Revista Justiça & Cidadania

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Edição 158 • Outubro 2013


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Justiรงa & Cidadania | Outubro 2013


S umário Foto: Fellipe Sampaio/SCO/STF

Capa – O novo Procurador-Geral

16 da República 6

Editorial – Não deixem a Justiça morrer!

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Há precarização na mão de obra terceirizada?

A conciliação e a mediação como instrumentos para a desjudicialização

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A Justiça Militar deve ser tratada com justiça

Competência do oficial de registro do Cartório de Títulos e Documentos

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Interrupção da gravidez: uma questão de direitos humanos

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A força dos precedentes e da jurisprudência no CPC projetado

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Distribuição dinâmica do ônus da prova

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Incidência de imposto de renda nos juros de mora: conflito entre STJ e TST

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O eco das ruas ou a afirmação de um novo sujeito constitucional

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Dom Quixote – Quando o consumidor sai ganhando

Foto: Marcelle Martins

Foto: Arquivo pessoal

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Ombudsman de bancos e desjudicialização

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Em Foco – Ministro Joaquim Barbosa e

2013 Outubro | Justiça & Cidadania Lázaro Brandão em premiação da ACRJ 3


Edição 158 • Outubro de 2013 • Capa: Antonio Augusto / PGR

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E ditorial

Não deixem a Justiça morrer!

O

“Toquei a finados porque a Justiça está morta.” José Saramago Escritor português (prêmio Nobel)

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escritor português José Saramago, prêmio Nobel de Literatura, em um dos seus contos, fala de um aldeão, que na sua pequena povoação, apresentou-se na sua igreja e se pôs a tocar o sino; a sua ação causou surpresa e espanto entre os seus, porque o seu tanger melancólico ocorria somente por ocasião de enterros. O inusitado levou os entes do burgo ao adro da igreja, inquirindo o camponês, que respondeu: “Toquei a finados porque a Justiça está morta.” (Sobre o conto de Saramago, recomendo a leitura da página 45 com o pronunciamento feito na Associação Comercial do Rio de Janeiro pelo Desembargador Marcus Faver, nas homenagens prestadas ao venerando senhor Lázaro Brandão e ao Ministro Joaquim Barbosa). Os momentosos acontecimentos que espocaram em todo o país a partir de junho passado levando as multidões às ruas e praças em ruidosas manifestações de protesto e reclamações, acusando acintosamente o poder público e as autoridades, com pesadas acusações de atos de improbidade administrativa dirigida contra os políticos em geral, vieram dar força com a condenação de todos os réus acusados de corrupção e demonstrar a insatisfação generalizada a realçar ainda mais a expectativa da população sobre a finalização do julgamento do Mensalão. O Judiciário atravessa no momento, no bojo da instituição republicana que vivencia, uma delicada situação decorrente dos reflexos e das injunções demandadas pela finalização do julgamento do “Mensalão”, cujas consequências, se alterados os resultados das condenações já aplicadas, redundarão na perda do colossal conceito e

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Foto: Sandra Fado

do grandioso prestígio alcançado pelo Judiciário perante a nação. A perda da tranquilidade que a questão infunde é a dúvida da sociedade, que se queda perplexa com a postergação do julgamento e a expectativa da evidente impunidade. As oportunas preocupações do eminente presidente do Supremo Tribunal Federal deixam-nos um laivo de tristeza e amargor com a possibilidade de que venha a ocorrer qualquer modificação que, justificada pelo plenário do STF, venha a trazer no seu bojo, por pequena parte que seja, modificação das penas aplicadas aos corruptos políticos, propiciando no ânimo e na esperança da sociedade o desencanto do alto prestígio e da conceituação alcançados pela Justiça. É fora de dúvida que o resultado da aceitação dos embargos infringentes, que absolutamente não era o esperado, motivando o silêncio aparente da multidão – pelo menos até agora –, está a demonstrar que os efeitos das abundantes manifestações havidas sobre a garantia dos direitos de defesa como assegurados na lei, no regimento interno do Supremo Tribunal Federal e, sobretudo, na Constituição Federal, serviram também de motivo para arrefecer na sociedade os esperados propósitos condenatórios. A brilhante, magnífica e didática fundamentação produzida e sustentada com ênfase pelo decano do STF, Ministro Celso de Mello, diante da clara e objetiva argumentação defendendo a aceitação dos embargos infringentes como direito implícito e inarredável da defesa dos réus, serviu, como os acontecimentos posteriores estão demonstrando, à aceitação e à

compreensão dada ao seu voto e, consequentemente, ao julgamento, salvo, é claro, que venham a surgir novos fatos a despertar o recrudescimento da população pela condenação dos réus do “Mensalão”. As críticas contra a aceitação dos referidos embargos defendida pelo Ministro Celso de Mello, felizmente, ficaram limitadas à pequena escaramuça popular em Brasília diante do edifício do Supremo Tribunal Federal, ao contrário do ocorrido com a mídia, dada a grande quantidade de objeções formuladas, entre as quais a mais preocupante pela projeção pejorativa do significado feita pelo jornalista Fernando Lara Mesquita, do Estadão, com o contundente e depreciativo reparo: “Agora, depois da aceitação dos embargos infringentes, só resta a imprensa”, dito na festividade da 11a edição do Prêmio Comunique-se, que homenageou, entre outros renomados jornalistas, os recém-falecidos Ruy Mesquita e Roberto Civita, diretores respectivamente do jornal O Estado de São Paulo e da revista Veja, com o título de Mestres do Jornalismo. O próprio Ministro Celso de Mello sentiu e reclamou da ostensiva pressão sofrida através da mídia, como declarou em entrevista à jornalista Mônica Bergamo, da Folha de S. Paulo, cujos principais tópicos transcrevemos a seguir: Foi algo incomum. Eu, honestamente, em 45 anos de atuação na área jurídica, como membro do Ministério Público e juiz do STF, nunca presenciei um comportamento tão ostensivo dos meios de comunicação sociais buscando, na verdade, pressionar e virtualmente subjugar a consciência de um juiz. Eu imaginava que isso [pressão da mídia para que votasse

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contra o pedido dos réus] pudesse ocorrer e não me senti pressionado. Mas foi insólito esse comportamento. Nada impede que você critique ou expresse o seu pensamento. O que não tem sentido é pressionar o juiz. Essa tentativa de subjugação midiática da consciência crítica do juiz mostrase extremamente grave e por isso mesmo insólita. Há alguns que ainda insistem em dizer que não fui exposto a uma brutal pressão midiática. Basta ler, no entanto, os artigos e editoriais publicados em diversos meios de comunicação social (os mass media) para se concluir diversamente! É de registrar-se que essa pressão, além de inadequada e insólita, resultou absolutamente inútil. É muito perigoso qualquer ensaio que busque subjugar o magistrado, sob pena de frustação das liberdades fundamentais reconhecidas pela Constituição. É inaceitável, parta de onde partiu. Sem magistratura independente, jamais haverá cidadãos livres. A liberdade de crítica da imprensa é sempre legítima. Mas às vezes é veiculada com base em fundamentos irracionais e inconsistentes. Abordagens passionais de temas sensíveis descaracterizam a racionalidade inerente ao discurso jurídico. É fundamental que o juiz julgue de modo isento e independente. O que é o direito senão a razão desprovida da paixão?

As declarações que o eminente decano do STF fez à mídia discorrendo com observações críticas sobre o papel e o dever implícito da imprensa em participar e opinar sobre ocorrências e fatos, que interferem em assuntos que extrapolam e conflitam com a realidade republicana que vivenciamos, refletem por certo a sua preocupação pela responsabilidade e pela obrigação judicante de continuar atuando na Ação Penal 470, cuja participação anterior com as cáusticas acusações formuladas constituíram-se nas mais virulentas pronunciadas contra os réus. O Ministro Celso de Mello sabe e tem conhecimento dos desejos de milhões de brasileiros que acompanharam e acompanham, com interesses variados, o desenrolar do julgamento e inclusive, das af lições e esperanças dos réus do “Mensalão” e seus inconformados companheiros do partido, motivando uma pressão intensa e generalizada, tanto da maioria da sociedade que ansiava pelo justiçar dos réus, como dos hermeneutas que buscavam e apresentam argumentos jurídicos para novas interpelações de leis e do direito. É óbvio que, ao voto de desempate proferido no julgamento dos embargos infringentes, não há mais o que discutir por constituir como recomenda o Estado Democrático de Direito que vivenciamos. Há que 8

se aguardar o desenrolar do julgamento para que as questões de direito pendentes de apreciação na alta Corte continuem cumprindo o rito dos processos que abarrotam os gabinetes dos ministros. O alto conceito, o respeito e a admiração reconhecidos pela população à Justiça, no decorrer e após o julgamento do “Mensalão”, graças principalmente à abertura pública através dos julgamentos transmitidos pela televisão, persistirão apesar da frustação ocorrida com o voto majoritário do Ministro Celso de Mello. As fundamentações e os argumentos defendidos pelo decano, apesar das contrariedades das críticas e posições da mídia, pelo que se notou até o momento, não chegaram a abalar o prestígio alcançado pelas participações até acirradas dos eminentes juristas que participaram dos debates. Os eloquentes debates televisionados do julgamento da referida Ação Penal 470, propiciados pelas firmes posições do relator e do revisor, ministros Joaquim Barbosa e Ricardo Lewandowski, produziram no seio da sociedade profundas opiniões que na sua grande maioria optavam pela condenação dos réus. Entretanto, a aceitação dos embargos infringentes provocou um clima de hostilidade e desapontamento na opinião pública, realçado pelas cruentas manifestações propagadas pela mídia, o que veio a refletir consequentemente na descrença de que as penas já aplicadas aos réus não serão mantidas, causando o descrédito e desprestígio da justiça. Diante desses fatos, que consideramos negativos para a manutenção e a conceituação da justiça como ocorria antes da aceitação dos embargos infringentes, vem-nos à mente o conto de Saramago sobre o aldeão que pregava a morte da justiça que nos faz predizer o que jamais poderá acontecer. Assim, torna-se obrigação de todos quantos admiram e respeitam essa admirável instituição, símbolo representativo maior que é do Estado Democrático de Direito e garantia máxima do cidadão, como definido na Constituição Federal, sejam homens ou mulheres, civis, militares ou a profissão que tiverem, máxime os incluídos operadores do direito, na obrigação inarredável de não permitir, sob quaisquer circunstâncias, de lutar com todos os meios e condições possíveis para que NÃO DEIXEM A JUSTIÇA MORRER!

Orpheu Santos Salles Editor

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Ombudsman de bancos e desjudicialização

Sidnei Beneti

Ministro do STJ

Foto: Geraldo Magela/Agência Senado

A primeira vez em que ouvi falar de Ombudsman de Bancos foi em jantar na residência do professor Klaus Hopt, da Universidade de Hamburgo, ex-diretor do Instituto Max Planck para Direito Privado Internacional, na mesma cidade. Lamentava eu da quantidade de recursos referentes a contratos bancários, distribuídos à Seção de Direito Privado do Superior Tribunal de Justiça. Recursos relativos a correção monetária, expurgos inflacionários, acréscimos bancários como juros, comissão de permanência, taxas de emissão de documentos em contas-correntes bancárias e matérias semelhantes chegam a assombroso volume que se deve estimar em uns 40% do número de recursos que acorrem à mesa de trabalho de cada um dos ministros da Seção de Direito Privado do Superior Tribunal de Justiça. Cada ministro tem recebido, na Seção de Direito Privado, cerca de 1.300 processos novos por mês, havendo meses em que chegaram a 1.700. Evidentemente, impossível dar vazão imediata e com a motivação detalhada desejável a essa quantidade de recursos, mesmo com o apoio das notoriamente qualificadas assessorias de ministros. Não se trata de atraso, mas apenas de conseguir julgar o que ingressa. Ademais, essa massa de casos obstaculiza a dedicação do Tribunal à célere resposta jurisdicional a questões relativas à interpretação das grandes teses nacionais de interesse para toda a sociedade para as quais foi criado e é constitucionalmente competente, o

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Superior Tribunal de Justiça, segundo o art. 105, §3o, da Constituição Federal. É preciso aplicar soluções modernas no enfren­ tamento da quantidade de processos, sob pena de se frustrar a missão constitucional do Tribunal, que é definir as grandes teses para a sociedade, deixando a solução dos problemas individuais miúdos para os Tribunais Estaduais e os Tribunais Regionais Federais. O Superior Tribunal de Justiça, assim como o Supremo Tribunal Federal, o Tribunal Superior do Trabalho e o Tribunal Superior Eleitoral, não pode mais ser utilizado como revisor de todos os julgamentos individuais proferidos por todos os Tribunais do País nas suas áreas de competência. Com o foco na massa de processos bancários, em geral movidos por consumidores de serviços bancários, busquei pesquisar como ocorre o trabalho do Ombudsman de Bancos Privados na Alemanha. Visitei, mediante apresentação do professor Klaus Hopt, a Verband der deutschen privaten Banken, em Berlim, e quando da realização de curso de juízes, organizado pelo Conselho da Justiça Federal na Alemanha, foi possível promover contato do jurista Thorsten Hoesch, incumbido da gestão do Ombudsman, com o coordenador da Justiça Federal, Ministro João Otávio de Noronha – dedicado estudioso do sistema bancário. O sistema de Ombudsman setorial é de enorme utilidade na desjudicialização, verdadeiro anseio da sociedade brasileira, que amarga as consequências do “tsunami” processual judicial. Existe já naquele país também para outros setores além do bancário. Pode também ser utilizado entre nós para outros setores responsáveis por indesejada massa de judicialização de casos concretos. Será útil, ainda no campo do Direito Privado, e além do âmbito bancário, à solução de controvérsias em casos de demandas referentes a seguros, planos de saúde, financiamentos, previdência privada, responsabilidade perante o consumidor e semelhantes, casos estes que, embora sem socorro estatístico de rigor, devem alçar a cerca de 70% do volume de recursos na Seção de Direito Privado do Superior Tribunal de Justiça. Como funciona o Ombudsman dos Bancos Privados na Alemanha? O serviço administrativo é centralizado em Berlim. É mantido como atividade privada pela Verband der deutschen privaten Banken, uma espécie de Febraban alemã, sem ônus para o Estado. É designado, em cada caso concreto, para o julgamento da reclamação, como Ombudsman, um de sete ex-juízes, aposentados de Tribunais alemães, inclusive Tribunais Superiores, pessoas de grande respeitabilidade pessoal e jurisdicional no meio jurídico, notórios co10

“Entre nós, o sistema de Ombudsman setorial poderia ser instituído com evidente utilidade na área do Direito Privado. E, na área pública, poderia ser criado nas Agências Reguladoras para a capilaridade da concretização das regulamentações por elas operadas.“

nhecedores do sistema dos negócios bancários, cujas opiniões jurídicas tendem a ser acatadas por si sós, e geralmente o são. O caso começa com reclamação mediante o preenchimento de formulário posto à disposição dos interessados nas diversas agências bancárias pertencentes ao sistema, o qual abrange, como dito, os bancos privados. Diante da reclamação do cliente consumidor, e caso não seja ela solucionada pelo departamento de atendimento a clientes do próprio banco, é essa reclamação enviada ao escritório central do Ombudsman em Berlim, o qual determina a ouvida do banco. Manifesta-se o banco reclamado por intermédio do seu representante para o setor. Reclamante e reclamando oferecem os documentos de que dispõem quando da primeira manifestação para o Ombudsman. Em seguida, sem reuniões, sem sessões de julgamento, sem mais atividades burocráticas, a reclamação, a resposta e os seus documentos são enviados ao local de trabalho do Ombudsman designado para o caso, muitas vezes a própria residência, onde se situe. Este, o Ombudsman, estuda o caso e redige a decisão, geralmente em poucas páginas e na linguagem mais clara possível. O escrito ostenta clareza objetiva, sem preocupação de citações doutrinárias ou jurisprudenciais alongadas; limita-se ao necessário à fundamentação e vai direto ao assunto, ao núcleo da questão posta sob a apreciação jurídica. Em seguida, o Ombudsman devolve, também pelo correio ao escritório de Berlim, a sua decisão, recebendo os

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honorários da mantenedora do Ombudsman, a Verband der deutschen privaten Banken. O que acontece depois da manifestação do Ombudsman? Se o Ombudsman reconheceu o direito do consumidor reclamante, e o valor pleiteado não passa de cinco mil euros, que correspondem atualmente no Brasil a cerca de R$ 16.000,00, a decisão é vinculante para o banco, que tem de depositar na conta bancária do reclamante, seu correntista ou de outro banco, o valor correspondente. Se o banco foi o vencedor, pode o reclamante ingressar em juízo, descontando-se do prazo de prescrição o tempo consumido para a manifestação do Ombudsman, acrescido o prazo de prescrição, de mais seis meses, tempo presumido necessário para contratar advogado e ajuizar a ação judicial. Pode haver acordo, recebendo o reclamante o valor de até cinco mil euros diretamente caso o direito reconhecido pelo Ombudsman ultrapasse esse valor. Na reclamação ao Ombudsman, o consumidor pode ser representado por advogado, mas, nesse caso, os honorários serão os acertados entre o reclamante e o advogado, não havendo sucumbência para o banco reclamado. Informa-se que o percentual de soluções é enorme. De qualquer maneira, não há custo para o Estado alemão e reduz-se o volume de ajuizamentos judiciais. Tudo indica tratar-se de um bom sistema alternativo de solução de controvérsias, de esclarecimento público e de efetividade dos direitos, além de permitir a mobilização de consumidores em prol da realização dos próprios direitos perante a parte que os tenha lesado, com a vantagem de promover a adequada interação entre os participantes diretos do negócio jurídico, que são o consumidor e o banco. Um simples, objetivo e concreto instrumento de benfazeja desjudicialização. Evidentemente, o Ombudsman trabalha com jurisprudência formada pelos Tribunais estatais. Observa-se, naturalmente, o caminho seguinte: na Justiça Estatal, inclusive nas questões de maior relevo, o BGH – o Bundesgerichtshof, equivalente alemão ao Superior Tribunal de Justiça –, dá a última palavra em matéria infraconstitucional reservadas as questões constitucionais para o BVG – o Bundesverfassungsgericht, a Corte Constitucional alemã –, que fixa as teses nos casos concretos que lhe são submetidos. Daí em diante, nos casos concretos novos, o julgamento e a satisfação do direito se abrem à atuação do Ombudsman, evitando-se a vinda de questões individuais a juízo e a nova subida da massa de casos concretos até o BGH – Bundesgerichtshof. Outros setores já instituíram análogo sistema de Ombudsman na Alemanha, destacando-se o setor securitário e já se informando, inclusive, a formação de

Ombudsman para setores até mesmo variados, como o da prestação de serviços. Entre nós, o sistema de Ombudsman setorial poderia ser instituído com evidente utilidade na área do Direito Privado. E, na área pública, poderia ser criado nas Agências Reguladoras para a capilaridade da concretização das regulamentações por elas operadas. No âmbito privado, o Ombudsman está praticamente “pedindo” para ser criado para contratos de financiamentos bancários, seguros, planos de saúde, previdência privada e outras situações de massa que lidam diretamente com direitos do cidadão. No Brasil, a experiência jurisdicional permite pensar que o valor das indenizações fixadas em juízo para esses casos, na maioria das vezes, não ultrapassa aquele valor estabelecido pela legislação alemã para o Ombudsman dos bancos privados, ou seja, cinco mil euros, aproximadamente R$ 16.000,00 na atualidade, fato que pode ser constatado à vista dos casos julgados na Seção de Direito Privado do Superior Tribunal de Justiça. “As coisas estão no mundo, só que eu preciso aprender”, diz a sabedoria da canção popular. Deve-se observar o que se faz com sucesso naqueles sistemas estrangeiros que efetivamente resolveram o problema judiciário do volume de processos – não em outros que o complicaram ou que os verbalizaram teoricamente sem solução concreta nenhuma! – para se chegar a soluções positivas. Frise-se bem: devem-se examinar os efeitos concretos de práticas estrangeiras para ver se resolveram efetivamente as questões judiciárias antes de transpô-las para o nosso dia a dia, descartando-se o que, em vez de resolver o problema, possa vir a mais agravá-lo. E teorizações inúteis, proposições abstratas intermináveis, que, perdido o foco, geram verdadeiro tormento processual prévio apto a alongar os processos por lustros ou décadas, têm de ser prontamente descartadas. Convém relembrar sempre que a judicialização só se justifica para a realização concreta de direitos que não possam ser por outros meios reestabelecidos. É claro que há, e houve na Alemanha, objeções de diversas naturezas jurídicas a esse Ombusman. Objeções do tipo que, como estamos cansados de ver, são aptas a impedir a experimentação – do tipo narrado por Brecht no livro A vida de Galileu Galilei, vindas de astrônomos eminentes que se recusavam a pôr os olhos nas lentes de observação celeste para não verem os movimentos de Júpiter, que, por dogma, já haviam proclamado que não se movia! Não custa experimentar o Ombudsman de Bancos. Buscar soluções concretas novas, relembre-se, faz parte da missão do jurista.

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Há precarização na mão de obra terceirizada? Emannoel Pereira

egundo a doutrina, o conceito de terceirização está ligado ao fenômeno de transferências de certas atividades periféricas de um estabelecimento empresarial para empresas distintas e especializadas. Pela terceirização, adota-se um modelo distinto da clássica relação bilateral entre empregado e empregador, em que o trabalho prestado se dá em benefício do tomador de serviços por intermédio da pessoa interposta, sendo formado o vínculo de emprego entre a última e o trabalhador. Com efeito, tal relação caracteriza-se pelo caráter triangular ou trilateral. Exatamente por possuir caráter distinto, a terceirização sofre restrições na doutrina e na jurisprudência trabalhista. Esse embate é motivado pela legislação escassa sobre a matéria, em confronto com a ampliação constante da terceirização de serviços nos setores produtivo e estatal. No Brasil, os primeiros diplomas legislativos que dispuseram sobre a terceirização de serviços datam do final da década de 60 e do início da década de 70. Tais leis dizem respeito apenas ao segmento estatal, estimulando a prática de descentralização administrativa por intermédio da contratação de empresas do setor privado para a execução de serviços meramente operacionais ou executivos. Naquela época, foi regulamentado o trabalho temporário, definido como o decorrente da substituição eventual de empregado da tomadora de serviços ou para executar atividades decorrentes do acréscimo extraordinário de trabalho. Tal forma de terceirização tem como singularidade o caráter temporário da prestação de serviços. Já na década de 1980, foi permitida a terceirização permanente de serviços de vigilância ao segmento bancário da economia, mas em 1994 passou a admitirse a terceirização de vigilância patrimonial de qualquer 12

Foto: Fellipe Sampaio/TST

S

Ministro do TST

instituição e estabelecimento público ou privado, inclusive de pessoas físicas, além do transporte ou da garantia do transporte de qualquer tipo de carga. Naquele mesmo ano, também foi acrescido o parágrafo único ao artigo 442 da CLT, dispondo que “qualquer que seja o ramo de atividade da sociedade cooperativa, não existe vínculo entre ela e seus associados, nem entre estes e os tomadores de serviços daquela.” Do breve relato, percebe-se que o ordenamento jurídico não acompanhou a constante ampliação da utilização de tal prática no mercado de trabalho, o que provocou debates nas Cortes Laborais, especialmente no Tribunal

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Superior do Trabalho, responsável pela uniformização da jurisprudência trabalhista no país. Assim, ainda na década de 1980, foi editada a Súmula no 256 do TST, cuja redação permitia concluir que “(1) a regra geral de contratação mantinha-se pelo padrão empregatício da CLT; (2) eram exaustivas as hipóteses de terceirização de atividades; e (3) as contratações fora das hipóteses das Leis nos 6.019/74 e 7.102/83 implicavam na formação de vínculo de emprego entre o trabalhador e o tomador de serviços.” Tendo em vista as lacunas do ordenamento jurídico e da Súmula no 256, o TST editou a Súmula no 331, com escopo de revisar o antigo verbete. Após sucessivas adequações e em observância ao decidido pelo Supremo Tribunal Federal – STF quando do julgamento da ADC 16/DF, o Tribunal Superior do Trabalho conferiu a seguinte redação à Súmula no 331 do TST: CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. LEGALIDADE (nova redação do item IV e inseridos os itens V e VI à redação) – Res. 174/2011, DEJT divulgado em 27, 30 e 31/5/2011. I – A contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o vínculo diretamente com o tomador dos serviços, salvo no caso de trabalho temporário (Lei no 6.019, de 3/1/1974). II – A contratação irregular de trabalhador, mediante empresa interposta, não gera vínculo de emprego com os órgãos da Administração Pública direta, indireta ou fundacional (art. 37, II, da CF/1988). III – Não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços de vigilância (Lei no 7.102, de 20/6/1983) e de conservação e limpeza, bem como a de serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, desde que inexistentes a pessoalidade e a subordinação direta. IV – O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços quanto àquelas obrigações, desde que haja participado da relação processual e conste também do título executivo judicial. V – Os entes integrantes da Administração Pública direta e indireta respondem subsidiariamente, nas mesmas condições do item IV, caso evidenciada a sua conduta culposa no cumprimento das obrigações da Lei no 8.666, de 21/6/1993, especialmente na fiscalização do cumprimento das obrigações contratuais e legais da prestadora de serviço como empregadora. A aludida responsabilidade não decorre de mero inadimplemento das obrigações trabalhistas assumidas pela empresa regularmente contratada.

VI – A responsabilidade subsidiária do tomador de serviços abrange todas as verbas decorrentes da condenação referentes ao período da prestação laboral.

Realizadas tais considerações sobre a Súmula no 331 do TST, passa-se ao exame de casos em que a incidência do referido verbete é mitigada. Inicialmente, é interessante abordar o caso da responsabilização subsidiária do tomador de serviços no caso de contrato de empreitada ou obra certa. O TST, por meio da sua Subseção I Especializada em Dissídios Individuais (SBDI-1), editou a Orientação Jurisprudencial no 191, consolidando, originalmente, o entendimento de que, “diante da inexistência de previsão legal, o contrato de empreitada entre o dono da obra e o empreiteiro não enseja responsabilidade solidária ou subsidiária nas obrigações trabalhistas contraídas pelo empreiteiro, salvo sendo o dono da obra for uma empresa construtora ou incorporadora.” Os precedentes que a originaram partem do pressuposto de que, no contrato de empreitada, o empreiteiro obriga-se a executar obra certa, ao passo que o dono da obra se compromete a pagar o preço acordado, objetivando apenas o resultado do contrato. A incidência da Súmula no 331, IV, é afastada por não guardar similitude com a relação mantida entre empreiteiro e dono da obra. Outro caso diz respeito ao contrato de facção. Por tal pacto, de natureza civil, as contratantes objetivam o fornecimento de produtos acabados. Quando não fica caracterizada a ingerência da contratante, tampouco a exclusividade da prestação de serviços, as turmas do TST afastam a responsabilidade subsidiária do estabelecimento comercial tomador dos serviços, concluindo pela não incidência do item IV da Súmula no 331, pois não se verificam a culpa in eligendo e a culpa in vigilando da tomadora de serviços. Um debate que havia no TST girava em torno da responsabilidade subsidiária de ente estatal no caso de convênio firmado com entidade privada para execução de atividade de fomento. A controvérsia estava em definir se o fato da relação jurídica mantida entre a Administração Pública com as associações para a fomentação de serviços de saúde afastaria a responsabilidade do ente estatal na medida em que, ao contrário dos contratos administrativos em que os interesses da Administração Pública e os do contratado são antagônicos, nos convênios os objetivos são comuns, ligados às atividades de fomento. No julgamento da AR-13381-07.2010.5.00.0000, a Seção de Dissídios Individuais do TST, reunida em composição plena, acompanhando meu voto divergente, decidiu, por maioria, que a atribuição de responsabilidade subsidiária a

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Foto: Arquivo pessoal

Ministro Emannoel Pereira, do TST

ente público, pelo inadimplemento de obrigações trabalhistas decorrentes de convênio firmado com instituições privadas, não viola dispositivo constitucional. Nessa hipótese, a análise da responsabilidade subsidiária também irá obedecer aos parâmetros delineados pelo STF e pelos itens IV e V da Súmula no 331 do TST. Por fim, oportuno registrar o embate sobre a possibilidade de empresas concessionárias de telecomunicações e de energia elétrica terceirizarem serviços ligados à sua atividade-fim com assento na legislação aplicável, a saber: Lei no 8.987/95 (Lei Geral de Concessões e Permissões) e Lei no 9.472/97 (Lei Geral de Telecomunicações), em seus artigos 25, § 1o, e 94, II, respectivamente. O cerne do debate nos Tribunais Trabalhistas está em definir se tais dispositivos de lei, ao possibilitarem a contratação de terceiros para atividades inerentes, permitiram a terceirização de atividade-fim das empresas concessionárias de telefonia e de energia elétrica. Em que pese a existência de teses em sentido contrário, entendo que as leis não autorizam a terceirização de atividade-fim das empresas concessionárias de serviços de telefonia e de energia elétrica, uma vez que devem se harmonizar com os artigos 2o e 3o da CLT. Veja que o legislador ordinário, ao se referir a “atividades inerentes”, na legislação em comento, para permitir a 14

contratação de empregado mediante empresa interposta, valeu-se de expressão vaga e imprecisa. Daí não se poder atribuir aos aludidos dispositivos uma interpretação puramente gramatical, ampliativa, como o vocábulo aparentemente sugere, de modo a concluir que a concessionária de serviço público possa contratar empregados mediante o processo de terceirização para prestar-lhe serviços em sua atividade-fim sob o risco de se incorrer em colisão com as normas que regem o Direito do Trabalho. Quanto às empresas concessionárias de serviços de telefonia, a SBDI-1 concluiu, em março deste ano, pela ilicitude desse tipo de terceirização. Também deve ser ressaltado que esse entendimento é extensível às empresas concessionárias de energia elétrica, conforme demonstram as inúmeras decisões (precedentes) originárias das turmas do TST. Todavia, a controvérsia está longe de terminar, pois o Supremo Tribunal Federal deferiu medida liminar na Rcl. 10132 para suspender os efeitos de acórdão proferido pela 3a Turma do TST, até o julgamento final da Reclamação, de modo que a última palavra sobre o assunto será da Suprema Corte. Mais um ponto polêmico sobre essa matéria é o Projeto de Lei no 4.330/2004, da Câmara dos Deputados, que dispõe sobre o contrato de prestação de serviços a terceiros e as relações de trabalho dele decorrentes.

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“Em suma, seja qual for a modalidade, há limites para se tolerar a prestação de trabalho terceirizado, cabendo ao aplicador e intérprete da lei, diante de tal cenário, valer-se dos demais métodos de interpretação para perscrutar a extensão e o alcance dos fins colimados pela norma, de modo a compatibilizá-la com os demais ramos do direito, mormente com os princípios de ordem pública que regem as relações de trabalho.”

Na forma do projeto, estar-se-ia a admitir a prática da terceirização irrestrita, o que implicaria na sonegação de direito dos trabalhadores com graves prejuízos para a ordem jurídico-econômica ante a negação de garantias constitucionalmente asseguradas, tais como a da dignidade da pessoa humana, a dos valores sociais do trabalho, a do princípio da não discriminação e a da isonomia. A empresa tomadora, ao contratar irrestritamente trabalhadores para desempenhar atividades terceirizadas, beneficia-se de sua força de trabalho sem, em tese, com eles formar qualquer vínculo, podendo este expediente se converter em mera manobra para a burla das normas de proteção ao Direito do Trabalho, pois permite que se chegue ao cúmulo de se ter pessoa jurídica constituída unicamente de seu quadro societário, sem um único empregado, uma vez que todos os postos de trabalho decorrentes desse empreendimento serão preenchidos com mão de obra terceirizada. A terceirização irrestrita implica, pois, enfraquecimento das instituições do Direito do Trabalho. Fragmentados no ramo da mesma atividade econômica, os trabalhadores, ditos terceirizados, não participam do mesmo sindicato, o que lhes retira o poder de negociação coletiva. Aliada a essa pulverização, tais empregados deixam de auferir os mesmos salários do tomador, o que fere os princípios da isonomia (7o, XXX, CF) e da não discriminação (7o, XXXI, CF) – prestação de trabalho igual, salários diferentes –, bem como de eventual participação nos lucros (art. 7o, XI, CF), garantias asseguradas ao trabalhador pelo texto constitucional. Não se pode, também, perder de vista que a Constituição Federal, ao primar pelo reconhecimento dos valores sociais do trabalho (art. 1o, IV), está a acenar que a força de trabalho emprestada pelo empregado à atividade precípua do empreendedor, na hipótese de lucros (art. 7o, XI), possa se reverter em proveito do trabalhador, o que redundaria na observância de outro fundamento, o da dignidade da pessoa humana (art. 1o, III). Em suma, seja qual for a modalidade, há limites para se tolerar a prestação de trabalho terceirizado, cabendo ao aplicador e intérprete da lei, diante de tal cenário, valer-se dos demais métodos de interpretação para perscrutar a extensão e o alcance dos fins colimados pela norma, de modo a compatibilizá-la com os demais ramos do direito, mormente com os princípios de ordem pública que regem as relações de trabalho. As condutas de discriminação e de desrespeito às normas de trabalho (inclusive, de higiene e saúde) dos trabalhadores das empresas terceirizadas devem ser coibidas, de modo que demandam urgente tutela da Justiça do Trabalho, mormente do TST, que tanto vem hasteando a bandeira do combate à tormentosa e nociva terceirização ilícita.

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C apa, por Ada Caperuto

O novo Procurador-Geral da República “Não esqueçamos, contudo, que ‘Ministério Público’ quer dizer, essencialmente, ‘Serviço do Povo’. No significado mais básico do nome da nossa instituição está a nossa maior missão: o ‘poder servir ao público’, na dimensão mais plena da carreira que abraçamos.” Trecho do discurso de posse de Janot, em 17 de setembro

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m cerimônia realizada a 17 de setembro, Rodrigo Janot Monteiro de Barros tomou posse no cargo de procurador-geral da República, para um mandato que se encerrará em setembro de 2015. Um mês antes, ele foi escolhido pela Presidente da República, Dilma Rousseff, para substituir Roberto Gurgel, que deixou o cargo em agosto, após um período de quatro anos. Ao lado do Vice-Presidente da República, Michel Temer, do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) Joaquim Barbosa e dos ministros daquela Corte, Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia e Luiz Fux, a chefe da nação esteve presente na cerimônia de posse, realizada na sede da Procuradoria-Geral da República, em Brasília. Em nota oficial, Dilma Rousseff classificou como “brilhante” a carreira do novo procurador-geral da República, afirmando que Janot reúne todos os requisitos para chefiar o Ministério Público com independência, transparência e apego à Constituição. O novo procurador-geral atuará em processos no STF, sendo responsável por investigar e pedir abertura de ações contra autoridades com foro privilegiado no 16

Supremo, como parlamentares e a própria presidente. Sua postura já pôde ser vislumbrada no dia seguinte à posse, em 18 de setembro, quando o STF decidiu por seis votos a cinco, pela validade dos embargos infringentes interpostos pelos réus da Ação Penal 470, o “Mensalão”. Dois dias depois, em declaração ao jornal O Globo (versão on-line de 20/9/2013), Janot anunciou que não pediria a prisão dos “mensaleiros” antes do trânsito em julgado do processo no STF. Apesar disso, concordou com a tese defendida pelos ministros Gilmar Mendes e Marco Aurélio Mello, de que o Supremo pode antecipar a execução das penas, se considerar que estão esgotados os recursos aos quais os réus têm direito. Sabatina e atuações anteriores Com 56 anos de idade, Janot era o primeiro colocado na lista tríplice encaminhada à presidência da República pela Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), entidade que presidiu no biênio 1995-1997. Ele também foi, por três vezes, conselheiro do Conselho Superior do Ministério Público Federal (MPF).

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Foto: Antonio Augusto / PGR

Rodrigo Janot Monteiro de Barros, procurador-geral da RepĂşblica

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A sabatina na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) do Senado ocorreu em 29 de agosto, quando Janot foi aprovado por 22 votos favoráveis (apenas dois contra). Na ocasião, ele defendeu mais transparência na divulgação das ações do Ministério Público e prometeu maior diálogo com os parlamentares. Também anunciou que considerava importante criar uma Secretaria de Relações Institucionais, diretamente ligada ao procurador-geral da República, com atuação permanente junto ao Congresso Nacional. Também está entre suas intenções ampliar o diálogo entre as instituições, apresentar balanços anuais de atividades ao Congresso Nacional e aumentar a interação com a sociedade. Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais, Rodrigo Janot é especialista em Direito Comercial e mestre em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais. Possui especialização na Scuola Superiore di Studi Universitari e di Perfezionamento S. Anna, da Itália, na área de Meio Ambiente e Direito do Consumidor. Janot ingressou na carreira de Procurador da República em 1984. Foi procurador-chefe substituto da PR-DF de 1984 a 1987, promovido a procurador regional da República em maio de 1993 e a subprocurador-geral da República em outubro de 2003, com atuação perante o STF. Foi coordenador de Meio Ambiente e Direitos do Consumidor da PGR de 1991 a março de 1994; secretário-geral do MPF, de 2003 a 2005; coordenador-geral do Centro de Pesquisa e Segurança Institucional do MPF; diretor-geral da Escola Superior do Ministério Público da União; e membro das 7ª, 3ª e 5ª CCR’s. Também atuou como professor titular de Direito Processual Civil I da Universidade do Distrito Federal (UDF) até 1995 e secretário de Direito Econômico do Ministério da Justiça de abril a dezembro de 1994. Discurso “Não poderia iniciar meu pronunciamento nesta solenidade de posse sem, antes, destacar a honrosa presença da Excelentíssima Presidenta da República, Dilma Rousseff, na Casa do Ministério Público. Receba, senhora presidenta, nossas homenagens e nosso reconhecimento por esse gesto, expressão inequívoca do desejo – que é recíproco – do diálogo e do entendimento. Destaco, igualmente, a ilustre presença dos presidentes do Senado Federal, Renan Calheiros, da Câmara dos Deputados, Henrique Eduardo Alves, e do Supremo Tribunal Federal, Ministro Joaquim Barbosa. Todos, e cada um, recebam meu cordial agradecimento. Foi um longo caminho por mim trilhado desde o Ministério Público até a tarde de hoje. Um caminho que começou no ano de 1984, quando eu, aprovado em concurso público, entrei para a instituição que portava o mesmo nome hoje ostentado, mas cujas funções foram profundamente alteradas no passar dos anos. Naquela época, não havia independência – as garantias 18

eram poucas e em menor espectro, e as condições materiais eram espartanas. Parafraseando Ferreira Gullar, o ‘pão era caro, e a liberdade, pequena’. Havia, porém, esperança daqueles que singravam aqueles mares revoltos. A democracia, então ausente por demasiado tempo, já não tardaria a voltar e traria consigo um Ministério Público profundamente renovado: um Ministério Público construído com base na noção fundamental de que, sem o fortalecimento democrático, não se faz justiça, sem justiça não há igualdade e, sem igualdade substantiva, não há como vicejar o desenvolvimento pessoal, social e econômico. Dependia de nós, então jovens procuradores da República, a missão de concretizar a relevância institucional do Ministério Público que nascia. Pusemos, então, mãos à obra. O momento constituinte e a Carta que dele resultou propiciaram o instrumental necessário ao maior protagonismo do Ministério Público. A vinda de leis como a da Ação Civil Pública, da Improbidade Administrativa e o Código de Defesa do Consumidor abriram os espaços de atuação necessários para consolidar nossa instituição como a primeira defensora em juízo da sociedade brasileira. A Constituição de 1988 fez do Ministério Público traço marcante da fisionomia institucional do Estado brasileiro. Algumas das atribuições que nos foram dadas pela nova Carta, como o controle externo da atividade policial e a defesa dos direitos dos indígenas, estão diretamente ligadas à nossa capacidade e à nossa condição de agentes de transformação social. As décadas seguintes trouxeram tempos efervescentes para o Ministério Público. Refundados e rejuvenescidos, fomos à luta. Acertamos? Sim! Erramos? Também! Não é exagero, contudo, afirmar: o Brasil não mais seria o mesmo após o fortalecimento constitucional da função institucional do novo Ministério Público. Conforme lembrado por mim quando da sabatina perante o Senado Federal, Tancredo Neves – notável político e eminente conterrâneo – asseverou, certa feita, que ‘cidadania não é atitude passiva, mas ação permanente, em favor da comunidade’. Nesse contexto, tem-se que, de forma paulatina, mas sólida, a cidadania vem sendo fortalecida em solo nacional. É claro que ainda temos, como nação, um longo caminho a percorrer para chegar a uma sociedade mais justa e igualitária; porém, a atual realidade brasileira mostra o poder público mais comprometido na gestão do que é de todos; mais cauteloso quando adquire bens e contrata serviços. Hoje, não é difícil encontrar empresas estatais e privadas mais cuidadosas com o meio ambiente; observa-se maior denodo com as demandas dos hipossuficientes e o combate diuturno à corrupção e à impunidade. É certo que nenhum desses avanços deve-se exclusivamente à atuação do Ministério Público, mas não

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menos certo é que há em todos eles a presença de nossa atuação. Ser Ministério Público é viver o bom combate; é, na essência, retomando a lição de Tancredo, estar em permanente ação em prol da sociedade. Para continuar a contribuir na construção de um Brasil mais justo – desejo que é compartilhado por todos nós –, o Ministério Público tem o inadiável desafio de dar continuidade à própria evolução nas diversas frentes de sua atuação. Tal evolução, penso eu, somente alcançável pelo fortalecimento da importância do diálogo. Diálogo dentro do Ministério Público, diálogo fora do Ministério Público, diálogo com os mais diversos atores sociais, públicos e privados. A predisposição para o diálogo não significa renúncia à nossa missão constitucional. O Estado de Direito impõe que a atuação ministerial seja sempre firme, comprometida com o ordenamento jurídico, do qual emana sua autoridade. Ser firme no exercício desta, entretanto, não se confunde com inflexibilidade. Proponho, nesta tardenoite, o desafio para que sejamos mais permeáveis à interação institucional, sem com isso abandonarmos, em nenhuma dimensão, a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses indisponíveis. Reafirmo que a Procuradoria-Geral da República é a instância da deflagração do controle de constitucionalidade, da tutela do patrimônio público e social, e da persecução penal. Assim determina a Constituição, a qual juramos defender. Devemos, contudo, tornar-nos também uma instância de interlocução permanente entre os órgãos da administração pública, construindo ambiente propício à consecução dos objetivos comuns a todo o Estado brasileiro. Assumo, hoje, o honroso cargo de Procurador-Geral da República. Não o faço em nome da ambição, menos ainda da vaidade pessoal. O cargo de Procurador-Geral da República é por demais relevante para ser reduzido a um projeto biográfico de conquista. Seu exercício deve servir como plataforma e alavanca para o engrandecimento de todo o Ministério Público brasileiro. A esse respeito, uma palavra aos meus colegas: a ênfase das nossas relações interinstitucionais deve estar focada no que nos aproxima, e não no que nos afasta. Precisamos potencializar a noção de que o Ministério Público é uma instituição nacional, em lugar da já cansada e caricata imagem de sermos um arquipélago desunido. É por esse caminho, reforçado com a criação do Conselho Nacional do Ministério Público, que passa a energia necessária ao nosso fortalecimento. Comecemos, a partir de hoje, um trabalho que só pode ser plural. Contem sempre comigo na defesa da independência de nossa instituição, prerrogativa atribuída, de forma capilarizada, a cada um de seus membros, os quais devem cumprir o desiderato constitucional com firmeza, coerência e responsabilidade. Não nos

“Refundados e rejuvenescidos, fomos à luta. Acertamos? Sim! Erramos? Também! Não é exagero, contudo, afirmar: o Brasil não mais seria o mesmo após o fortalecimento constitucional da função institucional do novo Ministério Público.”

esqueçamos, contudo, de que Ministério Público quer dizer, essencialmente, Serviço do Povo. No significado mais básico do nome da nossa instituição está a nossa maior missão: ‘poder servir ao público’, na dimensão mais plena da carreivwvra que abraçamos. Gostaria, também, de exaltar, nesta oportunidade, a qualificação do corpo técnico de servidores do Ministério Público, sem os quais seria impossível o exercício de nossas funções. Às senhoras e aos senhores, expresso meu reconhecimento e, estou certo, o da sociedade pelo empenho e pelo profissionalismo, não sem antes conclamá-los a, juntos, continuar engrandecendo nossa instituição. Hoje não é um ponto de chegada, mas posso afirmar que é muito mais que um ponto de partida: pretendo que seja um ponto de inflexão, um ponto de mudança. Louvando as conquistas e a atuação de todos aqueles que me antecederam nesta cadeira, aos quais rendo minhas sinceras homenagens, comprometo-me a seguir aperfeiçoando e profissionalizando a atuação do Ministério Público. Peço vênia para citar Eduardo Galeano: ‘A utopia está lá no horizonte. Me aproximo dois passos, ela se afasta dois passos. Caminho dez passos, e o horizonte corre dez passos. Por mais que eu caminhe, jamais alcançarei. Para que serve a utopia? Serve para isso: para que eu não deixe de caminhar.’ Com esse norte, ao final da gestão, tenho a utopia de, quando olhar para trás, sentir-me merecedor da confiança em mim depositada para o exercício do impressionante leque de atribuições que me espera. Muito obrigado a todos!”

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Foto: Divulgação/STF

A Justiça Militar deve ser tratada com justiça Carlos Mário da Silva Velloso

N

Membro do Conselho Editorial Ex-presidente do STF e do TSE

a presidência do Supremo Tribunal Federal, manifestei-me pela permanência da Justiça Militar na estrutura do Poder Judiciário, ressaltando a relevância de suas atribuições no Estado Democrático de Direito. É que as Forças Armadas, as polícias e os bombeiros militares, as forças auxiliares e as reservas do Exército têm por base a hierarquia e a disciplina (Constituição Federal, arts. 142 e 42). Hierarquia e disciplina, portanto, constituem as vigas mestras do estamento militar. E os militares, sejam das 20

Forças Armadas, sejam das forças auxiliares, estão sujeitos a normas e preceitos diversos do pessoal civil (Constituição Federal, arts. 142, §§ 2o e 3o, art. 42, § 1o), o que se justifica. É que os militares portam armas e são treinados para a guerra ou para o enfrentamento nas mais variadas espécies de conflitos. Não submetidos a hierarquia e rígida disciplina, poderiam se transformar em bandos armados. “A vida castrense tem peculiaridades”, assinalou o Desembargador Muiños Piñeiro, membro da comissão elaboradora do anteprojeto do Código Penal, que a

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“legislação comum não deve tocar, sob pena de se criarem situações complicadas”. Por isso, “a Justiça Militar tem que ter um tratamento diferenciado”. Perfeito o raciocínio. Uma transgressão disciplinar, que para o servidor civil não teria maior significação, para o militar é de grande relevância. Daí, lecionar a Ministra Elizabeth Rocha, presidente da Comissão de Reforma do Código Penal Militar, que “a importância da jurisdição penal militar faz-se imperiosa para a preservação da autoridade”, dado que “a disciplina é a força e a vida das instituições militares, juntamente com a preservação dos princípios hierárquicos” (“Anotações sobre a Justiça Militar da União”). E a Justiça Militar – os tribunais militares, em forma de escabinatos, integrados por juízes militares e civis – tem-se portado, desde a sua integração ao Judiciário, em 1934, com galhardia e correção. O testemunho do advogado Técio Lins e Silva enfatiza: quando à Justiça Militar cabia julgar os crimes políticos, ela “teve um papel de legalidade, manteve sua coerência de Poder Judiciário”, o que “possibilitou a atuação dos advogados”. Não é menos expressivo o depoimento de Evaristo de Moraes Filho: “O milagre brasileiro foi a Justiça Militar, porque ela funcionava”. Sobral Pinto declarou: “Eu sou um entusiasta da Justiça Militar, (...) uma Justiça humana, que sabe perfeitamente que muitas injustiças se praticam baseadas na impunidade da força e do poder” (Elizabeth Rocha, op. cit.). São testemunhos de advogados, os juízes dos juízes. Excessos de conduta de policiais – recentemente ocorridos em manifestações pacíficas – recebem, sem demora, enérgico corretivo da Justiça Militar, porque a impunidade solapa a disciplina e a hierarquia. Garantir tais princípios é missão precípua da Justiça castrense. A redução do número de ministros do Superior Tribunal Militar para 11 justifica-se. Ademais, é necessário pensar-se na ampliação de sua competência recursal. O julgamento do recurso especial, interposto de decisões dos tribunais estaduais (Constituição Federal, art. 125, § 3o), na matéria penal militar, deveria ser da competência do STM, o que importaria na uniformização da jurisprudência no tocante à matéria penal militar, porque os códigos são os mesmos. Outras questões que dizem respeito aos militares, como, por exemplo, infrações disciplinares em sede de mandado de segurança, habeas corpus e ações ordinárias, poderiam passar à jurisdição militar, o que, aliás, é objeto da PEC 358/2005, que dá prosseguimento à reforma do Judiciário, em tramitação na Câmara dos Deputados. Um dos ministros do STM deveria integrar o CNJ. O seu corregedor, certamente. Com bons serviços prestados ao País, a Justiça Militar deve ser tratada com justiça. 2013 Outubro | Justiça & Cidadania 21


E m foco, por Ada Caperuto

Joaquim Barbosa e Lázaro Brandão destacam-se em premiação da ACRJ Esta é a segunda edição do Prêmio Presidente José Alencar, que reconhece a ética pessoal e profissional de personalidades em duas categorias de gestão: Pública e Empresarial

A

Associação Comercial do Rio de Janeiro (ACRJ), em concorrida festividade em sua sede, recepcionou e homenageou as personalidades do presidente do Supremo Tribunal Federal, Ministro Joaquim Barbosa, e o presidente do Conselho Administrativo do Bradesco, Lázaro de Mello Brandão, com a 2a edição do Prêmio Presidente José Alencar de Ética, nas categorias Gestão Pública e Gestão Empresarial. Os homenageados foram unânimes ao afirmarem que a ética e a justiça são essenciais para que haja um ambiente de confiança e respeito entre todos os segmentos sociais, capaz de promover a prosperidade e o bem-estar da sociedade. No discurso de abertura, o presidente da ACRJ, Antenor Barros Leal, pontuou os principais objetivos e o compromisso da Casa de Mauá com a liberdade absoluta e com os resultados das empresas, destacando a educação como vetor único para o verdadeiro desenvolvimento nacional, acrescentando que só com a educação tornaremos nosso país mais digno para os habitantes, ressaltando que os homenageados têm grande responsabilidade para com esses objetivos. Além dos troféus entregues pelo presidente da ACRJ, os dois receberam a Medalha Bicentenário de Nascimento do Visconde de Mauá, entregue ao Ministro Barbosa pelo 22

Desembargador Marcus Faver, presidente do Colégio dos Presidentes dos Tribunais de Justiça, e a Lázaro de Mello Brandão pelo presidente do Conselho Superior da ACRJ, Humberto Mota. O Ministro Joaquim Barbosa agradeceu a premiação dizendo-se honrado por ter sido escolhido pela ACRJ, ressaltando que a magistratura é um serviço público que deve ser realizado com ética no exercício da função jurisdicional e na gestão dos tribunais. Para o ministro, a integridade e a conduta ética conseguem manter vivas as pessoas e o seu legado ao longo do tempo. “Esse é um exemplo a ser seguido por todas as instituições que pretendem construir um legado e por todos aqueles que almejam ser lembrados como participantes da riqueza e do crescimento deste nosso grande país.” Joaquim Barbosa destacou, também, a importância de representantes do poder público, da sociedade civil e do terceiro setor unirem forças para que se possam melhorar as condições de vida dos cidadãos brasileiros. “Para fazer um Brasil melhor para os que aqui vivem e trabalham, precisamos nos imbuir de um sentimento constitucional, onde todos nós, agentes públicos, empresários e sociedade civil, estejamos unidos para o bem comum do nosso país e em perfeita sintonia com os princípios fundamentais da nossa ordem constitucional.”

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Foto: Marcelle Martins

Desembargador Marcus Faver; ministro Joaquim Barbosa; Antenor Barros Leal, presidente da ACRJ; Lázaro de Mello Brandão, presidente do Conselho Administrativo da Organização Bradesco; e Humberto Mota, presidente do Conselho Superior da ACRJ

O presidente do Conselho Administrativo da Organização Bradesco, Lázaro de Mello Brandão, lembrou com alegria o nome de José Alencar, que constitui uma “soberba lembrança da veneranda Casa de Mauá por legitimar a figura desse brasileiro que honrou passagem entre nós com denodo e patriotismo. Agradeço sensibilizado a escolha de meu nome para receber esse prêmio. Principalmente por compartilhá-lo, na categoria gestão pública, com esse ilustre homem que é o presidente Joaquim Barbosa.” Lázaro Brandão entrou no Bradesco, então Casa Bancária Almeida & Cia., de Marília, interior de São Paulo, em 1942, como escriturário. Sua vida nestes 73 anos confunde-se com a do próprio Bradesco. Foi funcionário do setor de contascorrentes, tornou-se gerente e, ao ser promovido a diretor, passou a responder pelas agências. Seu trabalho pavimentou seu caminho para a vice-presidência, em 1980, e, apenas um ano depois, foi escolhido para a presidência. Desde a criação do maior banco privado do Brasil, a estratégia definida inicialmente por Amador Aguiar não se alterou ao longo das últimas décadas de batente. “O sucesso do Bradesco deve-se ao fato de que nos mantivemos fiéis a nossos princípios e não mudamos nossa filosofia de trabalho”, avaliou Brandão. O presidente do Conselho Superior, Humberto Mota, fez

a saudação ao presidente Lázaro Brandão. Segundo Mota, “honradez, lealdade, sentimento público, probidade, ética, coragem, bondade e otimismo são marcas desse grande brasileiro, que hoje, com 87 anos, preside o Conselho de Administração do Bradesco com maestria e muita dedicação.” A saudação do Ministro Joaquim Barbosa ficou por conta do Desembargador Marcus Faver. Para ele, Barbosa é um jurista de pensamento interdisciplinar, que preza pelos valores da justiça cidadã, da ética e da democracia. Faver traçou um perfil do presidente do STF: “Joaquim Barbosa respirou os ares democráticos e ideológicos da Universidade de Paris. Não continuou a remoer as ofensa recebidas, a alimentar o ódio, a reabrir feridas. Jamais é ele quem abre fogo; e se os outros o abrem, não se deixa queimar, mesmo quando não consegue apagá-lo. Atravessa o fogo sem se queimar, a tempestade dos sentimentos sem se alterar, mantendo os próprios critérios, a própria compostura, a própria disponibilidade.” Trechos do discurso proferido pelo Desembargador Marcus Faver em homenagem ao Ministro Joaquim Barbosa, presidente do STF, ao receber o prêmio na categoria Gestão Pública “A missão, altamente honrosa, de saudar o Ministro Joaquim Benedito Barbosa Gomes, presidente do Supremo

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Tribunal Federal e do Conselho Nacional de Justiça, fazme reviver, por similitudes, aspectos singulares, imagens e símbolos passagem da minha juventude, vivida no interior deste Estado, na divisa com Minas Gerais. Nos umbrais do colégio onde estudei, uma frase em latim gravada em mármore negro despertava atenção – dizia: ‘Quod bonum Miracema sit.’ Na praça principal, em pedestal granítico, uma águia estilizada presa a grossas correntes simbolizava a luta de sua gente humilde e dos estudantes, sonhadores em obter um lugar ao sol numa sociedade, às vezes, injusta. Um pequeno poema incrustado no granito dizia: Miracema, água cativa Que sofre o martírio De todos aqueles que tendo asas nos ombros Têm grilhões nos pés.

Na pequenina cidade, bem semelhante a Paracatu, numa colina central, situa-se a igreja que todos frequentavam. Um imponente carrilhão ao topo do campanário. Acostumados estávamos todos nós, seus habitantes, aos diversos sons dos sinos da matriz. Tocavam as horas; o chamamento para as missas; o planger àqueles que morriam; a alegria da ressurreição, etc. Cada acontecimento possuía um badalar diferenciado que todos conheciam. Hora da missa... morreu alguém... sabia-se pelo som que espraiava-se pela cidade! Era exatamente esse, por coincidência, sem tirar nem pôr, o cenário descrito pelo grande José Saramago, escritor português que tanto estimava o nosso país e que no encerramento do Fórum Social Mundial de 2002, em Porto Alegre, assim se pronunciou: Estavam os habitantes nas suas casas ou a trabalhar nos cultivos, entregues cada um aos seus afazeres e cuidados, quando de súbito se ouviu soar o sino da igreja. Naqueles piedosos tempos (estamos a falar de algo sucedido no século XVI), os sinos tocavam várias vezes ao longo do dia, e por esse lado não deveria haver motivo de estranheza. Porém, aquele sino dobrava melancolicamente a finados, e isso, sim, era surpreendente, uma vez que não constava que alguém da aldeia se encontrasse em vias de passamento. Saíram, portanto, as mulheres à rua, juntaram-se as crianças, deixaram os homens as lavouras e os mestres, e em pouco tempo estavam todos reunidos no adro da igreja, à espera de que lhes dissessem a quem deveriam chorar. O sino ainda tocou por alguns minutos mais; finalmente calou-se. Instantes depois, a porta abria-se e um camponês aparecia no limiar. Ora, não sendo este homem encarregado de tocar habitualmente o sino, compreende-se que os vizinhos lhe tenham perguntado onde se encontrava o sineiro e quem era o morto. ‘O sineiro não está aqui, eu é que toquei o sino’, foi a resposta do camponês. ‘Mas então 24

não morreu ninguém?’, tornaram os vizinhos, e o camponês respondeu: ‘Ninguém que tivesse nome e figura de gente, toquei a finados pela Justiça porque a Justiça está morta’. Que acontecera? Acontecera que o ganancioso senhor do lugar (algum conde ou marquês sem escrúpulos) andava desde há tempos a mudar de sítio os marcos das estremas das suas terras, metendo-os para dentro da pequena parcela do camponês, mais e mais reduzida a cada avançada. O lesado tinha começado por protestar e reclamar, depois implorou compaixão, e finalmente resolveu queixar-se às autoridades e acolher-se à proteção da justiça. Tudo sem resultado, a espoliação continuou. Então, desesperado, decidiu anunciar urbi et orbi (uma aldeia tem o exato tamanho do mundo para quem sempre nela viveu) a morte da Justiça. Talvez pensasse que o seu gesto de exaltada indignação lograria comover e pôr a tocar todos os sinos do universo, sem diferença de raças, credos e costumes, que todos eles, sem exceção, o acompanhariam o dobre a finados pela morte da Justiça, e não se calariam até que ela ‘fosse ressuscitada’. Um clamor tal, voando de casa em casa, de aldeia em aldeia, de cidade em cidade, saltando por cima das fronteiras, lançando pontes sonoras sobre os rios e mares, por força haveria de acordar o mundo adormecido... Não sei o que sucedeu depois, não sei se o braço popular foi ajudar o camponês a repor as estremas nos seus sítios, ou se os vizinhos, uma vez que a Justiça havia sido declarada defunta, regressaram resignados, de cabeça baixa e alma sucumbida, à triste vida de todos os dias. É bem certo que a História nunca nos conta tudo... Suponho ter sido esta a única vez que, em qualquer parte do mundo, um sino, uma campânula de bronze inerte, depois de tanto haver dobrado pela morte de seres humanos, chorou a morte da Justiça. Nunca mais tornou a ouvir-se aquele fúnebre dobre de aldeia de Florença, mas a Justiça continuou e continua a morrer todos os dias. Agora mesmo, neste instante em que vos falo, longe ou aqui ao lado, à porta da nossa casa, alguém a está matando. De cada vez que morre, é como se afinal nunca tivesse existido para aqueles que nela tinham confiado, para aqueles que dela esperavam o que da Justiça todos temos o direito de esperar: justiça, simplesmente justiça. Mas os sinos, felizmente, não tocavam apenas para planger aqueles que morriam. Tocavam também para assinalar as horas do dia e da noite, para chamar à festa ou à devoção dos crentes, e houve um tempo, não tão distante assim, em que seu toque a rebate era o que convocava o povo para acudir às catástrofes, às cheias e aos incêndios, aos desastres, a qualquer perigo que ameaçasse a comunidade. Hoje, o papel social dos sinos encontra-se limitado ao cumprimento das obrigações rituais, e o gesto iluminado do camponês de Florença seria visto como obra desatinada de um louco ou, pior ainda, como simples caso de polícia.”

Eis que surge um sineiro de Paracatu que, rompendo

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Foto: Marcelle Martins

Foto: Marcelle Martins

Lázaro de Mello Brandão, presidente do Conselho Administrativo da Organização Bradesco, e ministro Joaquim Barbosa com seus prêmios

os grilhões que prendiam a águia cativa, voa pelo mundo, alcança o espaço, pós-gradua-se em Paris, em mestre e doutor, e vem com determinação tocar os sinos da ressurreição da Justiça no nosso país. Não é um sineiro comum, mas um jurista de pensamento interdisciplinar, que bate os sinos da Justiça cidadã, da ética e da democracia. Aqui, hoje, tocam os sinos que, na palavra de Saramago, (...) defendem e afirmam a possibilidade, enfim, da implantação no mundo daquela justiça companheira dos homens, daquela justiça que é condição da felicidade do espírito e até, por mais surpreendente que possa parecernos, condição do próprio alimento do corpo. Houvesse essa justiça, e nem um só ser humano mais morreria de fome ou de tantas doenças que são curáveis para uns, mas não para outros. Houvesse essa justiça, e a existência não seria, para mais de metade da humanidade, a condenação terrível que objetivamente tem sido. Esses sinos novos cuja voz se vem espalhando, cada vez mais forte, por todo o mundo são os múltiplos movimentos de

resistência e ação social que pugnam pelo estabelecimento de uma nova justiça distributiva e comutativa que todos os seres humanos possam chegar a reconhecer como intrinsecamente sua, uma justiça protetora da liberdade e do direito, não de nenhuma das suas negações. Tenho dito que para essa justiça dispomos já de um código de aplicação prática ao alcance de qualquer compreensão, e que esse código se encontra consignado desde há cinquenta anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos, aqueles trinta direitos básicos e essenciais de que hoje só vagamente se fala, quando não sistematicamente se silencia, mais desprezados e conspurcados nestes dias do que o foram, há quatrocentos anos, a propriedade e a liberdade do camponês de Florença.

Que os sons dos sinos daqui emanados anunciem o lúgubre funeral da corrupção em nosso país, mas que também, ao lado da Igreja da Candelária, no coração do Brasil, toquem os carrilhões prenunciando a ressurreição da Justiça no Brasil. Quod bonum Brasília sit.”

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Interrupção da gravidez: uma questão de direitos humanos Novas causas de interrupção da gravidez justificada

Álvaro Mayrink da Costa

Desembargador aposentado do TJRJ Professor da Emerj

Diante dos impulsos trazidos pelo cristianismo na remoção de ideias e de conceitos que o inspiraram, o aborto foi criminalizado por quase todos os povos civilizados. Os problemas derivados e as consequências possíveis da interrupção da gravidez são desenvolvidos em polêmicas doutrinárias. Contemporaneamente, estão na pauta obrigatória das discussões sobre os direitos humanos a descriminalização total ou parcial, pleiteando-se a liberdade da mulher por meio de certas condições-limite (sistema de indicações e sistema de prazos), e o aborto em hospitais sob a vigilância de profissionais codificados. A liberdade é um poder de autodeterminação, em razão do qual a pessoa escolhe por si própria seu comportamento pessoal. A liberdade sexual, entendida como uma de suas mais importantes expressões, referida ao exercício da sua própria sexualidade, constitui-se no direito de exercê-la em plena liberdade. Note-se que se cogita de um valor intrinsecamente individual, desconectado de fundamentos ético-sociais. A conduta sexual é garantida desde que realizada entre adultos com pleno consentimento, e sua realização ocorra no âmbito privado. A Constituição de 1988 estabeleceu o direito à vida, à dignidade e à igualdade. O ponto enfatizado é o direito à vida, fonte originária de todos os demais direitos constitucionais básicos, que englobam, em sua 26

inviolabilidade, o direito à dignidade da pessoa humana, à privacidade, à saúde, à integridade física e moral, enfim, à própria existência. Há duas situações na esfera constitucional da segurança: a) o dever de respeitar a vida humana e b) o dever constitucional de protegê-la. A grande discussão na elaboração do texto da Carta Republicana de 1988 dizia respeito à inclusão do “direito a uma existência digna”. O texto constitucional não se refere ao recém-nascido, porém não haveria necessidade de tal especificação, visto que é inviolável o direito à vida erga omnes, incluindo-se, por óbvio, a intrauterina. Dentro dos direitos humanos, há uma escala lógica de limitações, inclusive entre os denominados básicos ou fundamentais, razão pela qual a vida do nascituro deverá ter um grau inferior à importância da vida do já nascido. É imperativo que o Estado, na condição de tutor normativo dos reflexos socioculturais, outorgue sua proteção, ainda que conjuntural, dentro de sua realidade temporal. Efetivamente, as integridades física e psíquica e a vida em relação à genitora devem ser objeto de tipologias mais adequadas. O interesse democráticoestatal é predominante como bem jurídico conjuntural. Na questão mais polêmica pertinente à exclusão de antijuridicidade, o Código Penal brasileiro de 1940, desde a década inicial da metade do século XIX, reza que,

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Foto: Arquivo pessoal

sendo sujeito ativo o médico, não se pune o aborto se: a) não houver outro meio de salvar a vida da gestante; b) a gravidez resultar de estupro e o aborto for precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal. O texto do Esboço Evandro Lins já atendia às orientações das contemporâneas legislações sobre o tema, incluindo as saúdes física e psíquica da gestante, a possibilidade do nasciturus apresentar graves e irreversíveis anomalias que o torne inviável, como a cláusula de ser procedida com o consentimento da mulher ou do seu representante legal e, no caso de não concordância do cônjuge ou companheiro, a justificativa. A legislação brasileira, lamentavelmente, não inseriu a cláusula “grave e irreversível lesão para o corpo ou para a saúde física ou psíquica da mulher grávida”. Quando se refere o texto legal não só à vida da gestante, deve-se entender também em sentido lato a sua futura qualidade de vida. A melhor solução seria a avaliação do quadro clínico por meio de um modelo integrado diante do especial caso concreto. A indicação médica ou terapêutica abrangeria em sentido global também os graves e irreversíveis requisitos cumulativos e não alternativos danos às integridades física e psíquica, no momento da evolução temporal da gravidez, diante do enquadramento conferido pelo avanço de conhecimento da ciência médica.

Grande parte dos sistemas de saúde nos países em desenvolvimento, independentemente da sua política em relação ao aborto induzido, não planeja sistematicamente ou fornece atenção médica de emergência de maneira eficaz para mulheres que sofrem de complicações a ele relacionadas. Como resultado, o tratamento frequentemente é postergado e ineficaz, com graves consequências e riscos à saúde da mulher. A doutrina questiona se o aborto terapêutico possui caráter impositivo, dividindo-se em duas correntes: a) pode ser praticado contra a vontade da gestante, sendo dispensável a sua concordância ou a de seu representante legal, atuando o médico como garantidor no estrito cumprimento do dever legal; b) teria caráter meramente facultativo diante da ausência expressa ou da tácita vontade de a gestante querer correr o risco, ficando o atuar do médico restrito à sua consciência e ao dever deontológico. A posição do caráter impositivo é a que melhor atende à tutela do bem jurídico mais relevante, que é a vida humana. Na questão pertinente aos injustos contra a vida intrauterina, a doutrina internacional tem estimulado a discussão parlamentar em torno de dois modelos: a) modelo das indicações, que significa que as soluções para a impunidade da interrupção da gravidez devem ter como patamar uma ideia de conflito de valores, e a

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solução é a regulamentação das indicações; b) modelo dos prazos: dependente ou não de um sistema de aconselhamento da mulher grávida, a questão resulta de um princípio de paridade do injusto de aborto em correspondência com a ideia de dignidade e proteção da vida intrauterina. O anteprojeto de Código Penal brasileiro de 2012 propõe que não há crime de aborto, procedido com o consentimento da gestante, quando: a) houver risco à vida ou à saúde da gestante; b) se a gravidez resulta de violação à dignidade sexual, ou do emprego não consentido de técnica de reprodução assistida; c) se comprovada a anencefalia ou quando o feto padecer de graves e incuráveis anomalias que violem a vida extrauterina, em ambos os casos atestados por dois médicos; d) por vontade da gestante, até a décima segunda semana da gestação, quando médico ou psicólogo constatar que a mulher não apresenta condições psicológicas de arcar com a maternidade. A tendência das legislações contemporâneas é no sentido da atenuação da pena privativa de liberdade para a mulher que provoca o aborto ou consente que terceiro lho provoque e, a contrário senso, aumenta-se a gravidade da pena imposta para o agente provocador. A vexata quaestio é altamente polêmica, e podemos resumir em três correntes básicas a orientação das legislações sobre o aborto: a) só é permitido em circunstâncias limitadas e excepcionais; b) só é permitido por meio de processo de autorização; c) é permitido, embora prescrita condição-limite. É um marco da jurisprudência americana o voto condutor do juiz Blackmun reconhecendo a privacidade pessoal, consequentemente, a decisão de abortar, mas que tal direito não carece de postulação e deve ser considerado diante de importantes interesses estatais em sua regulamentação. A Corte Suprema decidiu que a palavra pessoa, tal como é empregada na Emenda no 14, não inclui o não nascido, e que a mulher grávida não pode ser isolada em sua privacidade, pois leva consigo o embrião e depois o feto, e qualquer direito à privacidade deve ser medido conjuntamente. Aduz, em seu voto, que o interesse do Estado na vida em potencial é a viabilidade, a capacidade de viver fora do útero materno. Daí a Corte Suprema, com patamar no direito à privacidade (right of personal privacy), ter dividido a gravidez em três períodos trimestrais: a) no primeiro trimestre, autoriza o aborto sem restrição; b) no segundo trimestre, reconhece a existência de um interesse do Estado em preservar a saúde da mãe e autoriza restrições referentes à forma como o aborto poderia ser realizado; c) no terceiro trimestre, reconhece um interesse do Estado em preservar a vida potencial, de modo que, inclusive, pode proibir o aborto nesse período, salvo se ocorrer perigo de vida ou saúde da mãe. 28

Portugal promulgou, em 10 de abril de 2007, a lei que descriminaliza a interrupção voluntária da gravidez nas primeiras dez semanas. O novo diploma legal estabelece um período de reflexão da mulher “não inferior a três dias a contar da data da realização da primeira consulta”, destinado a proporcionar o acesso à informação relevante para a formação de sua decisão livre, consciente e responsável. A consulta é obrigatória e compete ao estabelecimento de saúde oficial onde se pratique a interrupção voluntária da gravidez garantir a sua realização em tempo útil. Os estabelecimentos são obrigados a encaminhar para uma consulta de planejamento familiar as mulheres que solicitem a interrupção voluntária da gravidez e, caso seja de sua vontade, a enviar para outro estabelecimento que deve dispor de serviços de apoio psicológico e de assistência social específica. Os médicos e demais profissionais de saúde ficam vinculados ao dever de sigilo (atos, fatos e internações), assegurado o direito à objeção de consciência. Ainda no âmbito da consulta, consideram que a mulher deve ser informada sobre: a) “o nível de desenvolvimento do embrião”; b) os métodos utilizados para interromper a gravidez; c) as possíveis consequências desta para a sua saúde física e mental. É certo que, em uma visão democrática, o planejamento depende da livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito. Constitui princípio constitucional fundamental a dignidade da pessoa humana, e, nas relações internacionais, o Brasil rege-se pelo princípio da prevalência dos direitos humanos. Delegações de 180 países aprovaram uma proposta brasileira em relação ao aborto, chegando a um consenso sobre o tema na conferência da ONU sobre a população (1999). O texto diz que os sistemas de saúde pública “devem treinar e equipar pessoal da área de saúde e tomar outras medidas para garantir a realização de abortos seguros e acessíveis” nos países onde a interrupção da gravidez seja considerada legal. É, acima de tudo, uma questão de cidadania, de viver com dignidade e de ter controle sobre a própria vida sexual e reprodutiva. A Universidade de Brasília, em parceria com o Instituto de Bioética e financiada pelo Fundo Nacional de Saúde, em estudo premiado dos professores Marcelo Medeiros e Debora Diniz (2010), apresenta os primeiros resultados da Pesquisa Nacional de Aborto (PNA), produto da entrevista estratificada de 2.002 mulheres alfabetizadas com idades entre 18 e 39 anos, que indica que, aos 40 anos, mais de uma em cada cinco já fez o aborto, sendo que é mais comum entre as de menor escolaridade e que a religião não é um fator importante para a diferenciação em relação à sua prática.

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O Supremo Tribunal Federal destacou, ao julgar a ADPF 54/DF, Pleno, rel. Min. Marco Aurélio, j. 11 a 12/4/2012, que: (...) a locução sobre a proteção de Deus, constante no preâmbulo da Constituição, não seria norma jurídica. Logo, enfatizou-se que o Estado seria simplesmente neutro – não seria religioso, tampouco ateu. (...) Ressaltou que as garantias do Estado secular e da liberdade de culto representariam que as religiões não guiariam o tratamento estatal dispensado a outros direitos fundamentais, tais como os direitos à autodeterminação, à saúde física e mental, à privacidade, à liberdade de expressão, à liberdade de orientação sexual e à liberdade no campo da reprodução.

O Programa Nacional de Direitos Humanos indica a opção pelo fortalecimento da democracia no que tange às igualdades econômica e social, razão pela qual, após consulta à sociedade civil, ampliando e dando visibilidade à discussão temática, poderíamos melhor adequar a legislação pátria à modernidade normativa, atendendo aos reais postulados de nossa sociedade em novos tempos. A norma penal é o fotograma da sociedade ao seu tempo histórico.

A nossa posição é na direção da evolução das legislações contemporâneas de legalização da interrupção voluntária da gravidez nas primeiras doze semanas, estabelecendo-se o período de reflexão, destinado a proporcionar o acesso à informação e à decisão livre e consciente após consulta obrigatória ao órgão oficial de aconselhamento, garantida sua realização em tempo útil, observado o dever de sigilo e assegurado aos médicos o direito à objeção de consciência. A assessoria contribui para que a mulher tome uma decisão responsável e consciente diante do conflito com a gravidez. É uma questão de saúde pública na direção de garantir à mulher o próprio controle de suas fertilidade, saúde e futura prole, o que não deixa de ser uma questão abarcada pelos direitos humanos em um Estado social e democrático de direito.

Palestra realizada no Seminário Internacional de Direito Penal e Criminologia em 31 de outubro de 2012, no auditório da Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro, na oportunidade em que os professores doutores Claus Roxin e Dirk Fabricius receberam os títulos de Doutores Honoris Causa da Universidade Gama Filho.

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Distribuição dinâmica do ônus da prova

Bruna Celeste Celeste

N

Advogada

os debates sobre questões de fato em que houver necessidade de produção de prova diversa da exclusivamente documental, apresentada com a petição inicial e a contestação, deve ocorrer a fase processual destinada a reunir elementos capazes de solucionar controvérsias que envolvam a matéria de fato alegada pelas partes. O direito à prova é conteúdo do direito fundamental ao contraditório. A dimensão substancial do princípio do contraditório o garante. Segundo os esclarecimentos de Eduardo Cambi, o direito fundamental à prova tem caráter instrumental, e a sua finalidade é o alcance de uma tutela jurisdicional justa. Assim, deve-se dar efetividade a tal direito por meio do reconhecimento da máxima potencialidade ao instrumento probatório para que as partes tenham ampla oportunidade de demonstrar os fatos que alegam. Sabe-se que o ônus da prova é a indicação de quem deve demonstrar as alegações de fato em juízo. As regras processuais sobre a distribuição do ônus da prova são dirigidas às partes, por orientarem o que precisam provar (ônus subjetivo), e também são regras de julgamento dirigidas ao órgão jurisdicional, na medida em que orientam o julgador como se comportar na insuficiência de provas produzidas (ônus objetivo), refúgio para evitar o non liquet. O legislador estabelece abstratamente quem tem de provar o quê, diz-se, pois, que aí estão as regras sobre 32

o ônus da prova. O Código de Processo Civil acolheu a teoria estática do ônus da prova (teoria clássica), de modo que há a distribuição prévia e abstrata do encargo probatório. Assim, ao autor incumbe provar os fatos constitutivos do seu direito, e ao réu, os fatos impeditivos, modificativos e extintivos, conforme previsão do artigo 333 do CPC. Com a máxima de que o ônus da prova incumbe a quem alega (ei incumbit probatio qui dicit, non qui negat), sucede que nem sempre o autor e o réu têm condições de atender ao ônus probatório que lhes foi rigidamente atribuído. Em muitos casos, as partes se deparam com prova diabólica, não possuindo condições suficientes para evidenciar os fatos. Diante de tal situação, o juiz poderá proferir decisão desfavorável àquele que não se incumbiu do seu encargo de provar. Por isso que a distribuição rígida do ônus da prova e sua inflexível aplicação podem gerar julgamentos injustos, já que a prova é o principal elemento que as partes dispõem para influenciar a convicção do magistrado. Um exemplo da ineficiência da distribuição estática do ônus da prova são as demandas declaratórias negativas que exigem do autor a comprovação da inexistência da relação jurídica, incumbindo-lhe de obrigação impossível. Trata-se de situação de divergência doutrinária em que há posicionamentos que defendem a manutenção da distribuição estática; outros entendem que, independentemente da situação, deve ocorrer a

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Foto: Arquivo JC

inversão absoluta do ônus da prova, cabendo sempre ao réu comprovar todos os fatos (constitutivos, impeditivos, modificativos e extintivos), e, ainda, há posição intermediária, no qual esclarece que cabe ao réu a prova do fato constitutivo (existência da relação jurídica), e ao autor o ônus de comprovar os fatos impeditivos ou extintivos. Sendo assim, é admitida a Teoria da Distribuição Dinâmica do Ônus da Prova, dos principais mentores Jorge W. Peyrano e Augusto M. Morello, na qual a prova incumbe a quem tem melhores condições de produzi-la diante das circunstâncias do caso concreto. Em outras palavras: prova quem pode. Essa teoria se justifica com os princípios da igualdade, da solidariedade e da lealdade, da boa-fé e da veracidade. O princípio da igualdade se encontra presente quando o ônus da prova é atribuído àquele que tem os meios para satisfazê-la por haver a paridade real de armas das partes do processo, promovendo um equilíbrio substancial entre elas. O princípio da solidariedade com o órgão judicial decorre do dever de todos de ajudar o magistrado a alcançar a verdade dos fatos. Já os princípios da lealdade, da boa-fé e da veracidade estão presentes na distribuição dinâmica do ônus da prova pelo fato de o sistema brasileiro não permitir que as partes ajam ou se omitam, de forma ardilosa, com o intuito de prejudicar a contraparte. De acordo com a Teoria da Distribuição Dinâmica do Ônus da Prova, o encargo probatório não deve ser

partido de forma prévia e abstrata, mas sim de forma casuística e também dinâmica. Não deve ser levada em consideração a posição assumida pela parte na causa ou a natureza do fato probando (constitutivo, modificativo, impeditivo e extintivo). O mais importante é quem tem mais possibilidade de produzir a prova. Nesse sentido, o juiz permanece na função de gestor das provas, e a ele também incumbe avaliar qual das partes está em melhores condições de produzir a prova, sem estar preso aos critérios prévios e abstratos estabelecidos na lei, mas de acordo com as circunstâncias concretas. O magistrado deve se basear em critérios abertos e dinâmicos, decorrentes das regras de experiência e de senso comum para verificar qual é a parte que possui mais facilidade para produzir a prova, impondo-lhe o ônus probatório. É comum identificar dois requisitos cumulativos para a distribuição dinâmica do ônus da prova: o primeiro é a dificuldade ou a impossibilidade de produção de prova por uma das partes, independentemente do motivo ou da razão de tal incapacidade (ordem social, econômica, cultura, técnica, de acesso, de informação, hierárquica, etc.), e o segundo requisito é a maior capacidade da outra parte de produzir a prova relacionada à alegação controvertida. No direito processual argentino, essa teoria é adotada como regra de julgamento (ou de juízo), sendo realizada somente no momento de prolação da sentença.

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Os fundamentos para tanto decorrem da ciência prévia das partes litigantes, de modo que os sujeitos do processo já estariam previamente esclarecidos sobre essa técnica e o entendimento de que o ônus da prova é sempre objetivo, referindo-se exclusivamente à valoração da prova, que ocorre somente no final da instrução, no momento em que a sentença é proferida. No direito brasileiro, em especial aos adeptos da inversão do ônus da prova prevista no CDC, o posicionamento argentino é adotado, mas é evidente que deve ser observado o ônus subjetivo da prova, que serve de norteador para a conduta das partes ao longo da fase de instrução. Tratando-se, portanto, de regra de instrução, e não de julgamento, que deve ser realizada até o início da fase instrutória, ou seja, até o momento da decisão de saneamento, mas não na fase decisória. Os fundamentos para entender a distribuição dinâmica do ônus da prova como regra de instrução são simples: função de orientar as partes na fase de instrução probatória e respeito ao princípio da não surpresa (orientação, inclusive, do artigo 474, parágrafo único, do Projeto do Novo Código de Processo Civil (PL 8.046/2010)1). Os tribunais brasileiros têm extraído a regra de nosso sistema processual, sendo emblemático o caso da responsabilidade civil do profissional liberal, principalmente do médico, por este, quando demandado, ter melhores condições de provar que agiu regularmente do que a vítima de provar a sua atuação irregular. A despeito de, pela regra estática, a ele não caber esse ônus. Verificam-se, ainda, casos de outras naturezas em que também foi aplicada a Teoria da Distribuição Dinâmica do Ônus da Prova: PROCESSO CIVIL. AÇÃO MONITÓRIA. PROCEDIMENTO. ÔNUS DA PROVA. DISTRIBUIÇÃO. REGRA GERAL DO ART. 333 DO CPC. INCIDÊNCIA. TEORIA DA DISTRIBUIÇÃO DINÂMICA DO ÔNUS DA PROVA. CABIMENTO. 1. O processo monitório divide-se em duas fases distintas – monitória e executiva – apartadas por um segundo processo, os embargos, de natureza incidental e posto à disposição do réu para, querendo, impugnar as alegações do autor. 2. A fase monitória é de cognição sumária, sempre inaudita altera parte, cabendo ao juiz verificar a regularidade formal da ação, a presença dos pressupostos para o regular desenvolvimento do processo e, sobretudo, a idoneidade do documento apresentado como prova da existência do crédito. 3. Opostos os embargos pelo réu, inaugura-se um novo processo que, nos termos do art. 1.102-C, § 2o, do CPC, tramitará pelo rito ordinário, dotado de cognição plena e exauriente, com ampla dilação probatória. Assim, a cognição, que em princípio é sumária, será dilatada mediante iniciati34

va do réu em opor embargos, permitindo que se forme um juízo completo e definitivo sobre a existência ou não do direito do autor. 4. O processo monitório não encerra mudança na regra geral de distribuição do ônus da prova contida no art. 333 do CPC. O fato de, na ação monitória, a defesa ser oferecida em processo autônomo não induz a inversão do ônus da prova, visto que essa inversão se dá apenas em relação à iniciativa do contraditório. 5. O documento que serve de base para a propositura da ação monitória gera apenas a presunção de existência do débito a partir de um juízo perfunctório próprio da primeira fase do processo monitório. Trazendo o réu-embargante elementos suficientes para contrapor a plausibilidade das alegações que levaram à expedição do mandado de pagamento, demonstrando a existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito invocado na inicial, caberá ao autor-embargado superar os óbices criados, inclusive com a apresentação de documentação complementar, se for o caso. 6. Apesar de seguir a regra geral de distribuição do ônus da prova, o processo monitório admite a incidência da Teoria da Distribuição Dinâmica do Ônus da Prova. 7. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, provido. (REsp 1084371/RJ. Recurso Especial 2008/0185677-2. Relatora: Ministra Nancy Andrighi. Terceira Turma. Data do Julgamento: 1/12/2011. Data da Publicação: DJe 12/12/2011). (Grifo nosso) APELAÇÕES CÍVEIS. AÇÃO DE REVISÃO CONTRATUAL CUMULADA COM INDENIZATÓRIA. NEGATIVAÇÃO. DANO MORAL CONFIGURADO. PERÍCIA NÃO CONCLUÍDA EM RAZÃO DA NÃO APRESENTAÇÃO DO CONTRATO DE ARRENDAMENTO FIRMADO. APLICAÇÃO DA TEORIA DA CARGA DINÂMICA DAS PROVAS. 1. Cuida-se de ação de revisão contratual cumulada com indenizatória lastreada em contrato de arrendamento mercantil, no qual afirma o autor que lhe foram cobrados juros abusivos e capitalizados, além de ter a instituição financeira incluído seu nome indevidamente no rol de maus pagadores. 2. A sentença julgou procedente, em parte, o pedido, para anular os encargos cobrados pelo réu, em razão da mora do autor, em cada parcela e que estão demonstrados ao longo do processo, com a juntada de todos os recibos, com a restituição em dobro dos valores indevidamente cobrados, na forma do artigo 42 da Lei no 8.078/90, com juros legais e correção monetária, a contar de cada pagamento indevido. 3. Provimento do recurso do autor (primeiro apelo) objetivando a condenação do réu ao pagamento de indenização por dano moral, uma vez que a inclusão do nome do autor no rol de maus pagadores foi efetivada três dias após o pagamento da dívida e permaneceu

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por longos anos, inexistindo notícia nos autos, ainda, de que fora notificado da medida. 4. Tendo em vista as circunstâncias que envolvem o dano moral sofrido pelo autor advindas da cobrança por débito já quitado e do prolongamento da negativação do seu nome, fixa-se a indenização em R$ 10.000,00 (dez mil reais), valor este que melhor atende a parâmetros de razoabilidade e proporcionalidade, e se coaduna com o patamar observado pelo Tribunal em situações similares a dos autos. 5. Recurso do réu (segundo apelo) defendendo a legalidade dos juros de mora cobrados que não procede diante da impossibilidade de realização de perícia em decorrência da não apresentação pelo mesmo do contrato de arrendamento. 6. Aplicação da teoria da carga dinâmica da distribuição do ônus da prova. O magistrado, ao analisar a matéria, se observar, pelos mandamentos da lei e pelas circunstâncias do caso concreto, que o ônus da prova recai sobre a parte que possui menos condições de suportá-lo, poderá modificar o encargo probatório, alterando a distribuição do ônus da prova em favor da parte mais necessitada. 7. Nessa mesma direção sinaliza o Código de Processo Civil, determinando ao juiz admitir como verdadeiros os fatos que, por meio de documento ou da coisa, pretendia-se provar (art. 359, CPC). 8. Incumbem às partes colaborar com o Judiciário, ainda que a apresentação da prova seja prejudicial àquele que tem a obrigação da trazê-la. 9. Considerando o fato de que a ré dispõe de maiores condições técnicas e administrativas para apresentar o contrato de financiamento em questão, notadamente em razão do dever de guarda decorrente da sua própria atividade, inafastável o encargo imposto pelo magistrado de origem no tocante ao fornecimento do documento. 10. Tendo em vista que o réu não apresentou documento essencial ao desate da questão, apesar de regularmente intimado para tanto, de modo a possibilitar a verificação de legalidade dos juros de mora cobrados, deve sua aplicação ser afastada, conforme reconhecido na sentença. 11. Provimento do recurso da autora e desprovimento do apelo do réu. (Apelação Cível n o 0003559-48.2005.8.19.0207 – Relatora: Desembargadora Mônica Costa Di Piero). (Grifo nosso)

“Nesse sentido, o juiz permanece na função de gestor das provas, e a ele também incumbe avaliar qual das partes está em melhores condições de produzir a prova, sem estar preso aos critérios prévios e abstratos estabelecidos na lei, mas de acordo com as circunstâncias concretas. O magistrado deve se basear em critérios abertos e dinâmicos, decorrentes das regras de experiência e de senso comum para verificar qual é a parte que possui mais facilidade para produzir a prova, impondo-lhe o ônus probatório.“

APELAÇÃO CÍVEL. EXPURGOS INFLACIONÁRIOS. PEDIDO DE EXIBIÇÃO EXTRATOS AO ESTABELECIMENTO BANCÁRIO FORMULADO DENTRO DE DEMANDA ORDINÁRIA. APLICAÇÃO DA TEORIA DA CARGA DINÂMICA DA PROVA. IMPOSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE LASTRO PROBATÓRIO MÍNIMO. NÃO COMPROVAÇÃO DO FATO CONSTITUTIVO DO DIREITO ALEGADO. 2013 Outubro | Justiça & Cidadania 35


Apesar de ser aplicada a teoria da carga dinâmica nos casos referentes a expurgos inf lacionários, decorrentes dos malfadados planos econômicos, não há como desincumbir a parte autora de produzir o mínimo de prova que assegure o seu direito, que no caso seria a demonstração do número da conta poupança. NEGATIVA DE SEGUIMENTO DO APELO, NA FORMA DO ARTIGO 557, CAPUT, DO CPC. (Apelação Cível no 0013429-82.2007.8.19.0002 – Relatora: Desembargadora Lúcia Miguel S. Lima)

A Teoria da Distribuição Dinâmica do Ônus da Prova está presente no projeto do novo Código de Processo Civil, que mantém a distribuição estática do ônus da prova, no artigo 3572, mas inova com o artigo 358: Art. 358. Considerando as circunstâncias da causa e as peculiaridades do fato a ser provado, o juiz poderá, em decisão fundamentada, observado o contraditório, distribuir de modo diverso o ônus da prova, impondo-o à parte que estiver em melhores condições de produzi-la. § 1o Sempre que o juiz distribuir o ônus da prova de modo diverso do disposto no art. 357, deverá dar à parte oportunidade para o desempenho adequado do ônus que lhe foi atribuído. § 2o A inversão do ônus da prova, determinada expressamente por decisão judicial, não implica alteração das regras referentes aos encargos da respectiva produção.

A princípio, trata-se de um poder-dever do juiz, e não uma faculdade, apesar de o caput do artigo 358 afirmar que “o juiz poderá”. Assim, presentes os requisitos, deve o juiz distribuir o ônus de modo dinâmico por meio de decisão fundamentada. O artigo 358 do projeto também estabelece três critérios para que o juiz possa distribuir o ônus da prova, quais sejam: circunstância da causa, peculiaridade do fato a ser provado e melhores condições de uma das partes de produzir a prova. Outro ponto relevante é que o § 1o do artigo 358 estabelece a distribuição dinâmica como regra de instrução (ou de procedimento), o que se extrai do texto “sempre que o juiz distribuir o ônus da prova de modo diverso do disposto no artigo 357 (estático), deverá dar à oportunidade para o desempenho adequado do ônus que lhe foi atribuído”. Evidencia-se que a parte precisa ter condições de produzir todos os meios necessários para a comprovação do fato que lhe compete provar, e isso só pode ocorrer no curso do procedimento, e não no momento de prolação da sentença. Importante observar, por fim, que o § 2o do artigo 358, apesar de utilizar de forma inadequada a expressão “inversão do ônus da prova” em vez de “distribuição do ônus 36

da prova”, como fez no parágrafo anterior, prevê que cabe à parte que tiver o ônus de comprovar determinado fato, seja pelo ônus estático, seja pelo ônus dinâmico, o encargo de pagar as despesas processuais para produção da prova. A conclusão a que se chega, depois desses breves comentários, é que o magistrado precisa aproximar-se, ao máximo, da realidade para ter convicção sobre as alegações deduzidas pelas partes. Só assim a tutela jurisdicional será efetiva. E para que isso ocorra, o juiz deve atribuir o ônus da prova à parte que tiver melhores condições de produzila. Tanto é assim que a técnica processual em estudo está presente em decisões judiciais, como também no projeto do novo Código de Processo Civil, e merece ser considerada para se chegar ao resultado justo e assegurar a isonomia processual e o pleno acesso à Justiça.

Referências bibliográficas BUENO, Cássio Scarpinella. Curso sistematizado de Direito Processual Civil. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2013. v. 2, t. I. CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. 16. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007. v. 1. CAMBI, Eduardo. Direito Constitucional à prova. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paulo Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria. Curso de Direito Processual Civil. 8. ed. Salvador: Jus Podium, 2013. v. 2. GRECO, Leonardo. Instituições de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2010. v. 2. NERY JR. Nelson; NERY, Rosa Maria Andrade. Código de Processo Civil comentado e legislação extravagante. 13. ed. São Paulo: RT, 2013. NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito Processual Civil. 2. ed. São Paulo: Método, 2010. REDONDO, Bruno Garcia. Distribuição dinâmica do ônus da prova: breves apontamentos. Revista Dialética de Direito Processual. São Paulo: Dialética, n. 93, dez. 2010, p. 14-23. THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. 51. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010. v. 1.

Notas Art. 474. Haverá resolução do mérito quando: I – o juiz acolher ou rejeitar o pedido do autor ou o pedido contraposto do réu; II – o réu reconhecer a procedência do pedido; III – as partes transigirem; IV – o juiz pronunciar, de ofício ou a requerimento, a decadência ou a prescrição; V – o autor renunciar ao direito sobre o qual se funda a ação. Parágrafo único: Ressalvada a hipótese do § 1o do art. 307, a prescrição e a decadência não serão decretadas sem que antes seja dada às partes oportunidade de se manifestarem. 1

2 Art. 357. O ônus da prova, ressalvados os poderes do juiz, incumbe: I – ao autor, quanto ao fato constitutivo do seu direito;

II – ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor.

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O eco das ruas ou a afirmação de um novo sujeito constitucional

Edson Aguiar de Vasconcelos

O

Desembargador do TJRJ

O povo nas ruas primeiro semestre do ano de 2013 revelou ao mundo o início de uma sucessão de manifestações populares ocorridas nas ruas de centenas de cidades brasileiras, com destaque nos principais veículos de comunicação internacionais. Esse acontecimento tem sido analisado por diversos ângulos, havendo importantes pensadores que, na linha analítica de Félix Guatarri1, interpretam esse fato social como o início de uma revolução voltada à substituição dos espaços dos poderes constituídos. Em nossa visão, o episódio é para ser observado em sua inteireza política, excluídos do contexto os atos de violência que o têm permeado, na medida em que estes são contingenciais e praticados por pessoas não identificadas com a linha de atuação dos verdadeiros integrantes do movimento, os quais têm demonstrado absoluto respeito às regras imanentes à liberdade de expressão. Nessa perspectiva, tudo é reconduzido a um referencial sociológico que permite excluir da análise a mencionada “teoria conspiratória da revolução”, por consequência das características espontâneas e informais dos movimentos de protestos, os quais não se identificam com agitações revolucionárias, pois estas, quase sempre, visam à 38

substituição da ordem política vigente, apresentando-se aparelhadas de determinados perfis ideológicos. Declínio da “Era das Revoluções” e florescimento da “Era do Direito” O último quartel do século XX foi marcado pelo declínio das ideologias revolucionárias, e isso encerrou a chamada “Era das Revoluções”, transformação social explicada por Alain Touraine como sendo umas das consequências da destruição dos antigos regimes estatais pela falta de aceitação, pela maioria das pessoas, da supressão das liberdades individuais impostas pelos regimes autoritários modernos, que, com sua prática, parecem ter superado as arbitrariedades e injustiças próprias dos governos das antigas elites conservadoras que foram por aqueles apeadas do poder político. O ocaso da “Era das Revoluções” possibilitou o advento da “Era do Direito”, denominação cunhada por Norberto Bobbio, centrada nos princípios democráticos que proporcionaram um gradual processo de proteção dos direitos do homem. A pessoa humana tornou-se o elemento central da ordem jurídica, adquirindo status de “sujeito constitucional”, em posição ativa, pois, como preleciona Touraine, o indivíduo só se torna sujeito quando assume o “Si-mesmo” e se opõe à lógica da dominação social em

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Foto: Rosane Naylor

nome de uma lógica de liberdade, na livre produção de si próprio, tornando-se senhor de seus direitos. Esse “sujeito” deve definir-se a partir da ideia de “indivíduo-agente”, envolto em sua condição social. O “sujeito” assim considerado é um modo de construção da experiência comunitária e só subsiste na relação com o “outro-social”, devendo, inclusive, contestar a lógica de ordem sempre que assim determine o interesse social legitimamente identificado. Manifestações populares e democracia pluralista As manifestações populares que recrudesceram no Brasil são fenômenos típicos das democracias pluralistas, classificadas pela Ciência Política como espécies de “grupos de pressão”, ou “grupos de interesse”, com feição anômica, já que não contam com organização institucional e impulsionam interesses de grande parte da coletividade em direção às instituições governamentais. Além disso, essas manifestações apresentam-se apartadas e dos partidos políticos, e se revelam em situações de anomalias políticas graves, tendo como móveis distorções políticas, o que, no plano abstrato, as enquadram naquilo que Justin Daniel rotulou de “rito purificador das instituições”. Ainda no plano abstrato, pode-se observar que a atuação desses grupos apresenta motivação de ordem moral e, desde

a década de 80 do século passado, tem eclodido mediante convocações veiculadas pelos meios de comunicação, tarefa extremamente facilitada na atualidade pela mídia social, um veículo intercomunicador instantâneo, que se articula até mesmo com uso de simples aparelhos celulares. A quem intimidam as vozes da rua? As manifestações populares pacíficas devem ser exaltadas, e não suscitar temores. O cientista político Manuel Braga da Cruz afirma que a existência desse tipo de expressão social não é estranha às estruturas pluralistas de governo, sendo um fator típico de sociedades desenvolvidas, um sintoma mesmo de modernização política representada pela crescente intervenção dos interesses sociais no processo político. Na opinião de Gabriel Almond, esses tipos de manifestações devem realizar-se de maneira clara, explícita, geral e instrumental, para assim possibilitarem a circulação das exigências da sociedade para o sistema político e das respostas deste para aquela, em autêntica circularidade de input e output. Manifestações populares e partidos políticos Um fator que tem chamado a atenção sobre essas manifestações populares no Brasil é o rechaço de coexistência

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com os partidos políticos, o que parece ótima demonstração de amadurecimento da sociedade brasileira, mas não se deve esquecer, no entanto, que esse afastamento deve restringir-se às formas de expressões, sem jamais excluir as agremiações partidárias do jogo político, uma vez que as mesmas devem coexistir com as instituições sociais no processo democrático. É ainda Gabriel Almond a observar que uma adequada articulação dos interesses sociais não prescinde de uma exata demarcação dos limites entre a função política e a estrutura social, inadmitindo-se quaisquer interferências de grupos de pressão ou de interesse nas estruturas partidárias e viceversa, pois o controle desses grupos pelos partidos esvazia a capacidade daqueles de formular pautas pragmáticas e contamina sua atividade com cargas ideológicas e políticas; ao contrário, o controle dos partidos pelos grupos de pressão ou de interesse prejudica a formulação de pautas partidárias, quase sempre caracterizadas por programas de grande amplitude. Consequentemente, torna-se imprescindível que a atuação desses grupos se restrinja aos limites de sua respectiva esfera de influência social, não devendo ultrapassar os atos de articulação de interesses, respeitadas as competências institucionais dos partidos, que se consubstanciam na articulação e na expressão política desses mesmos interesses. O recíproco respeito a cada esfera de atuação é fundamental para a salvaguarda da democracia. Não sendo assim, haverá sempre o risco de os grupos de pressão ou de interesses degradarem a tessitura democrática do sistema político, fenômeno que Georges Albert Astre e Pierre Lepinasse denominaram de “democracia contrariada”. As vozes das ruas ecoam na Constituição Na tradição do constitucionalismo no Brasil, os cidadãos têm figurado em posição ancilar ao Estado. Ao longo da trajetória política brasileira, o exercício pleno da cidadania tem sido deferido a apenas uma minoria. Mas, felizmente, o atual estágio constitucional, iniciado com a Carta de 1988, instaurou entre nós a apregoada “Era de Direito”, mercê da outorga a todos os brasileiros do direito fundamental de cidadania, ao menos em caráter proclamatório, e isso convoca ao terreno jurídico o conceito sociológico crismado por Hanna Arendt pela expressão “direito a ter direitos”. A partir de então, o cidadão brasileiro pôde assumir posição proativa diante do Estado e do poder político. Nessa nova moldura político-institucional, o cidadão foi reconstruído na transparência dos mecanismos que se utilizam da noção de sistema e se comunicam nos procedimentos previstos na Constituição. Democracia deliberativa A Constituição de 1988 inaugurou no Brasil a denominada democracia deliberativa, que pressupõe sejam as decisões tomadas pelas pessoas envolvidas no processo político, com 40

emprego de raciocínio público, livre e entre iguais. A inclusão desse fator deliberativo no âmbito textual da Constituição implicou certa adaptação dos elementos formadores da teoria da democracia deliberativa, na medida em que essa inovação se contenta com a simples inserção de alguns indivíduos nas agências deliberativas, o que parece ir ao encontro de uma concepção teórica que acredita dependerem as mudanças constitucionais e legais de esforços para se implantarem (ou aprimorarem) mecanismos de democracia deliberativa. Essa adaptação do pensamento da democracia deliberativa é perceptível na obra de Habermas, principal artífice da teoria, o qual, em sua obra Direito e Democracia, admite que o foco da mudança possível se restringe ao ordenamento legal. Segundo John S. Dryzek, o ponto fulcral da discussão deve centrar-se nos processos de democratização que se devem aprofundar em três vertentes: a) inclusão efetiva de mais pessoas no debate público; b) ampliação das questões sujeitas ao controle democrático; c) aprimoramento da autenticidade de tal controle, que não se deve limitar aos aspectos meramente formais ou simbólicos, devendo envolver efetividade das respectivas medidas. Em sede legislativa, a Constituição conferiu aos cidadãos poderes de iniciativa das leis complementares e ordinárias pela possibilidade de apresentação de projetos de lei à Câmara dos Deputados, subscritos por, no mínimo, um por cento do eleitorado nacional, distribuído pelo menos por cinco estados, com não menos de três décimos por cento dos eleitores de cada um deles (art. 61). Democracia constitucional bem ordenada A democracia deliberativa evoca o conceito de “democracia constitucional bem ordenada” e reconduz à ideia da própria deliberação, pois isto acontece quando os cidadãos deliberam, trocam pontos de vista e debatem as razões que sustentam as questões relacionadas às políticas públicas. A deliberação, assim entendida, se desenrola no campo discursivo e não constitui jamais resultado de interesses privados ou não políticos. Nesse ponto, exsurge a razão pública como fator que caracteriza o raciocínio dos cidadãos conectados a questões de justiça básica. Razão pública e democracia deliberativa John Rawls assinala alguns pontos-chave para indicar o lugar e o papel mais amplo da “razão pública”. Para ele, existem três elementos essenciais na democracia deliberativa: o primeiro radica na ideia de “razão pública”; o segundo elemento é representado por uma estrutura de instituições democráticas constitucionais, que deve especificar o cenário dos corpos legislativos deliberativos; o terceiro é constituído pelo conhecimento e pelo desejo dos cidadãos de seguir a

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“razão pública” e concretizar seus ideais na conduta política. Assim sendo, uma das implicações imediatas desses elementos essenciais é a organização de ocasiões públicas para a discussão ordenada e séria de questões fundamentais e de política pública. A deliberação pública dessa natureza não pode ser dominada por interesses que não possam ser confrontados na mesma arena pública. Ademais, a democracia deliberativa também reconhece que as decisões políticas e sociais não podem ser tomadas sem a existência de uma estrutura que possibilite a existência de ambiente de educação relacionada às questões objeto de deliberação, não se podendo prescindir de um público informado a respeito de problemas prementes. Segundo Rawls, mesmo que líderes políticos previdentes desejassem fazer mudanças e reformas sensatas, não poderiam convencer um público mal-informado e descrente a aceitálas e segui-las. Nesse diapasão, muitas propostas sensatas não serão aceitas se o sistema político não estiver aparelhado para funcionar a contento. Democracia e manipulações políticas Em verdade, os instrumentos da democracia deliberativa somente podem ser utilizados em ambientes processuais discursivos, nos quais a matéria objeto de deliberação seja do pleno conhecimento dos decisores (eleitores, no caso de plebiscito e referendo), sob pena de ocorrer aquilo que Juan Ferrando Badia denomina de “perigo do plebiscito”, que, desde o tempo de Napoleão, tem sido utilizado para mascarar governos pessoais, dando-lhes aparência democrática, pois o povo escolhe em função de líderes políticos que lhes submetem à consulta. Canotilho refere o caráter decisionista que o plebiscito pode revestir e de possibilidade de transformação das iniciativas dos cidadãos em esquemas plebiscitários. Não são poucos os autores que advertem para o paradoxo das consultas populares, conforme se constata de exemplos históricos e atuais do reforço das tendências conservadoras, parecendo a Maurice Duverger ser este o perigo mais grave do referendo. De qualquer sorte, a prática da consulta popular, destituída de conotação voluntarista, permite uma mobilização do cidadão para as atividades políticas que lhe são inerentes. Prestigiosa ala de publicistas observa que os meios políticos, ordenados segundo o interesse geral, tornam viável a manutenção do poder dentro de certa orientação, com observância de determinados limites, desde que se imprimam algumas regras básicas, nomeadamente a publicidade dos atos dos governantes, a fim de possibilitar a formação de opinião pública e reforçar outros aspectos garantistas. Nessa perspectiva, a separação de poderes é apresentada como autêntica técnica de limitação do poder político.

“Um fator que tem chamado a atenção sobre essas manifestações populares no Brasil é o rechaço de coexistência com os partidos políticos, o que parece ótima demonstração de amadurecimento da sociedade brasileira.”

Nota 1 Para Guatarri, revolução pode ser entendida como uma singularização que “coincide com uma vontade de construir o mundo no qual nos encontramos, com a instauração de dispositivos para mudar os tipos de sociedades, os tipos de valores que não são os nossos.”

Referências bibliográficas GUATARRI, Félix. Micropolítica: cartografias do desejo. Petrópolis: Vozes, 1996. TOURAINE, Alain. Le Retour de L´Acteur. Paris: Librairie Arthème Fayard, 1984. TOURAINE, Alain. Crítica da Modernidade. Lisboa: Instituto Piaget, 1994. DANIEL, Justin. Les démocraties pluralistes face aux scandales politiques. Revue Française de Science Politique, n. 46 (6), dezembro de 1992; CRUZ, Manuel Braga da. Instituições políticas e processos sociais. Rio de Janeiro: Bertrand, 1995. ALMOND, Gabriel A.; COLEMAN, James S. The Politics of the Developing Areas. Princeton, NJ: Princeton University Press, 1960. ALMOND, Gabriel. A comparative study of interest groups and the political process. American Political Science Review, LII, março de 1958. ASTRE, Georges Albert; LEPINASSE, Pierre. La democratie contrariée. Lobbies et jeux de pouvoir aux États Unis. Paris: La Découverte, 1985. ARENDT, Hannah. Origens do totalitarismo. São Paulo: Companhia das Letras, 1989. VASCONCELOS, edson aguiar de. Direito fundamental de cidadania ou direito a ter direitos. Curitiba: CRV, 2012. BOBBIO, Norberto. L´etá dei diritti. Giulio Einaudi editore, 1990/1992. DRYZEK, John S. Deliberative democracy and beyond: liberals, critics, contestations apud MIGUEL, Luis Felipe. Promessas e limites da democracia deliberativas. Revista Brasileira de Ciências Sociais, vol. 16, n. 46, São Paulo, 2001. RAWLS, John Uma teoria da Justiça (original: A theory of justice). São Paulo: Martins Fontes, 2002. BADIA, Juan Ferrando. Estudios de Ciencia Politica. Madri: Tecnos, 1992. CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição. Coimbra: Coimbra, 2003.

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A conciliação e a mediação como instrumentos para a desjudicialização das relações sociais Márcia Maria Milanez

C

Desembargadora do TJMG

1. Introdução ontemporaneamente, muito se discute sobre os problemas enfrentados pelo Poder Judiciário na resolução qualitativa dos conflitos de interesse que a ele são submetidos. Além do elevado número de processos e das deficiências estruturais que acentuam a morosidade no término do processo judicial, discute-se, ainda, o alcance da solução estatal na harmonização das partes pela satisfação de seus interesses trazidos em juízo. Diante do elevado número de recursos, de execuções judiciais e do elevado índice de insatisfação dos jurisdicionados, questiona-se sobre a necessidade de revisão do modelo de solução de conflitos tradicionalmente adotado, no qual prepondera a resolução adjudicada dos conflitos de interesses. Neste breve texto, far-se-á uma análise das principais causas da excessiva judicialização das relações sociais no Brasil, procurando delimitar em que medida o modelo processual vigente no Brasil precisa sofrer adequações com vista a minimizar os problemas enfrentados na gestão dos conflitos de interesse em âmbito judicial. Tecer-se-ão, também, algumas considerações sobre a necessidade de implementação de uma Política Judiciária Nacional de tratamento adequado dos conflitos de 42

interesses, discorrendo-se sobre as principais inovações trazidas pela Resolução no 125/2010 do Conselho Nacional de Justiça, no intuito de demonstrar a importância da ampliação e do aprimoramento do sistema de resolução de conflitos brasileiro. Apresentar-se-á, por fim, a conciliação e a mediação como instrumentos aptos a contribuir para a redução da excessiva judicialização das relações sociais, oportunizando-se que as partes envolvidas em um conflito possam assumir-se na condição de autoras da construção da solução para seu problema, evitando que toda e qualquer questão submetida ao Poder Judiciário seja resolvida adjudicativamente. 2. Traços da excessiva judicialização das relações sociais Nos últimos anos, o Poder Judiciário brasileiro tem sido alvo de inúmeras críticas e questionamentos envolvendo, principalmente, sua eficiência, a morosidade, a inefetividade e a qualidade de seus provimentos. Desde sua criação, o Conselho Nacional de Justiça – CNJ tem demonstrado grande preocupação com a insatisfação da sociedade e a crise de confiabilidade em relação ao Judiciário. Em seu último diagnóstico,

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Foto: Arquivo pessoal

divulgado em 2010, o CNJ relatou que em todo o país existiam mais de 86 milhões de processos em tramitação, com uma taxa de congestionamento de 71% (Conselho Nacional de Justiça, 2010), o que indica que, de cada dez processos postos nas prateleiras do Judiciário, apenas três foram julgados no ano. Segundo a Conselheira Morgana de Almeida Richa, esse “[…] contingente de demanda por si revela elemento desestabilizador do funcionamento adequado do aparato judiciário, posto que, abarrotado de processos em larga monta, não consegue responder ao quantitativo em observância ao esperado binômio qualidade/celeridade” (RICHA, 2011, p. 62). Essa crescente escalada no número de processos judiciais revela, a priori, a presença do fenômeno da excessiva judicialização das relações sociais, desvelando uma tendência brasileira a se levar todo e qualquer tipo de conflito para ser resolvido perante o Poder Judiciário. Segundo Luís Roberto Barroso, “a judicialização envolve uma transferência de poder para juízes e tribunais, com alterações significativas na linguagem, na argumentação e no modo de participação da sociedade” (BARROSO, 2011).

No modelo processual brasileiro, nota-se, dessa forma, uma tendência de transferência do poder decisório das pessoas envolvidas no conflito para os juízes representantes do Estado, que assumem um verdadeiro protagonismo na solução do problema, com significativos deficits para a construção de um modelo processual democrático. Luís Roberto Barroso procura elencar algumas das múltiplas causas dessa excessiva judicialização das relações sociais, dentre elas cita a constitucionalização abrangente de direitos e a correspondente abertura para os interessados ingressarem em juízo buscando concretizar direitos e políticas públicas, aumentando a demanda por justiça pelos cidadãos. Ao lado dessa causa, cita ainda a recuperação das garantias da magistratura após o regime militar, que levou à ascensão institucional do Poder Judiciário e à sua reafirmação como poder político. Para Barroso, a combinação dessa afirmação insti­ tucional com o novo ambiente democrático reavivou a cidadania e elevou o nível de conscientização da população quanto a seus direitos, modificando a relação da sociedade com o Poder Judiciário, que passou a ser

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visto com mais confiabilidade e como desaguadouro natural dos anseios por proteção e pela efetividade de direitos (BARROSO, 2011). Outro fator que contribuiu para o aumento da judicialização foi a renovação de alguns serviços judiciais, especialmente após o advento dos Juizados Especiais Cíveis (Lei no 9.009/95). Com a inserção dos princípios da oralidade, da simplicidade, da informalidade, da economia processual e da celeridade, com a dispensa da necessária representação por advogado nas causas até vinte salários mínimos, e com a isenção do pagamento das taxas e custas processuais, criou-se um ambiente favorável para que uma grande parcela de pequenos conflitos, antes não conhecidos pelos juízes, passasse a ser discutida cotidianamente no Judiciário. Se anteriormente se falava em litigiosidade contida por falta de instrumentos aptos a promover o acesso à Justiça, atualmente, pode-se falar em litigiosidade desenfreada, com a multiplicação de uma série de lides temerárias. Assim, pode-se afirmar que atualmente o Poder Judiciário vive um momento de crise, uma vez que se vê congestionado de processos e impossibilitado de oferecer uma resposta célere, efetiva e qualitativa aos conflitos que desaguam cotidianamente nas inúmeras comarcas do país. No entender de Kazuo Watanabe, essa crise deriva não somente em razão da sobrecarga excessiva de processos, mas também da falta de uma política pública de tratamento adequado dos conflitos de interesses (WATANABE, 2011). O Poder Judiciário brasileiro tem sua história marcada pela preponderância da solução adjudicada dos conflitos de interesses, consubstanciando-se em um sistema de via única de solução de conflitos, no qual a sentença impositiva predomina sobre qualquer outra forma de resolução de controvérsias. Na concepção de Roberto Portugal Bacellar, essa crise do Poder Judiciário é também consequência de uma crise do próprio ensino jurídico, vez que “[…] forma guerreiros, profissionais combativos e treinados para a guerra, para a batalha, em torno de uma lide, onde duas forças opostas lutam entre si e só pode haver um vencedor” (BACELLAR, 2011, p. 31). Assim, a preponderância da utilização do contencioso na resolução de conflitos no Brasil deriva da prevalência nas faculdades de Direito de um ensino jurídico voltado para a beligerância. Enquanto não forem educados para tanto e não conhecerem outras formas de resolução de conflitos, os profissionais do Direito continuarão a se utilizar da única forma que conhecem de resolver conflitos de interesse: a judicialização. Pedro Câmara Raposo Lopes considera, ainda, que há aspectos sociológicos que levam o povo brasileiro a preferir o sufrágio estatal à outra forma de resolução de 44

conflitos, perpetuando o que chama de cultura do carimbo, da “cartorização”. Aduz o autor que: (...) esta peculiar característica da formação da personalidade do homem brasileiro, tomada de empréstimo do homem ibérico por sua gênese, amesquinha as tentativas mais bem intencionadas de reduzir o passivo judicial, como, verbi gratia, as medidas paraestatais de solução de conflitos (mediação, arbitragem e quejandos) que não encontraram no solo brasileiro terreno virente, justamente pela carência do elemento judicial a lhe conferir a chancela estatal (absolutamente desnecessária nos povos de tradição oriental ou anglo-saxã). (LOPES, 2011).

Surge, dessa forma, uma sociedade de litigantes, na qual não se procura resolver as desavenças de interesses por outros métodos de resolução de conflitos, especialmente os consensuais, fragilizando-se, com isso, os laços sociais e a construção de uma sociedade madura e democrática, visto que, com essa postura beligerante, o cidadão brasileiro acaba entregando o destino de suas questões nas mãos do julgador estatal, deixando de ser o protagonista na construção discursiva da solução para seu conflito. 3. A necessidade de implementação de uma política judiciária nacional de tratamento adequado dos conflitos de interesses Em 29 de novembro de 2010, o Conselho Nacional de Justiça, por meio da Resolução no 125, tornou pública a institucionalização de uma Política Judiciária Nacional de tratamento adequado dos conflitos de interesses no âmbito do Poder Judiciário. Com a institucionalização dessa política pública, o CNJ considerou que cabe ao Poder Judiciário organizar, em âmbito nacional, não somente os serviços prestados nos processos judiciais, mas também os que possam sê-lo mediante outros mecanismos de solução de conflitos, em especial dos consensuais, como a mediação e a conciliação. Ao instituir uma política de tratamento adequado dos conflitos que deságuam em crescente escalada no Poder Judiciário, o CNJ pretendeu assegurar a todo jurisdicionado o direito à solução de seu conflito por meios adequados às suas natureza e peculiaridade (art. 1o da Res. 125/2010), oferecendo-lhe, ao lado da solução adjudicada, outros mecanismos de resolução de controvérsias, em especial os chamados meios consensuais, como a mediação e a conciliação, no intuito de ampliar as vias de acesso ao sistema de Justiça. Embora a conciliação e a mediação já viessem sendo utilizadas na resolução dos conflitos por muitos tribunais no país, o CNJ considerou que tais experiências careciam de uniformidade e um mínimo de qualidade. Por isso, com a Res. 125/2010, o Conselho Nacional de Justiça

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procurou estabelecer algumas diretrizes para organizar e uniformizar os serviços de conciliação e mediação oferecidos pelo Poder Judiciário, no intuito de estimular, apoiar e difundir a sistematização e o aprimoramento das práticas já adotadas pelos tribunais. Com o advento dessa Política Judiciária Nacional, o Poder Judiciário passa a ser visto como um centro de resolução de controvérsias, com distintos processos, cabendo-lhe oferecer ao jurisdicionado a possibilidade de escolher o meio mais adequado à resolução de sua questão, consoante suas natureza e peculiaridade. Para tanto, o CNJ determina que os Tribunais deverão criar Núcleos Permanentes de Métodos Consensuais de Solução de Conflitos (art. 7o da Res. 125/2010), destinados a desenvolver essa Política Judiciária Nacional no âmbito de sua atuação, com o planejamento, a implementação e o aperfeiçoamento de ações voltadas ao cumprimento das metas estabelecidas na Res. 125/2010. Entre as principais atribuições dos Núcleos Perma­ nentes, está a obrigatoriedade de instalar nas comarcas, seções, subseções e regiões judiciárias os Centros Judi­ ciários de Solução de Conflitos e Cidadania, onde será concentrada a realização das sessões de conciliação e mediação, tanto processuais quanto pré-processuais, bem como será disponibilizado um serviço de orientação e atendimento ao cidadão (art. 8o da Res. 125/2010). No intuito de garantir a boa qualidade dos serviços prestados, a Resolução no 125/2010 estabelece como atribuição dos Núcleos Permanentes a promoção da capacitação, do treinamento e da atualização permanente de magistrados, servidores, conciliadores e mediadores nos métodos consensuais de solução de conflitos, observando, para tanto, o conteúdo programático e a carga horária mínima estabelecidos no anexo I da referida Resolução. Dessa forma, com a uniformização e a qualificação dos procedimentos, essa Política Judiciária Nacional objetiva estimular a construção de uma nova cultura na resolução dos conflitos de interesses no Brasil, aberta a outras formas de resolução de controvérsias que não a adjudicada, propiciando que os conflitos possam ter um tratamento adequado e que o jurisdicionado obtenha uma solução tempestiva e efetiva para seu problema. Segundo André Gomma de Azevedo, nesse novo paradigma que se desenvolve após o estabelecimento dessa Política Judiciária Nacional, alteraram-se, também, a função dos magistrados e dos Tribunais, que devem assumir, cada vez mais, uma função de gerenciamento de disputas ou de gestão de processos de resolução de controvérsias (AZEVEDO, 2011). Expõe o autor que: (...) com a Resolução no 125 do Conselho Nacional de Justiça, começa a se criar a necessidade de tribunais e magistrados abordarem questões como solucionadores

de problemas ou como efetivos pacificadores – a pergunta a ser feita deixou de ser “como deve sentenciar em tempo hábil”, e passou a ser “como devo abordar essa questão para que os interesses que estão sendo pleiteados sejam realizados de modo mais eficiente e no menor prazo”. (AZEVEDO, 2011, p. 17).

Nesse novo cenário em que o Poder Judiciário sofre alterações em suas atividades, com a assimilação de distintos processos de resolução de disputas, também os magistrados, além da função jurisdicional que já desenvolvem, precisarão assumir uma função gerencial na administração dos conflitos que lhe são submetidos, bem como na fiscalização e no acompanhamento de seus auxiliares, conciliadores e mediadores, no intuito de assegurar que sejam cumpridas as diretrizes estabelecidas na Política Judiciária Nacional de tratamento adequado dos conflitos de interesses. Vê-se, assim, que a mudança na cultura da beligerância e da excessiva judicialização das relações sociais passa, igualmente, por uma mudança na postura dos próprios magistrados e Tribunais. A mudança social que se quer ver implementada com o estabelecimento dessa política pública deve ser assumida, primeiramente, pelos magistrados e demais operadores do Direito, e esses, enquanto agentes de transformação social, propiciarão, paulatinamente, uma revolução social na forma de gestão e resolução dos conflitos no Brasil. 4. A conciliação e a mediação como instrumentos para a desjudicilização das relações sociais 4.1 Aspectos conceituais A conciliação e a mediação situam-se dentre os denominados Meios Alternativos de Solução de Conflitos, conhecidos internacionalmente pela sigla ADR (Alternative Dispute Resolution), caracterizando-se como métodos consensuais de resolução de disputas, nos quais a construção para a solução do conflito dá-se de maneira autônoma e consensual entre as partes, não havendo qualquer imposição por parte do(s) terceiro(s) que atua(em) como interventor(es) no processo de resolução do conflito. No Brasil, tanto a conciliação quanto a mediação são utilizadas como formas de resolução de conflitos no decorrer de um processo judicial (incidental) e também na resolução de conflitos ainda não ajuizados (conciliação e mediação pré-processuais). O termo mediação vem do latim mediare, que significa mediar, colocar-se no meio ou intervir, enquanto a palavra conciliação tem sua raiz etimológica no vocábulo latino conciliatio, derivado do verbo conciliare (acerto de ânimos em choque). Tanto a mediação quanto a conciliação são proce­ dimentos não adversariais de resolução de conflitos e

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têm como princípio basilar a autonomia das partes na construção conjunta e cooperativa da solução que melhor atenda aos seus interesses e necessidades. Ademais, ambas contam com a presença de um terceiro imparcial e neutro em relação ao conflito – o mediador ou o conciliador –, que atua como um facilitador do diálogo e da negociação entre as partes. Diferentemente do que ocorre na maioria dos países, no Brasil, a mediação e a conciliação, embora possuam características assemelhadas, não são tratados como sinônimos, sendo comum diferenciar tais termos em razão da postura do conciliador e do mediador na condução do procedimento. O mediador, na mediação, atuaria apenas como um facilitador da comunicação entre as partes, sem sugerir ou apresentar qualquer solução para o conflito, vez que essa deve ser construída exclusivamente pelas partes. Segundo Lília Maia de Morais Sales, a mediação: […] é um procedimento em que e através do qual uma terceira pessoa age no sentido de encorajar e facilitar a resolução de uma disputa, evitando antagonismos, porém sem prescrever a solução. As partes são as responsáveis pela decisão que atribuirá fim ao conflito. (SALES, 2004, p. 23).

Por outro lado, o conciliador, na conciliação, além de facilitar a comunicação e a negociação entre as partes, poderia sugerir possíveis soluções para o conflito, sendo facultado às partes aceitá-las ou não. Feita essa primeira e simples diferenciação, mostrase oportuno, também, fazer uma breve distinção metodológica entre os dois institutos. Para isso, tomar-se-á como referência a natureza do conflito a ser resolvido por um ou outro método consensual. Nesse sentido, a utilização da técnica conciliatória, por ser objetiva e direcionada para a obtenção de acordos, mostra-se mais indicada para os conflitos que não necessitam de uma análise muito aprofundada para sua solução, nos quais as partes envolvidas mantenham apenas relações pontuais, e o diálogo e a negociação revelem-se fluentes entre os envolvidos. Diferentemente, a técnica da mediação é mais indicada para os conflitos de natureza complexa, nos quais há laços intensos de relacionamento entre os envolvidos, sendo difícil trabalhar o conflito de maneira superficial sem um adentramento nas causas que deram origem à situação conflituosa. Ao contrário da conciliação, que tem como norte o acordo, na mediação, o acordo é mera consequência do debate entre as partes e, ainda que não seja obtido, não desqualifica o procedimento mediacional conquanto este tenha contribuído para melhorar a comunicação e o relacionamento entre os envolvidos. Para Roberto Portugal Barcellar, 46

a conciliação em um dos prismas do processo civil brasileiro é a opção mais adequada para resolver situações circunstanciais, como uma indenização por acidente de veículo, em que as pessoas não se conhecem (o único vínculo é o objeto do incidente), e, solucionada a controvérsia, lavra-se o acordo entre as partes, que não mais vão manter qualquer outro relacionamento; já a mediação afigura-se recomendável para situações de múltiplos vínculos, sejam eles familiares, de amizade, de vizinhança, decorrente de relações comerciais, trabalhistas, entre outros. Como a mediação procura preservar as relações, o processo mediacional bem conduzido permite a manutenção dos demais vínculos, que continuam a se desenvolver com naturalidade durante e depois da discussão da causa. (BACELLAR, 2011, p. 35-36).

Dessa forma, a postura mais intervencionista do conciliador decorre dos próprios objetivos e do modelo do procedimento conciliatório, vez que, em busca do acordo, ele tem a prerrogativa de ajudar as partes a encontrar as soluções possíveis, podendo, com imparcialidade, sugerir opções que considere que igualmente irão atender aos interesses dos envolvidos. De outro lado, o mediador, por não estar preocupado com um acordo imediato, não tem por que sugerir opções para a solução do conflito, podendo dedicar-se à investigação mais aprofundada dos reais interesses das partes envolvidas na situação conflituosa, encorajando os próprios envolvidos para que sozinhos possam encontrar as soluções que melhor irão satisfazê-los. 4.2 Princípios norteadores da conciliação e da mediação Do exposto anteriormente, pode-se afirmar que a conciliação e a mediação são procedimentos não adversariais de resolução de conflitos, no qual as partes voluntariamente procuram conjunta e consensualmente construir uma solução para seu conflito, sendo auxiliadas por um terceiro neutro e imparcial. O terceiro, que atua como facilitador na negociação entre as partes – conciliador ou mediador –, além da neutralidade e da imparcialidade, deve possuir também conhecimento sobre os procedimentos e as técnicas usados na mediação e na conciliação, atuando com competência e credibilidade na condução do procedimento, compro­ metido na identificação dos reais interesses e na capacitação das partes para que, juntas e isonomicamente, possam encontrar soluções que igualmente atendam aos seus interesses e necessidades. Em razão de suas características, a mediação e a conciliação possuem alguns princípios básicos que norteiam a condução do processo autocompositivo, dentre os quais se destacam: voluntariedade; não adversariedade; credibilidade, imparcialidade e neutralidade do conciliador e/ou do mediador; flexibilidade e informalidade do processo; e

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confidencialidade. a) Voluntariedade: por serem métodos consensuais de resolução de conflitos, é indispensável que as partes desejem, livremente, participar de uma mediação ou conciliação. Segundo Walsir Edson Rodrigues Júnior, as partes precisam querer e ao menos acreditar que poderão obter um resultado satisfatório, uma vez que terão elas próprias que tomar as decisões para resolver seu conflito. Para o autor, tanto o ingresso quanto a permanência devem ser frutos da vontade exclusiva das partes, não podendo resultar de imposições, ainda que legais (RODRIGUES JÚNIOR, 2007). b) Não adversariedade: sendo procedimentos coope­­ rativos, na conciliação e na mediação não pode haver competição entre os participantes, devendo ser estimulada a cooperação entre as partes na construção conjunta da melhor solução para suas questões. Assim, se as partes entenderem o procedimento como uma competição, farão de tudo para vencer a outra parte, tornando o conflito um fim em si mesmo e ofuscando os reais interesses envolvidos, transformando o que era para ser um processo construtivo em algo destrutivo. Segundo Maria Nazareth Serpa, “o processo funciona como um redutor de hostilidade enquanto encoraja as partes a cooperarem e comunicarem entre si. Como consequência, a mediação geralmente tem o efeito de conter a escalada das questões em disputa e o antagonismo” (SERPA, 1999, p. 154). c) Credibilidade, imparcialidade e neutralidade: inicialmente, a credibilidade revela-se uma condição indispensável para a efetividade do desenvolvimento do processo conciliatório ou mediacional. É fundamental para o sucesso na condução do procedimento que as partes confiem no conciliador ou mediador, e isso é obtido quando este atua de forma independe, sincera, capacitada, coerente e competente. Além do mais, o conciliador e o mediador devem agir com imparcialidade, mantendo-se equidistantes das partes, sem conceder quaisquer favoritismos. Em relação à imparcialidade, o conciliador/mediador assemelha-se a um juiz. Entretanto, em relação à neutralidade com que deve agir, diferencia-se da postura do juiz, vez que o conciliador/mediador deve abster-se de decidir pelas partes, pois a decisão é somente delas, afastando ainda suas opiniões e seus desejos particulares em prol da compreensão das opiniões e dos interesses das partes (RODRIGUES JÚNIOR, 2007).

d) Flexibilidade e informalidade do processo: as partes, com o auxílio do conciliador/mediador, podem livremente estabelecer as regras e a dinâmica do processo autocompositivo, em razão da natureza do conflito e das características das partes, ressalvados, entretanto, certos princípios básicos. Diferentemente do processo judicial, que se caracteriza por sua rigidez de formas e atos, na conciliação e na mediação existe uma flexibilidade procedimental que favorece a cooperação e a adequação às necessidades e ao tempo de que dispõe os envolvidos, contribuindo para que os reais interesses das partes possam ser investigados e, ao final, atendidos. e) Confidencialidade do processo: segundo Walsir Edson Rodrigues Júnior, “a confidencialidade é a garantia dada às partes envolvidas de que as informações, de qualquer natureza, passadas ao mediador não serão repassadas a terceiros alheios ao processo” (RODRIGUES JÚNIOR, 2007, p. 92). Esse princípio ético orienta para o dever de o conciliador/mediador guardar sigilo quanto às informações reveladas durante o processo autocompositivo. Sem a garantia da confidencialidade, poderia haver desconfiança das partes e o receio em revelar os aspectos relativos aos seus reais interesses e necessidades. Decorre desse princípio a vedação de o conciliador/mediador, após o insucesso do procedimento, atuar como juiz, árbitro ou advogado de qualquer uma das partes, uma vez que detém informações privilegiadas e sigilosas que não poderão ser utilizadas sem a autorização de ambas as partes envolvidas no conflito. 4.3 A conciliação/mediação e a desjudicialização das relações sociais Consoante delineado no início deste texto, a judicialização das relações sociais pode ser caracterizada como um fenômeno de transferência do poder decisório das partes envolvidas em um conflito para juízes e Tribunais, com significativos deficits em termos de construção participada e negociada de soluções para os conflitos de interesses nos quais os cidadãos encontram-se envolvidos. Como visto, a par da questão cultural, a excessiva judicialização das relações sociais decorre da falta de uma política pública de gerenciamento adequado dos conflitos de interesses, visto que prepondera no sistema judicial brasileiro a resolução adjudicada dos conflitos de interesses por meio de um sistema de via única marcado pelo processo contencioso. Com o advento da Resolução no 125/2010 do CNJ, passou-se a entender que compete ao Poder Judiciário

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organizar não somente os serviços prestados mediante os processos judiciais, mas também oferecer aos jurisdicionados outros mecanismos de resolução de conflitos, especialmente os consensuais, como a conciliação e a mediação, objetivando dar um tratamento mais adequado aos conflitos de interesses em razão de suas natureza e peculiaridade, evitando, com isso, a judicialização de toda e qualquer questão que seja submetida à resolução via Poder Judiciário. Vale destacar que a mediação e a conciliação, enquanto procedimentos de natureza discursiva, propiciam as condições necessárias para que a decisão seja construída diretamente pelos seus destinatários. Destaca-se, ademais, que a autonomia é o princípio regente dos procedimentos mediacional e conciliatório. As partes são livres para decidir se querem ou não participar do procedimento, têm liberdade para estabelecerem as regras e a dinâmica do processo, e, ao final, são livres para pactuarem os termos da decisão que terão que suportar. Dessa forma, as partes assumem a condição de autoras do provimento jurisdicional, recriando o Direito que será aplicado ao seu caso. Nessa condição, deixam de transferir o poder decisório que lhes pertence para os juízes representantes do Estado, reduzindo a excessiva judicialização das relações sociais ainda presente no modelo processual brasileiro. De uma análise perfunctória acerca das causas da crescente escalada no número de processos judiciais no Brasil, pode-se constatar que o ambiente democrático pós Constituição de 1988 reavivou a cidadania, elevou o índice de consciência dos cidadãos quanto a seus direitos e alterou a relação da sociedade com o Poder Judiciário, que passou a ser visto como o desaguadouro natural das pretensões pela concretização de direitos. Contudo, conforme preceitua Rosemiro Pereira Leal, a cidadania não se resume a uma condição de titular de direitos, pois a cidadania “[…] é um deliberado vínculo jurídico-político-constitucional que qualifica o indivíduo como condutor de decisões, construtor e reconstrutor do ordenamento jurídico da sociedade política a que se filiou” (LEAL, 2002, p. 151). Assim, no Estado Democrático de Direito, torna-se imperiosa a assunção pelos cidadãos da responsabilidade pela condução e pela tomada de decisões, reconstruindo discursivamente o direito que espera ver aplicado ao seu caso. A partir das premissas apresentadas anteriormente, cogita-se, neste breve ensaio, acerca da possibilidade de que a utilização sistemática, uniforme e qualitativa da conciliação e da mediação contribua para a desjudicialização das relações sociais, com consequente redução nos índices de litigiosidade e implementação da celeridade e da eficiência na solução dos processos judiciais. 48

“Do que foi exposto, pode-se aferir que muitos dos problemas pelos quais passa o Poder Judiciário, dentre os quais se destacam a morosidade e a inefetividade, decorrem, em parte, da excessiva judicialização das relações sociais e das deficiências de estrutura e pessoal, mas são acentuadas, também, pelo modelo de resolução de conflitos adotado.”

Para tanto, torna-se imperiosa uma mudança de postura de todos os envolvidos nos procedimentos de resolução de conflitos para que se possa garantir a participação direta dos destinatários da decisão na construção discursiva da solução para o seu problema, considerando seus reais interesses e necessidades. Ressalte-se, ainda, que a experiência com a mediação/conciliação revela que, quando as próprias partes livremente constroem a solução para seu conflito, saem do procedimento satisfeitas com o resultado final, deixam de interpor recursos que alongariam o término do processo judicial e, normalmente, cumprem

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espontaneamente o acordo que celebraram, evitando o reingresso no Judiciário para uma ação de execução/ cumprimento de sentença. Vale destacar, também, que as experiências vivenciadas com a utilização da mediação e da conci­ liação em sede processual (incidental), ou antes mesmo do ajuizamento de uma ação judicial (conciliação e mediação pré-processuais), trouxeram significativas contribuições para a redução do exacerbado número de processos judiciais. Ademais, com a implementação desses mecanismos consensuais de solução de conflitos, vislumbra-se uma real possibilidade de se abreviar a espera por uma decisão final (celeridade), reduzindo-se o número de ações executivas (efetividade) e, principalmente, imprimindose qualidade aos provimentos jurisdicionais, vez que as decisões são construídas democraticamente pelos próprios destinatários. 5. Conclusão Do que foi exposto, pode-se aferir que muitos dos problemas pelos quais passa o Poder Judiciário, dentre os quais se destacam a morosidade e a inefetividade, decorrem, em parte, da excessiva judicialização das relações sociais e das deficiências de estrutura e pessoal, mas são acentuadas, também, pelo modelo de resolução de conflitos adotado, que incentiva a litigiosidade e a competitividade entre as partes e afasta a possibilidade de sua ampla participação na construção participada do provimento jurisdicional. Nesse cenário, a conciliação e a mediação aparecem como uma possibilidade de tratamento mais adequado dos conflitos de interesse, oportunizando a participação direta das partes na construção da solução para o seu caso, incentivando a cooperação na investigação dos reais interesses por detrás do pedido deduzido em juízo, promovendo a satisfação das partes, a redução da conflituosidade, a harmonia e a paz social. Ademais, em conformidade com o modelo processual democrático, a conciliação e a mediação cumprem as diretrizes paradigmáticas do Estado Democrático de Direito na reconstrução e na aplicação do Direito, uma vez que as partes gozam de autonomia na construção participada da decisão das quais são destinatárias, deixando de transferir o poder decisório para os juízes representantes do Estado, assumindo assim a condição de cidadãos na autoria de suas próprias decisões. Portanto, com a utilização desses mecanismos consensuais, afigura-se possível reduzir a judicialização das relações sociais e edificar uma nova cultura na forma de gestão e resolução dos conflitos de interesses, mais participativa, emancipadora e pacificadora.

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Competência do oficial de registro do Cartório de Títulos e Documentos a que faz referência a Lei de Registros Públicos José de Anchieta da Mota e Silva

Desembargador do TJMG

A

legislação pertinente à questão da notificação para constituição em mora nas ações de Busca e Apreensão com base em Contratos de Alienação Fiduciária e Rescisão de Contrato decorrentes de Arrendamento Mercantil deixa bem claro que o oficial de registro do Cartório de Títulos e Documentos tem como função precípua efetuar a notificação dentro de sua área de atuação. É a competência territorial por excelência. É dizer: no município em que tem competência absoluta. Contudo, quando tem que notificar pessoa devedora fora de sua competência territorial, à evidência lhe falta competência, a não ser que requisite ao seu colega de outra circunscrição territorial que proceda à notificação requerida, como determina o art. 160, da Lei de Registros Públicos. Os artigos 2o, 14 e 160 da Lei n o 6.015/73, descritos, não deixam dúvida alguma, senão vejamos: Art. 2o. Os registros indicados no § 1o do artigo anterior ficam a cargo dos serventuários privativos nomeados de acordo com o estabelecido na Lei de Organização Administrativa e Judiciária do Distrito Federal e dos Territórios e nas Resoluções sobre a Divisão e Organização Judiciária dos Estados. Art. 14. Pelos atos que praticarem, em decorrência desta lei, os oficiais do registro terão direito, a título de remuneração, aos emolumentos fixados nos Regimentos de Custas do Distrito Federal, dos Estados e dos Territórios, os quais serão pagos, pelo interessado que o requerer, no ato de requerimento ou no da apresentação do título. 50

Art. 160. O oficial será obrigado, quando o apresentante o requerer, a notificar do registro ou da averbação, os demais interessados que figurarem no título, documento, ou papel apresentado, e a quaisquer terceiros que lhe sejam indicados, podendo requisitar dos oficiais do registro, em outros municípios, as notificações necessárias. Por esse processo, também, poderão ser feitos avisos, denúncias e notificações, quando não for exigida a intervenção judicial. (Grifo nosso)

O jurista Wilson de Souza Campos Batalha, ao comentar referidos artigos, por ordem, ensina: a) 1. OS OFÍCIOS PRIVATIVOS E OS CARTÓRIOS DE REGISTRO CIVIL, DE TÍTULOS E DOCUMENTOS E O REGISTRO DE IMÓVEIS. O registro civil das pessoas jurídicas e o registro de títulos e documentos acham-se a cargo dos cartórios ou ofícios privativos de registros de títulos e documentos. O registro civil de pessoas físicas e o registro imobiliário acham-se a cargo dos cartórios ou ofícios privativos respectivos. 2. OFÍCIOS PRIVATIVOS E CARTÓRIOS. SERVENTIAS OFICIALIZADAS E NÃO OFICIALIZADAS. Os serventuários encarregados dos registros públicos são integrados na organização judiciária. Os cartórios podem ser oficializados ou não oficializados. Trata-se de assunto da esfera das diversas leis de organização estaduais. (p. 46, V. I-II, 3. ed., 1984, Forense) b) 1. EMOLUMENTOS DEVIDOS PELOS ATOS DE

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Foto: Banco de imagens/MPGO

REGISTRO. Os emolumentos devidos pelos atos de registro são fixados pelos regimentos de custas estaduais, do Distrito Federal ou dos Territórios. Os emolumentos das serventias oficializadas constituem renda do Estado. Os emolumentos das serventias não oficializadas são devidos aos respectivos serventuários. (p. 92) c) 7. NOTIFICAÇÕES EXTRAJUDICIAIS. Nos termos do art. 160, o oficial é obrigado, mediante pedido do apresentante, a notificar do registro ou da averbação os demais interessados que figurarem no título, documento ou papel, bem como terceiros. Por esse meio poderão ser feitos avisos, denúncias e notificações, salvo quando a lei estabelecer a obrigatoriedade da notificação judicial, hipótese que se procederá na forma do CPC-73, arts. 867 e segs.

Se a lei não determinar expressamente a interpelação ou notificação judicial, será bastante a notificação extrajudicial através do Registro de Títulos e Documentos. O oficial de registro poderá solicitar dos oficiais de registro de outros municípios as notificações que se façam necessárias. (p. 412-413) (Grifo nosso) Como se vê, pela Lei de Registros Públicos, em cada Estado há uma Lei de Organização Judiciária e o Regimento de Custas, etc. Diante disso, é evidente que cada Estado tem legislação própria definindo quais os atos que podem praticar no seio da competência territorial de cada oficial de registro. Aliás, é bom que se diga que a palavra “poderá”, contida no art. 160, deve se entendida como “deverá”, até porque,

se assim não se compreender, à evidência, a jurisprudência dos Tribunais está dando poderes aos oficiais de registros que eles não têm. É dizer: nenhum juiz de direito podia proceder à citação pelos Correios antes da Lei no 8.710, de 24/9/1993, que deu aos juízes poderes para determinar a citação pelos Correios, e não mais via carta precatória, a não ser excepcionalmente esta última. Mais a mais, quanto à parte que residia em outro município, a única alternativa para que se procedesse à citação do réu era via carta precatória, e, quando não era encontrado por ser desconhecido o endereço, citava-se via edital publicado pela imprensa não só onde corria o processo, como também no domicílio do réu e em jornal de grande circulação. Nada mais seria preciso dizer. Contudo, é preciso deixar claro que não é por outra razão que o então desembargador corregedor-geral de Justiça do Estado de Minas Gerais, dr. César Célio Paduani, baixou Aviso no 9/CGJ/2009 aos tabeliães e oficiais para que obedecessem rigorosamente às normas pertinentes, ou seja, o Regimento de Custas, a Lei de Organização Judiciária e a Lei Federal acima referida. Aliás, sem falar no Provimento 54 do Conselho da Magistratura para que não procedessem à notificação de devedores não residentes em suas áreas de atuação. Assim, a uma atenta leitura do art. 160 da Lei de Registros Públicos, com facilidade se percebe que a norma tem duas direções. É dizer: quando dispõe que “o oficial será obrigado, quando o apresentante o requerer,

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a notificar do registro ou da averbação, os demais interessados que figurarem no título, documento, ou papel apresentado, e a quaisquer terceiros que lhe sejam indicados”, é porque está afirmando que o tabelião ou oficial dentro da área de atuação para o qual foi nomeado poderá por si ou por seus funcionários – serventuários – notificar do registro ou da averbação o devedor e demais interessados. POR OUTRO LADO, quando dispõe a segunda parte da norma: “podendo requisitar dos oficiais do registro, em outros municípios, as notificações necessárias. Por esse processo, também, poderão ser feitos avisos, denúncias e notificações”, quer isso dizer que é obrigado a requisitar dos seus colegas de outra unidade da federação ou de outro município que proceda à necessária notificação ou aviso. A razão da interpretação dada é porque há em cada unidade da Federação, em cada município, as serventias extrajudiciais, que são obrigadas a cumprir as normas baixadas pela Corregedoria-Geral de Justiça de cada Estado, pelos provimentos baixados pelos Conselhos da Magistratura de cada Tribunal de Justiça de cada Estado, e pelos Regimentos de Custas de cada unidade da Federação. Tudo em observância ao art. 236, §§ 1o, 2o e 3o da Constituição Federal, e art. 277 § 1o da Constituição do Estado de Minas Gerais. Ademais, não se pode esquecer da lição do jurista quando, ao tratar da “correição da autoridade judiciária competente” ao comentar o art. 3o da Lei de Registros Públicos, ensina: “A correição sobre os Registros Públicos exerce-se nos termos das leis de organização judiciária (pág. 81 da ob. cit.). POR OUTRO LADO, o PROVIMENTO 54/78 do Conselho Superior da Magistratura do Estado de Minas Gerais, em seu art. 11, é claro ao estabelecer que: “A competência do Tabelião é limitada à circunscrição para a qual tiver sido nomeado”. Pois bem. O contido no art. 11 do Provimento 54/78 do Conselho da Magistratura está de acordo com o disposto no art. 160 da Lei de Registros Públicos, ambos em vigor, eis que a Lei no 8.935, de 18/11/1994, não estabeleceu norma revogatória, como muito bem ensina Walter Ceneviva: A Lei no 8.935/94 tem vários dispositivos da atribuição territorial em comarcas. O art. 4o, ao aludir à qualidade dos serviços, determina sua prestação “em dias e horários estabelecidos pelo juízo competente, atendidas as peculiaridades locais, em local de fácil acesso ao público”. Daí resulta que a ideia nuclear de qualidade se vincula a peculiaridades locais, onde se viabiliza a fiscalização pelo juiz competente. Ora, juiz competente é o respectivo corregedor da serventia, ou seja, aquele em cuja comarca funcione o serviço. As leis de organização judiciária não permitem aos magistrados o exercício de poderes administrativos de correição 52

“A adoção desse entendimento pelo STJ a persistir, em muito contribuirá para que deixem de ter rendimentos os demais Cartórios de Títulos e Documentos que não são privilegiados por escritórios de cobrança e ou pelas instituições financeiras”.

fora da comarca para a qual foram designados, salvo no caso de designação específica ou do próprio Corregedor-Geral de Justiça, mas sempre no espaço interno do Estado e de suas comarcas. A exigência legal, de execução em lugar de fácil acesso ao público, destina-se a permitir sua plena utilização pelos interessados. A leitura do art. 160 da Lei de Registros Públicos (permite requisição de diligência para fora do município) ilustra a informação, quando registra ou averba o documento ou papel apresentado, a pedido do requerente, antes de expedir a notificação. A limitação territorial também se explica por uma questão econômica, bem prevista no ar. 28 da Lei, pelo qual notários e oficiais de registro têm direito à percepção dos emolumentos integrais pelos atos praticados na serventia, em solução compatível com o limite territorial de sua atuação. (Lei dos Notários e dos Registradores Comentada. Editora Saraiva, 4. ed, 2002, p. 11/117). (Grifo nosso)

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O jurista Walter Ceneviva, em seu conceituado Lei dos Registros Públicos, ao comentar o art. 160 da Lei n o 6.015/73, ensina: Descabe questionar a qualificação dos destinatários e de seu interesse nela. Basta que o requerente os mencione e que sejam encontrados na comarca. (p. 402) 376. Requisição a outros municípios – A possibilidade de requisição é examinável à luz do direito administrativo, que lhe dá significado específico de medida pela qual uma autoridade exige de outra, de igual categoria ou inferior, que cumpra providência legal indicada. Fazse por ofício, entregue mediante protocolo ou enviado pelo correio. De tudo o requisitante fará indicação resumida e em seus livros. Outros municípios são os enquadrados pelas leis de organização judiciária dentro das comarcas em que se dividem os estados. A unidade territorial e funcional básica do Poder Judiciário é a comarca. Integrada por mais de um município e havendo registro de títulos somente no município-sede, as notificações serão feitas diretamente, mesmo para fora do município-sede da comarca, observados os limites dela. (Autor e ob. cit., editora Saraiva, janeiro de 2010). (Grifo nosso)

Como se vê, não há como pensar de forma diferente. Entender que um oficial de registro de títulos e documentos detenha mais poderes do que um juiz de direito é inadmissível. Assim, não há como aceitar que o oficial de registro tenha competência para notificar devedor de um município ou comarca do Estado do Ceará, do Rio Grande do Sul, do Rio Grande do Norte, do Estado de São Paulo e de Alagoas ou de qualquer outro, via Correios, que reside a milhares de quilômetros. É não atentar para as normas pertinentes, o que leva o intérprete a equivocar-se ao aplicar a lei e a não perceber a dificuldade da pessoa em tomar providências de seu interesse, quer pela distância, quer pelo exíguo prazo que possa ter para evitar prejuízo. Pois bem. Coerente com a nossa posição e a dos juristas acima nominados, é que não posso deixar de referir-me ao jurista ALÍPIO SILVEIRA, que, em sua magnífica obra Hermenêutica jurídica – seus princípios fundamentais no direito brasileiro, deixa claro que tem opinião idêntica, assim como também os juristas Carlos Maximiliano e Carvalho Santos, por ele referidos, e o alemão Carl Crome, por ele citado, como se segue: Os casos mais interessantes de eventual interpretação modificativa são aqueles em que a lei, ao traçar a ação do juiz, estatui que ele poderá conceder à parte certo benefício. Em tais casos, doutrina e jurisprudência afinam que se trata de dever. A hipótese merece algum desenvolvimento. Foi levando em consideração a interpretação teleológica

do “poderá” contido em muitos textos legais, que o nosso Carlos Maximiliano traçou estas considerações, das quais deflui que, em casos específicos, o “poderá” adquire o legítimo significado de “deverá”: “Propende o Direito moderno para atender mais ao conjunto do que às minúcias, interpretar as normas como complexo ao invés de as examinar isoladas, preferir o sistema à particularidade. Se isso se diz da regra escrita em relação ao todo, por mais forte razão se repetirá em relação a cerca da palavra em relação à regra. Ater-se aos vocábulos é processo casuístico, retrógrado. Por isso mesmo se não opõe, sem maior exame, pode a deve, não pode a não deve (soll e muss, kann nicht e darf nicht, dos alemães; may e shall, dos ingleses e norte-americanos)”. (SILVEIRA, Alípio. Hermenêutica jurídica. 1. ed. vol.1. São Paulo: Brasiliense Coleções Ltda., 1985, p.119.)

Nesse sentido, é a razão de ter o referido jurista da hermenêutica jurídica – tratando da aplicação de seus princípios fundamentais no direito brasileiro – reportar-se aos ensinamentos do também saudoso Carvalho Santos: Em termos gerais – observa Carvalho Santos –, são todos acordes em que, quando a interpretação literal da lei conduz a absurdas e nocivas consequências, ou contrariam manifestamente a sua finalidade, a sua razão de ser, deve o texto ser interpretado de acordo com aquela finalidade, com o seu espírito, desatendendo-se ou modificandose tanto quanto necessário a estrita letra da lei. (Código Civil Brasileiro Interpretado. vol. 1. 7. ed. p. 86). (ob. cit., p. 118-119). MAXIMILIANO, Hermenêutica e Aplicação do Direito, 9. ed., p. 270-272. Carl Crome, System des Deutschen Bürgerlichen Rechts, vol. I, 1900, p. 99.

Diante disso, não temos qualquer dúvida em afirmar que o entendimento do Superior Tribunal de Justiça ao decidir no julgamento do Recurso Especial no 1.184.570/MG, de Relatoria da Ministra Isabel Gallotti, adotado como Repetitivo não corresponde à melhor interpretação, com o devido respeito. A adoção desse entendimento pelo STJ a persistir, em muito, contribuirá para que deixem de ter rendimentos os demais Cartórios de Títulos e Documentos que não são privilegiados por escritórios de cobrança e ou pelas instituições financeiras. E mais: no Recurso Especial já referido, a Ministra se reporta ao REsp. 1237699/SC de relatoria de Luiz Felipe Salomão, quando este fundamenta o voto nos arts. 129 e 130 da Lei no 6.015/73. CONTUDO, no art. 129, caput, e em seus nove incisos, não se trata da notificação para fins de constituição em mora, mas sim de documentos que devem ser registrados nos Cartórios de Títulos e Documentos para fins de dar publicidade. Basta que se leia com a devida atenção e se

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interprete corretamente para se concluir pela inaplicabilidade quando o assunto é a constituição em mora. Aliás, também o mesmo se pode dizer do art. 130. Este determina que, “passados vinte dias das assinaturas das partes, todos os atos enumerados nos arts. 127 e 129 serão registrados no domicílio das partes contratantes”. Como se vê, com o devido respeito ao STJ, constatado que os arts. 127, 129 e 130 da Lei no 6.015/73 não se aplicam à questão da constituição em mora, à evidência que o STJ, com certeza, irá rever sua posição para, aí sim, publicar como Repetitivo acórdão que reflita a interpretação correta com a melhor exegese, até porque também são totalmente inaplicáveis os arts. 8o, 9o e 12 da Lei no 8.935/94, que dizem respeito ao tabelião de notas e aos oficiais de registro de imóveis. E mais: li e reli, na íntegra, o Recurso Especial no 1.237.689/ SC de relatoria do Ministro Luiz Felipe Salomão e dele não encontrei nenhum argumento que se reporte ao art. 160 da Lei de Registros Públicos, que é o que trata da notificação. Muito pelo contrário, em seu voto, o Ministro reconhece que a notificação não está incluída nos arts. 129 e 130, os quais se reportam ao art. 127, da Lei. O que é verdade. Li e reli o Recurso Especial no 557.361/SC de relatoria da Ministra Nancy Andrighi e, da mesma forma, não encontrei uma única palavra a respeito do disposto no art. 160 da Lei. CONTUDO, o que se tem é atentar para o fato de que não se discute aqui que o não pagamento já constitui o devedor em mora, como dispõe o § 2o do art. 2o do Dec.lei no 911/69. O que se está a debater neste artigo é o fato de que a Lei de Registros Públicos, em seu art. 160, trata da notificação, assim como o art. 2o, § 2o, do Dec.-lei no 911/69. Conclusão, o art. 160 em vigor é que deve ser interpretado. Com o devido respeito aos entendimentos em contrário, é dizer: em substanciais argumentos em inúmeros julgados, já evidenciei que os arts. 127, 129 e 130, da Lei de Registros Públicos, não se aplicam à questão da notificação para constituição da mora. Pois bem, os artigos que devem ter interpretação conjunta são os artigos 2o, § 2o, do Dec.-lei n o 911/69, e 160 da Lei de Registros Públicos. É dizer: ambos os artigos tratam de notificação. Isto é, não obstante o primeiro afirme que o mero vencimento da dívida sem pagamento já constitui em mora o devedor, por outro lado, afirma a norma que poderá (aqui tal palavra deve ser entendida como “deverá”) notificar o devedor via Cartório de Títulos e Documentos. Assim sendo, considerando que o STJ entende que é imprescindível a comprovação da mora, inclusive já tendo sumulado o assunto via Súmula 72 – com a seguinte redação: “A comprovação da mora é 54

imprescindível à busca e à apreensão do bem alienado fiduciariamente” –, chega-se à conclusão quanto à melhor interpretação que deve ser dada à palavra “PODERÁ” contida no art. 2 o, § 2 o, do Decreto-lei no 911/69, e no art. 160 da Lei de Registros Públicos. É dizer: deve ser entendida como “DEVERÁ”. Não há outra interpretação. PORTANTO, é evidente que o cartório competente só pode ser o do domicílio do devedor, em razão do que dispõe o art. 160, segunda parte, e a razão é uma só: cada oficial de Cartório de Títulos e Documentos é nomeado para praticar atos na área de sua competência territorial. Assim, para que uma notificação seja válida se remetida por Cartório de Títulos e Documentos que não seja o do domicílio do devedor, à evidência terá que ser feita por intermédio do cartório do domicílio do devedor como manda a segunda parte do art. 160 da Lei de Registros Públicos, combinada com o art. 2 o, § 2o, do Dec.-lei no 911/69. Conclusão Os substanciais argumentos expendidos acima evidenciam que devem ser levadas em conta as normas estabelecidas pelas legislações dos estados da Federação, bem como a competência dos Tribunais de Justiça para fiscalizar os atos praticados pelos notários, oficiais de registros e seus prepostos estabelecida pelo art. 236, § 1o, da Constituição Federal, e art. 277, § 1o, da Constituição do Estado de Minas Gerais, e, ainda, a legislação federal no que se refere à aplicação do art. 2o, § 2o, do Dec.-lei no 911/69, combinado com o art. 160 da Lei de Registros Públicos. Finalmente, devem ser evitados os prejuízos financeiros dos oficiais de registros de Títulos e Documentos.

Referências bibliográficas BATALHA, Wilson de Souza Campos. Comentários à Lei de Registros Públicos. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1984. SILVEIRA, Alípio. Hermenêutica jurídica. 1. ed. vol. 1. São Paulo: Brasiliense Coleções Ltda., 1985, p. 119. CENEVIVA, Walter. Lei dos notários e dos registradores comentada. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 11/117. CENEVIVA, Walter. Lei de registros públicos comentada. 20. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 402.

Legislação Constituição Federal, art. 236, §§ 1o, 2o e 3o Constituição do Estado de Minas Gerais, art. 277, § 1o Lei de Registros Públicos – Lei no 6.015/73, art. 160 Dec.-lei no 911/69, art. 2o, § 2o Provimento 54/78 do Conselho da Magistratura do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais

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A força dos precedentes e da jurisprudência no CPC projetado1

Estefânia Viveiros

A

Advogada Presidente Nacional da Comissão da Reforma do CPC

conscientização dos direitos dos cidadãos resultou na simplificação do acesso à justiça e, certamente, é uma das causas do elevado número de processos em tramitação no Poder Judiciário brasileiro2. O crescente número de demandas no Poder Judiciário requer medidas que visam encurtar o tempo do processo, mas observando o cumprimento aos princípios constitucionais. A redução do tempo na duração do processo é uma busca incessante a ponto de estar prevista na Constituição Federal “a razoável duração do processo” (CF, art. 5o, LXXVIII). As mudanças legislativas primaram pela razoabilidade da duração do processo. Aos poucos, o legislador introduziu alterações processuais que permitem que o magistrado julgue monocraticamente o recurso, dispensando a obrigatoriedade do julgamento colegiado. Para tanto, a lei trouxe requisitos para o julgamento individual, conhecido também como solitário, como a existência de súmula ou jurisprudência dominante do Supremo ou de Tribunal Superior sobre o tema, nos moldes do art. 557 do CPC. Também o art. 120, parágrafo único, do CPC permite que o magistrado julgue monocraticamente o conflito de competência desde que se tenha jurisprudência dominante 56

sobre a questão suscitada. Nesses casos, eliminou-se o julgamento colegiado, que impõe a publicação de pauta e, em muitos casos, a necessidade de sustentação oral. O respeito à jurisprudência e às súmulas cresce diuturnamente e simplifica o julgamento de processos, principalmente os massificados. A súmula impeditiva de recursos veio também prestigiar as súmulas do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal. De acordo com o art. 518 do CPC, o juiz não receberá o recurso de apelação quando a sentença estiver em conformidade com os referidos institutos. Nesse caso, a discussão é encerrada prematuramente, tornando-se desnecessária a tramitação do processo no tribunal. Mais recentemente, o legislador inovou trazendo o recurso especial repetitivo (CPC, art. 543-C). A grafia de repetitivo exige a multiplicidade de recursos e a identidade da questão de direito. Esse modelo atinge milhares de processos em todo o País, que ficam provisoriamente suspensos até a resolução final do processo pelo Superior Tribunal de Justiça. Daí falar-se em normatividade do direito. A diversidade da argumentação jurídica no julgamento do repetitivo irradia o seu alcance aos processos que apresentam heterogeneidade de fundamentos. O avanço ainda foi maior com a criação da súmula

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Foto: Arquivo pessaol

vinculante para o Supremo Tribunal Federal capitaneada pelo efeito erga omnes. Nessa linha, também não se pode esquecer a repercussão geral, que se tornou um verdadeiro filtro na seleção dos processos, que são julgados pelo Supremo Tribunal Federal. Os demais processos com o mesmo objeto (matéria) ficam à espera desse julgamento com o status de sobrestamento. E as mudanças não param por aí. Está a caminho o novo Código de Processo Civil, que reforça a importância da jurisprudência e das súmulas e cria figuras novas afins. A inovação está na criação do instituto de incidente de assunção de competência3 (CPC Projetado, art. 865), além da figura dos precedentes4, a que foi dedicado um extenso capítulo do CPC Projetado. Os institutos – jurisprudência, súmula, precedentes5, jurisprudência dominante – são diferentes, mas o fim a ser alcançado é o mesmo. A busca pela segurança jurídica6 (e, por que não, a certeza do direito) é de todos, afastandose a instabilidade da jurisprudência. A previsibilidade do direito está também na isonomia, que não deve ser só da lei, mas também da norma judicada7. A importância do papel desenvolvido pelo Superior Tribunal de Justiça cresce ainda mais para eliminar a instabilidade da jurisprudência interna (do próprio tribunal) e a externa, que alcança todos os tribunais de

segunda instância. O uso dos embargos de divergência (CPC, art. 546) contribui para eliminação da divergência interna no Superior Tribunal de Justiça. Daí afirmar que as restrições incutidas na jurisprudência8 para o manejo do recurso de embargos de divergência estão na contramão da valorização da própria jurisprudência. No âmbito externo, remanesce (diante dos outros institutos processuais já citados) a alínea “c” do recurso especial com o papel de eliminar a jurisprudência nos tribunais de segundo grau. A verdade é que os julgamentos, que têm o papel de irradiar a sua decisão para todo o País, precisam de ritual diferenciado e de atenção redobrada para o necessário amadurecimento da matéria9 e preenchimento dos requisitos da lei. No julgamento desses processos, tornase necessário ampliar a fundamentação jurídica para atingir o maior número de processos. É, certamente, uma nova postura do magistrado, que impõe responsabilidade maior pelo alcance das suas decisões.10 Na verdade, o juiz já deixou há muito de ser espectador do processo. A sua participação é mais altiva e ele está mais presente como personagem central dos pleitos judiciais.11 Como bem diz Luiz Guilherme Marinoni, “o juiz deixa de ser um servo da lei e assume o dever de dimensioná-la na medida dos direitos positivados na Constituição”12. Nessa toada,

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o Superior Tribunal de Justiça comandará certamente a efetividade do processo em âmbito nacional, já que os processos ficarão suspensos até decisão do próprio Tribunal. A suspensão dos processos perdurará até o julgamento e a respectiva publicação do acórdão. A instabilidade da jurisprudência está na contramão das reformas do CPC e dos novos institutos que foram criados para atacar os processos em massificação ou com idênticas teses jurídicas, cujo interesse se torna de todos; enfim, cuida-se de interesse público. Aliás, como bem afirmou Michelle Taruffo, a jurisprudência é “um fator essencial e decisivo em sede de interpretação e de aplicação do direito”13. O anacronismo a essa tendência é o engessamento da jurisprudência, que deixaria de cumprir uma das suas funções primordiais, que é vivenciar os movimentos atuais14. A atualidade é também uma das características da jurisprudência, conhecida como “direito vivo”, que não pode ser distanciada sob pena de desvirtuar a sua finalidade. O legislador trouxe instrumentos para combater o engessamento da jurisprudência (e institutos afins) e as alterações bruscas do entendimento jurisprudencial, que influenciam diretamente o consumidor da justiça, causando-lhe, muitas vezes, prejuízos. A quebra da segurança jurídica atinge diretamente o consumidor da justiça. O exemplo clássico é o caso da COFINS. O Superior Tribunal de Justiça sumulou sobre o tema dispensando o contribuinte de pagar a contribuição, editando à época a Súmula 276/STJ. Após cinco anos, o Supremo Tribunal Federal decidiu o diametralmente oposto, o que fez cancelar a referida súmula e trouxe prejuízos concretos a todos aqueles que tinham deixado de pagar o imposto embasados no enunciado do Tribunal, até porque não houve a aplicação do efeito modular.15 Os prejuízos foram tão grandes aos jurisdicionados que o Poder Legislativo foi quem se preocupou em elaborar lei permitindo o parcelamento das dívidas dos profissionais autônomos. Com essa preocupação e embasada na força dos precedentes (com a criação de institutos novos), a lei trouxe dois institutos que combatem a falta de segurança jurídica. Um deles é o efeito modular.16 O outro é a exigência de apresentação de fundamentação específica e apropriada para a modificação dos precedentes, observando-se os princípios da segurança jurídica e isonomia. O efeito modular previsto na lei é uma grande conquista para o jurisdicionado. É um remédio contra a insegurança jurídica e a instabilidade de precedentes. O magistrado deve amoldar-se ao caso concreto, evitando-se os efeitos nefastos decorrentes da mudança de entendimento jurisprudencial ou sumular sobre o assunto. Para isso, o 58

magistrado, em vez de aplicar o novo entendimento dos Tribunais, fixará os efeitos no caso concreto, limitando-se sua retroatividade ou, como previsto na lei, atribuindo-lhe os efeitos prospectivos. Nesse caso, o magistrado resolverá caso a caso definindo a extensão jurídica e temporal da relação jurídica existente no processo. A alteração da jurisprudência ou súmula impõe a fundamentação adequada e específica, conforme prevê o § 2o: “a mudança de entendimento sedimentado, que tenha ou não sido sumulado, observará a necessidade de fundamentação adequada e específica, considerando os princípios da segurança jurídica, da proteção da confiança e da isonomia”. Por fim, é importante observar que o legislador inovou e sistematizou a importância dos precedentes, hierarquizandoos, para que sejam seguidos pelos tribunais e juízes. É claro o art. 521 do CPC Projetado, verbis: I – os juízes e os tribunais seguirão os enunciados de súmula vinculante, os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos; II – os juízes e os tribunais seguirão os enunciados das súmulas do Supremo Tribunal Federal em matéria constitucional, do Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional e dos tribunais aos quais estiverem vinculados, nesta ordem; III – não havendo enunciado de súmula da jurisprudência dominante, os juízes e os tribunais seguirão os precedentes: a) do plenário do Supremo Tribunal Federal, em matéria constitucional; b) da Corte Especial ou das Seções do Superior Tribunal de Justiça, nesta ordem, em matéria infraconstitucional; IV – não havendo precedente do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça, os juízes e os órgãos fracionários do Tribunal de Justiça ou do Tribunal Regional Federal seguirão os precedentes do plenário ou do órgão especial respectivo, nesta ordem; V – os juízes e os órgãos fracionários do Tribunal de Justiça seguirão, em matéria de direito local, os precedentes do plenário ou do órgão especial respectivo, nesta ordem”. Essa inovação faz-nos lembrar do que disse Carlos Cossio: “A lei reina, mas a jurisprudência governa [...]17.

Estamos no caminho da liturgia dos precedentes no Brasil. É a realidade que está aí. A multiplicidade de processos com identidade temática impôs mudanças no sistema de julgamento dos processos. A decisão pode ser encurtada se amparada nos precedentes, o que dará efetividade ao direito. A uniformização da jurisprudência será alvo benéfico para atender o maior número de processos de massa. O engessamento da jurisprudência (e por que não dizer também eventuais erros judiciais) é o

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algoz que pode ser combatido por instrumentos processuais com regras claras, como é o caso do efeito modular e dos efeitos prospectivos. Resta-nos, enfim, aguardar a chegada do novo Código de Processo Civil.

Notas 1 Michele Taruffo bem demonstra a distinção entre a jurisprudência e o precedente, verbis: “Quando se fala do precedente se faz normalmente referência a uma decisão relativa a um caso particular, enquanto que quando se fala de jurisprudência se faz normalmente referência a uma pluralidade, frequentemente bastante ampla, de decisões relativas a vários e diversos casos concretos”. Além da diferença semântica, há ainda a qualitativa entre o precedente e a jurisprudência. “O precedente fornece uma regra que pode ser aplicada como critério de decisão no caso sucessivo em função da identidade ou – como acontece em regra – da analogia entre os fatos do primeiro e os fatos do segundo caso”. (TARUFFO, Michele. Precedente e jurisprudência. Revista de Processo, v. 199, ano 36, p. 141, set. 2011). 2 MACIEL, Adhemar Ferreira. Considerações sobre as causas do emperramento do Judiciário. Estudos em homenagem ao Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira. Revista de Processo, ano 25, n. 97, p. 18, jan./mar. 2000. 3 Cândido Rangel Dinamarco, ao comentar sobre o requisito da multiplicação de processos sobre a questão idêntica, assegura que “essa exigência é de absoluta coerência com os fundamentos de toda coletivização da tutela jurisdicional, a qual é invariavelmente apoiada no impacto de massa causado pelas situações a debelar e pelos pronunciamentos judiciais a seu respeito” (DINAMARCO, Cândido Rangel. Súmulas Vinculantes. Revista Forense, p. 63, jul./set. 1999). 4 Lembra Michele Taruffo que “pesquisas desenvolvidas em vários sistemas jurídicos têm demonstrado que a referência ao precedente não é há tempos uma característica peculiar dos ordenamentos jurídicos do common law, estando agora presente em quase todos os sistemas, mesmo os de civil law” (TARUFFO, Michele. Precedente e jurisprudência. Revista de Processo, v. 199, ano 36, p. 140, set. 2011). 5 O precedente para se tornar jurisprudência deve ser uniforme e constante. Enquanto isso, a jurisprudência, nas palavras de Mancuso, “é um plus, um qualificativo contingencial, que vem a distinguir certa produção judiciária, e isso tanto no âmbito de um dado órgão colegiado, como numa determinada Justiça.” (MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Divergência jurisprudencial e Súmula vinculante. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 22). 6 Nas palavras de J. J. Calmon de Passos: “[...] A par do valor segurança, de que não pode ser dissociado, há o imperativo de sua permanente necessidade de adequação à realidade social sobre que opera, isto é, impõe-se, também, sua abertura, seu dinamismo, sua não estratificação. Segurança e abertura integram buscando assegurar a conduta eleita como socialmente e mais desejável em determinado momento histórico e em determinado espaço político”. (PASSOS, J. J. Calmon de. Súmula Vinculante. Genesis – Revista de Direito Processual Civil, Curitiba, n. 6, p. 626, set./dez. 1997). 7 Teresa Arruda Alvim Wambier assegura que “o princípio da isonomia se constitui na ideia de que todos são iguais perante a lei, o que significa que a lei deve tratar a todos de modo uniforme e que correlatamente as decisões dos tribunais não podem aplicar a mesma lei de forma diferente a casos absolutamente idênticos, num mesmo momento histórico” (WAMBIER, Teresa Arruda Alvim.

Sobre a Súmula 343. Revista de Processo, n. 86, pp. 149 e 150). 8 A título de exemplo, citem-se os seguintes óbices para a interposição de embargos de divergência, impedindo as seguintes discussões: (i) regra técnica de admissibilidade do recurso (EDcl nos EREsp 876.863/SC, Relatora Ministra Eliana Calmon, DJ 20.5.2013); (ii) as questões exclusivamente processuais exigem paradigma com identidade da matéria do mérito; valores fixados em dano moral e dano material (Súmula 420/STJ); (iii) a exigência de que a matéria de mérito precisa ser discutida em paradigma com instrumentos processuais idênticos (EResp. 465.097/RS, Relatora Ministra Eliana Calmon, DJ 11.6.2013). 9 “É chegado o momento de se colocar ponto final no cansativo discurso de que o juiz tem a liberdade ferida quando obrigado a decidir de acordo com os tribunais superiores. O juiz, além de liberdade para julgar, tem dever para com o Poder de que faz parte e para com o cidadão. Possui o dever de manter a coerência do ordenamento e de zelar pela respeitabilidade e pela credibilidade do Poder Judiciário.” (MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes obrigatórios. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. p. 65). 10 Como bem diz Luiz Guilherme Marinoni, [...] “não há poder que não tenha responsabilidade pelas suas decisões. Porém, é pouco plausível que alguém possa justificar a sua responsabilidade quando decido casos iguais de forma desigual” (MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes obrigatórios. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. p. 66). 11 Elucida Adroaldo Furtado Fabrício: “o que se precisa acentuar, sim, é que o acréscimo dos poderes do Juiz ou do seu uso efetivo tem de ser acompanhado do proporcional crescimento de sua responsabilidade e das exigências quanto à sua qualificação. Não há razão alguma para temer os juízes. Há sobradas razões, por certo, para exigir-se do Estado que assegure ao jurisdicionado a melhor qualificação, as mais amplas garantias e os suficientes meios postos à disposição do Judiciário para o bom desempenho do seu mister” (FABRÍCIO, Adroaldo Furtado. As novas necessidades do processo civil e os poderes do juiz. Revista de Direito do Consumidor, n. 7, p. 36, jul./set. 1993). 12 MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes obrigatórios. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. p. 40. 13 TARUFFO, Michele. Precedente e jurisprudência. Revista de Processo, v. 199, ano 36, p. 140, set. 2011. 14 MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Divergência jurisprudencial e Súmula vinculante. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 138. 15 Nesse sentido, tem-se o julgado do Superior Tribunal de Justiça, que asseverou: “[...] 2. O agravante não se insurge contra o conteúdo do julgamento do recurso repetitivo, mas defende a tese de que devem ser modulados os efeitos dele decorrentes, isto é, que a modificação na jurisprudência somente tenha validade para as demandas ajuizadas futuramente. 3. A Primeira Seção do STJ, nos ERESP 738.689/PR (Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJ de 22.10.2007), firmou a orientação de que, ‘salvo nas hipóteses excepcionais previstas no art. 27 da Lei 9.868/99, é incabível ao Judiciário, sob pena de usurpação da atividade legislativa, promover a ‘modulação temporal’ de suas decisões, para o efeito de dar eficácia prospectiva a preceitos normativos reconhecidamente revogados’. (g.n.) 4. Agravo Regimental não provido” (Superior Tribunal de justiça. AgRg no REsp 1.353.699/ CE, Relator Ministro Herman Benjamim, DJe 7.3.2013). 16 CPC Projetado, art. 521, § 1 o: “Na hipótese de alteração da sua jurisprudência dominante, sumulada ou não, ou de seu precedente, os tribunais podem modular os efeitos da decisão que supera o entendimento anterior, limitando sua retroatividade ou lhe atribuindo efeitos prospectivos”. 17 COSSIO, Carlos. El derecho en el derecho judicial. Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 1967. p. 199.

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Incidência de imposto de renda nos juros de mora: conflito entre STJ e TST Mauricio de Figueiredo Corrêa da Veiga de Morais

A

1. Introdução jurisprudência trabalhista firmou posicionamento no sentido de que não há incidência de imposto de renda nos juros de mora decorrentes de pagamento de condenação de verbas trabalhistas, cabendo destacar, inclusive, a edição de verbete sumular discorrendo sobre o assunto. Contudo, a discussão voltou à tona na medida em que recente decisão proferida pela 1a Seção do STJ concluiu que um trabalhador do Rio Grande do Sul deve pagar imposto de renda sobre juros de mora de verbas trabalhistas. O presente artigo visa analisar os fundamentos que levaram o Tribunal Superior do Trabalho a uniformizar a jurisprudência trabalhista, bem como estabelecer os critérios e parâmetros que conduziram à decisão do Superior Tribunal de Justiça e, por fim, iniciar o debate acerca da matéria e como a referida decisão influenciará a jurisprudência trabalhista, pacificada há mais de três anos, por força da Orientação Jurisprudencial no 400 do TST. 2. Fundamento legal para a exclusão dos juros de mora da base de cálculo do imposto de renda A Lei no 10.406/2002 institutiu o novo Código Civil em nosso ordenamento jurídico, e, dentre os dispositivos constantes do referido diploma está o artigo 404 e seu parágrafo único, cuja redação passou a ser mais abrangente e esclarecedora do que aquela contemplada pelos artigos 1.060 e 1.061 do Código Civil de 1916, pois assim estabelece o artigo vigente. Verbis: 60

Advogado

Art. 404. As perdas e danos, nas obrigações de pagamento em dinheiro, serão pagas com atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, abrangendo juros, custas e honorários de advogado, sem prejuízo da pena convencional. Parágrafo único. Provado que os juros da mora não cobrem o prejuízo, e não havendo pena convencional, pode o juiz conceder ao credor indenização suplementar.

Por força da disposição contida no mencionado dispositivo, pode-se concluir que o legislador conferiu natureza indenizatória aos juros de mora incidentes sobre as obrigações de pagamento em dinheiro resultantes do seu inadimplemento. É de se notar que tanto o caput quanto o parágrafo único do art. 404 do Código Civil passaram a distinguir de forma cristalina os juros de mora, o prejuízo sofrido e os lucros cessantes, o que leva à conclusão de que a indenização pelo inadimplemento das obrigações de pagamento em dinheiro é a mais ampla possível, não podendo sofrer redução patrimonial em razão da incidência do imposto de renda sobre o valor dos juros, independentemente da natureza da obrigação principal. Caso esta não fosse a intenção do legislador, não haveria a necessidade de se prever, de forma expressa, a fixação de indenização suplementar para no caso de, não havendo estipulação de cláusula penal, os juros de mora não cobrirem o prejuízo sofrido pelo credor, desde que

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Foto: Arquivo pessoal

houvesse comprovação nesse sentido. Infere-se da previsão legal que a expressão “obrigações de pagamento em dinheiro” alberga as obrigações de pagamento em dinheiro de verbas trabalhistas, tendo em vista a identidade de obrigações oriundas de Direito Civil e as obrigações emanadas do Direito do Trabalho, ainda mais levando-se em conta a natureza alimentar do crédito trabalhista. Dessa forma, o divisor de águas para a fixação desse entendimento foi a entrada em vigor do artigo 404 e do parágrafo único do Código Civil, que alteraram, inclusive, a interpretação restrita dada tanto aos arts. 153, III, e 157, I, da CRFB, quanto aos arts. 16, parágrafo único, da Lei no 4.506/64 e 46, § 1o, I, da Lei no 8.541/92, ou mesmo ao § 3o do art. 43 do Regulamento do Imposto de Renda, corporificado no Decreto no 3.000/99. O caput do artigo 46, § 1o, inciso I da Lei no 8.541/92, estabelece a incidência do imposto de renda nos rendimentos pagos em cumprimento de decisão judicial, os quais não guardam nenhuma similitude com os juros de mora, mesmo diante da norma do § 1o, inciso I, na medida em que, além de a sua exegese não poder prescindir da orientação consagrada no caput do artigo 46, em função do qual sobressai a conclusão de os juros ali referidos ainda assim desfrutarem de natureza eminentemente indenizatória, dela se percebe não ter havido nenhuma distinção entre parcelas de natureza indenizatória ou remuneratória para determinar a incidência dos juros

em relação às parcelas remuneratórias, não sendo por isso admissível que o intérprete introduza tal distinção, segundo regra de hermenêutica de ser vedada a distinção onde a lei não distingue. 3. O entendimento do Tribunal Superior do Trabalho acerca da matéria Na execução da sentença, após apuradas e liquidadas as rubricas devidas ao reclamante, são discriminadas as verbas em que haverá incidência de tributos. Durante algum tempo, permaneceu a dúvida se haveria a incidência de tributos sobre os juros de mora, razão pela qual a questão chegou até o Tribunal Superior do Trabalho, cujas decisões passaram a definir a questão à luz da disposição contida no novo Código Civil, valendo citar a decisão proferida no Incidente de Uniformização de Jurisprudência, no qual a matéria restou pacificada. Verbis: IMPOSTO DE RENDA. INCIDÊNCIA SOBRE OS JUROS DE MORA. DESCABIMENTO. INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 404 E SEU PARÁGRAFO ÚNICO DO CÓDIGO CIVIL DE 2002. I – Extrai-se do artigo 404 e seu parágrafo único do CC de 2002 ter sido conferida natureza estritamente indenizatória aos juros de mora incidentes sobre as obrigações de pagamento em dinheiro, resultantes do seu inadimplemento, na medida em que os elegera como expressão patrimonial integrante da reparação das perdas e danos, por meio de indenização que ordinariamente abrange o prejuízo sofrido e os lucros cessantes.

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II – Em outras palavras, aquele conjunto normativo passou a consagrar nítida distinção entre os juros de mora e o prejuízo sofrido e os lucros cessantes. Isso com o claro objetivo de que a indenização pelo inadimplemento das obrigações de pagamento em dinheiro fosse a mais ampla possível, insuscetível de diminuição patrimonial pela incidência do imposto de renda sobre o valor dos juros, quer esses se reportem à natureza indenizatória ou salarial da obrigação pecuniária descumprida. III – Tanto assim que a norma do parágrafo único do artigo 404 do Código Civil de 2002 prevê, de forma incisiva, o pagamento de indenização suplementar para o caso de, não havendo cláusula penal, os juros de mora comprovadamente não cobrirem o prejuízo sofrido pelo credor. IV – A expressão “obrigações de pagamento em dinheiro”, por sua vez, alcança naturalmente as obrigações de pagamento em dinheiro de verbas trabalhistas, em razão da evidente identidade ontológica entre as obrigações oriundas do Direito Civil e as obrigações provenientes do Direito do Trabalho, tanto mais que, no âmbito das relações de trabalho, o inadimplemento de pagamento em dinheiro das aludidas verbas trabalhistas ganha insuspeitada coloração dramática, por conta do seu conteúdo alimentar. V – Impõe-se por corolário jurídico-social a aplicação do artigo 404 e seu parágrafo primeiro do Código de 2002, a fim de excluir da incidência do imposto de renda os juros de mora que o sejam indiscriminadamente sobre títulos trabalhistas de natureza indenizatória ou salarial, mesmo porque, num ou noutro caso, aqueles títulos desfrutam de reconhecida natureza alimentar, sendo impostergável a conclusão de os juros não se equipararem a rendimentos do trabalho. VI – Com a superveniência do Código Civil de 2002, regulando no art. 404 e seu parágrafo único a natureza desenganadamente indenizatória dos juros de mora, não se coloca mais como pertinente a coeva interpretação dada aos arts. 153, III, e 157, I, da Constituição, tanto quanto aos arts. 16, parágrafo único, da Lei no 4.506/64 e 46, § 1o, I, da Lei no 8.541/92 ou mesmo ao § 3o do art. 43 do Regulamento do Imposto de Renda, corporificado no Decreto no 3.000/99. VII – Nesse sentido de não haver incidência de imposto de renda sobre os juros de mora já se posicionava o STF, conforme se constata da decisão monocrática proferida pelo Ministro Cezar Peluso, no AI-482398/SP, publicada no DJ de 7/6/2006, na qual Sua Excelência deixara assentado que não há incidência de imposto de renda sobre juros moratórios, por não configurarem renda e proventos de qualquer natureza, mas meros componentes indissociáveis do valor total da indenização. Recurso a que se nega provimento. (ROAG-2110/1985.4 – Relator Ministro Barros Levenhagen DJ – 4/9/2009).

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Por fim, em agosto de 2010, foi publicada no Diário Eletrônico da Justiça do Trabalho a Orientação Jurisprudencial no 400 do TST, que assim estabelece, verbis: 400. IMPOSTO DE RENDA. BASE DE CÁLCULO. JUROS DE MORA. NÃO INTEGRAÇÃO. ART. 404 DO CÓDIGO CIVIL BRASILEIRO. (DEJT divulgado em 2, 3 e 4/8/2010) Os juros de mora decorrentes do inadimplemento de obrigação de pagamento em dinheiro não integram a base de cálculo do imposto de renda, independentemente da natureza jurídica da obrigação inadimplida, ante o cunho indenizatório conferido pelo art. 404 do Código Civil de 2002 aos juros de mora.

A referida Orientação Jurisprudencial está em pleno vigor até os dias atuais, e perante a mais alta Corte Trabalhista esta questão não tem despertado maiores discussões. Porém, esse período de bonança está ameaçado em razão de recente decisão proferida pelo Superior Tribunal de Justiça. 4. A decisão proferida pelo STJ O Superior Tribunal de Justiça sempre pautou suas decisões na esteira do entendimento que o TST veio a pacificar em 2010, valendo destacar os seguintes arestos, verbis: TRIBUTÁRIO RECURSO ESPECIAL ART. 43 DO CTN IMPOSTO DE RENDA JUROS MORATÓRIOS CC, ART. 404: NATUREZA JURÍDICA INDENIZATÓRIA. NÃO INCIDÊNCIA. 1. Os valores recebidos pelo contribuinte a título de juros de mora, na vigência do Código Civil de 2002, têm natureza jurídica indenizatória. Nessa condição, portanto, sobre eles não incide imposto de renda, consoante a jurisprudência sedimentada no STJ. 2. Recurso especial improvido. (REsp. no 1.037.452 - SC, Rel. Min. Eliana Calmon, DJ 10/6/2008). TRIBUTÁRIO IMPOSTO DE RENDA SOBRE JUROS MORATÓRIOS VERBAS REMUNERATÓRIAS DECORRENTES DE CONDENAÇÃO EM RECLAMATÓRIA TRABALHISTA. NÃO INCIDÊNCIA. AGRAVO REGIMENTAL. RETRATAÇÃO DE DECISÃO (ART. 557, § 1o, CPC). MUDANÇA DE ORIENTAÇÃO JURISPRUDENCIAL. RECURSO ESPECIAL A QUE SE NEGA SEGUIMENTO (ART. 557, CAPUT, CPC). DECISÃO. [...] Contudo, há que se registrar que a Segunda Turma desta Corte, em assentada ocorrida no dia 20/5/2008 (cinco dias depois da publicação do acórdão citado), mudou a orientação jurisprudencial que então prevalecia para considerar que os valores recebidos pelo contribuinte a título de juros de mora, na vigência do Código Civil de

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2002, têm natureza jurídica indenizatória. Nessa condição, portanto, sobre eles não incide imposto de renda. Veja-se: [...] No julgado suso citado, a Segunda Turma entendeu que o atual Código Civil, no parágrafo único do art. 404, deu aos juros moratórios a conotação de indenização, já que destinados a cobrir prejuízo experimentado pelo credor. Dessa forma, com fulcro no art. 557, §1o do CPC, entendo por bem RETRATARME da decisão proferida às fls. 154/157 para, nos termos do art. 557, caput, do CPC, NEGAR SEGUIMENTO ao recurso especial interposto pela Fazenda Nacional. (AgEg no RESp 1062587, Rel. Min. Campbell Marques, DJ 10/11/2008).

Os Tribunais Federais também proferiam suas decisões nesse mesmo sentido. Verbis: TRIBUTÁRIO – IMPOSTO DE RENDA – INCIDÊNCIA SOBRE DIFERENÇAS SALARIAIS RECEBIDAS ACUMULADAMENTE E SOBRE JUROS DE MORA – INADMISSIBILIDADE – ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA. 1. O imposto de renda não incide sobre os créditos trabalhistas recebidos acumuladamente por força de decisão judicial. 2. Os juros moratórios são, por natureza, verba indenizatória dos prejuízos causados ao credor pelo pagamento extemporâneo de seu crédito. Inteligência do art. 404 do Código Civil (Lei no 10.406, de 10/1/2002). 3. No caso de mora no pagamento de verba trabalhista, que tem notória natureza alimentar, impondo ao credor a privação de bens essenciais de vida, e/ou o endividamento para cumprir seus próprios compromissos, a indenização, através dos juros moratórios, corresponde aos danos emergentes, ou seja, àquilo que o credor perdeu em virtude da mora do devedor. Não há nessa verba qualquer conotação de riqueza nova, a autorizar sua tributação pelo imposto de renda. Indenização não é renda. 4. Provimento antecipatório concedido. (AI no 2005.04.01.012942-8/RS Rel: Des. Federal Dirceu de Almeida Soares. DJ 20/7/2005).

Contudo, conforme notícia veiculada pelo jornal Valor Econômico de 27 de maio de 2013, na sessão de julgamento ocorrida no dia 22 daqueles mês e ano, o STJ alterou profundamente o seu entendimento, pois a 1a Seção daquela Corte retomou um julgamento interrompido em fevereiro de 2011 e decidiu, por maioria de votos, que um trabalhador do Rio Grande do Sul deveria pagar imposto de renda incidente sobre juros de mora de verbas trabalhistas, tendo o Ministro Benedito Gonçalves asseverado que não havia notícia de que as verbas eram decorrentes de despedida. Quando do início do julgamento, no início de 2011, a e. 1a Seção fixou tese e orientou os tribunais de que, nesses casos, não haveria incidência de imposto de renda tendo em vista a natureza indenizatória dos juros de

mora relativos ao atraso no pagamento. Entretanto, após provocação da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN), a Corte teria esclarecido que a isenção alcançaria apenas as verbas trabalhistas de natureza indenizatória decorrentes de condenação judicial. Conforme se pode observar, essa restrição é descabida e está em rota de colisão com a disposição contida no art. 404 do CCB, que não faz qualquer distinção no tocante à natureza da verba. Com todo o respeito que a decisão merece, não há como prevalecer o entendimento do e. STJ na medida em que pouco importa a natureza da verba trabalhista para se afastar a incidência de imposto de renda sobre os juros de mora, pois, ao receber o seu crédito, por força de sentença condenatória da Justiça do Trabalho, os juros de mora não representam acréscimo salarial, mas sim mera recomposição do valor originariamente devido. Com efeito, a recente decisão proferida pelo STJ, além de provocar grave insegurança jurídica, contraria o entendimento pacificado por seus próprios membros há anos atrás, que construíram sólida jurisprudência com base na interpretação do art. 404 do Código Civil brasileiro. 5. Conclusão Diante das considerações acima expostas, apresentamos as seguintes conclusões: a) após a entrada em vigor do Código Civil de 2002, a jurisprudência trabalhista firmou entendimento no sentido de que não havia incidência de imposto de renda sobre juros de mora em razão da disposição contida no art. 404 do CCB; b) o caput e o parágrafo único do artigo 404 do Código Civil consagram nítida distinção entre os juros de mora e o prejuízo sofrido e os lucros cessantes. Isso com o claro objetivo de que a indenização pelo inadimplemento das obrigações de pagamento em pecúnia fosse a mais ampla possível, insuscetível de diminuição patrimonial pela incidência do imposto de renda sobre o valor dos juros, inobstante a natureza indenizatória ou salarial da obrigação pecuniária descumprida; c) a sanha arrecadadora do Fisco fez com que o Superior Tribunal de Justiça alterasse de forma radical a sua jurisprudência, que, após a vigência do Código Civil de 2002, passou a interpretar de forma justa o artigo 404 do referido diploma; d) a decisão do STJ contraria os seus próprios precedentes, além de divergir da jurisprudência pacificada pelo Tribunal Superior do Trabalho; e) caso prevaleça o entendimento manifestado pela 1a Seção do Superior Tribunal de Justiça em 22 de maio de 2013, restará violado o artigo 404 do CCB, e o trabalhador sofrerá diminuição patrimonial em razão da incidência do imposto de renda sobre o valor dos juros decorrentes do pagamento de créditos trabalhistas oriundos das condenações.

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D om Quixote, por Ada Caperuto

Quando o consumidor sai ganhando Projeto do Ministério Público do Rio de Janeiro permite que os cidadãos reivindiquem seus direitos, por meio de um sistema on-line de fácil acesso. Além de divulgar informações sobre decisões judiciais, o site “Consumidor Vencedor” orienta a população e garante o ressarcimento em caso de danos.

T

odo mundo já ouviu uma das clássicas frases: “O cliente sempre tem razão”, “O consumidor é rei” ou “Garantimos o seu dinheiro de volta se não ficar satisfeito”. Mas quantas vezes isso foi realmente colocado em prática? Quantas são as empresas de produtos ou serviços que, em algum momento, faltaram com o compromisso assumido? 64

A lei garante os direitos dos cidadãos, por meio do Código de Defesa do Consumidor (Lei no 8.078/90) – conjunto de normas que regulamenta as relações e responsabilidades entre o fornecedor e o cliente final. A internet também tem ajudado nesse sentido, com sites que são quase um banco de consultas on-line sobre as empresas mais acionadas pelo consumidor. No ar

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Fotos: Divulgação

Christiane de Amorim Cavassa Freire, coordenadora do Centro de Apoio que gere o projeto; a procuradora de Justiça, Heloísa Carpena, idealizadora do projeto; e, Sidney Rosa da Silva Júnior, subcoordenador do Centro de Apoio

desde dezembro do ano passado, o Projeto Consumidor Vencedor, do Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ), une esses dois mecanismos – a garantia legal e a facilidade do acesso on-line – em um único endereço na web: http://consumidorvencedor.mp.rj.gov.br. De acordo com a promotora de Justiça Christiane de Amorim Cavassa Freire, Coordenadora do Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça de Tutela Coletiva de Defesa do Consumidor e Contribuinte, do MPRJ, o “Consumidor Vencedor” consiste em divulgar as decisões judiciais e os termos de ajustamento de conduta que foram obtidos por meio da atuação do MP e asseguram direitos para os consumidores, utilizando uma linguagem simples e acessível a todos, além de incentivar os próprios consumidores a fiscalizarem o cumprimento das decisões e compromissos divulgados, comunicando qualquer irregularidade ao Parquet. “Nosso objetivo principal é contribuir para a efetividade do sistema de ações coletivas, fazendo com que as decisões judiciais e os compromissos de conduta já obtidos se traduzam em benefícios concretos para os consumidores, inclusive no que diz respeito a indenizações e restituições, além de promover uma forma de aproximação entre o MPRJ e os consumidores beneficiários da tutela coletiva”, diz a promotora de Justiça. O Consumidor Vencedor é um sistema extremamente democrático e que também induz ao exercício da cidadania. “Incentivamos a fiscalização pela própria sociedade,

permitindo, no mesmo espaço, os consumidores noticiem ao MP sempre que as obrigações, a que as empresas foram condenadas ou se comprometeram, estiverem sendo descumpridas”, revela Christiane Freire. No link “Vitórias”, o site Consumidor Vencedor disponibiliza ao público o resumo das decisões judiciais definitivas proferidas nas ações propostas pelo MPRJ em benefício dos consumidores, dos termos de ajustamento de conduta nos quais foi prestado pelos fornecedores o compromisso de adequarem suas práticas às normas de proteção consumeristas e das decisões de antecipação de tutela que beneficiam um grande número de consumidores e cujo cumprimento já pode ser exigido. “Oferecemos, ainda, notícias sobre as novas ações propostas pelo MPRJ na defesa do consumidor e ‘dicas’ de direitos para os consumidores do Rio de Janeiro”, acrescenta a promotora. Simplicidade Quando a ideia é democratizar, chamar a população para o exercício da cidadania, é natural que se forme uma massa social composta pelos mais distintos tipos de públicos, do cidadão com ensino básico ao profissional pós-graduado. Por isso mesmo, Christiane Freire atribui uma palavra-chave como definição de todo o sistema: simplicidade – até porque os textos da Lei não são assim de tão fácil compreensão pela grande maioria da população. “Todas as decisões judiciais e os compromissos de conduta são expostos no site em forma de ficha de rápida leitura, na qual há um resumo com os

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direitos reconhecidos, em uma linguagem clara e acessível por todos os consumidores. Além disso, a busca de todas estas informações é facilitada, sendo possível pesquisar por assunto, nos campos próprios, bem como diretamente pelo nome da empresa ou palavra-chave, devendo-se observar que todo o site foi construído para ser atrativo para os internautas e de fácil navegação”, explica ela. Quando o consumidor identificar uma ficha de seu interesse, ele terá duas opções. A primeira é clicar no “botão” verde, para visualizar o inteiro teor da decisão judicial ou do TAC (Termo de Ajustamento de Conduta) correspondente àquela ficha. A outra opção é clicar no “botão” vermelho, para comunicar o descumprimento da decisão ou do compromisso pela empresa, se for este o caso. As “denúncias” de descumprimento são recebidas no próprio site e os consumidores podem anexar arquivos de texto, imagem ou vídeo, os quais serão encaminhados para o Promotor responsável pelo acompanhamento da decisão ou do TAC. O consumidor poderá ainda acompanhar o andamento dado à sua notícia diretamente no site, utilizando o número do protocolo que recebeu no momento da comunicação de descumprimento. O site também identifica as fichas correspondentes a decisões ou TACs que asseguram aos consumidores o recebimento de indenizações ou restituições em dinheiro, utilizando como marcador o símbolo de um cifrão e oferecendo orientações para incentivar o consumidor a habilitar-se em execução. 66

De acordo com Christiane Freire, a próxima etapa do projeto é a criação do Consumidor Vencedor Nacional, integrando ao sistema os Ministérios Públicos de outros estados e o Ministério Público Federal. “Já há tratativas avançadas para essa cooperação, a qual permitirá aos consumidores um amplo acesso a informações sobre os direitos já reconhecidos por meio da atuação do Ministério Público em todo o País”, adianta a promotora de Justiça. Resultados do Consumidor Vencedor* • 36.827 acessos ao site desde o lançamento. • 344 decisões judiciais e termos de ajustamento de conduta já divulgados, todos assegurando direitos aos consumidores. • 316 notícias de descumprimento enviadas aos Promotores de Justiça através do site. • 93% dos usuários muito satisfeitos com o sistema, apontando o serviço do site como Ótimo (76%) ou Bom (17%) na pesquisa de satisfação. • 421 usuários cadastrados para receber a newsletter periódica com as notícias de atualização do site. • 1022 “curtidas” na fanpage do projeto no Facebook (www.facebook.com/ConsumidorVencedor). • Mais de R$ 21,8 milhões: é o somatório do valor das multas já requeridas com base em alertas de descumprimento dados pelos consumidores através do site. * Dados de 4/10/2013

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GONÇALVES COELHO ADVOCACIA

SÃO PAULO

Avenida Brigadeiro Faria Lima, 1478/1201 – Jardim Paulistano – (55) 11 3815 9475 68

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Justiça & Cidadania | Outubro 2013


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