facultado o direito de votar e não se o proíbe (o que de resto seria absurdo), como pode cassar-lhe o direito de trabalhar? Trabalhar não faz parte dos direitos da cidadania? Nossa Constituição proclama, no art. 6 o, que “são direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade, à infância e a assistência aos desamparados”. De todos esses direitos, por incrível que seja, o direito ao trabalho é o único que cessa aos 70 anos. Chegar a essa idade lúcido e operante é passar pela seleção da natureza, cuja sabedoria decide a quem privilegiar com a longevidade, ou a quem cassá-la. No artigo 7 o , o texto constitucional garante a relação de emprego protegida contra demissão sem justa-causa. Estamos diante do absurdo de constatar que chegar aos 70 anos – em vez de um triunfo, como já disse um pensador – é culpa suficiente para caracterizar justa-causa. 2007 JANEIRO • JUSTIÇA & CIDADANIA • 35

ARQUIVO JC

“O DIREITO AO TRABALHO É O ÚNICO QUE CESSA AOS 70 ANOS. CHEGAR A ESSA IDADE LÚCIDO E OPERANTE É PASSAR PELA SELEÇÃO DA NATUREZA, CUJA SABEDORIA DECIDE A QUEM PRIVILEGIAR COM A LONGEVIDADE, OU A QUEM CASSÁ-LA.”


AGILIDADE AOS LICENCIAMENTOS AMBIENTAIS PARA EMPREENDIMENTOS DE ENERGIA ELÉTRICA Alacir Borges Schmidt

ARQUIVO PESSOAL

Advogada e coordenadora do Comitê de Meio Ambiente da Associação Brasileira de Concessionárias de Energia Elétrica (ABCE)

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A

decisão do Governo, em reunião no Palácio do Planalto, para “destravar” investimentos em infra-estrutura sinalizou que será necessário fazer mudança na legislação ambiental, indicando a necessidade de regulamentação do Artigo 23 da Constituição Federal, que trata da competência concorrente para a concessão de licenças necessárias à execução de obras. A falta da regulamentação, segundo argumenta-se, está fazendo com que muitos licenciamentos, principalmente do setor elétrico, sejam questionados pelo Ministério Público (MP) por meio de medidas judiciais que suspendem a implantação dos empreendimentos de geração de energia elétrica. Isso acontece porque o MP, ao questionar as licenças expedidas por alguns órgãos licenciados ambientais, não reconhece a aplicação da resolução Conama 237/97, que melhor define a competência licenciatória. Com isso, a cada dia, o problema se agrava, aumentando o conflito jurídico dos licenciamentos. O Secretário Executivo do Ministério do Meio Ambiente (MMA), Claudio Langoni, disse que o ministério enviará um projeto de lei complementar ao Congresso Nacional para regulamentar a questão da competência para licenciamento e que “a rigor, esse projeto de lei seria uma ‘cópia’ da resolução 237 do Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama), que já prevê essa divisão de tarefas”. De fato, a resolução Conama 237/97 – embora alegada sua inconstitucionalidade, mas ainda não declarada – veio para suprir as lacunas conceituais, falhas e contradições que existiam entre a lei 9.987, decreto 99.274 e as próprias resoluções do Conama, principalmente a 006/87, que trata, especificamente, das licenças dos empreendimentos de energia elétrica. A partir da resolução de 97, muito se melhorou em termos de licenciamento. Pode-se citar a determinação de que o licenciamento ambiental de empreendimentos que atingem mais de um estado ou município passou a ser realizado por um único ente federado. A definição de competência licenciatória, de acordo com a resolução Conama 237, seguida pelo projeto de lei a ser proposto pelo MMA, tem o grande mérito de focar o impacto ambiental e não o domínio do bem atingido. Define que a competência do licenciamento é determinada pelo território diretamente afetado pelo empreendimento, não importando a quem o bem pertença. Outro aspecto positivo a ressaltar do projeto é a definição do que cada órgão licenciador vai fazer e de quem fiscaliza, que é quem também licencia. Além disso, deixará de existir a inconstitucionalidade alegada para a resolução Conama 237/97.

Por isso, com razão o Governo, quando defende a necessidade de regulamentação do art. 23 da Constituição Federal, da chamada competência administrativa, como sendo uma solução estável, traz maior segurança jurídica aos órgãos licenciadores ambientais e aos empreendedores. O benefício imediato esperado pelo setor elétrico seria a redução dos conflitos jurídicos (custos e perda de tempo) dos processos de licenciamento para solucionar os “embates” entre os órgãos de âmbito nacional, estadual e municipal.

“DE FATO, A RESOLUÇÃO CONAMA 237/97 VEIO SUPRIR AS LACUNAS CONCEITUAIS, FALHAS E CONTRADIÇÕES QUE EXISTIAM ENTRE A LEI 9.987, O DECRETO 99.274 E AS PRÓPRIAS RESOLUÇÕES DO CONAMA.” Sem dúvida, este é um primeiro passo, mas somente regulamentar em lei as competências licenciatórias não é suficiente para dar mais agilidade aos licenciamentos, principalmente de obras de infra-estrutura e aquelas em que a União tem interesse relevante, como a geração e transmissão de energia elétrica. A questão da existência de procedimentos diferenciados nos entes federados precisa também receber tratamento. Entendemos que a política ambiental deve ser única e permanente para todo o país, e contemplar as particularidades regionais e locais. Com mais razão ainda, os procedimentos para licenciamento devem ser uniformes. Os estados e municípios, quando estabelecem as normas relativas a licenciamento, controle, manutenção e recuperação da qualidade ambiental, devem respeitar a legislação federal pertinente. Entretanto, isso nem sempre 2007 JANEIRO • JUSTIÇA & CIDADANIA • 37


ITAIPU.GOV.BR

Usina hidrelétrica de Itaipu

“...SOMENTE REGULAMENTAR EM LEI AS COMPETÊNCIAS LICENCIATÓRIAS NÃO É SUFICIENTE PARA DAR MAIS AGILIDADE AOS LICENCIAMENTOS...” acontece, e o empreendedor que licencia em mais de um município ou estado fica à mercê de procedimentos licenciatórios diferentes para um mesmo empreendimento. Sendo assim, deve ser estabelecido algum critério para integração de procedimentos. Os procedimentos para licenciamento dos estados e dos municípios devem conformar-se com os da União, obedecendo a um efetivo plano de ação governamental de integração. É premente a necessidade de aperfeiçoamento dos procedimentos para atender, em tempo hábil, as necessidades de energia elétrica da sociedade em relação à implantação de novos empreendimentos. Uma padronização integrando os diversos procedimentos de licenciamento adotados pelos órgãos licenciadores permitirá a redução da discricionariedade verificada nesses processos e conseqüente adequação dos prazos para a concessão das licenças ambientais. Atualmente, está em vigor uma grande “teia” de normas – muitas conflitantes entre si e com as normas de âmbito federal – em cada órgão ambiental estadual. Essa realidade torna o processo de licenciamento ambiental totalmente inseguro para o empreendedor, seja este público ou privado. O procedimento licenciatório é o mesmo tanto para uma empresa privada de pequeno porte quanto para obras de relevante interesse do país. Não há diferenciação nos procedimentos de licenciamento nem nos prazos. 38 • JUSTIÇA & CIDADANIA • JANEIRO 2007

Esse cenário precisa ser analisado e, se realmente o governo quer “destravar” empreendimentos de infraestrutura, é necessário adequar as normas legais para dar mais agilidade ao processo. Dessa forma, é indispensável a elaboração de uma norma legal específica ou a alteração da já existente para licenciamento de empreendimentos de utilidade pública, buscando considerar a importância e a urgência dos mesmos para o país. Este não será um precedente, pois a própria legislação ambiental vigente já excetua, em alguns casos, a aplicação da lei visando à implantação de empreendimentos de relevante interesse público, como é o caso de implantação de empreendimentos na Mata Atlântica e nas áreas de preservação permanente, por exemplo. Se a geração e transmissão de energia elétrica são de relevante interesse da União, exploradas mediante concessão, todas as razões indicam que essa importância deve ser considerada pelo legislador no rito do licenciamento ambiental, seja para dar prioridade ou agilizar ou garantir o cumprimento das metas definidas pelo poder concedente para atendimento das necessidades de suprimento de energia. Por isso é urgente a criação de uma norma de licenciamento específica ou a revisão na existente para dar mais agilidade à expedição de licenças para empreendimentos de utilidade pública, garantindo, obviamente, o desenvolvimento sustentável.



TRIBUNA DA IMPRENSA 57 ANOS DE HISTÓRIA (Publicado no jornal “Tribuna da Imprensa” em dezembro de 2006)

Pedro do Coutto Jornalista

A

“Tribuna da Imprensa”, um jornal heróico e histórico brasileiro, fundado por Carlos Lacerda e desde 62 de propriedade de Helio fernandes, que o adquiriu não do governador e líder da UDN, mas de Nascimento Brito, do “Jornal do Brasil”, que o teve em sua posse por apenas 1 ano, completou seus primeiros 57 anos de existência no dia 2 deste mês. Carta do senador Paulo Otávio publicada esta semana recorda a data, que conduz a uma saga belíssima, absolutamente singular no jornalismo brasileiro. Isso porque é impossível escrever-se a história política do Brasil de 1949 aos dias de hoje sem citar Lacerda, que morreu jovem, em 1977, aos 63 nos de idade, Helio Fernandes e a “Tribuna da Imprensa”, paixão e vocação de ambos. Carlos Lacerda, Hélio Fernandese esta folha são personagens fortíssimos e eternos de nossa história, sem distinguir convergências e divergências, além de testemunhas essenciais do tempo. Vão viver para sempre na memória nacional e assim devem ser destacados, a cada aniversário da obra que criaram. Helio Fernandes, um espadachim, tornou-se inclusive o jornalista mais atingido pelo arbítrio e pela ditadura militar, de 64 a 85, da vida brasileira. Confinado três vezes, preso dezenas de outras, cassado e o único proibido de escrever, ameaçado, perseguido, com seu jornal bloqueado economicamente, censurado de forma brutal nos governos Médici e Geisel, ainda por cima alvo de violento ataque terrorista em 81, governo João Figueiredo. As rotativas da Rua do Lavradio foram explodidas, o prédio incendiado. O Exército e a polícia, até agora, não descobriram os autores, mas a “Tribuna” sobreviveu firme. Aqui está ela, orgulho da liberdade de imprensa no Brasil. 40 • JUSTIÇA & CIDADANIA • JANEIRO 2007

O nome “Tribuna da Imprensa” era o título de uma coluna diária que o jornalista Carlos Lacerda assinava no antigo “Correio da Manhã”. Fez durante alguns anos. Certa vez, entretanto, criticou o empresário Soares Sampaio, proprietário da Refinaria de Capuava, amigo de Paulo Bitencourt, dono do jornal e seu colega de turma na Universidade de Cambridge, na Inglaterra. Paulo Bitencourt não tinha razão. A coluna fora visada pelo temível redator-chefe, Costa Rego, ex-senador por Alagoas, que era considerado o inimigo número um do general Góes Monteiro, chefe do Emfa no governo ditatorial de Vargas, que começou em 37 e acabou em 45. Paulo Bitencourt chegou a publicar um tópico, em 48, lamentando a saída de Lacerda. Mas deu o título da coluna de presente ao repórter. Em 2 de dezembro de 49, ele transformou a coluna neste jornal que estamos lendo há 57 anos. Carlos Lacerda e a “Tribuna da Imprensa” foram os maiores personagens da crise de 54 que culminou com o trágico desfecho de 24 de agosto. Um ano depois, em 55, Carlos Lacerda e Helio Fernandes tiveram sua primeira divergência frontal. Helio Fernandes assinava a coluna Fatos e Rumores no “Diário de Notícias”. Lacerda, um gênio absoluto, mas não um democrata, opôs-se tenazmente à posse de Juscelino na presidência da República, eleito naquele ano. Ocupava diariamente o microfone da Rádio Globo. Helio Fernandes, ao lado do resultado das urnas, portanto a favor. Reencontraram-se na sucessão de 60, ambos apoiando Jânio Quadros. Nesse ano, Lacerda elegeu-se governador da Guanabara. Mas em 61, agosto, menos de um ano depois, chocaram-se novamente, no episódio da renúncia. Lacerda contra a posse de João Goulart. Hélio Fernades a favor. Jango assumiu e os dois proprietários da Tribuna


ARQUIVO JC

reencontram-se de novo na oposição. Helio Fernandes foi preso em 63 por ordem do general Jair Dantas Ribeiro, ministro da Guerra. Depois da tempestade de 64, deposição militar de Jango, Lacerda candidato da UDN às eleições presidenciais de 1965, vieram as estaduais de 65. Na Guanabara, Lacerda apóia Flexa Ribeiro, que perde para Negrão de Lima por maioria absoluta. Outro conflito entre Carlos Lacerda e Hélio Fernandes: o primeiro contra a posse de Negrão, Helio Fernandes a favor. Lacerda passou a jogar todas as fichas num golpe contra o general Castelo Branco, então presidente da República. Helio Fernandes escrevia, penso eu, para preservar a etapa democrática de 66, não teve êxito. O general Costa e Silva, ministro do Exército, aproveitou a contradição militar: garantiu Castelo Branco, mas ao preço de se acabar com as eleições diretas. Em 66, ele próprio elegeu-se indiretamente. Lacerda havia detonado pelos ares seu próprio projeto de chegar à presidência da República. O destino seria cruel com ele, mesmo sendo lacerdistas, Castelo Branco, Costa e Silva, Médici, Geisel e Figueiredo. Chegaram os que disputavam seu cumprimento e seu sorriso. O próprio Lacerda não chegou. Tendo morrido misteriosamente em 1977, o maior orador de todos os tempos não assistiu à posse de Figueiredo. Em 1966, Carlos Lacerda e Hélio Fernandes aproximaram-se novamente em torno da Frente Ampla, movimento de redemocratizaçao que reuniu JK e Jango em torno do retorno democrático do País. A Frente Ampla viveu pouco. Em dezembro de 68, Costa e Silva, prisioneiro dos militares radicais, edita o Ato Institucional número 5. Helio Fernandes e Carlos Lacerda são presos juntos no quartel da Polícia Militar da Rua Salvador de Sá. São estas as ruas da vida profissional dos dois proprietários desta folha.

Nenhum órgão de imprensa sofreu o que a “Tribuna” sofreu, sobretudo em prejuízo econômico. Venceu em todas as instâncias judiciais. O jornal espera pela indenização da União, responsável histórica, até hoje. Pagam-se pensões duvidosas a falsos perseguidos. Não se indeniza a “Tribuna da Imprensa”. Deixo este tema para o presidente Luís Inácio Lula da Silva. E esta página para a história do Brasil.

NO T A DO EDIT OR NOT EDITOR Transcrevemos o oportuno e apreciado pronunciamento na tribuna do Senado Federal, pelo senador Álvaro Dias, sobre a importância histórica dos 57 anos do jornal “Tribuna da Imprensa” e de seu valoroso e combativo diretor. Sou confrade do jornalista Hélio Fernandes há mais de meio século, tendo discordado algumas vezes de suas opiniões sobre questões políticas. Entretanto, é de se reconhecer nesse homem, que não há como se contestar que é o maior e mais independente jornalista brasileiro vivo. Hélio Fernandes, entre outras e inúmeras honrarias, é detentor do troféu “Dom Quixote de La Mancha”, e creio que não existe, na imprensa, em todo o mundo, uma personalidade dedicada ao jornalismo que tenha tantas qualidades que se coadunem com o idealismo da figura criada por Miguel de Cervantes de Saavedra, entre as quais destacam-se a coragem, a intrepidez, o amor, a renúncia e a devoção à verdade.

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DIFERENÇAS ENTRE DÚVIDA REGISTRÁRIA E A DÚVIDA RELACIONADA À CONDIÇÃO DE HIPOSSUFICIÊNCIA DOS USUÁRIOS DOS SERVIÇOS EXTRAJUDICIAIS Elaine Garcia Ferreira

ARQUIVO PESSOAL

Oficial Registradora e mestre em Direito Tributário pela Universidade Cândido Mendes

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O

s ser viços extrajudiciais notariais e registrários são exercidos em caráter privado por delegação do poder público na forma da lei 8935 de 18/11/1994. Os notários e os registradores gozam de independência no exercício de suas atribuições e têm direito à percepção dos emolumentos integrais pelos atos praticados em seus serviços. Nesse contexto jurídico, notários e os registradores estão sob a égide dos princípios de direito público que são postulados fundamentais que inspiram todo o modo de agir da administração pública, norteando a conduta do Estado no exercício das atividades administrativas. A Constituição vigente em seu art. 37 dispõe expressamente sobre os princípios que devem ser observados por todas as pessoas administrativas de qualquer dos entes federativos, que revelam as diretrizes da administração como os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade pública, publicidade e eficiência. Concebidos os princípios como espécies das normas jurídicas, levam a análise dos atos que são praticados e que devem ser valorados em conformidade com as regras e os princípios que os informam. Como será oportunamente visto, a normatividade fundamental da atividade registral e notarial está na lei 6.015/73 e na aplicação dos objetivos fundamentais de publicidade, autenticidade, eficácia e segurança jurídica. O direito registral deixou de ser um apêndice do Código Civil para se constituir em ramo autônomo do direito com o objetivo certo e determinado: gerar segurança jurídica dos atos jurídicos. A Constituição Federal no art. 236 dispõe: “os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado por delegação do poder público”. O Estado presta o serviço público atribuindo a outras pessoas o encargo de executá-los na condição de delegados. São profissionais do direito dotados de fé pública. Não são servidores públicos, mas agentes públicos, como ensina Celso Antônio Bandeira de Mello 1. Os agentes delegados são particulares que recebem a incumbência de determinada atividade, obra e serviço público, e o realizam em nome próprio por sua conta e risco, mas segundo as normas do Estado e sob a permanente fiscalização do poder delegante. Em razão disso, o ato registral gera a ficção do conhecimento e sua realização (matrícula, registro ou averbação) gera publicidade garantindo a oponibilidade erga omnes aos direitos originados pelo ingresso do título no Fólio Real. A fé pública atribuída aos registradores afirma a certeza e a veracidade dos atos realizados, e os traslados e as certidões são

documentos representativos da fé pública. Um dos princípios fundamentais do registro imobiliário é o da continuidade do registro, impedindo o lançamento de qualquer ato registral sem existência do registro anterior, bem como obriga a menção das referências originárias, derivadas e sucessivas. A prioridade do registro está relacionado à preferência na realização do ato, à prioridade do direito real. Vale a máxima que diz: “O direito não socorre quem dorme”. Entre outros, temos os princípios da disponibilidade, da especialidade e da inscrição. O presente trabalho visa a estabelecer as semelhanças e diferenças entre dúvida registrária e dúvida relacionada à condição de hipossuficiência dos usuários dos serviços extrajudiciais. Em ambos os casos, o conceito semântico do vocábulo “dúvida” leva ao significado de incerteza, perplexidade, indecisão, é o estado de espírito de quem se interroga sobre se um fato é real ou não, sobre se uma proposição é verdadeira ou falsa 2 . Já o conceito jurídico-registral é totalmente diferente nos dois casos de dúvida mencionados. Em rigor, a dúvida registrária, no sentido material, é a objeção ou juízo de desqualificação (vale dizer desaprovação). Esse juízo, contudo, deve apoiar-se necessariamente em fundamentos3 e princípios que regem a atividade registral. A dúvida como procedimento positivado no art. 198 da lei 6.015/73 é inconfundível com relação à condição de hipossuficiência dos usuários dos serviços extrajudiciais porque se refere a um juízo de objeção registrária. Esse levantamento da dúvida é apresentado no diploma legal não como um benefício conferido ao oficial, mas como uma obrigação, integrando as funções do oficial que, por meio da dúvida em si mesma é a justificação promovida pelo oficial após o requerimento do registro de domínio sobre o bem imóvel, a respeito do indeferimento do mencionado registro e dirigida ao juiz competente de registros públicos para a correta formalização do procedimento. Os princípios da disponibilidade, especialidade e continuidade que norteiam os registros públicos, assegurando-lhes a confiabilidade dos mesmos, trazem a garantia e a segurança jurídica ao registro, podendo o oficial suscitar dúvida independentemente de ser o título judicial ou extrajudicial. Feitas as solicitações pelo oficial, ao requerente, in casu o apresentante, restarão três alternativas: 1) atender de pronto às exigências e ter seu registro efetuado o mais rápido possível, respeitando os fundamentos e princípios decorrentes do registro; 2) desistir do registro do título e negar a eficácia legal ao seu imóvel; 2007 JANEIRO • JUSTIÇA & CIDADANIA • 43


3) propor requerimento de suscitação de dúvida pelo oficial junto ao juízo competente a fim de dirimir as questões sobre o registro público ao qual aquele se encontra diretamente vinculado para decidir sobre o cabimento ou não das mencionadas exigências. Se não forem requeridas diligências, o juiz proferirá decisão no prazo de 15 dias com base nos elementos constantes dos autos. A natureza desse procedimento é administrativa, cujo julgamento “não impede o uso do processo contencioso competente”. A previsão do recurso de apelação contra a sentença da dúvida não implica o processo do procedimento. Não há coisa julgada material no procedimento de dúvida que tem natureza administrativa, mas pode cogitar-se a formação de coisa julgada formal (preclusão administrativa). Por outro lado, quando os atos notariais e registrais são isentos de pagamento dos emolumentos e da sua prática for requerida por qualquer dos assistidos pelas entidades como defensoria pública, fundações ou entidades sem fins lucrativos, o titular dos serviços registrais poderá, no prazo de 72 horas da apresentação do requerimento, suscitar dúvida fundamentada quanto à concessão da gratuidade, devendo encaminhá-la ao Juiz de Registros Públicos competente que a dirimirá (art. 38, parágrafo 1º da lei 3.350 de 29/12/99 e art. 159, parágrafo 3° da consolidação normativa da corregedoria Geral de Justiça). É importante estabelecer uma diferenciação entre a gratuidade dos atos registrais e a assistência jurídica gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos. A Constituição Federal dispõe o seguinte no art. 51: “o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos”. A expressão assistência jurídica que está acima transcrita significa assistência em juízo nos processos judiciais de jurisdição voluntária ou jurisdição contenciosa. José Afonso da Silva4, dissertando sobre o papel da defensoria pública e a defesa dos necessitados, enfatiza que os pobres ainda têm acesso precário à justiça e carecem de recursos para contratar advogado. A defensoria é instituição essencial à função jurisdicional do Estado incumbindo-lhe a orientação jurídica e a defesa em todos os graus dos necessitados. Essa gratuidade propriamente dita está restrita à prestação jurisdicional, não se aplicando as normas legais mencionadas aos serviços notariais. A lei 1.060 de 5/02/1950 estabelece normas para a concessão de assistência jurídica aos necessitados. O preceito legal à assistência judiciária é prestado aos necessitados na forma da lei. A própria lei em seu art. 44 • JUSTIÇA & CIDADANIA • JANEIRO 2007

9º dispõe que os benefícios da assistência judiciária compreendem todos os atos do processo até a decisão final do litígio em todas as instâncias. Quando a gratuidade está relacionada aos atos das serventias extrajudiciais, é preciso ressaltar que o presente estudo deve levar em conta a natureza jurídica desses atos e como são mantidos esses serviços. Os emolumentos têm natureza de taxa confor me entendimento do STF 5 , pagos pelos usuários do serviço, e o gerenciamento financeiro dos serviços notariais e de registros é de responsabilidade exclusiva do respectivo titular, inclusive no que diz respeito às despesas de custeio, investimento e pessoal de modo a manter a melhor qualidade na prestação dos serviços. Na Constituição Federal no art. 51 LXXVI, está expresso que são gratuitos para os reconhecidamente, a partir da regulamentação da lei 9.534, o registro de nascimento e a certidão de óbito. Nos termos da Carta Magna, a gratuidade se restringe aos dois casos. A lei 8.935 de 1994 que regulamenta o art. 236 da Constituição Federal estabeleceu que são gratuitos os assentos do registro civil de nascimento e de óbito. Outrossim, a lei estadual 3.350/99 no art. 43, inciso IV, dispõe que são gratuitos quaisquer atos notariais e ou registrais em benefício dos juridicamente necessitados, quando assistidos pela defensoria ou autoridade assistenciais, assim reconhecidos em lei desde que justificados. Nesse contexto jurídico, a exegese da lei é no sentido de que o titular, no uso de suas atribuições e na qualidade de delegatário do serviço publico, possui autonomia administrativa e independência no exercício de suas atribuições, podendo suscitar dúvida sobre a gratuidade que não esteja relacionada ao registro de nascimento e de óbito nos casos em que o beneficiário da gratuidade não seja hipossuficiente, ou seja, tenha condições econômicas para arcar com os emolumentos de determinado ato praticado pela serventia. Atribui-se essa à pessoa que é economicamente fraca, não auto-suficiente, o termo “hipossuficiente”. A condição de hipossuficiente depende do preenchimento de requisitos, legais e materiais, não constituindo garantia processual e nem direito subjetivo da parte assistida juridicamente. A hipossuficiência se apreende principalmente dentro da relação processual, pois visa a garantir o princípio da igualdade entre as partes no processo (como foi aqui mencionado). No caso específico das serventias extrajudiciais, o beneficiário da gratuidade não deve ter condições de arcar com os emolumentos; caso contrário, o oficial deve suscitar dúvida ao juiz competente se tiver comprovação ou não de que a


parte interessada não é hipossuficiente. É preciso ressaltar que o oficial deve ser um bom administrador no sentido de desenvolver a atividade registral para benefício da coletividade. Logicamente, as relações sociais vão ensejar, em determinados momentos, conflitos entre o interesse público e o privado, mas deve-se prevalecer sempre o público. A presente legislação não prevê a fonte de custeio para a compensação dos atos gratuitos, contrariando o disposto no parágrafo 2º do art. 112 da Constituição estadual, que reza que não será objeto de deliberação proposta que visa a conceder gratuidade em serviço público prestado de for ma indireta sem a correspondente indicação da fonte de custeio. É inconstitucional a instituição de serviços notariais gratuitos pelo legislador infraconstitucional sem que haja previsão da correspondente fonte de custeio, não havendo dúvida de que o legislador possa conceder a gratuidade para determinado serviço público delegado. A lei tem de proteger o livre exercício dos direitos do indivíduo e impedir que se atente contra eles. Não se pode transformar em instrumento de ambições diversas; ao contrário, deve-se reprimi-las e puni-las.

ARQUIVO PESSOAL

“É INCONSTITUCIONAL A INSTITUIÇÃO DE SERVIÇOS NOTARIAIS GRATUITOS PELO LEGISLADOR INFRACONSTITUCIONAL SEM QUE HAJA PREVISÃO DA CORRESPONDENTE FONTE DE CUSTEIO, NÃO HAVENDO DÚVIDA DE QUE O LEGISLADOR POSSA CONCEDER A GRATUIDADE PARA DETERMINADO SERVIÇO PÚBLICO DELEGADO.”

Para John Locke, a lei é uma conseqüência da vida, da liberdade e da propriedade. A lei não pode ser um instrumento da injustiça e nem destruir a individualidade por meio da escravidão; a liberdade, por meio da opressão; a propriedade, por meio da espoliação. A idéia da lei como resultado dos acontecimentos foi filosoficamente justificada pelo jurista Miguel Reale, que fez o mundo jurídico vergarse a seu aporte teórico ao estabelecer novas bases para teoria tridimensional do direito (fato, valor e norma). Reale 6 identificou a necessidade da existência de um “fato” para que a sociedade o transforme em “valor” a partir dos usos e costumes, e, se preciso, estabeleça a “norma” posteriormente transformada ou não em lei. A lei não pode gerar opressão e privação material de alguns indivíduos em prol de outros, devendo sempre levar em consideração os princípios da razoabilidade, proporcionalidade e da moralidade pública. Para José Joaquim Gomes Canotilho, o princípio da proporcionalidade dividese em três subprincípios: princípio da adequação, isto é, as medidas restritivas legalmente previstas devem revelar-se como meio adequado para a prossecução 2007 JANEIRO • JUSTIÇA & CIDADANIA • 45


dos fins visados pela lei (salvaguarda de outros direitos ou bens constitucionalmente protegidos); princípio da exigibilidade, ou seja, as medidas restritivas previstas na lei devem revelar-se necessárias porque os objetivos não podiam ser alcançados por outros meios menos onerosos para os direitos, as liberdades e as garantias; por fim, princípio da proporcionalidade em sentido estrito, o qual significa que os meios legais restritivos e os fins obtidos devem situar-se numa “justa medida”, impedindo-se a adoção de medidas desproporcionadas, excessivas em relação àqueles7. No Estado social de direito, as serventias têm uma função social fundamental e é imprescindível o seu papel no contexto social, cuja colaboração necessita de uma estrutura solidificada economicamente para que possa manter esse serviço sem comprometer sua qualidade e eficiência. Para isso, a própria Constituição estadual dispôs expressamente a necessidade da fonte de custeio como fez o art. 8º da lei federal 10.169 de 20/12/ 2000, o qual prevê a compensação concernente aos atos sujeitos à gratuidade a fim de estabelecer um equilíbrio social e justo nessa relação entre as serventias e os usuários do ser viço. Para se afastar a inconstitucionalidade da lei e garantir a gratuidade dos serviços, é necessária a criação de um fundo de compensação para o ressarcimento dos serviços graciosos. No estado de Minas Gerais, a lei 15.424/2004, em seu art. 31, dispõe sobre a compensação de todos os atos sujeitos à gratuidade estabelecida em lei federal 10.169/2000, sem ônus para o Estado. A dita compensação ao oficial do Registro Civil das Pessoas Naturais será realizada com recursos provenientes do recolhimento da quantia equivalente a 5,66% do valor dos emolumentos recebidos pelo notário e registrador. Esse recolhimento será feito mediante depósito mensal

em conta específica aberta em banco oficial e administrada pela comissão gestora, pelo sindicato dos oficiais do Registro Civil das Pessoas Naturais do estado de Minas Gerais, RECIVIL. A gestão e os devidos repasses dos recursos serão realizados por uma comissão gestora integrada por sete membros efetivos. No estado de São Paulo, a lei 11.331 de 26/12/2002 também prevê um fundo de compensação dos atos sujeitos à gratuidade, recebendo um reembolso para ressarcimento dos atos graciosos. Portanto, os princípios constitucionais da razoabilidade, proporcionalidade, da valorização do trabalho, da dignidade da pessoa e da isonomia são essenciais no Estado social de direito. Pode-se concluir que – sobre o estudo das semelhanças e diferenças entre dúvida registrária e dúvida relacionada à hipossuficiência dos usuários dos serviços extrajudiciais – deve-se levar em consideração que o Estado presta o serviço público atribuindo a outras pessoas o encargo de executá-lo na condição de delegados. Esses profissionais na qualidade de agentes públicos estão exercendo uma atividade que deve afirmar a certeza e a veracidade dos atos realizados. No caso de dúvida registrária, ocorre uma objeção ou juízo de desqualificação, embasada em princípios e fundamentos que regem a atividade. Quando se trata de dúvida relacionada à hipossuficiência dos usuários dos serviços públicos, havendo dúvida quanto à gratuidade oficial no uso de suas atribuições, pode suscitá-la ao juízo competente desde que não esteja relacionada ao registro de nascimento e de óbito. Os emolumentos têm natureza jurídica tributária, e a proposta para afastar a inconstitucionalidade e garantir a gratuidade dos serviços notariais é a criação de um fundo de compensação para o ressarcimento desses serviços.

NO TA S : OT MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros,1995. p.6. SAMPAIO, Almeida Costa e. Dicionário da Língua Portuguesa. 5a ed. 3 SARMENTO, Eduardo Sócrates Castanheira. A dúvida na Nova Lei de Registro Público. Ed. Forense, 1977. p.11 4 SILVA, |José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 19a ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2001. p. 45 5 Supremo Tribunal Federal: Pleno, RE nº 116. 208/MG, rel. min. Moreira Alves, j. em 20/04/1990, DJU de 08/06/ 1990; 1ºT., RE nº 189.736/SP, rel. min. Moreira Alves, j.em 26/031996, DJU de 27/09/1996; Pleno ADI nº 948/GO, rel. min. Francisco Rezek, j. em 09/11/1995, DJU de 17/03/2000, RTJ nº172/77. 6 REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito. 27a ed. São Paulo: Saraiva, 2002. p.64 e 65 7 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Constituição da República Portuguesa anotada. 3a ed. Coimbra: Almedina, 1993. p.152 1 2

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FÓRUM

CHRISTINA BOCAYUVA

Ivan Moreira, Antônio Oliveira Santos, Bernardo Cabral, Murta Ribeiro e Orpheu Santos Salles.

BERNARDO CABRAL DUPLAMENTE HOMENAGEADO O jurista e membro de nosso conselho editorial, Bernardo Cabral, recebeu, no último dia 20/12, uma dupla homenagem realizada no Rio de Janeiro, na sede da Confederação Nacional do Comércio. Da Câmara Municipal do Rio de Janeiro, representada pelo vereador Ivan Moreira, Cabral recebeu a Medalha de Mérito Pedro Ernesto, que lhe foi entregue pelo Governador do Amazonas, Eduardo Braga. Da revista Justiça & Cidadania, pelas mãos do desembargador Murta Ribeiro e do Presidente da CNC, Antônio Oliveira Santos, recebeu o significativo troféu “Dom Quixote de La Mancha” montado em seu corcel Rocinante (foto acima). A dupla e merecida homenagem ao ilustre Bernardo Cabral foi significativa pela presença de importantes personalidades no reconhecimento de um cidadão, que, em todas as atividades que exerceu e ainda exerce, demonstra amor e dedicação ao trabalho, ao povo e ao Brasil. O desembargador Murta Ribeiro, o advogado Técio Lins e Silva e o presidente da Academia Brasileira de Letras, Marcos Vilaça, traçaram ápices da carreira nacionalista de Bernardo Cabral, com destaque a seu comando do Conselho Federal da OAB e em sua firme atuação no Senado da República. O desembargador Marcus Faver, em admirável discurso, louvou a brilhante atuação do homenageado, motivando aplausos da platéia, principalmente do jornalista Hélio Fernandes e da vereadora Aspásia Camargo, que, emocionados, saudaram o eminente jurista. Finalizando, o homenageado, em seu agradecimento, lembrou passagens de sua vida pública, e, ao final, foi aplaudido de pé. 48 • JUSTIÇA & CIDADANIA • JANEIRO 2007


ASCOM/TJ-RJ

JUDICIÁRIO DO RJ DÁ POSSE A 12 DESEMBARGADORES VERÔNICA BACHINI, DO JORNAL DO COMMERCIO, 12/01/2006

A Justiça do Estado ganhou ontem 12 novos desembargadores, empossados pelo Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ), sendo oito juízes de carreira e quatro procuradores de Justiça procedentes do Ministério Público (MP), possibilidade garantida pelo Quinto Constitucional. A cerimônia foi conduzida pelo presidente do tribunal, Sergio Cavalieri Filho, que empossou, entre os novos desembargadores, sua filha Suimei Meira Cavalieri. O presidente do tribunal disse que a posse de 12 desembargadores de uma só vez quebra o protocolo, mas afirmou que era necessária para dar um bom andamento à Justiça do Estado. “Essa posse é a consumação de um projeto de eficiência do tribunal. Nosso volume de trabalho de 2004 para 2006 aumentou quase 30%. Hoje julgamos 40 mil recursos a mais que há dois anos com o mesmo número de desembargadores. No Rio de Janeiro não há aquela preocupação que existe em outros estados de não aumentar o número de desembargadores para não perder status. Acham que quanto mais desembargadores, menos status. Nós temos compromisso com a eficiência, por isso, hoje, nós somos o tribunal mais rápido do país”, disse Cavalieri. “O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro já é um dos mais céleres do País, e tem uma distribuição imediata, feita no mesmo dia, enquanto outros, como o de São Paulo, demoram até três anos para distribuir um processo. A implantação de mais duas câmaras cíveis vai dar andamento muito mais rápido à Justiça do Estado, proporcionando melhor atendimento à população”, afirmou o desembargador Cherubim Helcias Schwartz Júnior que falou em nome de todos os empossados. Os demais desembargadores são Fernando Fernady Fernandes (membro do MP), Carlos Eduardo Bouçada Tassara, Geraldo Luiz Mascarenhas Prado, Cairo Ítalo França David, Eunice Ferreira Caldas, Antonio Jayme Boente, Antonio Carlos Esteves Torres, Mônica Maria Costa Di Piero (membro do MP), Marília de Castro Neves Vieira (membro do MP) e José Augusto de Araújo Neto (membro do MP). 2007 JANEIRO • JUSTIÇA & CIDADANIA • 49


A INVASÃO DO DIREITO

ARQUIVO JC

Júlio Aurélio Vianna Lopes, autor do livro “A Invasão do Direito”.

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A

Fundação Getúlio Vargas publicou, recentemente, o livro “A invasão do Direito”, de autoria do pesquisador Julio Aurélio Vianna Lopes. A obra resume diversos fatos coletados pelo autor no setor de Pesquisa em Direito da Fundação Casa de Rui Barbosa sobre transformações importantíssimas e atuais do fenômeno jurídico no Brasil e nos principais países ocidentais. O trabalho revela, de modo surpreendente, uma expansão dos vários ramos do direito (público e privado) sobre áreas tradicionalmente reservadas aos campos da política, do mercado e da moralidade social. Visto que o tema é bastante abrangente, qualquer operador do direito encontrará nesse trabalho aspectos no mínimo interessantes sobre a aplicação de normas jurídicas com as quais se familiarizou durante seu exercício profissional. Júlio Aurélio Vianna Lopes também elencou as várias soluções que os diversos países têm adotado na adaptação – principalmente de suas instituições jurídicas – necessária para o equacionamento dos novos conflitos institucionais e sociais que marcam a evolução contemporânea. É um trabalho histórico, sociológico, político e jurídico, cujo conhecimento reputo é fundamental para qualquer cidadão, principalmente os magistrados, membros do Ministério Público, defensores públicos e advogados da área pública e privada, que, obviamente, lidam, diariamente, com o equacionamento de relações jurídicas. Enfim, as pesquisas expostas no livro ainda se debruçam de modo rigoroso sobre os temas trazidos pelas novas gerações de direitos (chamados pelo autor de “promocionais”), cuja originalidade histórica naturalmente instiga e atormenta os operadores jurídicos, dado que consistem em faculdades humanas que transitam nas várias esferas públicas e privadas, tornando mais difícil seu enquadramento, inclusive em nosso país. Sendo, pois, uma obra que revela, em termos práticos e científicos, a realização progressiva do que o saudoso Norberto Bobbio chamou de “Era dos Direitos”, merece leitura e debate por todos que se interessam pelo contínuo fortalecimento do direito.




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